3ª. Redondilha
Recolho o
que todos nós
Escolha aleatoriamente
um número entre 239 e 357 inclusive.
Descubra o poema
correspondente como mensagem particular para o seu dia de hoje.
239
3ª. Redondilha
Recolho o que todos nós
Somos no fundo
mais fundo,
Aqui donde nasce
o mundo:
O amor que nos
ata os nós,
O amor que nos
deu a voz,
Com que em
vergéis me fecundo
Do vale até o
mais profundo
Dos mais remotos
avós.
Amor de tudo o
que houver:
Que onde lhe
brilham os brilhos
Das pedras lavra
uma leira.
Amor de homem e
mulher,
Amor entre pais
e filhos,
A família é a
terra inteira.
240
241
Gata
Homem
Minha gata
borralheira
Faz hoje anos que nasceste
Que ninguém vê
Cinderela,
Fadado ao sol e à lua.
Sou teu Príncipe
Encantado
Da chuva o inverno bebeste
Neste teu gato à
lareira
Mais as pedradas da rua.
Que na chama vê uma
estrela
Do ardor dos ventos do leste
Que em nós vive esse outro
lado.
Sofreste a violência crua.
Este canto por ti
vela,
Quanto a vida foi agreste
Já que, fada, és o meu
fado.
Agrediste, espada nua.
A ti é que me
dedico
Foste amigo e amaste quantos
Ao dedicar-te este
livro
Da vida se apaixonaram,
E muito além de mim
fico,
Enxugaste, atento, os prantos
Já que assim de mim me
livro.
Das vidas que se adiaram.
Só que ao dar-me a ti, no
fim,
Por serem teus cantos tantos
Me vim dar inteiro a
mim.
Sempre de amor te mataram.
65
242
243
Te
amar-me
Brincar
Eu me sonho em
ti,
Porque amar é brincadeira
Num gesto
adivinho:
Caio sempre num engano,
Sempre te
vivi
Brinco logo co'a primeira
Quando me
acarinho.
Com que por dentro me irmano.
Erótico
vinho
É brincar de mim à beira
Fermentando em
si,
Até que me desengano.
Foi assim
sozinho
Busco então a derradeira
Que te
construí.
Em toda a roda do ano.
Primeiro na
imagem
Brinco em imaginação
Que o desejo
anima,
Até ver que em todo o mundo
Depois na
viagem
Ninguém o desejo cobre.
Pela vida
acima.
Procuro-te assim em vão.
- Solidão de
ti,
Onde enfim eu te fecundo
Foi lá que te
vi.
É quando o sonho me dobre.
244
245
Sonhador
Além
Entre o jovem
sonhador
Quando vou romper além
E o seu sonho de
mulher
A rotina de cotio,
Vai haver o grande
amor
No passeio até mim vêm
Que a vida lhe
desfizer.
As fadas ao desafio.
Quando lhe apaga o
fulgor
A feiticeira que tem
Da ilusão que ele
tiver
Flores em braçados viu
A vida atinge
valor:
Uma Vénus que lhe vem
O valor de
acontecer.
Moldar do riso o feitio.
Torna-se então o
senhor
E são tantas na alameda
Do itinerário, p'ra
ser
'Spalhando o sol da manhã
Este súbito
fragor,
Em donairosos trejeitos
Derrocada do
prazer
Que são meu trigal em meda
Que dos factos ao
rigor
Na colheita temporã
Obriga a vida a
viver.
Que meus dias põe direitos.
66
246
247
Diferentes
Mar
Vós sois sempre
diferentes,
Um desejo de levar
Raparigas que
passais
A vida de toda a gente
E em nós sempre são
iguais
Desperta em mim: sou o mar
Frémitos
irreverentes.
Original novamente!
À nossa espera
lançais
Novamente em mim se sente
Trejeitos
indiferentes
O imenso amor pulular
Onde sempre andam
presentes
Que amiba a amiba consente
Os apelos e os
sinais.
A toda a vida em chegar.
Como poder
conhecer-vos
Amo esta, aquela, aqueloutra,
No fluir
interminável
A todo o mundo e a ninguém:
Onde o mesmo é sempre
inverso?
Chego a um beco sem saída.
E, desta inconstância
servos,
A rota tem de ser outra:
Descobrimos o
admirável
Um único amor convém
De ir nascer em vosso
berço.
Tal que empenhe toda a vida.
248
249
Coleccionar
Pinho
Tu coleccionas mulheres
Ai, copas do verde pinho
Como selos do
correio:
Debruçadas sobre as maias!
Por raridades as
queres
Ai, amor, quanto carinho
E vai-las folheando, alheio.
Quando em mim tu me desmaias!
Uma é a praia, outra, o
recreio,
O amarelo na verdura
São os mundos que
colheres
Das maias abrindo em flor,
Revividos neste
emmeio
Ai, amor, quanta fartura
Dos encontros que
tiveres.
De ternura neste amor!
Mas tais ecos vão
morrendo
O chilreio dos pardais
Na chateza do
cotio
Nos ninhos das alpendradas
E com isto
desnorteias.
Sombreando as soalheiras,
Do transitório,
tremendo
De amor quantas formas mais
É que se lhe esgota o
fio,
Enchem as vidas
paradas,
Ficas aranha sem
teias.
Quanto as tornam verdadeiras!
67
250
251
Casar
Perdido
Não me vou casar
contigo
Por que é que será que quando
Que me estrago as
iguarias,
Vi que te perdia a ti
O sabor das
fantasias
Vi-me tão me esvaziando
E o prazer que em ti
consigo.
Que a mim é que me perdi?
E o silêncio meu
amigo
E como é que te encontrando
Em tuas falas
matarias.
Sempre além de quanto sei,
E comigo repartias
Não sei como nem sei quando
Todo o meu privado
abrigo.
A mim é que me encontrei?
Não vou contigo
casar,
Mas que encontro é este encontro
Mas pesa tanto esta
ausência,
Desencontrado em si mesmo
Tanto me falta teu
ar
Que de mim me desencontro
Que morro de
solidão:
Se em mim é que me ensimesmo?
De teus passos à
cadência
Como é que me encontro em ti
Pulsa, enfim, meu
coração.
Se em ti é que me perdi?
252
253
Vida ou
Morte
Os Novos
É questão de vida ou
morte
O amor entre os novos
Que haja amor na
humanidade,
É coisa bonita:
Mas amor que à vida exorte
Desata-se a fita,
Tem da morte a
identidade.
Soltam-se os renovos
São heróis,
libertadores,
E todo ele grita
Foram sábios,
eremitas,
E germina os ovos
Todos, em parto de
dores,
De que nascem povos
Que no rio, em
palafitas,
P'ra uma nova dita.
Nos livraram das
cavernas,
O amor põe-me a rir,
Nos afugentaram
feras,
Fresco, na manhã
Lançando-nos às
eternas
Que em mim faz surgir.
Aventuras das
esferas,
Jogo fora a lã
- São, por estas prendas
ternas,
Da velhice vã
Mortos em todas as
eras!
E abro-me ao porvir.
68
254
255
Bruxas
Amo
No reino das
bruxas
Quanto gostas que eu te diga
Procuro a
magia,
Quanto te amo quando te amo!
Pois tu me
debuxas
E o que em mim briga esta intriga
Uma bruxaria.
De ao amar-te ser teu amo.
Sempre que te
via
Nós ambos somos a biga
Logo tu me
embruxas:
Que,no bosque, atrás do gamo
Pobre,
sonharia
Perseguimos, figa a figa,
Quanto em mim tu
luxas?
O destino. E a sorte dá-mo
Numa
fantasia,
Dando-te a mim toda inteira,
Bela
feiticeira,
Porque inteira em corpo e sonho
Eu me
descobria
És dia a dia uma obreira
De teu sonho à
beira
Do porvir que te proponho.
E de ti
bebia
Amo o amanhã, mensageira
Minha vida
inteira.
Que mo dás no que em ti ponho.
256
257
Amar
Confissão
Nos incêndios da
emoção,
Por que é difícil confessar-te,amor,
Como, amor, poder falar-te? Quando
me vives e confessas puro?
O cantar do
coração
Por que, onde sou mais, se levanta o muro
Um do outro é sermos
parte.
Que me estrangula a voz num estupor?
É de mim que de ti
falo
Por que é tão fácil confessar-te amor,
Quando te falo de
amor.
Se de amor fácil confissão impura?
E de silêncio me
calo
Como é que da mentira o véu depura
Quando é fala em mim
maior.
As tuas ilusões sem se te opor?
Nas solidões da
palavra
Como dizer-te, amor, como falar-te?
Grito amor por cada
prega,
Como em palavras ser, se o sou a amar-te,
Ara-me o corpo o
sentido.
Amor que vivo, amor que és, querida?
O sentimento me
lavra:
No mutismo nos vem falando a vida
- O inefável te me
entrega
Quando à raiz descemos e fiéis
Todo inteiro num gemido.
Do mistério nos tecem os anéis.
69
258
259
Companhia
Traidor
Como estar em
companhia
É um traidor aquele que ama
Para além do mero
estar? Porque ele ama o que traiu:
Como acompanhar o
dia,
Tanto trai que até na cama
Se o dia não
despontar?
Ama o sonho que perdeu.
Ser uma luz que
alumia...
Deste sonho é tal a trama
Como nos
alumiar?
Que ama quem o enalteceu:
Entre mim e ti vigia
Tanto lhe enaltece a fama
Sempre um muro a
separar.
Que o torna porta do céu.
Tão juntos e tão
distantes,
E este pórtico perdido
De mãos dadas sobre o
abismo,
Que o dia a dia constata,
Amamo-nos por
instantes.
'Streiteza de amor ferido,
Depois, perdido no
mar
Ao invés torna querido
Solitário de mim, cismo:
Quanto o amor ata e desata:
- Estar junto é apenas 'star!
- Todo o amor é amor traído!
260
261
Amor
Sorte
Como o amor é
louco!
Sorte de mulher
Quer teu corpo,
quer.
É a barra da saia:
Tua alma ainda é pouco,
Mesmo que lhe caia
Teu tempo,
mulher,
Não deita a perder.
Vem
comprometer.
Vem-lhe promover
A protestos
mouco,
A figura gaia.
Irá subverter,
Amores, amai-a,
No murmúrio
rouco
Que amareis o ser:
Da ternura
breve,
É festa primeiro,
Teu sonho e tua
vida.
É promessa infinda
Quando tudo
teve
Do que só suponho;
Repousa da
lida:
É, por derradeiro,
- Com um jeito
leve Toda
a História advinda,
Larga-te esquecida!
O
abismo além-sonho.
70
262
263
Ver-t
Mulher
Olho-te mas não te
vejo
Mãe, mulher e minha amante,
Porque te vejo quando
olho
A mim, o pobre sem hora,
Não no que de ti
recolho
Vestes-me de diamante,
Mas no que em ti mais
desejo.
Tecendo a fímbria da aurora.
Pois não vou perder o
ensejo
Tua crença comemora
De depurar o que
colho;
Este anão que vês gigante:
De saborear o
molho
Tua mão me condecora
Da fome com que te
beijo,
Cada passo dado adiante.
Frágil ilusão de
azul
Mulher do prazer sonhado,
Branquejando a vida
escura,
Secreto íntimo de mim,
Voo de élitros
cortados...
Mãe da vida que me excede,
Mas por trás do véu de
tule
Em ti me livro do fado,
O que afinal se
afigura
Amante: princípio e fim,
É a face vera dos
dados.
- E o infinito sucede!
264
265
Onde
Neve
Onde está a
mulher
Cai a neve e chega o sonho
Com quem me
casei?
Porque é meu sonho a nevar.
Já não és
sequer
Na paisagem não o ponho,
Aquela que
amei...
Neva cá dentro em meu lar.
Como vou
saber
Todo o ano é um sol risonho
A quem
amarei
Que respiro em nosso ar
Se vais ser
qualquer
E no inverno é que proponho
Gerando outra
grei?
P'ra connosco vir morar.
Tu és e não
és:
Falo contigo à lareira,
Sonho em ti,
leveiro,
Contamos contos antigos
Quando atas meus
pés
No magusto das castanhas.
E em tuas
galés
É neste estarmos à beira
Corro o mundo
inteiro
Que a neve, esquecendo os p'rigos,
Preso em teu
convés.
Cria quenturas tamanhas.
71
266
267
Inverno
Mulheres
Ouço, ao borralho da
cama,
Se por causa das mulheres
Tombar granizo lá
fora,
Perderam-se até nações,
Na quentura de quem
ama
Que admira se ali perderes
Vem-me embalando hora a
hora,
Cabedais mais ilusões?
Quando a ventania
brama,
Vai a pique a santidade
O seu canto
comemora
Se uma coxa se desnuda
Toda aquela ancestral
trama
Com aquela habilidade
Que em contos de fadas
mora.
Com que a mulher se nos gruda.
Cerro os olhos e me
hiberno
Por maior que seja o tino
No marulhar da
invernia,
Ou mais ético o costume,
Vogo em páramos de
eterno.
Tudo cai no desatino
E é no embalo deste inverno
Quando nos acende o lume.
Que o mistério
principia:
É, afinal, nosso destino:
- Mundo é um útero
materno!
- E a mulher nos leva ao cume!
268
269
Costela
Liberdade
Duma costela de
Adão
Vou casar co'a liberdade
Criou a Bíblia a
mulher.
Numa cama de veludo.
Nós criamo-la do
pão
Quando acordar, tenho a idade
Que a nossa boca lhe
der.
De já ter vivido tudo.
Se é veneno que lhe
dão,
Entre lençóis de cetim
Que se espera
acontecer
Amarei a liberdade.
Senão esta
solidão
Entre o principio e o fim
Do mundo inteiro a
morrer?
Serei sempre virgindade.
Se a História jaz
exaurida,
Por isso, nesta caverna,
Urgente é que
destinemos
Serei colector do sonho
À mulher poder
divino.
Onde etérea a luz hiberna.
Com ela entrámos na
vida,
Deus treparei ao Calvário
Com ela
pereceremos:
Do mundo porque te ponho
- Ela é a marca do
destino.
Aos pés meu destino vário.
72
270
271
Sansão
Mundo
Os cabelos de
Sansão
O mundo inteiro é uma cama
São teus cabelos,
morena,
Do tamanho do meu sexo.
Pois meus é que eles não
são,
Nela todo o mundo se ama
Que em teus mora minha
pena.
Em hora e dia sem nexo.
E a força que eles me
dão
E é por ser assim complexo
Em ti é que ela se
ordena,
Que o amor se não derrama
Que os meus apenas
serão
Em quem o cultive anexo
Sombra do que me
encadena.
Da moeda ao ideograma.
Neles sopram
vendavais
Da prostituta ao magnata,
E a força da vida é
tanta
Nesta cama planetária,
Que quando vos
conjugais
Nem com oiro nem com prata
Eles e tu só me
espanta
Se lhe compra a sorte vária:
Como é que me não
matais
Vida em que amor se desata
Com tanto quanto me
encanta.
É gratuita e imaginária!
272
273
Ausência
Contradição
Eu tenho saudades
tuas
Meu amor cresce na ordem
Mesmo deitado a teu
lado,
Directa do afastamento
Saudades das tuas
ruas
Que na ausência faz que acordem
Que não corro
inebriado.
Os gritos do sentimento.
Quando essas mãos que são
cruas
Que na conquista concordem
Me não deixam
incendiado,
Os sonhos em movimento,
Tenho ânsia das tuas
puas
Ao invés, traz a desordem
Que em mim ferem o
soldado.
Da presença o fruimento.
Foi talvez uma
palavra
De mim longe, é uma saudade
Que estragou a
sementeira,
Que te arrebata às estrelas
Um gesto que por mim
lavra
E me joga em frenesim.
Mas que se enganou na
leira...
A meu lado, o que me invade
- E a tua ausência
escalavra
É a desilusão que velas.
Hoje a minha vida inteira!
Amor, que vai ser de mim?
73
274
275
Abraços
Cinderela
Uma vez em nossos
braços,
Minha mulher cinderela,
Elas não são o que foram,
Fada até à meia-noite,
Que na prisão dos
abraços Toda
a fulgurar de bela
Nossos sonhos já não
moram.
Em busca de onde pernoite,
À distância eu vejo os
traços
Quando a um coração se acoite
Da beleza que
namoram;
Perde o sapato de estrela,
Rendidos, tornam-se
escassos
Vai-se-lhe o rasto à sonoite,
E os defeitos não se
ignoram.
Fica o sonho de revê-la.
E, embora sempre assim
seja, É
uma gata borralheira
Logo depois desta
queda
Envergonhada e servil,
Retomo a ilusão da
esp'rança
Suja de tanta canseira.
E, quando de novo eu
veja
Quão difícil e subtil
Os sinais duma
almoeda,
É a revelação final
O sonho em frente me
lança. Do sapato de cristal!
276
277
Dia
Mãos
O dia em que te não
vi
Como tu, mulher, me queimas
Meu coração meteu
dó,
No vácuo da minha mão,
O dia foi dia em
si,
Como em tua ausência estão
Só meu coração é
pó.
As marcas com que em mim teimas!
Quando assim me encontro
só
Como em meus passos as freimas
Logo me enoitece
aqui,
Que os levam sempre onde vão
Remoi-me ao peito uma
mó
Levam a mesma razão:
Se deito o leito sem
ti.
As razões que deste, dei-mas!
Não moi farinha, não
moi
Meus olhos que já te viram
Esta mó que moi em
mim,
Junto a ti já te não vêem
Mas uma dor que me
doi
E, longe, nem se recordam?
Tão sem jeito, tão sem
fim,
Minhas mãos que te sentiram
Que mesmo a morte me
foi
É que dentro em mim retêm
P'ra mim fim melhor
assim.
Quanto em mim de ti acordam.
74
278
279
Sofrimento
Razão
O sofrimento no
amor
Sonhei-te diante
Se por uns instantes
cessa,
Do amor algum dia
É que depois do
sol-pôr
E te descobria
Sempre outra manhã
começa.
Presente e distante.
Mas do ciúme o
furor,
Sonhei-me perante
Se na vida se
atravessa,
Ti própria e me via,
Toda a vida torna em
dor,
Numa fantasia,
Já de amor se não
confessa.
Teu amor amante.
Sofremos por dar a
morte,
Vago o coração
Mais sofremos porque
então
'Stou sem nada ter.
Outrem ressuscite a
chama.
Não basta a ilusão
Suspeitamos de que a corte
Prò sonho valer,
Vivida outrora é
ilusão
Que ser, prà razão,
E, se é amor, já se não
ama.
É a razão de ser.
280
281
Fadista
Herói
O meu amor é
fadista
"O filme tinha um herói.
E usa uma faca na
liga.
Por que não vires a ser
Quando canta, anda à
conquista;
O herói do filme que foi
Se chora, é que deu em
briga.
Quem me fez tanto viver?"
Se desafina, é a
revista
Assim é que alguém destrói,
Que, afinal, a tanto
obriga.
Quando o melhor pretender,
Desarmada, deixa a
pista
Nesta humilhação que moi
De até onde quer que a
siga.
Um amor que fez crescer.
Cantas, trocista, o meu
fado
Quando se busca a valer,
Nos silêncios de teu
gesto.
Na inextricável floresta,
Ainda te fico
obrigado.
Enfeitar virente ramo,
Perdido e só, te
requesto
É neste jeito esmoler
E, sendo o teu mal
amado,
Que a subtileza se testa:
Nem p'ra vítima te
presto.
- "És o herói que tanto eu amo!"
75
282
283
Parentesco
Ela
Um estranho
parentesco
Ela tinha num olhar
Interliga amor e
morte:
Um tão natural requebro...
Nenhum festim
principesco
...De repente é todo o mar
Torna alguém, no fim, mais
forte...
Que por dentro de mim quebro!
Sonham, casados de
fresco.
Das pálpebras no dossel
A vida é a vera
consorte
Se desmaia langorosa...
E a ternura é-lhes
refresco
E os cavalos em tropel
Neste deserto sem
norte.
Desmandam-se em polvorosa
Mas, ao lado, o
cemitério
Acalcanhando meu peito!
Espreita o menor
deslize.
Os olhos assim quebrados
Mal se precatam, os
pombos,
São lava que queima a eito
Deslumbrados de
mistério,
Em meus sonhos abrasados.
Sem que a ventura os
avise,
Liberto, estou-te sujeito
Voam já na vida aos
tombos:
E é morto que grito aos brados!
Da mesquinhez sob o império
Esvai-se o que o sonho vise
E os dias só lhe abrem rombos.
284
285
Curvas
Querida
Na vida os
caminhos Ai,
querida minha,
São todos às
curvas.
A dor que me custas!
Isto aos
adivinhos
Quando se avizinha,
Torna as vistas turvas.
Quanto são injustas,
Por isso teus
ninhos,
Deste amor a vinha
Branda, tu me
encurvas,
E suas mortais justas.
Arma-los de linhos,
Ninguém te adivinha
De tão branca
turvas!
O preço que ajustas.
Curvo é o
horizonte
Porém, vale a pena
E a vida,
tortuosa.
Pela vida acima
És entre eles
ponte,
Trepar com furor
Ágil,
harmoniosa, Que
o que nos condena
Fazes que os
desponte
É sempre esta rima
Em meu verso e
prosa.
Entre dor e amor.
76
286
287
Natural
Desejo
Ser humano é
natural,
Quando te desejo, minto,
Sua
naturalidade
Que não quero confessar-to.
É que é uma briga
mortal
Quanto mais minto mais sinto
Que não tem tempo ou
idade.
Como de mentir me farto.
É o vírus
patriarcal
É que ao mentir me reparto
Que homem e mulher
invade,
Entre o que quero e consinto,
Do amor lhes torce o
sinal,
Torturo-me com o esparto
Cada qual sua
verdade.
Do não ao sonho que pinto.
Defesa sobre defesa,
Paralela ao meu desejo
Negaceando o amor,
erguemos,
Corre a fala entre nós dois
Cavando-nos
solidões,
Sem nunca significar-me.
Quando do amor a
inteireza
E jamais encontro o beijo
É que inermes
entreguemos
Que, p'la vida além, depois
A cidade e os
corações.
De meu duplo me desarme.
288
289
Possuir
Distante
Possuir uma
mulher
P'ra evocar-me o encantamento
É saborear a
carne
Tens de ser quase distante:
Quando o prazer que
colher
'Sperar-te um pouco é o fermento
For o que o momento
incarne.
Que te torna interessante.
Mas já não tem de assim
ser
Ao aguardar reinvento
Se o corpo lhe não
descarne
Tudo aquilo que me encante
Do poema que
trouxer
E que vai ser meu sustento
E nele inteiro
evolar-me.
Quando te encontro adiante.
É que então eu vou à
lua,
Então és mar de verão,
Possuo mil duma
vez
Minha praia adormecida,
Sem sair da minha
rua.
Lenda encantada ao serão...
E o mais raro do
entremez
E a ternura revivida
É a aventura ser tão
tua
São elos que vencerão
Que eu passo a ser quem tu
és.
As distâncias duma vida.
77
290
291
Longe
Mistério
Entre o longe e a
distância
Antes que um beijo te dê
Mora o meu amor dum
dia.
Vou encher-te do mistério
Ah! Se eu pudera, minha
ânsia
Que antes de chegar ao pé
Do longe perto faria!
De ti num manto sidério
Tão longe que perto a
via,
Te envolvia, como aéreo
Que lhe sentia a
fragrância
Anjo do mundo da fé
E a distância entontecia...
Que do além trazes o império
Meu sonho, meu sonho,
alcance-a!
Duma luz que diz quem é.
Pouso o braço nos teus
ombros,
Descoberta a madrugada
Beijo-te o teu corpo
inteiro
Das ragiões donde vens
Mas depois restam-me
escombros...
Nas seduções da paisagem,
Amor dum dia e
perdura:
Ao beijar-te é celebrada
- Aqui estou, pobre e
leveiro,
Sacral comunhão nos bens
Longe e perto da
ternura.
Que nos trazes da viagem.
292
293
Horas
À volta
Dantes eu amava as
horas
À minha volta se estende
Que roubávamos p'ra
nós.
A trama da imensidão
Agora são as
demoras
E dentre ela a escuridão
Que demora estarmos
sós.
Que jamais a mim se rende.
Jamais te darei
emboras,
E ninguém compra nem vende
Fico preso em teus
bandós,
Estrelas que acenderão
Que nas curvas deles
moras,
Luzes de compreensão
São de encantar os teus
nós.
Do mistério que me prende.
As horas são nosso
templo,
Que da minha vida à tua,
De joelhos nos
minutos
Fundidas e tão distantes,
Comungamos nosso
fito.
Por mais que se alargue a luz,
E quanto mais te
contemplo
Sempre a penumbra flutua
Mais descubro em ti os
frutos
Além da fronteira de antes
Que em nós semeia o
infinito.
E a incógnita me seduz.
78
294
295
Dia dos
Namorados
Casa de Passe
Para a minha namorada
Entrar na casa de passe
Eu trago uma flor
silvestre,
É perder a melhor dita
É a memória da
jornada,
Que o que importa a um bom enlace
Curso da vida sem mestre.
É perseguir o que fita.
Para o amor da minha
vida
Por isso é que uma mulher
Eu trago o sol de
Janeiro.
Desperta todo um romance
Com o sabor da
partida,
Se dela ouvimos dizer
Tem das veredas o
cheiro.
Que é princesa ao nosso alcance.
No dia dos
namorados
Pois por trás de seu olhar
Lanço flores nos caminhos,
O que o desejo desvenda
Não tas dou nem tas
recebo.
É todo um mistério ignoto.
Dançam pelos nossos
prados
Mas é em vão que neste mar
Inventando
passarinhos,
O amante iluso pretenda
- É o mundo que em ti
concebo!
Descobrir a flor de loto.
296
297
Mentiroso
Explica
Se um assassino
confesso
Um amor nunca se explica,
Tarde ou cedo é
apanhado,
Ou se vive ou se não vive,
Do mentiroso
professo
Ainda por cima complica
Que quanto mais for
amado
Quanto com ele se avive.
Mais o fim lhe fica
adiado.
Cura de amor não se aplica
Do amor o tamanho
meço
Ao que com o amor revive:
Por quanto ele,
encegueirado,
Ódio velho aqui triplica
Foge da mentira ao
preço.
Ciúmes com que convive.
É que a mentira
evidente
Como explicar poderia
Dista tanto do
amoroso
O que tão fundo me agarra
Que por seu olhar
candente
Que diz mais que de mim sei?
Perpassa, vago e
ominoso
Quando um amor principia
Fumo em que nada
pressente:
Soltamos do tempo a amarra,
- Só de amor arde com
gozo.
Ficamos fora da lei.
79
298
299
Beleza
Corpo
Esse teu mar de beleza
Tem teu corpo um voo de ave
Estanca-o tu, senão
seca.
E eu não contenho teu voo.
Se lhe rompes a
represa,
É de eterno ignota chave
A fruta nasce-te
peca.
Que aflora por onde vou.
Beleza não pode
ter
Juventude eterna é a clave
Muitos campos em
redor,
Em que tocas no que sou
Senão, regando-os, vai ser
Mas por mais que fundo cave
Mero volátil
vapor.
A eternidade escapou.
Para uma fértil
colheita,
Tens um jeito gracioso,
O teu campo de cultivo
Mas algo em nós cria entrave,
É aquele imenso
terreno
Jamais capto a pura graça.
Que por nós fora
aproveita
Meu destino que não gozo
O tamanho por que vivo
Me torna meu peso grave
Que p'ra ser grande é
pequeno.
E assim mais de ti me espaça.
300
301
Riso
Humor
O riso é uma
pulsação
Se casar é assunto sério,
A vibrar em nosso
lar:
Também um pouco de humor
Rir é nosso coração
Pode aumentar-lhe o mistério
Dentro de casa a
pulsar.
Das aventuras do amor.
É de amor a
combustão
Ao rirmos se quebra o império
Repartida par a par,
Das freimas e do furor
A luz da
fulguração
E o dia a dia então fere-o
Que somos a
irradiar.
Duma risada o estentor.
No riso tenho meu
guia
Quantos casais que se esquecem
Que nos liga longe e
fundo
Do calor das gargalhadas,
E, ao prender-nos, nos
liberta.
De quanto nelas se espelha!
Da atribulação
desvia,
E assim é que não merecem
Que a desgraça que há no
mundo
Ir além das bofetadas,
Deixa de graça
coberta.
Que seu lar não tem centelha.
80
302 303
Marca
Jamais
Trago as marcas da
farinha
Eu disse "amo-te" uma vez,
Com que tu me
enfarinhaste,
Jamais o disse a ninguém
Do carvão trago o contraste
Que me calou a mudez
Da carvoaria que é
minha.
Da imensidão dum além.
Branco e preto, é
comezinha
Mas a minha pequenez
A talha com que
entalhaste
Ignora as vezes que tem
Em minha vida este
engaste,
Repetido o que ali fez
P'ra quem de mim se
avizinha.
Na cegueira de tal bem.
Como disfarçar os
traços
Mas não minto quando afirmo
Que de ti trago prò
mundo
Que jamais o repetira:
E que são mais eu que eu
mesmo?
É que abole tudo o mais
Sorrio e são teus
pedaços
Quando de novo o confirmo.
De alegria que no
fundo
Que, se em ti só a ti te vira,
Semeio p'lo mundo a
esmo.
Nem to disse a ti jamais.
304
305
Cores
Estação
Alguém inventou as
flores
Toda a vida é uma estação
Porque tu vinhas
aí,
Com pessoas e bagagens
Elas floriram as
cores,
Pelo cais em confusão,
Moram todas hoje em
ti.
Sonhando novas viagens.
Ao tua mão em mim
pores,
Ali vou minha ração
Todo o sol que brilha
ali
De sonho doutras paisagens
Gera mais do que
estupores
Recolher e ter à mão
Do arco-íris que
nasci.
Pronta aqui nestas paragens.
É que, se há cor na
paisagem,
Esperamos o comboio,
Se se enrama nos
jardins,
Sentados pelos recantos,
Ela ainda te não
traduz.
Desde o princípio das eras.
Ao compor a tua
imagem,
E ele não vem sem o apoio
Brotou lá de teus
confins
Que me estendem teus encantos
Todo o palpitar da
luz.
A chamar-me das esferas.
81
306
307
Palavras
Regra
Quanto mais no verbo te
alças,
Comungo contigo a fala
Mais suspeito é o
pensamento:
Que em comum sacramentámos,
Palavras, moedas
falsas;
Tão no íntimo nos cala,
O que importa é o
sentimento.
Tanto cria quanto amamos.
Mas, se à mulher tu
exalças
Na tessitura mais rala
Com palavras a contento,
Do encontro com nossos amos
Nem lhe importa o que
realças,
Na fala abrimos a sala
Dá-lhe o verbo
linimento.
Onde ao fim nos encontramos.
Se verdadeiro é o
efeito
E por ela enfim libertos
Duma causa
mentirosa,
Juntos seguimos a regra
Da palavra o que
aproveito,
Que era inviável sozinhos.
Seja poesia ou
prosa,
Combinados os acertos,
Tanto é quanto nela
deito
A fala é o que nos integra
Quanto o que dela se
goza.
Bem juntos em nossos ninhos.
308
309
Voz
Maresia
Porque eu de facto
desperto
Um cheirinho a maresia,
Sou uma voz no
deserto.
Um suave gesto das ondas
No incerto do tempo
incerto
No teu peito encontraria
Sou também voz do
decerto.
No recanto onde me escondas.
E porque jamais
deserto
E antes que me respondas
Sou a voz de quanto é
certo.
Qualquer questão calaria,
Porque espero sempre
aberto
Já que terna por mim sondas
Sou a voz de quem é
esperto
Os jardins da fantasia.
E um dia ver-me-ei
coberto
Tanto mar nesses teus dedos,
Das férteis várzeas do
experto.
Tanto afago, tanta espuma,
Do eco de mim tão
perto,
Contenção de tantos medos,
-Eu acero, desacerto...
-
Tanto sol na areia, em suma!
Preciso de teu
concerto:
És tantas sendo só uma
-É por ti que a mim me
alerto!
Que meus amo até os degredos.
82
310
311
Quotidiano
Reencontro
Esta vida
quotidiana
Deixei-a há muito, deixei-a...
Apaga os sonhos dum
dia
Como me vai acolher?
E o amanhã
principia
Que mudada a minha aldeia!
Onde o sonho a luz
dimana.
- Olha ali, é uma mulher.
Mas sempre o dia se
engana,
Velha, não está mais feia.
Que desperta a
fantasia
Vim do inferno p'ra viver
Pelo toque da
magia
Mas ainda temo a teia
Que de teu porte se
emana.
Em que ela me irá prender.
Descubro que és obra de
arte,
Mas eis que se abre uma porta,
Voas no som e na
tela
Sai uma jovem co'o leite
Eo romance é o teu
desvelo.
A acordar a madrugada.
Vem o cotio
apagar-te?
Já nenhum medo me importa:
- No trilo da
filomela
- Do eterno dou-me ao deleite,
Ouço em ti quanto há de
belo.
Mulher terra desejada!
312
313
Inteiro
Reciprocidade
Em seus olhos a
beleza Pela
reciprocidade
Era o coração
inteiro
Nós vamos sendo o que somos,
A amar com a
singeleza
Encontro-me em liberdade
Dum amor que é amor
primeiro.
Contigo e ambos dispomos
É um amor que ainda é
certeza,
Um do outro em igualdade.
Ele todo ainda
leveiro,
Eu e tu somos os tomos
Não esta água na
represa
Em que lemos a verdade,
Com medo de dar
lameiro.
O sabor de quanto fomos.
Um amor que é
cauteloso
Sou consciente de ti,
Receia ser
magoado;
Tu de mim és consciente
Ora, o amor que nos dá
gozo
E ambos desta relação.
Sem reservas é
gozado:
Plenitudes que vivi
Mais amar é
doloroso,
São as que em ti te consente
Mais o amor é alegre
fado!
O que sou do que elas são.
83
314
315
Lógica
Famílias
Pode a família
impedir
Mais instáveis e dispersas
Cada qual de se
apreender
Do que antigamente o foram,
Se este,
atacando-a,sentir
As famílias são diversas,
Que é perder seu próprio
ser.
As uniões não demoram.
A morte própria, a seu
ver,
Sem tema para conversas,
É o mundo inteiro a
explodir:
Sem tempo onde nunca moram
Sacrifica ter e
haver
Quebram-se em trilhas adversas
P'ra evitar este
eclodir.
Onde os risos ao fim choram.
Tal é a lógica do
amor,
Entre seus membros hostis,
Porém, que pode
odiá-la,
Eis que um ódio ali se instala
À família que
estremece.
Durante anos, subreptício.
O que em causa então vai
pôr
Pelos motivos mais vis
É que lhe urge
liquidá-la,
Que ferem como uma bala
Senão nada permanece.
Já do amor não há resquício.
316
317
Família
Familiar
Da família é uma
função
Quando nasce uma criança,
Recalcar o
erotismo.
A história familiar
Assegura em
negação,
Há muito que não descansa,
Nega a morte com
cinismo,
Já percorreu terra e mar.
A vida evitando em
vão;
Criança é um elo que alcança
Foge ao
transcendentalismo
Na corrente se enlaçar
Crendo em Deus por solução:
Que longe entretece a dança
Do vazio foge ao
abismo.
Por todo o tempo e lugar.
Torna
unidimensional
Corrente acerca da qual
O respeito, a obediência
Nada ela sabe à partida
E tudo é
conformidade.
Mas onde antes de nascer
De jogar não há
sinal,
Já lhe marcaram sinal:
De criar mata a
ciência:
Sinal marcado p'rà vida,
Toda a infância perde a
idade!
Para a vida que outrem quer.
84
318
319
Filhos
Reproduzimos
Parece que há poucas mães
Nós sempre reproduzimos
Que em paz deixem os seus
filhos
A família que tivemos:
Haver-se com os
sarilhos,
Segurança garantimos,
Enfrentar da vida os
cães,
Porém, nosso amor perdemos.
De modo que
capitães
Nós sempre nos confundimos
Devenham com tais
rebrilhos
Nas prioridades que temos:
Que em pé semeiem os
trilhos
Segurança ocupa os cimos,
Onde recolham seus
pães.
Amor, os baixos extremos.
Há sempre
necessidade
Mas não é de segurança
De se parar os
gemidos
Que se faz a nossa história,
Dos outros, que mais não
seja
Nem só a família a garante.
Por nossa
serenidade.
É o amor que nos alcança
E eis-nos,pois,
reproduzidos,
As subversões da vitória
Cópias que ninguém
almeja.
Ao romper para diante.
320
321
Maternal
Normal
A protecção
maternal
A família obriga a gente
Opera connosco
assim:
A fundir-se mutuamente
De fora vem todo o
mal,
Porque somos incompletos:
Íntimo é o bem, vem de
mim.
As mães são os nossos tectos.
A segurança,
afinal,
A família tem modelos,
Sendo do interior,
enfim,
Não nos deixa talhar elos:
No lar encontra o
sinal
Ninguém, em nenhuma idade,
De seu princípio e seu
fim.
Talha a própria identidade.
Porém, tudo isto
acontece
Normal é ser como todos,
Sob o signo da
violência,
Temos de aprender bons modos:
Com o terror dos
infernos.
Importa se submeter;
E então dentro em nós
fenece,
Não, saber sobreviver.
Na agressão de tal
premência,
Cá vamos emparelhados,
O sabor dos gestos
ternos.
Vara de porcos castrados!
85
322
323
Hipnotizados
Falhas
Os bebés
hipnotizados
Os pais tinham preparado
São pelos pais, sem dar
conta
Tanto o futuro do filho
Que para os tempos
passados
Que nele vivem o brilho
Desde sempre isto
remonta.
Das falhas do seu passado.
E que também tal
aponta
Atam-no com o cadilho
Que as diferenças de
dados
Do desejo acumulado
Entre da história esta
ponta
Por todo o sonho frustrado,
E da hipnose outros
tratados
Por toda a fuga e sarilho.
É que estes sabem que o
fazem,
Filho por procuração,
Seja no circo ou na
cura,
Jamais descobre quem é,
Enquanto os pais sempre
trazem,
Sempre outrem quis em vez dele.
Com a intenção que se
apura,
Nossos intentos, então,
Disto a ignorância
total
De andar pelo nosso pé
E por bem fazem o
mal.
Rasgam nossa própria pele.
324
325
Unidade
Tona
Eis da família a
unidade:
Família não se abandona
Mútua
interiorização
Por se mudar de lugar,
Por cada qual, em
verdade,
Volta por fim, sempre à tona
De quanto os outros
farão
Por no íntimo morar.
Da mesma
interioridade,
Por bruscamente cortar
Jogo em que todos
serão
Com quanto ela em si foi dona
Comum
reciprocidade
Julga alguém silenciar
Atada numa
fusão.
O canto que ela ainda entona.
As relações
induzidas
Debalde. Pelo contrário,
Dentro dos membros do
lar
Ao mergulhar dentro dela
São ignotas para
além.
Para me reencontrar,
Família não são as
vidas
Domino o fantasma vário
Que vemos por nós
passar
Que meu passado me vela:
Mas os laços que as
mantêm.
Só então liberto o meu lar.
86
326
327
Netos
Subversivo
Os netos tomam lugar
Todo o amor é subversivo.
Em lugar dos avós
mortos,
P'ra aprender a amar alguém
Põem-se a
representar
Eu tenho de amar-me ao vivo,
Onde eles deram aos
portos.
Bem como ao corpo também,
E assim vão
perpetuar,
Que, se o doutrem eu cultivo,
Sempre iguais, mais passos
tortos
É do meu que isto provém,
Por onde vaga o
luar.
Da luz-sombra em que o avivo
Porém, atento, eu
reporto-os
Co'os segredos que contém.
Quando tento cada
um
Terei de aprender comigo
Em seu contexto
apreender,
O que escondem os recantos
Não fora jogar-se
algum
De silêncio dos demais.
Jogo de equipa
singelo
Qualquer dia assim consigo
E eu julgar que capto o
ser
Que os gritos se tornem cantos
Só co'o derradeiro
elo.
E o mundo não sofra mais.
328
329
O
Bebé
Pássaro
A papa na
boca,
Fez um pássaro o menino.
Condu-lo p'la
mão.
"Não há pardais desta cor!",
Que coisa tão
pouca
Contestou o professor,
Os passinhos
são!
Já que ele era purpurino.
O falar é
som
Fica o menino mofino,
De criança
mouca,
Pôs naquilo tanto amor!
Sílaba sem
tom
Bem sabia que em redor
Em conversa
louca,
Nenhum tinha tal destino...
Mas que tu
decifras
Mas foi assim que o criou
Prenhe de
mistério
E quer fazê-lo voar.
Como um
Universo.
O professor se enganou
Onde lês as
cifras
Co'a coragem de inventar...
Dum sonho
sidério
- Só a mãe é que adivinhou
Em tão frágil
verso?
E o entronizou no lar.
87
330
331
Filho
Perguntas
Eu primeiro amei-te a
medo
Pai, podemos conversar?
Co'este amor que nos
impele.
- Perguntas com ansiedade.
Agora estou mudo e
quedo
Pronto para aconselhar,
Porque todo o espaço é
dele.
Dou-me conta da verdade:
Primeiro foi num
segredo
Basta contigo falar
Que me arrepiava a
pele.
Que qualquer conselho há-de
Libertei-o do
degredo
Acontecer sem to dar.
Até que hoje me
atropele.
Dum conselho a densidade
Primeiro não tinha
espaço
É a do que formos a par.
Onde um filho em mim
coubera.
Toda a conversa é pretexto
Hoje vivo preso ao
laço
P'ra podermos vir a ser
Que dele me tem na
esfera
Juntos a comunicar,
E a liberdade me
traço
Já que ser quer um contexto:
Preso nesta
primavera.
Sermos nós a acontecer.
332
333
Dia de
Natal
Primogénito
Hoje é dia de
Natal.
O primogénito é filho
Que é que faz a
diferença?
Dos jardins da divindade,
Já o meu trato não é
igual,
Tem de perder algum brilho
Sou, para todos,
presença.
Para entrar na humanidade.
Nasceu-me um filho, é o
sinal
Não o perder é o sarilho
De que a vida devém
tensa,
De estar só na eternidade.
Isto embora só
assinale
Perdendo-o, alcança o trilho
Quanto o porvir em nós
pensa.
Dos pés da comunidade.
E é pensando este
porvir,
O arroubo da inspiração
Pondo-lhe a pedra
angular,
Não tem palavras que o digam,
Que eu também começo a
ir.
É o silêncio do sagrado.
Não é só por
partilhar:
P'ra pisar o nosso chão
O amanhã desata a
vir
Nossos calos é que obrigam
Se me torno o seu
lugar.
À humilhação do falado.
88
334
335
Papá
Mãe
Não façam mais guerra,
não.
Como és, mãe, tão pequenina
Quero o meu papá
comigo,
Quando outrora eras tão grande?
Ter a minha mão na
mão
Como ainda comigo atina
Onde está meu pão de
trigo,
Tua voz que fez que eu ande?
Ouvir contar do
avião
Como, velha, és tão menina
À procura dum
abrigo:
Que o feitiço ainda em mim mande?
É a colher da sopa
então;
Por que tanto me amofina
Minha boca, o hangar
amigo.
Que a saudade me comande?
Se o papá for para a
luta
Como vim crescendo tanto
Quem comigo é que
disputa,
Quando tu diminuías
Perde e ganha e me consola?
Tanto que perdi teu canto?
Para acabar as
intrigas
Em que deram minhas vias,
Com as tropas
inimigas
Que morreste e não há pranto
Joguemos co'elas à bola!
Que ressurja o que vivias!
336
337
Tu
Invade
Tu és, mãe, o meu bom-dia
Nossa personalidade
És o rumo de meus
passos,
Se deixa em paz invadir
Que o coração
principia
Pela família que invade
A pulsar-me nos teus
braços.
Quem, passivo, deixar-se ir.
E através dos teus
abraços
Mas esta fatalidade
Inauguro a
fantasia
De noutrem ao mundo vir
Dos pássaros que algum
dia
Jamais implica, em verdade,
Soltarei pelos
espaços.
Esta invasão consentir.
Um passo e marco o meu
trilho,
E nem sequer a recolha
Grito e já desperta um
brilho
Dos benefícios que temos
Rasgando fúlgido a
noite.
Nos traz disto algum perdão,
A minha passagem
foi-te
Que é por uma livre escolha
Gravada em tua
memória:
Que assim nós nos submetemos:
- É que és tu a minha
história!
-Tal é a nossa alienação.
89
338
339
Natal da
Mãe
Natal das Prendas
Tu és, mãe, todo o
fervor
O nosso é o Natal das prendas
Que nos aquece na
neve;
Em que trocamos ternuras;
À lareira dás
calor
Deles, porém, é o das vendas,
E à saudade que te
teve.
O dos lucros, das usuras.
Carregas o teu
amor
Nós partilhamos canduras
Em sacos de comer
breve:
Por dentro das nossas tendas,
De plásticos é o
teor
Eles cobram sinecuras
Da roupa que nos
susteve.
De tudo quanto pretendas.
De plástico é tua
saia
Neste encontro de fadários,
Rodeada de
saquinhos
Nós no amor nos aquecemos,
Que te são blusa,
avental.
Eles, na mão de usurários.
Se de alguém ouves a
vaia,
Nós mais longe bem queremos
Lembro o pão de teus
carinhos:
Reunir destinos vários,
- Tu és sempre a mãe
Natal!
- Eles teimam que perdemos!
340
341
Consoada
José
É noite de
consoada.
Conta lá, José,
Todos em redor da
mesa
Como é que é ser pai
Partilhamos a
beleza:
Dum filho que até
Hoje a comida é
ofertada.
Sequer de ti sai.
Só o sabor desta
fineza
Mesmo em boa fé,
Torna doce a
rabanada,
Como é que se vai
Pura a castanha pilada,
Conservar de pé
Enriquecendo a
pobreza.
O amor que se trai?
Consoamos em
comum,
Por isso és discreto,
Já não sabemos se é
fome
Manténs-te na sombra,
Se é frio que nos
conjuga.
O pilar concreto
Dos dois flagelos na
fuga,
Desse lar que assombra.
De ambos matamos a
fome:
- Um amor correcto
- Todos aqui somos
um!
P'ra um filho sem tecto!
90
342
343
Maria
Sensatez
"Jesus é o filho da
luta
As artes da sensatez
Que é Maria sem
querer:
Não carregam os sobrolhos,
Violada por
qualquer,
Aprendem a ver de vez
Nem sequer pai lhe
perscruta.
A que devem fechar olhos.
Porque deste não disfruta
Num casamento o que fez
Vai-a José
receber
Nas hortas crescer repolhos,
Mai-lo filho que
vier,
Às frutas pintar a tez
Inglório, de tal
conduta."
E enfeixar seara aos molhos
- Aumenta assim a
disputa
É que ambos sempre enfatizam,
Sobre quem é tal
mulher,
Não as mútuas fraquezas
De coração impoluta,
Nem desencantos fatais,
De corpo inerme a
sofrer.
Mas os gestos que deslizam
Mas sempre, embora o
discuta,
Partilhando o amor às mesas,
Virgem é o amor que
der.
Da ternura a dar sinais.
344
345
Futuro
Sexual
Quando penso no futuro
Se alguém se quer convencer
E o preparo à minha
frente,
De que acerto sexual
Sou sensato, estou
seguro,
É que é a razão p'ra viver
Melhor me firmo ao presente.
Um casamento ideal,
Mas se ao porvir me
penduro,
Breve, ao invés, irá ver
Se nele vivo,
demente,
Que o contrário é que é normal,
Perco o senso, não me
apuro
Que o sexo, p'ra poder ser,
Para o que agora se
sente.
Um bom lar lhe deita o sal.
Casais que não fazem
planos
Que, se há uma má relação,
Arriscam-se a ter
problemas
É insípido todo o encontro,
De dinheiro e
sentimentos.
Nenhum condimento chega.
E arriscam mais se seus
anos
Dar-se na cama é ilusão
Adiam sonhando
lemas
Que só agrava o desencontro,
Que jamais geram
eventos.
Não paga o que não entrega.
91
346
347
Nevoeiro
Pode
Um matrimónio mal
feito
Casamento é uma invenção
É um perpétuo
nevoeiro
Que um homem pode fazer:
Em que ninguém vê
direito
Desejo não é função
Onde está com seu
parceiro.
Que tenha de acontecer.
Dois condenados sem
jeito,
Para um casamento ser,
Agrilhoados
primeiro,
Casas co'a televisão,
Odiando-se do
peito,
Co'um dote, com um talher:
Matando o destino
inteiro,
Podes, toma a decisão.
Que tentam não dar por
isso
Mas, para assim ocorrer,
E que inferno
semelhante
A mulher é condição
Nem vêem em seu
redor.
Sem princípio de mulher:
E o pior deste
feitiço
Não podes reconhecer
É que nada lhes
garante
Que pensa e tem coração,
Que não seja aquilo o
amor.
Que isto deita-te a perder.
348
349
Doente
Escravos
Para o louco e prà
mulher
Psicóticos e mulheres
Arranjou-se
casamento,
Enquanto se não livrarem
Já que pelo seu
sustento
São duas áreas de seres
Ninguém iria
prover.
Para outros escravizarem.
Para o louco, o
internamento
Enquanto os homens amarem
Um lar lhe ia
fornecer
As escravas de seus teres
Bem como a família a
ter,
E se os psiquiatras tratarem
Da doença em
fingimento.
Os loucos por seus haveres,
Para a mulher, o
hospício
Não poderão todos estes
Foi casamento
arranjado
Romper de vez as grilhetas.
Já que ela era
dependente.
E, se esperas salvadores,
E é um social
benefício
Quanto mais neles investes
Deste teatro
encenado
Mais te estraçalham as setas,
Quem é são tornar
doente.
Mais te aprofundam as dores.
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Jogadas
Amiga
Enquanto em tempos de
outrora
Sempre uma melhor amiga
As mulheres,
controladas
A mulher consegue ter;
Pelos maridos, de
fora,
P'ra que um homem o consiga
Sempre foram nas
jornadas,
Tem de ser sua mulher.
Mas estes, em cada
hora,
O que vai acontecer
Viram as asas
cortadas
É que da amizade a viga
Pelo casamento,
embora
Sustenta o que se quiser
Não vissem as
tesouradas,
Quando o casal o prossiga.
Assim o hospício
perora
É, porém, mais importante,
Sobre médicos e
doentes,
Porque sem alternativa,
Traçando áreas
vigiadas:
Para um homem ter a amante
Médico-marido aí
mora
Na mulher com a qual viva:
A impor ordem aos
pacientes...
Seguem após por diante,
- Em tudo, as mesmas
jogadas!
- Um do outro é o melhor conviva.
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Anos
Triste
Quinze ou trinta e
seis,
Estou triste porque alheio
É sempre
somar.
Ao que mais amo na vida.
Tempo? Verbo
amar
Para o atingir em cheio
Tecendo os
anéis.
É a morte única medida,
Nem contos de
reis
Mas com ela perco o meio
Pagam o
luar,
De enfim encontrar guarida.
Nem pagam o
mar
Sou triste desde o meu seio,
Teus olhos
segréis
Não tenho a chave devida.
E luzem mais
sonho,
Se o preço da vida é a morte,
Cantam mais
distância
Se o amor termina em nada
Que o mar ou a
Lua.
Qual vai ser a minha sorte?
E o que em ti
deponho
De sentido esvaziada,
De ternura ou de
ânsia
Da vida o melhor recorte
É a vida que é
tua.
É o seu fim ou uma arrancada?
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Céu
Ténis
Todo o céu e todo o
inferno
De ténis a bola
São a huri de
Maomé
Que vai e que vem
No oásis além de
pé
É a mim que me enrola
Aguardando um olhar
terno.
Nos saltos que tem.
Todo o êxtase do
eterno
Dá uma carambola,
É o místico no
sopé
Eu dou-a também
Perscrutando o escuro até
No muro onde atola
Que do cume fuja o
inverno.
Um sonho de além.
A dor é a marca
animal
De ti para mim,
E o prazer roja no
pó
De mim para ti,
De que a custo nos
erguemos.
Jamais chego ao fim.
Ai a distância
infernal
Aqui ando, vário,
Que me condena a estar
só,
E nunca venci
Perdido entre os dois
extremos!
O meu adversário.
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Olhos
Rica
Não é escuro de viela
Nesta imensa mulher rica
Que faz perder o
valor,
Transbordam chapéus e peles
Nem no horizonte uma
vela
E depois o que lhe fica
Aumenta ao mar o fulgor.
Não são elas nem são eles.
Não é no vestir que é
bela
E quem com ela despica
A donzela no
esplendor,
Recai nos motivos reles
Nem é beleza a baixela
Que o despique pontifica
Com que a bela se
decore.
Por mais que em contrário apeles.
É que a nudez das
galdérias
Porque o que têm não têm,
Reflecte, ao fim, tanta luz
Tudo o que vêem não vêem,
Quanta a que lhes der o
amor:
Toda a vida é uma chateza.
A beleza das
misérias
Só p'ra quem sonha o sabor
Sempre afinal se
reduz
A conquista tem valor:
Aos olhos de seu pintor.
O excesso mata a beleza.