4ª. Redondilha
Fizemos
Mais para Além
Escolha aleatoriamente
um número entre 358 e 494 inclusive.
Descubra o poema
correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
358
4ª. Redondilha
Fizemos mais
para além
Os traços de
nossos passos,
Pegadas pelos
espaços
Buscando o que o
infindo tem.
Canto o que dali
nos vem,
Que longe nos
ata os laços
E aqui nos canta
os compassos
Da canção que
nos convém.
Canto a lonjura
de perto,
Horizontes fora
e dentro
Que além de nós
já nos traçam.
Canto quanto é
céu aberto,
Novos céus onde
não entro
Mas que o
coração me enlaçam.
359
360
Zero
Infinito
Manhã
Quando o zero é
infinito
Como a manhã nos é linda!
Infinito é o
desespero
Como a noite de luar
Que a zero reduz o
grito
É nela luar ainda
Que grito quando sou
zero.
E já não, mas antes mar!
Mas quando o infinito
espero
Mar de luz, luzmar provinda
Encho o zero que
concito
Do mistério de sonhar...
De infinito e talho,
fero,
Como a ilusão é benvinda
O porvir em que
medito.
Enlevando este pasmar!
Rompo a fronteira em que
impero,
Dos abismos do infinito
Vago campo de
cultivo,
Brota a promessa da luz
E já não me
desespero.
Que me arrrebata além-mundo.
Sou um zero que,
furtivo,
E eu vivo este mudo grito
Roubarei, discreto e
vero,
Que por dentro me traduz
Do infinito quanto
vivo.
Como mistério sem fundo.
361
362
Vida
Desconhecido
A vida inteira é um
poema
Jamais podemos fugir
Quase mesmo a
acontecer.
A quanto é desconhecido,
Vem um mote, espreita um
tema,
Que o que temos no ouvido
E não chegamos a
ser.
É a música do porvir.
É um poema cujo
lema
Se é seguro recobrir
É deixar de
acontecer
Passos dados ao comprido,
Se acontece que eu me
tema
Logo perdem o sentido
Do temor de vir a
ser.
A quem os seus quer seguir.
Suicido-me,
primeiro,
De tanto me preservar
Se primeiro em mim não
crer
P'ra que a vida se não perca,
E depois, por
derradeiro,
Fugindo de quanto é ignoto,
Se me temer de
viver.
Acabo por me cercar
P'ra vir a ser por
inteiro
De quanto a vida nos cerca:
Primeiro vou ter de
ser.
Eu não vivo, eu me derroto!
363
364
Subir
Caminhos
Braçada a
braçada,
Os caminhos do infinito
P'la corda da
vida
São tantos e tão à toa
Tentei a
subida
Que, embora grite, o meu grito
Sem olhar a
nada.
Nunca à certa nele ecoa.
Mas, do chão
erguida,
E assim é que se esboroa
A minha
passada
A esperança no que fito
Ficou
balanceada,
Muito embora ela remoa
Incerta e
tremida.
Sempre além do que medito.
Quando estendo a
mão
E nem importam revoltas,
Não encontro
muro,
Que do fundo deste poço
Trepo já por
vício.
Ninguém trepa até à borda.
Cresce da
ilusão,
Se as águas forem revoltas
Quanto mais
procuro,
É tal o destino nosso
Maior
precipício.
Que ninguém nos lança a corda.
365
366
Vogar
Etapa
A vogar entre infinitos
Difícil, mesmo invencível
Um imensamente
grande
É o himalaia da vida,
Por onde o Homem se
expande,
Mas fácil e apetecível,
Vergando o espaço a seus
gritos,
Cada etapa da subida.
Outro tão pequeno que
ande
Felizmente é divisível
Perdido por entre os
ritos
Em segmentos a corrida
Da partícula aos
quesitos
Senão seria temível
Em que o pensar nos
cirande,
A maratona empreendida.
Somos o trágico
ser
Conquistar a eternidade,
Que se busca
rebuscando
Medir-se com o Universo,
Quanto promete e não
é.
Criar a partir do zero
Como me
reconhecer
É tanto que é insanidade.
Se o que busco por onde
ando
Mas o poema, verso a verso,
De mim nunca fica ao
pé?
Dirá no fim o que espero.
367
368
Conflito
Tempo de Deus
Entre os princípios e a
vida,
Procuro a perfeição impaciente
Se ambos entram em
conflito,
E a verdade decreto normativa,
É que àqueles dei
guarida
Sem dar conta de quanto em mim já mente
Sem auscultar desta o
grito.
De chegar esta fome que se aviva.
Deste modo me
desquito
Em cada ditador fico ciente
Duma incurável
ferida
Das mortes que carrego e rediviva
Que no peito trago,
aflito,
A memória me volta a ser cliente
Mas ela é que não me
olvida.
Do império milenar em recidiva.
Quando os princípios
conservo,
Carrego na consciência e aos milhões
Morro por dentro
depois
Gratuitos mortos deste mundo adiado:
E estendo a mortalha à
volta.
Por mim erram os erros que propões.
Se os largo, da vida servo,
Eu temo o tempo e o tempo torno um dado
Incerto dos
arrebois,
Que manipulo eterno de ilusões,
Sou eu ou uma fera à
solta?
- Mas Deus não pode ser antecipado!
369
370
Cabeçudo
As Rainhas Magas
Sou aquele
cabeçudo
Foi num luzir de oiro
Que pelas eras
além
Que ofertei o sol.
Tem vindo a jogar o
entrudo
De incenso o arrebol
Com quanto nos sabe
bem.
De nuvens aloiro.
E o carnaval não é
tudo,
Da mágoa o desdoiro
Que pelo Natal
também
Contigo não bole:
Há quem, perante um
miúdo,
Prà dor devir mole
Sonhe c'o mundo que
vem.
Te dou mirra e oiro.
Ora, o que vem não
será
Somos rainhas magas,
O que sempre foram
céus,
Transportamos sonho
Não qualquer outro
maná?
Ao futuro incerto
Neste Natal que é dos
meus
E ficamos pagas
O que sempre afinal
há
Quando aos pés te ponho
Ainda é um sonho de eu ser
Deus!
O longe mais perto.
371
372
Arauto
A Caminho
Sou sempre o
arauto
A caminho do infinito
Do tempo do
sonho
Na nave interestelar
E a qualquer
incauto
Por dentro de mim concito
As asas lhe
ponho.
Toda a ideia a navegar.
Do Natal um
auto
E, quando ela caminhar
À vida
transponho
Pelo meu corpo finito,
E por ele
pauto
Para além dele é o lugar
Quem nela
deponho.
P'ra que prolongo o meu grito.
As dores e as
lutas,
Fronteira da solidão,
Como vaga
escória,
Os limites fora e dentro
Já não as
disputas,
Desafio em quanto são.
São triste
memória.
É que p'ra além fica o centro
Lavro novas
frutas,
Onde explode este vulcão
Meu Natal é a
História!
Do mistério onde não entro.
373
374
Importância
Arte
O que não tem
importância
Aconteceu arte
Hoje, é o que mais tarde
adiante
Ou desacontece?
Vai gerar a
relevância
A chuva reparte,
Do que cremos
importante.
Gratuita, a benesse.
Perdemos, de tão
distante,
Como numa prece
Nesta nossa eterna
infância,
Do Além a cruzar-te
O princípio irradiante
Tudo te fenece
E do fim toda a
elegância.
Mal foi de ti parte.
E é neste nada que
somos,
Visita do todo,
Gigantesco prò que
foi,
Um todo que é nada
Anão para o que há-de
vir,
E que dura um grito.
Que amadurecem os
pomos,
E num grito mudo
Num silêncio que nos
doi,
Irrompe alumbrada
Onde germina o
porvir.
A voz do infinito.
375
376
Olhar
Contra
Há muito olhar que não
vê
Eu sou contra o cristianismo
E nem sequer é de
cego,
Porque afinal sou cristão.
É que perpassa e não
crê
Eu sou contra o hierarquismo
Que nada mereça
apego.
Porque o sagrado é o meu pão.
Porque ver mata o
sossego
Eu sou contra o maometismo
Que um olhar apenas
é
Porque creio em Abraão.
E ali começa o
degredo
Sou também contra o marxismo
Dos que apostam numa
fé.
Porque Marx é meu irmão.
No mero ver não se
encontra
Eu sou contra e não sou contra,
A chave dum outro
mundo
Que no fundo apenas sou
E só esta é
refrigério.
E por isso em mim se encontra
Terei de olhar e ver
contra:
Tudo quanto libertou:
Reparo então que me
afundo
- É que mostro em minha montra
- E só aqui toco o
mistério!
Que sou Eu quem aqui estou!
377
378
Si
Próprio
Ver
Sou de mim meu próprio
fim,
Não vejo porque não vejo
Nisto me sei
liberdade
Ou porque finjo não ver?
Porque me revelo a
mim
Qual é, afinal, meu desejo,
Em minha
autenticidade.
Ver, não ver, ou nem sequer?
Ser eu próprio de
verdade
E "não vejo porque finjo
É meu compromisso
assim:
Que não vejo" quer dizer
Para me cumprir ele
há-de
Que não percebo o que atinjo
De mim não falhar um
sim.
Ou que me cego a valer?
Sem medianeiros eu
salto
Luz à treva misturada,
De mim prò meio do
mundo
Jamais consigo entender
Com a luz
original.
Em mim clara a madrugada,
Com o meu facho bem
alto
Que, da noite entenebrada,
São clareiras o que
inundo
Se o lusco-fusco é o meu ser,
Em que é fértil cada
vale.
Só terror se me arrecada.
379
380
Catástrofe
Diálogo
Quando o olhar se me
habitua
O homem fez toda a experiência,
Vejo o mundo
desfocado
De deuses cria um catálogo
E a Lua já não é
Lua
Quando aprende a conveniência
Nem o Sol brilha
aloirado.
De ouvir-se e de ser diálogo,
Se tal me não dá
cuidado
Quando a si cria a existência
É que o sonho não
flutua
Através do seu análogo
Sob o peso
amarfanhado
Que em palavra gera a essência
Da rotina rasa e
nua.
Na partilha do diálogo.
Tenho de mudar de
olhar,
Aqui principia o mundo
Redescobrir a
paisagem
Que de mim sai e a mim vem
No instante da
criação.
Na conversa criadora.
E é da paleta ao
luar,
Ouço-te e então me fecundo
Do poema na
viagem
Dos sentidos que convêm,
Que eu me jogo à
imensidão.
Sou meu ser e minha hora.
381
382
Sofrimento
Artes
É quando o sofrimento encontra voz
Nas artes domino
Que toda a dor do mundo nos
atinge,
O que me domina,
Os nervos estremecem, ninguém
finge Inauguro um hino
Que é surdo nem que estamos aqui
sós. Que jamais termina.
É o apelo dos gritos que de
nós
E num desatino
Se apodera e de sangue já nos
tinge
Que quase fulmina
O rosto e o pensar, morta a
laringe
Eu rasgo o destino
Com a dor que apunhala mais atroz.
Que nos determina.
Chegue embora a tapar os meus ouvidos,
No porvir aberto
O apelo emocional daqueles
gritos
Que entremostra o sonho
De mim se apossa com maior
firmeza. É que eu me
liberto.
Por mim dentro é que ecoam os bramidos
Nele me proponho
Em que a raiva pagamos de
finitos
E o que nele ponho
Sermos olhando um céu que nos despreza. Torna o
longe perto.
383
384
Vigília
Escassez
Neste mundo da
vigília
Poesia sobre o poeta
É que eu encontro a
verdade,
É um risco de narcisismo,
Tudo é da nossa
família,
Esconde a escassez secreta
Conversamos
realidade.
De mundo a cair no abismo.
O sonho será
mentira,
Exageração discreta
O devaneio,
ilusão
Que redunda no cinismo
Com que o desejo nos
fira
Da perplexidade afecta
As pedras do nosso
chão.
Ao fim fatal com que cismo.
Mas, quando o artista
aparece
A não ser que seja a meta
E o cientista vira os
céus,
Aquém toda a ideologia
A vigília cai por
terra.
Em que reencontro a raiz,
Um novo mundo se
tece
A palavra enfim correcta
Onde ardem os
fogaréus
Em que me inauguro dia,
Em que é o sonho que nos ferra.
Que aquilo que sou me diz.
385
386
Tempestade
Incapaz
Ao poeta cabe
estar
O escritor é um incapaz,
Na tempestade
divina,
Incapaz de se fundir
A pé firme, com a
sina
No anonimato que faz
De com a mão
agarrar
Com um clã se confundir.
O raio que se
destina,
Sendo assim tal como ele é,
Desferido p'lo
avatar,
Bem longe de toda a gente,
A ser força que
ilumina
É que logra ter ao pé
O caminho a
caminhar.
O que o mundo faz presente.
E depois, cabelo em
fogo,
Assim, quanto mais ausente
As mãos a arder de
sentido,
Mais abundante a maré
Vem trazer o dom ao
povo.
Que a fome nos satisfaz.
É uma canção, é um
jogo
E, quando a vida o consente,
Que em festejo
colorido
Vai tão longe, vai até
É a dança dum mundo
novo.
Que cada qual a si traz.
387
388
Descrever
Acenos
Eu vou descrevendo os
seres,
É nos acenos mais vagos
Sento-me à beira da
estrada,
Que surpreendo o dom das fadas.
Fico à margem dos
deveres
Interceptados, são pagos
Da intérmina desfilada.
Com meus versos que são nadas.
Eu contemplo os
malmequeres
São estes nadas que entrego,
Mas, ao vê-los,
desviada
Bem prenhes de madrugadas,
Minha vida e seus
haveres
Ao povo a que me não nego
Ficam fora da
jogada.
Com as coisas incriadas.
Assim eu não faço
parte
É que ao primeiro sinal
Da peça representada:
Vislumbro o fim por inteiro
Escrevo; não vivo,
não.
E dele ouso o vaticínio.
Eis como repouso em
arte:
Sou profeta do real:
Solidão pacificada,
De entre amanhãs o joeiro,
Mas mais e mais
solidão.
- Antecipo-lhe o fascínio.
389
390
Quem?
Encoberto
O tempo não te
consome,
De arte se encobre o que irmano,
Ante as mudas
sociais
Toda uma constelação
Firme afirmas o teu
nome,
Em que humano e não humano,
A autonomia não
trais.
Finalmente em união,
Só deixam em ti
sinais
Encoberto - descoberto,
Os gostos de nossa
fome,
Mundo e terra gerarão:
Mas da história as
bacanais
Tornam-se portal aberto
Em ti perdem o
renome.
Em que bate um coração.
Porque és, arte,
atemporal,
O mortal e o divino
Como te
confinarias
Ameaçam reencontrar-se
Em tempo e espaço
finitos?
Estraçalhando os espaços.
Quem te dá voz,
afinal,
Da terra ao céu o destino
E os passos de nossos
dias
É o terrestre abalançar-se
Para gritar nossos
gritos?
Sempre para além dos braços.
391
392
Sol
Beleza
O sol nasce e tudo é
luz:
Arte é aquele aparecer
É belo o ser quando
nasce
Do ser em sua beleza
Porque nascendo
reluz
Em que a verdade do ser
E meu olhar nele
pasce.
Resplandece em singeleza.
Em arte o ser se
traduz
O belo vai depender
Na explosão em que
refaz-se
De aparecer com firmeza,
No belo que lhe não
pus,
Não da pintura que der
Que recolho e em mim
renasce.
A uma verdade indefesa.
Um breve instante lhe
basta:
Quando a verdade se dá,
Então o ser
clareou
A este dar-se é inerente
Ofuscando todo o
olhar.
A beleza a refulgir.
O brilho foi de tal
casta
E o deslumbramento que há
Que é por ele que ainda
vou:
No mistério do presente
De meu ser é o meu
lugar.
É todo o ser a surgir.
393
394
Prodigalidade
Destino
Ante a
prodigalidade
Tento fugir ao destino
Da vertigem da
beleza
E o destino me acorrenta
Nossa
quotidianeidade
Co'a corrente a que destino
Esquece até quanto
pesa.
Livrar-me do que me atenta.
Nosso corpo em
liberdade
Mas o atentado é tão fino,
Voa às estrelas e
reza.
Máscaras tantas inventa
Dura um instante a
verdade,
Que me chamo libertino
Depois é quanto se
preza.
Quando a servidão me tenta.
É o instante do
interdito
Como irei respirar fundo
Em que o coração e a
voz
Rumo aos confins do Universo
Param suspensos do
imenso.
Se nos pélagos me afundo
Recaio após no
finito,
Deste meu destino adverso?
A prisão de todos
nós,
Como fujo ao desatino
E é prisioneiro que
penso.
Se só Deus não tem destino?
395
396
Fortuna
Correr
Com destino não se
brinca,
Corremos a vida
Bem lhe fujo ao
macaréu.
Sempre a acelerar.
Tanto ao meu corpo se
finca
É de a nossa lida
Que o destino, ao fim, sou eu.
Nos ultrapassar?
As minhas carnes me
trinca,
O tempo convida
Meus sonhos são-lhe
pitéu,
A perder o ar?
De meu velho império
inca,
Ou é já a descida
Do que resta nada é
meu.
Da montanha ao mar?
Ele me
substituiu,
Por trás do cansaço
Eu sou ele, não sou
eu,
O que sempre faço
Comigo já nem
atino.
É longo avatar:
E eu que devir deus
pensava
Nesta correria
Vergando a fortuna
brava!
O que tento é um dia
- Mas ele quer-me
divino...
Além de mim 'star.
397
398
Atrás
Pavor
Vou correndo atrás do
tempo
O tempo apavora
Anos e anos
inteiros,
Porque é quanto eu sou.
Vivo sempre a
contratempo
Pinta-me, hora a hora,
Sem visos
interesseiros.
O barco em que eu vou,
Neste correr a
destempo,
No rio me incorpora
Minutos são meus
parceiros,
A cuja foz dou,
Neles me ocupo e me
tento,
Nas margens demora
Vendido a trinta dinheiros.
Se o fado soou.
Quero chegar não sei
onde
O pior, porém,
Criando não sei o
quê,
É a fuga às origens,
Corro, corro até
cair.
No rumo implacável:
Mas nunca nada
responde
Para trás contém,
Por inteiro ao meu
porquê,
Ao remar, vertigens:
Jamais se rasga o
porvir.
- Não é navegável!
399
400
Renasço
Morte
Com todo o tempo eu
renasço,
Anular a morte
Soalheiro quando
ridente,
Por mera ignorância,
Em lágrimas me
desfaço
Retomar a infância
Se a borrasca me é
presente.
No ingénuo transporte...
Quando a neblina
consente
Talvez aí suporte
O sonho com que me
enlaço,
Da lonjura esta ânsia,
Não é o tempo que em mim
mente,
A infinda distância
Por ele vou, passo a
passo.
Onde me recorte.
Nesta conjura
discreta
Mas, parado aqui
O tempo vem dar-me a
mão,
Na raiz da terra,
Jogando-me a
contrafé.
Tornado semente,
E assim é que me não
veta
Tudo o que vivi,
Que, no termo da
união,
Aguilhão que ferra
Ponha a eternidade em
pé.
Joga-me prà frente!
401
402
Tempo
Tragédia
Que importa um ano ou um
minuto,
Não atingir objectivos,
Se durante um ano
inteiro
Não é tragédia mas drama,
Posso não ter o
produto
Doi com certos lenitivos
Que um minuto viu
primeiro?
Dos sonhos de quanto se ama.
Vale aquilo por que
luto,
Trágico é não ter activos
O tempo percorro ao
cheiro
Ideais em viva trama:
Do incenso em que me
transmuto:
Não ter nenhuns sonhos vivos
Importa é do que me
abeiro.
Ao porvir é negar cama.
Durar muito é secundário,
Não é uma calamidade
A não ser p'ra quem tem
medo
Morrer sem cumprir um sonho,
Ou vegeta desvalido.
Mas não saber onde o ponho.
Escapar a um tempo vário
Que me abrir à eternidade
É vir tecer no
degredo
É ter 'strelas p'ra atingir
O meu fio de
sentido.
Mesmo sem o conseguir.
403
404
Distante
Situação
O meu caminho é distante
Quando vivo em situação
Dos peregrinos do tempo.
Falo como se a soubesse
Do ser trago a vinha
adiante
Mas jamais sei o que são
E a sós minhas vinhas
empo.
As malhas com que me tece.
Quer me atrase ou me adiante
Falo com outros então
Nunca um colega
contemplo,
Como se os compreendesse,
Solitário
caminhante
Mas não compreendo, não,
Na noite do
mundo-templo.
Que ninguém é o que aparece.
Sou monge na
catedral
E o mais grave é não dar conta
Dum universo
perdido
De que será sempre assim
Em que o Sol
esmoreceu.
Porque tal é nosso jeito.
Trago o germe
original
Revelá-lo aponta a ponta
De quanto brotou do
olvido,
Do que mergulhado em mim
O infindo olhou e
sorriu.
Traça o rumo a que dou peito.
405
406
Esperança
Serei
Contra o tempo na
corrida,
Serei bruma, serei mito,
Contra a fome e o fardo às
costas
Perdido do tempo ao fundo
Persistimos nas
apostas
Do corredor infinito;
Em busca duma
saída.
De esquecimento me afundo.
E quando nova
ferida
Por isso mesmo é que eu grito
Nos retalha a etapa às
postas,
A ver se o tempo aprofundo,
São as feridas
supostas
Se este espaço em que me excito,
De quem nas mãos toma a
vida.
Mesmo morto, ainda o fecundo.
Em nossas marchas
forçadas,
Mas é tão curta a memória
Perdidos eras
além,
E tão parca a nossa voz
Imos ao que não se
alcança,
Que a esperança é uma loucura.
Pontuando nossas
passadas
Tal é, no fim, nossa história
O sangue que se
contém
Que, racionais sendo nós,
No que contém a
esperança.
Loucos vamos à aventura.
407
408
Eu
Experiência
No corpo que é
meu,
Só tenho acesso directo
Uma alma que é
minha:
De meu íntimo à experiência,
Tudo se
avizinha
A doutrem é uma vivência
Quanto
aconteceu.
De cujo acesso tem veto.
"O corpo sou
eu"
Posso intuí-la, discreto,
- Minha alma
adivinha
Dos actos dele na essência
E o peso que
tinha
Mas perde toda a evidência
Em mim o
sentiu.
Mesmo se a narra em concreto.
Deixo
acontecer...
É que o que ele faz ou diz
Tempo, mês a
mês,
Nunca é uma experiência dele
É o espaço que
arquivo.
Mas experiência que eu fiz.
Dois lados meu ser:
O que dele me atingiu
De fora me
vês,
Resvala na minha pele
Por dentro me
vivo.
Porque ele jamais sou eu.
409
410
Recíproco
Não
O falar técnico
esvai
Espírito e corpo não sou,
O recíproco entre
nós
Psique e soma também não,
E a ciência se
contrai
Personalidade vou
Quando ela ouve a nossa
voz.
Meter na combinação
Quando um homem ali cai,
Dum organismo em que estou,
Desatam-se-lhe ali os
nós
Quer sendo-o eu ou quer não.
Com que no mundo ele
vai
Nem id-ego cimentou
Tecendo-se e à história
após.
Nenhum superego vão.
O homem é
concebido
Senão quenquer fica objecto
Como sendo
separado
Interior ou exterior
De todo o resto do
mundo.
Ou é um cruzamento destes.
Quando assim fui
entendido,
Ninguém se vê neste aspecto
Quanto mais sou
desvendado
Duma coisa sem fulgor
Menos em mim me
aprofundo.
Que de mim só ostenta as vestes.
411
412
Corpo
Dualidade
O meu corpo não é
meu,
Duas partes dentro de mim:
Transformou-se num
objecto,
Que fazer para as unir
Vale o que o mundo
valeu,
Senão correr sem mais fim
Que deixou de me dar
tecto.
As etapas do devir?
Quem o vive não sou
eu,
Oh impossível frenesim
Que me não vendo ao
concreto
Da união, em meu porvir,
Dum mundo que já
morreu,
Do oriente carmesim
Moro num tempo
secreto.
Ao ocidente a fremir!
O meu corpo de
ternura,
Das alturas abismais
Microcosmos
admirável,
Às profundezas soturnas,
Como é meu amante
hostil
Dos princípios temporais
E como tanto
procura
Até do final às urnas,
A forma pura e
insondável
Queimam-me da vida as furnas,
Em que me perco entre mil!
- Jamais se unem meus sinais!
413
414
Este corpo
Espreita
Este meu corpo que
habito,
Dê-lhe ou não guarida,
Esta palavra em que
saio
Numa fenda estreita
A trepar pelo
granito
Mora em minha vida
Donde afinal sempre
caio,
Um estranho à espreita.
Este pudor, este
grito
E de lá me peita,
De furor e de
desmaio,
Negaça fingida,
Este círculo
finito
Com a mão afeita
Que corro no mesmo
raio,
A mandar comprida.
O desprezo do
infinito
Como em mim demore
Que negaceia e que
atraio,
Este gesto mudo
O desespero que
irrito
Que empurra, escondido,
À espera do mês de
Maio...
Mesmo que o ignore
- Tanto tempo em que me
imito
Nele é que me mudo
E no fim sempre me traio!
Em santo ou bandido.
415
416
Pensar
Reflexão
Há quem pense que é serena
Não se trata de aguardar
A paz do
meditabundo.
Pelos tempos que hão-de vir
Só pensar não vale a
pena,
Mas de este porvir pensar
Que agir é que muda o mundo!
Dum impensado a partir.
Porque é por demais
pequena
Pensar não é não agir,
A vida que,
gemebundo,
O pensar é o dialogar
Atrás do rebanho
engrena
Com os rostos do devir
Quem nele vai sempre ao
fundo.
E a sina do mundo atar.
Se me tento
unificar,
O pensar é a teoria
Ao agir, presto me
canso
Que age por dentro da acção,
Mas nada mudo ao
pensar.
Sem ela nunca agiria,
Entre agir e pensar
danço
Seria só reacção.
Sem me poder
encontrar:
Esta não é minha via:
Dividido não me alcanço!
Eu, a agir, sou reflexão.
417
418
Acção
Futuro
O critério da
verdade
Que me reserva o futuro?
Fica sempre, ao fim, na
acção:
Nele auguro que me é serva
Conhecer é
actividade
A história que hoje inauguro:
E é de alguém que entra em
função,
Futuro é a minha reserva.
Cuja
funcionalidade
E o que nele se preserva
Com alguém em
relação
Me conserva, afinal, puro
Entra em vera
paridade
O sonho que me conserva
Mais o sistema em que
estão.
A luz no meio do escuro.
Não há verdade
absoluta,
Entre futuro e porvir,
Sempre anda fora de alcance,
Um fatal, outro escolhido,
Que nesta intérmina
luta
Quem, por fim, vai decidir?
Só vence quem se não
canse.
E este muro tão temido
Se a verdade
acontecer
É mesmo fora de mim?
É porque agimos o
ser.
Ou sou eu que sou assim?
419
420
Coisa
Objecto
Como é que uma coisa
coisa
Esta pedra é mesmo pedra,
Se torna uma
teoria?
É mesmo um facto objectivo.
Como é que o meu dia a
dia
Então como por mim medra
Enche de texto uma
loisa?
Como se fora um ser vivo?
Como é que onde o mundo
poisa
Representando-a me quebra
É ali onde
principia:
As grades em que a cativo
Letra que nele
escrevia
E noutras se me requebra
É matriz onde
repoisa?
E é por elas que a revivo.
Qual o estranho
parentesco
À minha frente, um objecto,
Que liga a palavra ao
dado?
Tão próximo e tão distante,
Donde este efeito
dantesco
Não é tanto o óbvio aspecto
De sentir o cheiro à
flor
Com que me enfrenta gritante
Por mero texto
evocado
Mas um tesouro secreto
Sem dela própria
dispor?
Que furto de instante a instante.
421
422
Consistentes
Imaginar
Colocadas em
locais
Imaginar outra coisa
E situações
diferentes
É maior esquecimento
As coisas dão-nos
sinais
Do que a evocação que poisa
De não serem
consistentes.
No vazio o pensamento.
É honestamente
impossível
Porque ao preencher a loisa
Definir, como é
normal,
Vaga de conhecimento
Do ser em si qual o
nível,
Minha ansiedade repoisa,
O que é que ele é,
afinal.
Esquecer não é um tormento.
Um homem é um
ser-em-si,
Simulando libertar-me,
É também
ser-para-o-outro
O imaginário responde
Porque ele é um
ser-para-si:
À evocação que falhou.
Por ter vida
interior,
Vem com isto aprisionar-me
Não sou deste ou
daqueloutro,
A uma ilusão ali onde
Sou de mim próprio o
senhor.
Seria o vácuo que sou.
423
424
Crepúsculo
Antecipar
Falar do esquecimento em
linguagem Não me
seguiste jamais,
É não ver esta praça no
crepúsculo
Que viver é antecipar,
Vaga de gentes, diluída a
imagem,
É a rapariga com que vais
Dos pirilampos ao luar
minúsculo.
Da mente à mão comandar.
Esquecer-me é perder-me na
viagem Se o passado
imaginais
Em que os roteiros dão num vago opúsculo, Não é por seu
avatar
As ruas se entrelaçam e
interagem
Mas porque ali viajais
Num caos em que perco todo o
músculo. Ao que ainda está por criar.
Do esquecimento não se fala nunca
Perpetuamente me esqueço
Porque não há palavras para o
nada
De tudo aquilo que foi
E a morte só com mortes cá se
junca. Para
mal ou para bem.
Aplicar no esquecido o
pensamento
No fundo, com que engrandeço,
Suspende do vazio uma
alvorada
Fugindo à dor que me doi,
Que aniquila o pensar no
esquecimento. É com quanto em mim devém.
425
426
Ontem
Duplo
Nunca ninguém se
promove
Se outros defrontara
Por ontem haver
cumprido
Por contra mim serem,
Mas por aquilo que o
move
Se no hades couberem
Ser o amanhã
pretendido.
Lá os encaminhara.
Um troféu não me
comove,
Mas se o sonho apara
Que premeia o
sucedido,
Teses a treslerem,
O rumo que me
demove
Nelas se perderem
É um porvir
inatingido.
Dele as pedras de ara,
Por muito que tu
cometas
Como reencontrar-me
Não serás
reconhecido
Senão no aguilhão
Se rodas marcando
passo,
De outrem a espelhar-me?
Que o que contam são as
metas
Inimigo irmão,
Que ecoam em nosso
ouvido
És, ao enfrentar-me,
E que nos chamam do
espaço.
Minha salvação.
427
428
Eu-Aqui
Discordar
Não me conheço
senão
Discordo do que tu dizes,
Como sendo este
eu-aqui
Mas, p'ra que não me maldigas
Mas por mera
oposição
Nem creias doutros matizes,
Ao que vejo em
vós-aí.
Faço questão de que o digas.
E assim sendo nunca
são
Que digas o que pensares
Meus traços o que em mim
vi
Direito é com que me importo
Mas a
contraposição
E, se de mim discordares,
De quanto me opõe a
ti.
Por ele tombarei morto.
Assim sou por
negação,
Que saber o que tu pensas
O que é ser por demais
pobre,
Quando penso ao invés de ti
Sem, no mundo,
identidade.
É que alarga as minhas crenças.
E nunca encontro o
pontão
És o meu pão, és meu vinho,
Que a senda sobre mim
dobre
És meu fundamento aqui:
Pondo a nu minha
verdade.
- Com mordaças não caminho!
429
430
Gritas
Aluno
Quando gritas
liberdade
Venho abrir-te os portais do infinito,
Ponho-me eu de
sentinela:
Desdobro-te diante a história inteira,
É que a queres de
verdade
Rasgo em tua garganta o imenso grito
Ou quer's ver-me livre
dela?
Que do fundo do tempo a nós se abeira.
Quando a liberdade grita
Sou o teu professor, ato-te ao fito
Pelas ruas a
fremir
Que nos tornou humanos nesta feira
Logo a prisão se
concita
De enganos que na vida não concito
Por trás dela a se
encobrir.
Mas teimam enxamear a sementeira...
Entre ordem e
liberdade
Sou a tua esperança ou és meu fim?
Há uma amizade
inimiga:
Por ti me continuo, é meu teu gesto
É a velhice em
irmandade
E sinto ao caminhar o teu ardor.
Co'a novidade a que
liga.
De ti recebo mais que dou e enfim
Ser livre é fundir a
idade
O que me dás é o que afinal te empresto:
Da mais nova à mais
antiga.
O aluno é o meu primeiro professor!
431
432
Pardal
Mistério
A criança traça um
traço,
Vens, passo a passo, ensinar-me
O professor não
gostou,
A decifrar o mistério?
Que o traço que ali
traçou
Cada letra com que eu me arme
Juntou no mesmo
compasso
Inaugura um quinto império.
O sonho com que
sonhou
Sílaba a sílaba o carme
E a realidade que a
braço
Lança-me em voo sidério
Quis prender no mesmo
laço
Por mundos onde encontrar-me.
Do voo que
imaginou.
E ao discurso o sonho gere-o
Mas depois veio um rabisco,
Semeando estrelas na lama,
Uma cor o
abrilhantou
Elevando a terra ao céu
Mais o apolíneo dum
disco...
E nela todo este acama.
- E eis que um pardal voou
Qual será meu horizonte?
Do papel p'ra além do
aprisco
O eterno início que é o meu
Como um deus o ali
criou!
Ou da eternidade a fonte?
433
434
Solitário
Desventurados
Ser um homem
solitário
Como é que os desventurados,
É ser pobre e desarmado,
Por um toque de magia,
Mas p'ra ter destino
vário
Podem no céu, algum dia,
Nem urge ser mal
amado.
Ser os bem-aventurados?
Não deve um homem ser
só
Como é que a fome os sacia?
Que se torna
vulnerável,
Se a injustiça tece os fados,
É perdido grão de
pó
O tribunal dos julgados
No universo
inumerável.
Como é que os beneficia?
Assim reduzido a
zero,
Remetemos a equidade
Como ter na voz um
grito
Para o reino da utopia
Que não seja
desespero?
E dormimos descansados.
Como impor o gesto
aflito
E os que lutam p'la igualdade,
De cujo segredo
espero
Quem a vive e não adia,
Ir do finito ao infinito?
São sempre os crucificados!
Quem tem fé, só tem cuidados,
Que, hora a hora, é aqui que fia
As malhas da eternidade!
435
436
Justiça
Saber
Quando da humanal
justiça
Será que saber que ignoro
A equidade se
elimina
Me basta como saber?
Cobrimos nossa
cobiça
Ou em mim tal é o desdouro
Com a justiça
divina.
Que nada já vai valer?
E depois, com a
preguiça
Como é que me condecoro
De quem tal doutrina
ensina,
Com um vazio de ser
Metemos Deus nesta
liça
Se até, p'ra manter decoro,
Sancionando-nos a
sina.
Me recusar meu poder?
Ele é quem dispara e
fere,
Preso na beira do abismo
Não a mão da
iniquidade
A um palmo da salvação,
Que em demasia
requer.
É condenado que cismo
Deus espalha a
mortandade?
Com esta falta de chão:
- A verdade o que refere
Do poder o meu baptismo
É que em nós morre a
equidade.
De saber é uma ilusão.
437
438
Dúvida
Rasto
Será que penso de
facto
Trago no corpo gravados
Ou penso que
pensarei?
Os prédios que construí,
Ao agir há sempre um
acto.
Ruas que abri têm aos lados
Ao pensar, como é que
sei?
De meus pés quanto lá vi.
Se imaginar um
contrato,
Tenho na alma calejados
O contrato não é
lei
Os castelos que erigi.
Mas, se outrem nele não
ato,
Se me espedaço aos bocados
Ato-me a mim que o
pensei.
Não me serve de alibi.
Pois duvidar de que
penso,
Sou fruto de quanto fiz
Isto é pensar,
afinal,
E neste quadro que sou
Embora me ponha
tenso:
Trago-lhe o traço de giz.
Para não me sentir
mal
Mais, porém, que quanto dei
A mim me queimando
incenso,
A quanto a mim se entrosou,
- Pensarei pensando o
real.
A mim é que me criei.
439
440
Presente
Morada
Viver
plenamente
Submerso no frenesim
Só pode
viver
De nossa era apressada,
Quem neste
presente
Vejo aqueles donde vim:
Mergulhar o
ser.
O mundo era-lhes morada
Por isso é que,
ausente,
E o porvir não tinha fim,
Nunca posso
ter
O presente era a largada
A alegria
assente
Lançada para um confim
No que
acontecer.
Onde sonha a madrugada.
Dia mais
feliz
Erigiam prò futuro,
Duma vida
inteira
Pedra a pedra, em desafio,
É o que agora
vivo:
Domando o esquivo amanhã.
Nele aqui me
fiz
Contra o tempo, meu seguro
E é nesta
joeira
Pagaram, prevendo o frio
Que meus trigais
crivo.
Que hoje nos gela a manhã.
441
442
Deveras
Passado
Os antigos são quem
viu
Qualquer coisa de tranquilo
O que morreu pelas
eras:
No passado: permanente,
Quando ninguém nos
seguiu
Da eternidade sigilo,
Então ninguém é
deveras.
Estátua na praça assente,
Por isso é que lhes
saiu
Um quadro no peristilo
Das mãos tudo quanto
esperas
Ao tornado indiferente,
Dum tempo que nos
fugiu
Alheio ao presente estilo
Mas prende em suas
esferas
Das convulsões do presente,
Nossos passos
transviados.
Mantém calma e dignidade,
Eles são quem nos
ensina
Desafia os conturbados
A apontar à
eternidade:
A refúgio procurar
Urge dar ordem aos
fados
Nos silêncios doutra idade.
E o que ao fado
determina
Há lá paz e, com tais dados,
É o que gera cada
idade.
Pressinto que há lá lugar.
443
444
Estúpido
Louco
Será um estúpido
aquele
O louco vem de outro mundo
Que não vê como a outra
gente
A falar do paraíso
Ou antes é que o
impele
E com ele me infernizo
Ver um mundo
diferente?
Tanto quanto dele abundo.
Estúpido é quem na
pele
E se em mim o interiorizo,
Sofre injúrias
inocente
À medida que me inundo
Ou antes o que o
repele,
A vida inteira fecundo
Tido por
inteligente?
Mas perderei o juízo.
Este assegura o
presente
Ou então quem o perdeu
E o futuro não é
dele,
De vez foi a gente sã
Aquele o porvir
pressente
E este mundo anda iludido.
Mesmo que outrem o
atropele.
Que critério será o meu?
- Estúpido é não ser
crente
- Alertado, à barbacã,
Na lonjura que me
apele.
Sou o louco e o entendido.
445
446
História
Comprender
É no ser que se não
pensa
Quando eu me compreendo,
Que eu penso p'ra vir a
ser,
Eu já fui compreendido
É assim que a história se
adensa
Por algo que me compreende
Da ausência que a
preceder.
Mas não tem compreensão.
Deste impensado a
presença
A este ignoto me rendo
Cria o tempo de
viver,
Que me segreda do olvido
Ara que a palavra
incensa
O que se compra e se vende
Por verdade a
suceder.
Bem fundo em meu coração.
Se alguma vez
desvelara
Comigo reconciliado
Deste ser toda a
verdade
Entro pelo mundo além
Deviria a busca
vã.
Buscando um acordo mútuo.
Buscando a jóia mais
rara,
E o conceito conceituado,
Vem-me esta oportunidade
Dentro e fora, num vaivém,
De ser a nova
manhã.
Me repousa enquanto luto.
447
448
Fundamento
Cientista
Se procuro um
fundamento
O saber dum cientista
Sofro-lhe a
condenação.
São factos, não são valores.
Do fundamento o
tormento
Mas, p'ra que neles invista,
É jamais ter
conclusão.
Donde afloram-lhe os fervores?
Qualquer premissa um
momento
Para que a ciência exista
Parece a evidência à
mão,
Por ela acordam amores.
Mas depois, se eu
argumento,
Saber dos factos é a pista
Não passa duma
ilusão.
Mas que atrai os corredores?
Ou a aceito sem mais
nada
Antes de qualquer saber
Ou a questiono outra
vez
Vem a vontade de o ter
Ou a fundamento em
si.
Que o facto em bruto não tem.
Por qualquer via é
frustrada
Saber se saber um facto
A luta deste
entremez:
Vale ou não nos sela o pacto
Vivo neste
frenesi!
Que de facto nos convém.
449
450
Discurso
Fala
Toda a fala é coacção
Nossa fala é um instrumento
Mas sem
coercibilidade,
Com um dom particular,
Que um argumento em
acção,
Abre-me de par em par
Sem
obrigatoriedade,
Todo o mundo que eu invento.
Me obriga a ler a
lição,
Vou nela me recriar
Verga minha
faculdade
Nas atitudes que intento,
De entender e dar a
mão:
Sou sol e mar e sou vento,
Obriga-me à
liberdade.
Sou a história a caminhar.
O discurso não
actua
Criado o mundo é-o na fala,
Senão por seus próprios
meios,
Nela me vou sendo história,
Não usa o peso da
força.
A fala a tudo responde,
Por não forçar é tão
crua
Garante que ninguém cala
Dele a força dos
enleios:
O grito da minha glória:
- Força alguma ao fim o
força!
- Sou tempo, sei-o e sei onde!
451
452
Nome
Estrangeiras
Dei-lhe um nome
originário,
As coisas sempre me escapam,
Esta coisa então
brilhou,
Permanecem-me estrangeiras
Deste brilho fiz
solário
Enquanto não as encapam
Até que me
acalentou.
As palavras verdadeiras.
Fui fundamento
primário,
Se de ignorância se tapam,
Fixei-lhe o ser em seu
voo
Sem palavras feiticeiras
E então deixei de ser
vário,
As realidades se capam,
Assentei no que enfim
sou.
Estéreis e sem maneiras.
Dar um nome é
nomear-me
Mas, quando agarro a palavra,
Também de alguma
maneira,
Controlo os dados concretos,
Fundo o ser pela
palavra.
Sujeito-os a meu domínio.
E quando canto o meu
carme
Língua, charrua que lavra
Lavro o chão da vida
inteira
As leiras de avós a netos,
Que dentro e fora me
lavra.
Semeia em tudo o fascínio.
453
454
Esquizofrenia
Metáfora
É tanto o
comportamento
Quando um doente mental
Que marca a
esquizofrenia
Diz "violação, assassínio",
Como o apontá-lo
faria
Não tem senso, é falar mal.
Que se lhe grasse o
tormento.
Mas, quando neste escrutínio,
A palavra
criaria,
Chamo à prisão hospital
Co'a força do
pensamento,
E a jóia do meu escrínio
Para o inferno larga
via
É um preso que traz sinal
Como prò céu
linimento.
De doente, isto define-o
Assim é que a
realidade,
A gíria institucional
Longe de ser o que
for,
Não por metáfora certa
Mais do que eu dela
fizer,
Mas por facto, quando o facto
Revela em
profundidade
É que destruo um ramal
Que a palavra ali vai
pôr
Que nos tinha a porta aberta
Dela a estrutura do
ser.
A um porvir com novo impacto.
455
456
Sanidade
Escravatura
Regimes
totalitários
Quando acaba a escravatura
E psiquiátricos
asilos
Não acabam os escravos
Entre si têm traços
vários
Que a escravatura perdura
Que nos não deixam
tranquilos.
Em quem lhe busca os agravos.
Quando não são
solidários,
Quem tem de escravo a figura
Aos grupos urge
medi-los
Que crava aos membros os cravos,
P'los medos
imaginários
Que servil se configura
Que aos tiranos vão
pedi-los
No senhor e em seus agravos
Como amos de todo o
povo.
É escravo mesmo sem amo
É o medo da
liberdade
E grita por ter um dono,
Que as multidões
enclausura:
Tropeça no próprio pé.
Tanto fica sem
renovo
E é porque um pouco tal amo,
Quem perdeu a
sanidade
De mim perco sempre o entono,
Como o que a prisão procura.
Que jamais serei quem é.
457
458
Bom
Geração
Ora é o opressor que é
bom,
O que perdura jamais
Ora é bom o
oprimido.
Provém do que é passageiro
No fim tudo é uma
ilusão,
E o simples não vem ao cais
É oposição sem
sentido.
Que é do confuso o atoleiro.
Buscando a
igualização
Ter medida é não ser mais
Cada campo apura o
ouvido
O desmesurado inteiro.
À culpa e à
punição,
O solo não encontrais
Bandeiras do que é
querido.
Se dos abismos me abeiro.
Quando todos se
libertam
Jamais o ser vem dum ente,
E assim vão ficando
iguais
Mas sempre um ente do ser,
É que reparam, por
fim,
Morta a essência no acidente.
Que aquilo p'ra que
despertam
Por acidente a viver,
Lhes muda tanto os
sinais
O ser crio livremente
Que já nada é lido assim.
Se me crio por querer.
459
460
Conhecer
Decifrar
Se isto conhecer eu
tento
Eu sei que sei dum saber
Eu conheço que
conheço.
Que depressa morrerá
Se questiono o fundamento
A não ser que em meu poder
Na própria questão
tropeço.
Tenha aquilo que não há:
É que no mesmo
momento
Quem me decifre o meu ser
Em que a mim próprio me meço
E com razões ponha lá
O meu metro não
invento,
O que eu não posso conter
Uso o metro do
começo
Se tenho o que tenho cá.
P'ra medir o próprio
metro.
Se me não decifro, morro,
Como saberei se
sei
Morro se me decifrar,
Se, p'ra saber do
saber,
Meu fado não tem socorro.
Só meu saber é que
impetro?
Resta-me apenas gritar
O círculo desta
lei,
E, enquanto em meu grito corro,
Eis a prisão do meu
ser.
De desespero esperar.
461
462
Criar
Recordo
Ser homem é vir
criar,
Quando me recordo
Perco assim minha
inocência,
Do que fui um dia,
Que prò novo ser
gerar
Só então acordo:
Com o velho uso
violência.
Eu não fui, seria...
Ser para a vida é
fundar
É que o meu acordo
No ser para a morte a
essência
É uma fantasia,
Sacrificando no
altar
Põe fora de bordo
Que do ser gera a
emergência.
Quanto me excedia.
Assim me sou
inquietante:
E o que hoje vou sendo
Quando tendo para
ser
É o que sempre fui,
Tendo igualmente prò
nada.
Aquele que atenta:
De minha essência
hesitante,
Um sonho crescendo
Qual irá
prevalacer,
Que em redor derrui
Serei noite ou
madrugada?
Tudo o que acalenta.
463
464
Tráfico
Sofrimento
Condena a
pornografia
O sofrimento da vida
Quem é mesmo
pornográfico:
Pode ir sendo eliminado,
Pretende que é uma só
via
Só que o sonho, de seguida,
Onde a vida tem seu
tráfico.
Fica-nos logo melado.
E então, com gesto
seráfico,
Quando uma dor é indevida
Quanto dali se
desvia
É dever do injustiçado
Pune como erro
ortográfico
Lutar por ser elidida,
P'ra ensinar
ortografia.
Que jamais lhe fira o lado.
E então, com horror à
escola,
Mas, quando é o peso que temos
Tudo fica
analfabeto,
Que nos fica aligeirado,
Aprisionado em seus
erros,
Quando se engana o destino
Quando bastaria a
esmola
Como algo que é de somenos
Dum saber dúbio e
correcto
Jogando-o para outro lado,
Para nos livrar dos
ferros.
- Morre em nós quanto é divino.
465
466
Louco
Fundamental
Sou aquele velho
louco
Milhões de homens vêm perdendo
Que perde a semana
inteira
O seu ser fundamental,
No labor que sempre é
pouco
Já não se reconhecendo
Para uma obra
verdadeira
Entre iguais como o que é igual.
E que quando chega à
feira
A unidade em si não vendo,
Se torna aos clientes
mouco,
Procuram-se, por sinal,
Afasta quem se lhe
abeira.
Onde ela nunca ocorrendo
Não vendo, senão apouco
Lhes agrava assim o mal.
Todo o sonho a que me
prendo,
Toda esta procura é vã
Que nas obras se
incorpora,
Se amontoar membros dispersos,
Tão filho como meu
filho.
Sejam gestos ou culturas.
E assim é que, nunca
sendo,
Que a vida jamais é sã
Eu me adio de hora a
hora:
Se não são rostos conversos
- Sou tanto sol que nem
brilho!
As suas novas figuras.
467
468
Harmonia
Estrela
Sonhamos com a
harmonia
Com tanto encarniçamento
E buscamos a
unidade
Eu deveria tornar-me
Em que entrevemos o
dia
Estrela no firmamento
Do início da
liberdade.
Cheia da luz com que me arme.
E a primeira
qualidade
Se chego ao fim do tormento
Em que aposta a
miopia
Com a força de meu carme,
É induzir a
unicidade
É caro o meu pagamento,
Onde a unidade
queria:
Tão caro que me desarme.
Com todos nós
comandados
Se venço as dificuldades,
Pelos ceptros de quem
manda,
Vou deixando em cada obstáculo
Vamos sendo
indiferença.
Sempre um pouco de meu sangue.
Neste uniforme
entalados,
Morro através das idades
Toda a fresta em nós
comanda
E não atinjo o pináculo
Que nos salve a
diferença.
Que evite que fique exangue.
469
470
Luta
Solidão
Um homem, p'ra se
calar,
Numa cidade deserta,
Tem de se sentir
seguro
Casas de olhos arrancados,
Ou, p'ra se
justificar,
Sofremos a chaga aberta
Ele agride o eterno
muro
De vivermos isolados.
Que em todos vê
perfilar
Nunca a solidão é certa
A encurralá-lo no
escuro
Perdida por entre os prados
Do beco sem volta ao
lar
Ou na floresta desperta
Deste ar que respira
impuro.
Pelos passos deslumbrados.
Vai bater-se contra
todos
Na natureza selvagem
Legitimando o
argumento
Eu comungo enquanto cismo
Que ninguém co'ele tem
modos.
No êxtase mais profundo.
Perdido no
frenesi,
Reencontro a minha imagem,
Seu inimigo é um
invento:
Não enfrento o cataclismo
Luta afinal contra
si!
Que me esvaziou o mundo.
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472
Processos
Janelas
Processos de
Galileu,
São sempre fundamentais
Quantos pontuam a
história?
Todas estas descobertas
No tribunal da
memória
Que nos hábitos mentais
Quem nunca um dia se
viu?
Rasgam janelas abertas.
E à sentença que
puniu,
Os narcisismos jamais
Quem lhe identifica a escória
Suportam quando os apertas,
Sem sofrer a morte
inglória
Porém, e dos bons sinais
Do desdém de quem é
seu?
Só acatam quanto pervertas.
Pior, porém, é se em
mim,
Que, logo à primeira vista,
Na busca de mais ser
eu,
Recusam com violência
Me condeno antes do
fim:
Quanto os venha pôr em causa.
Tamanha é a
contradição
Quanto mais teu passo invista
Que, sendo eu
Galileu,
Duma verdade a evidência
De mim sou a
Inquisição!
Mais mortal deles é a pausa.
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474
Luzir
Liberdade
Podemos
introduzir
Nunca tenho liberdade,
Sempre todo o
inesperado:
Sou sempre libertação
Fenómeno humano é
luzir
E não depende da idade
Mesmo com fogo
apagado.
Mas de minha condição.
Provável é não
sentir
E a condição é que não
Quando eu sinto tudo ao
lado,
Serei livre se em verdade
É uma causa
produzir,
Não acolho em rendição
Produzindo o fim do
fado.
Quanto for a realidade.
Posso sempre
ultrapassar-me,
Mas nunca serei primeiro,
Diverso do que me
espera,
Por muito que sobrenade
Longe mesmo até de
mim.
A correr atrás de mim.
E sem que jamais
desarme
Jamais serei por inteiro,
Corro em busca da
quimera
Que não tenho faculdade
Sem nunca encontrar meu
fim.
Que me atire até ao fim.
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Inacessível
Encurralado
Toda a nossa
liberdade
Duplamente encurralado
Vem de ser-se inacessível.
Não conquisto a autonomia
O problema é que a
verdade
Que, ao imporem-me uma via,
Só se atinge se
miscível.
Passa-me esta sempre ao lado.
Consciente da soledade,
E o pior que tem meu fado
A mim próprio meço o
nível,
É darem-se à fantasia
Constato que é
falsidade
De imporem que eu deveria
O que colho ao ser incível.
Ser autónomo mandado.
Para me encontrar
seguro
Por mim mesmo não podendo
Da existência que
procuro
Conquistar-me, ao fim e ao cabo,
Tenho de estar
consciente
Que liberdade terei?
Do que sou, que tenho em
mente.
Toda a liberdade sendo
Porém, tendo-me assim
lido,
A coacção com que eu acabo,
Vivo por mim
perseguido.
Quem sou eu, que devirei?
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Ordens
Peça
Dá-se ordens a uma
pessoa
Os papéis desempenhamos
Que espontânea antes se
quer.
Em peça que nunca lemos,
Todo o quotidiano
ecoa
Que nunca, aliás, vislumbrámos
Este contrário
mester.
Nem lhe a intriga conhecemos,
É que nós
obedecemos
Cuja existência entrevemos,
A regras durante o
dia
Que com ela deparamos
E nunca, afinal,
sabemos
Mormente em lances extremos,
Que se lhes
obedecia.
Pois tais lances dão-nos amos.
Isto é tudo tão
subtil
Não tenho imaginação,
Que eu mando quanto há-de
ser
Nem sequer um pensamento,
Mais o modo de
ocorrer
Para alcançar onde estão
E o mais fino do
perfil
A raiz, o fundamento
É, quando algo mando a
alguém,
E o fim da estranha função
Querer que o queira
também.
Que sou eu cada momento.
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480
Paraíso
Sonhar
Ai este enorme
desejo
Vamos sonhar em conjunto
De retomar minha
infância,
Do café ao chá das cinco:
De roubar o breve
beijo
Quando com os mais me junto
Do paraíso à
distância!
É que a sério a vida brinco.
A identidade que
ensejo
Tudo o que em mim é defunto
Convivida sem mais
ânsia!
Ressuscita e me desminto:
Idade de oiro no
brejo
De sonho a engrenagem unto,
Das papoilas sem
ganância!
Mexo-me e de novo sinto.
Como tudo é
incompatível
Inauguro-me a manhã
Co'as exigências da
norma
Porque, os sonhos ao trocar,
Desta vida em
sociedade:
A aurora jamais é vã:
Era a preguiça
punível
É no sonho de sonhar
Que tomaria aqui
forma...
Que eu sonho um novo amanhã
- E aqui morre a
liberdade!
Sonhado em novo lugar.
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482
Destruir
Receita
Toda a gente todo o
dia
Na rota da vida,
O que busca é
destruir
O gosto e o prazer
A vida interior que
havia
A sobreviver
Nos outros sempre a
fluir.
É o que nos convida.
Agir sobre outrem
devia
Não sei qual vai ser
Ser apenas o fruir
Receita melhor:
Do sonho e da
fantasia
Saber do sabor
Que juntos nos leva a
ir.
Sabor de saber?
Mas agir sobre outrem
pode
Se não sei que sabe,
Ser modo de
defender
O sabor não tomo
Meu mundo de invasão
'stranha.
A nada que veja;
Nesta ambiguidade
acode
Se o saber não cabe
Quanto nos leva a
perder
No sabor que como,
Quanto antes a gente
ganha.
Jamais sei que seja.
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484
Vencedores
Cria
Vencedores ou
vencidos
Um ouvinte bem atento
São todos os
jogadores.
Descontrai o orador,
Porém, se os fins
prosseguidos
Devolve-lhe, leve, o alento,
Não for serem os
melhores
Rouba às maxilas furor,
Mas antes, passos
volvidos,
Descai-lhe os ombros no intento.
Ser de si próprios
autores,
E, se lhe aumenta o fervor,
Porem aqui os
sentidos,
É que lhe ouve o pensamento
Nisto serem os
maiores,
Com quanto lhe vem propor.
A festa que
conseguirem
Atrai-o com empatia,
É a de além de si
volverem
Acalma-o de encantamento
Desabrochando mais
flores.
E, se um pouco mais porfia,
Então quantos
atraírem
Muda da noite prò dia
Será para todos
serem
Deste encontro o entrosamento:
Todos juntos
vencedores.
- Ele é quem o orador cria!
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Discussão
Apoio
Da discussão nasce a
luz,
Nosso apoio silencioso
Outrora se
defendia.
Pode criar o terreno
Quando na vida o
propus
Em que outrem, laborioso,
Não vi mais que vã
porfia.
Cultive seu próprio feno.
Da luz que me
prometia
Se alguém de mim, desgostoso,
Da disputa só
transluz
Se aproxima, o peito pleno
O dogma, a
capelania
De amargor em vez de gozo,
Que aos fanatismos
conduz.
Aliso-lhe um terrapleno
Da contraluz me
convenço
Só com ouvi-lo, acolhê-lo,
De que o mundial
convívio
Dar-lhe um abraço bem forte
Requer algum outro
alívio.
Com atenção, com carinho.
É que a mim eu só me
venço
O silêncio forja um elo
Quando admito ser
vencido:
Que vai arrancá-lo à morte:
Noutrem me salvo do olvido Voa de novo ao
seu ninho.
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488
Perto
Aldeia
Imaginam que eu revejo A aldeia
global do mundo,
Com calma e satisfação Nossa
nacionalidade,
O trabalho que
desejo
Identidade de fundo,
Chegue à final
conclusão.
Da paz nos aponta a idade,
Mas um conceito não
vejo
Já que em paz é que me inundo
De que tenha a
convicção
Do desejo que me invade
Que aspire a qualquer
ensejo
De estender-me no profundo
De eterna
manutenção.
Espaço da eternidade.
E assim me sinto
inseguro
Pois, quando a guerra estalou
Sobre se estou em
geral
Logo me confino à aldeia
Na senda e no rumo
certo,
Que a vida me inaugurou:
Que eu não busco o saber
puro:
Defendendo esta fronteira,
Bastava-me só um
sinal
Para além é uma alcateia,
A dizer se vou lá perto.
Fojo a fojo, a Terra inteira.
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490
Artesanato
Mosca
Apoiar o artesanato
Tenho o paladar nos pés
É dar a muleta ao
manco
E cheiro pelas antenas,
A ver se assim me
desato,
Quando respiro é através
Solto o espaço que
atravanco.
Dos flancos a que dou penas.
É que uma cultura em
acto
Meus voos, de cada vez,
Murcha sentada no
banco
Para todas as empenas,
E, se é consumado o
facto,
Se ajustam com solidez
Do lugar jamais me
arranco,
Ao jeito a que me condenas.
Semimorto,
semivivo.
Mas não sou mosca, não sou,
Mesmo cadáver,
cativo
Sou tua sombra secreta
Meu lugar em campo
aberto.
E os voos por onde vou
Reanimar o
moribundo
São a janela indiscreta
Vai soltar asas ao
mundo
Donde espreitas outro mundo
E o longe pode estar
perto.
E assim é que te fecundo.
491
492
Em
Acto
Esteios
Quem me dera ter vinte
anos,
Em três esteios apenas
Os sonhos todos em
acto,
A humanidade procura
A viver sem
desenganos
Rumos firmes prà aventura
Cada dia, um
desacato!
De se ir eximindo às penas.
Gozar a vida sem
planos,
Com Filosofia dura,
Provar sempre um novo
prato
Mesmo com luzes pequenas,
E nunca pensar nos
danos
Alevantando as empenas
Da aventura ao
desbarato!
Que lhe erige a Ciência pura.
Quem me dera se eu
soubera
Com a broca que perfura
O que hoje então
saberia
Os penhascos da ignorância
Do sabor da vida a
sério!
Dá-lhe a Técnica a segura
Mas se o soubera
pudera
Mão p'ra dominar esta ânsia.
Viver o que então vivia?
Se das três se desentende,
- Matava-lhe era o
mistério!
Já nada o mundo defende.
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494
Ciência
Técnica
A Ciência é uma
alavanca
Toda a Técnica é uma broca
Em busca do ponto
fixo
Que me prolonga meu braço
Duma escolha com que arranca
E me tira do embaraço
Sempre prò que lhe
prefixo.
Do mundo onde a mão não toca.
O saber não
atravanca
Com ela abandono a toca,
E o mundo que nele
afixo
Principio a dar o abraço
Comigo amigo se
abanca,
Ao mundo inteiro num traço
De cada voz meu
sufixo.
Que no infindo desemboca.
Verruma que fura os
muros
Meu corpo de membros mil,
Que cercam a
imensidão
Com que vou da Terra ao centro,
Do mistério que nos
prende,
Dos astros até os confins,
Liberta-nos dos
apuros
Técnica é o novo perfil
Desta imensa
solidão
Com que, entrando por mim dentro,
A que o destino nos
vende.
Levo ao fim meus próprios fins.