6ª. Redondilha
Frágeis
Ataram os Nós
Escolha aleatoriamente um número
entre 711 e 926 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
711
6ª. Redondilha
Frágeis ataram
os nós
Que nos atam
sonho à vida
As sementeiras
da lida
Que lidamos
sempre a sós.
Nesta solidão
atroz
Canto esta dor
dividida
Que eternamente
convida
A cantar a uma
só voz.
Canto estes
passos perdidos,
Gritos do
infinito ouvidos
Sempre além de
nossa senda,
Marcas perdidas
aos lados
Dos campos
arroteados
Que ao fim
lavram nossa lenda.
712
713
Sino
Eu Ser
Nunca se pode ser
grande
Eu sou este ser no mundo,
Num País tão
pequenino:
Situado neste aqui.
Como aceitar que em nós
mande
Mas sou mais, de ser me inundo,
O badalo oco dum
sino?
Dou-lhe corpo e sou-o em si.
714
715
Homem
Ser
Entre o ser e seu
aí
Entre o ser e o não ser
Há o elo em que se
consomem:
Mora o intermédio ir sendo.
Ao ser-me este ser em
si
Por neste meio viver
Inauguro-me a ser
Homem.
É que, afinal, eu aprendo.
716
717
Aprender
Mestre
Se ninguém nasce
ensinado,
Qualquer mestre aos seus alunos
Nem ninguém sabe aonde
ir,
Sempre requer que conheçam,
Somos coxos no
tablado
Mas pròs saber's serem unos
E aprender é a bengala de
existir.
É no ser que eles começam.
718
719
Professor
Estudante
Professor é o
idiota
Estudante, se perguntas
Que àqueles se dá que o
comem,
O que terás de aprender,
Sempre a mando do
agiota
As respostas todas juntas
Que lhe recusa ser
homem.
Nunca te ensinam a ser.
720
721
Utopia
Crer
Vivemos pela
utopia,
Tu não crês na lida
A do amor, a do
porvir...
E nada acontece:
- Mas quando o fim se
anuncia
- Quem não crê na vida,
Já lá ninguém mais quer ir.
Vida não merece!
722
723
Corrigir
Errar
Se você se não
corrige,
Sei que errar é humano
Isso é falta de
interesse.
E evitar não posso.
Quando alguém se não exige,
- Mas é um mero engano
Quanto valer
desmerece.
Quando o erro é nosso...
724
725
Erro
Mentira
O nosso erro é mais
teimoso
Como a mentira é suspeita,
Que mesmo um dogma de
fé,
Meia verdade convida,
Pois, mais do que esta
orgulhoso,
Mas faz-lhe sempre a desfeita:
Mantém a crendice em
pé.
Imita-a em toda a medida.
726
727
Sobressalto
Distância
Se alguém grita que é, bem
alto,
Quando me ponho à distância
Normal sem
hesitação,
É p'ra poder ver melhor:
Fico logo em
sobressalto:
- Neste novo olhar de infância
Duvidar é que é ser
são.
Aro o que gravei de cor.
728
729
Preocupações
Veias
Do turbilhão das
preocupações
A correr não tenho ideias
Surge, repentina, uma débil
graça
E parado ainda menos.
E nela se renovam
ilusões:
Isto é porque nossas veias
- É a vida que
passa!
Secam do excesso aos venenos.
730
731
Espera
Perda
Vogamos entre a espera e o
desespero, Abro os olhos e não vejo,
Suicidas adiados, morte em
pé...
A boca e me calo mudo...
Instável no equilíbrio, que é que
quero? - E por mim passa
o cortejo
- Enfrento a vida p'ra adubar a fé!
Em que me perco de tudo!
732
733
Reconhecido Dizer
Quanto mais a mim me
ignoras
Dizer em prosa ou verso longamente
Com mais sanha te
persigo,
Este cansaço, a fome, aquele grito...
Que eu vivo de teus
emboras:
E para quê dizer, se o dizer mente?
- Ser é ser
reconhecido!
Mas como não dizer, silêncio aflito?
734
735
Verniz
Nomes
Subitamente estalou
Cremos nós na evolução
Das falas o verniz
vão
Por dares tu nome às coisas
E um tiquetaque
contou
E as coisas se esquecerão
Quanto o contar é ilusão.
P'los nomes em que repoisas.
736
737
Dividido
Não
Dividido ao meio,
Custa tanto dizer não
Ignoro o que
incenso:
A quem, afinal, convida
- Eu penso que
creio
Que o sim que lhe digo então
E creio que
penso!
Diz que não à nossa vida.
738
739
Romance
Escritor
Feito escravo em
contratempo,
O bom escritor é igual
Ignoro a vida na ficção das
turbas:
Ao que entre os mais fracos cabe
Leio romances p'ra esquecer o
tempo Em tudo o que
nada vale.
Quando, tempo, me perturbas.
Por que é bom? Nunca se sabe!
740
741
Adulto
Obra
Fico de adulto
vestido
Se eu assinar uma obra
Com os fatos da
cultura,
Quem lhe põe a vista em cima?
Dispo-me e caio no
olvido,
Mas se um grande nome a dobra
Torno-me um bebé sem cura.
Ela é logo uma obra-prima!
742
743
Comunicar Importante
Comunicar é
importante,
Ao falar, ouve o ouvinte,
Mas o mais que então
suscito
Diz-lhe só o mais importante.
É aprender quanto é
instante
Para que melhor o pinte,
Ouvir o que não foi dito.
Pensa apenas o restante.
744
745
Comunicação Converso
Se ao falar dou meus
sentidos,
Contigo a estar eu aprendo,
Ao cantar é que te
acalmas,
Rasgo o silêncio, não calo,
Que a música em teus
ouvidos
Mas à evidência me rendo:
É a fusão das nossas almas.
Converso, sim, mas não falo.
746
747
Explicar
Ponte
Nunca ao fim nada se
explica
Toda a palavra é uma ponte
Senão com nada
explicar
Que tudo liga com tudo,
E assim tudo se
complica
Que o ser vem duma só fonte,
Quando bastava
aceitar.
Fala dela mesmo mudo.
748
749
Perguntar Linguagem
Pergunto o porquê de
tudo
Todo o ser da linguagem
Menos o de
perguntar.
É um andar sempre acabando
Ora, o porquê mais
bicudo
E, na intérmina viagem,
É o de aqui o
colocar.
Renascer principiando.
750
751
Perigo
Bordão
O perigo dos
perigos
Para que o ser aconteça
É a linguagem que nós
somos:
Necessita dum bordão
Fala do ser entre
amigos
Cujo tamanho nos meça
Quando só de entes
dispomos.
P'ra lhe darmos expressão.
752
753
Viatura
Signo
Muda a vida e se
estrutura
Todo o signo sobrevive
E a palavra se
mantém:
À coisa significada:
Hoje é um auto a
viatura,
A cabeceira ainda tive
Ontem foi cavalo e
trem.
Co'a cabeça já enterrada.
754
755
Termo
Escrever
Procuro e falta-me o
termo
Escrever é uma maneira
Quando esqueço o que procuro.
Talvez de melhor pensar:
E das palavras este
ermo
O esquecimento joeira
Arrepia de
inseguro.
O que o papel faz lembrar.
756
757
Língua
Percepção
Nós penetramos bem na
alma
Percepção imediata
Duma
civilização
Não passa de fantasia,
Quando tomamos a
palma
É uma percepção tardia
Da língua que lhe é seu
pão.
Tudo o que é ciência exacta.
758
759
Cala
Ouvinte
Matemática da
fala,
A magia dum ouvinte
O zero em
conversação
Silencioso e atento:
É o momento em que se
cala
Todo o orador é um pedinte,
E um um eleva a um
milhão.
A esmola é nele ter tento.
760
761
Parecer
Sentido
Aquele que foi
vencido
Ler de modo diferente
Na disputa p'ra
entender
O incoerente vivido,
Mas que não foi
convencido
Mais que romper a corrente
Guarda o mesmo parecer.
É dar-lhe por fim sentido.
762
763
Perfis
Visão
Uma mesma
realidade
A teoria não é nada
Pode ser
interpretada
Separada em sua essência,
Por dois perfis de
verdade
Que é visão articulada
Conforme donde ela é olhada.
De quanto for experiência.
764
765
Natureza
Tocador
Entre a arte e a
natureza
Gaita que não assobia
Há uma disputa
infinita:
É gaita de tocador,
Uma grita-me a
beleza
Festeja tanto que um dia
Que outra ignora mas
suscita.
Mais não canta, toca a dor.
766
767
Retoque
Jogo
O pintor retoca os
olhos
A poesia é aquele jogo
Sete, oito, nove, dez
vezes,
Que, no entanto, não é.
Encalha em novos
escolhos...
No jogo sempre me afogo,
- Arte é feita de
reveses!
Na poesia encontro pé.
768
769
Memória
Corrente
Arte funda a
história
Onde vai um pensamento,
E há uma história de
arte.
Onde chega esta avenida?
Esta é uma memória
Quando o ataca, o esquecimento
Daquela a
criar-te.
É uma corrente partida.
770
771
Frio
Máquina
Na consciência de ser, um frio
súbito, A
máquina não se engana,
Um interior olhar que se
perdeu
Posso dormir descansado:
Desgarrado de seu próprio
decúbito,
E o progresso assim me irmana
- Esquecimento: em mim algo
morreu. Com o
olvido lado a lado.
772
773
Lembrar
Vivermos
Sempre cremos que o
progresso
Ao vivermos com as coisas
Era a soma do
lembrar.
Esquecemo-las depressa,
Mais depressa é um
retrocesso:
Que aquilo em que tu repoisas
Progredir vem de
olvidar.
Deixas de o ver com a pressa.
774
775
Arte da
Rua Encobrindo
Quando és a mulher
perdida,
Ser perito em criar arte
Arte perdida na
rua,
É descobrir encobrindo:
Ainda aí tu dás a
vida
- O enigma da contraparte
Por trás da roupagem
nua.
É que torna o expresso lindo.
776
777
Belas
Fixidez
Como as coisas são tão
belas!
Na tela, prà eternidade,
E não são belas as
coisas:
Fixo o instante transitório;
A beleza que vês
nelas
É tão fixo que, em verdade,
É do olhar que nelas
poisas.
Fica mesmo a cair do promontório.
778
779
Fidalguia
Glória
Se a nobreza é
fidalguia
Parece que o poder bruto
Há fidalgos da
pobreza,
Tem um momento de glória.
Que pobre com
alegria
Nunca o tempo é tão enxuto
É mais nobre que a
nobreza.
Que lhe dure até à vitória.
780
781
Altivez
Confunde
É da pequenez
altiva
Com o tempo se confunde
Negar fome e as próprias
faltas,
E acelera todo o tempo,
Em postura
despreziva,
Veloz se de paz me inunde
Se as uvas lhe ficam
altas.
E lento no contratempo.
782
783
Comprar
Morte
O Deus a
comprar
A realidade da morte
Armas e
poder?
Nega-a a minha realidade.
- Tempo de
esperar,
Mas como evitar que importe
Não tempo de
crer!
Se, ao negá-la, ela é verdade?
784
785
Minutos
Peso
Perseguido dos
minutos,
Como é que a idade tem peso?
As garras deles me
arranham,
Mas como é que ela não tem
Por mais que finte os
produtos
Se ela me agarra indefeso
São sempre eles que me
apanham.
E me reduz a ninguém?
786
787
Morrendo
Importante
Preparar-se para a
morte
Aquilo que logo sei
É morrer tudo
daqui
Não sei nunca que é
importante,
P'ra no fim, um pouco à
sorte,
Que importante é o que verei
Ficar só cheio de
si.
Passado o primeiro instante.
788
789
Lembro-me
Instante
Outrora andei por
aqui,
No instante do aparecer
É a festa de então que
doi:
Fulgura uma claridade,
Lembro-me do que
vivi
É o fugaz resplandecer
Mas jamais sei o que
foi.
Sem véus da própria verdade.
790
791
Quarentonas
Retrocesso
"Vinte e seis anos, que
velha!"
O relógio é um retrocesso,
- Riem dela as
quarentonas,
O presente que ele faz
Sem verem quanto ela
espelha
Não é o tempo que eu processo,
Sua ilusão de
matronas.
É o tempo do instante atrás.
792
793
Acabar
Horas
O defeito é de
acabarem
É nas horas de trabalho
As coisas boas da
vida.
Que conquisto quanto tenho.
Mas as más, p'ra
compensarem,
É do lazer ao borralho
Morrem também de
seguida.
Que o que sou a mim me ganho.
794
795
Recordação Constantes
A recordação ordena
Não há relações constantes
Tudo quanto foi
passado.
Entre o que as pessoas fazem,
Ordem é coisa
pequena
Que ter feito crêem antes
Mas é o que é o significado.
E com que, dizem, se aprazem.
796
797
Esperança Optimista
Esperança não é facto,
Preciso ser optimista:
Nem talvez estado de
alma,
Esta mosca imiscuída
Mas antes vontade em
acto:
Não precisa que eu invista,
- Desespero a impor a
calma.
- Anda a procurar saída!
798
799
Conflitos
Empurrar
Contra os outros o
conflito
Se me esforço por andar
Por entre os meus
refugia-me.
Ninguém diz: "posso empurrá-lo?"...
Depois vem do tédio o
grito:
- É que é um novo patamar
- O outro não mata,
recria-me!
Aquele com quem eu falo!
800
801
Revolução
Natal
A revolução de
olheiras,
"Por favor, aceite a prenda!
A noite do
pesadelo...
É pouco, não leve a mal..."
- Quando acordarmos
deveras
- E assim fez com que eu me renda:
Resta entre nós algum
elo?
Num saco deu-me o Natal!
802
803
Doer
Porta
Quando apanhas na
cabeça
Quando te batem à porta
A mim é que isso me
doi:
Abre-la sempre a metade.
A minha tragédia é
essa
Porta franca não suporta
E o meu tamanho de
herói.
A tua meia verdade.
804
805
Tartaruga
Ver
Quando vês a
tartaruga
Há quem olhe mas não veja
Bem lá no cimo da
cerca,
Por andar num outro mundo.
Quanta ajuda se
conjuga
Mas há quem nisto deseja
P'ra que a subir se não
perca!
É desprezar mais a fundo.
806
807
Preconceito
Apoio
Uma opinião
ardente
Sou feliz por dar apoio
Queima tanto quem a
tem
A humilhados e ofendidos,
Que queima quem é
inocente
Mas só vou mondar o joio
Porque não queima também.
Quando anular os bandidos.
808
809
Bom
Contra
Como é bom fazer de
bom
Há muitos que são do contra
Se diz bem de quem bem
faz!
Mas nunca são contra quê:
Como se muda de
tom
Mais lhes importa é uma montra
Se no bem se busca a
paz!
Que os mostre muito a quem vê.
810
811
Demais
Insulto
Do que digo não te
lembras,
Desabafando te insulto,
Anulas-me em meus
sinais:
Obrigando-te à piedade.
Assim é que me
desmembras,
Do insulto não fico inulto:
Modo de eu não ser
demais.
Choras-me com equidade...
812
813
Pior
Dar
Ficar só jamais é
bem
Se dar é a minha divisa
Não ter a quem dar
sentença;
Não é que tenha demais:
Pior mesmo é ter
alguém
É prazer de quem precisa
À lonjura da
indif'rença.
Dar a quem precisa mais.
814
815
Ajudar
Bom-Dia
Quando me vens
ajudar,
Damos bom-dia de viés
Se me não perguntas
como,
Nesta corrida sem rumos,
Não é nunca de
admirar
Dois comboios através
Porque a sério te não
tomo.
Da campina a cruzar fumos!
816
817
Corajoso Importantes
Dizem-no tão
corajoso,
"Tenho questões importantes,
Que da dor nem dá sinais,
Não tenho tempo p'ra ti!"
E afinal é só
medroso
- O efeito é, daqui a instantes,
Do que digam os
demais.
Já ninguém saber de si.
818
819
Festa
Caído
Tanta gente em minha
festa,
O perigo de bater
Tanto público que,
enfim,
Num homem que está caído
É minha festa uma
gesta
É que ele se pode erguer
De todos menos de
mim.
Do fundo do seu olvido.
820
821
Serenidade Impossível
Há quem exalte o
transporte
Embora tudo pareça
Dos vivas pela
cidade?
Dum inimigo invencível,
Só me torno mesmo
forte
A coragem com cabeça
Se for de
serenidade.
Triunfa, ao fim, do impossível.
822
823
Promoção Empregado
Cumprir as
obrigações
Não basta a um bom empregado
Nunca leva à
promoção,
Ter algo p'ra oferecer,
Mas exceder as
funções
Tem de tomar o cuidado
Com que os demais
contarão.
De bem se autopromover.
824
825
Empregados Desterro
Empregados que
desfrutem
P'ra não ser homiziado
Toda a alegria da
vida
P'ra um inóspito desterro,
Na empresa não se
discutem:
Do patrão a ideia é um dado:
Têm carisma em toda a
lida.
- A hipótese exclui dum erro!
826
827
Outro
Esvazio
Noutrem vejo ora o
organismo,
Se invalido a experiência,
Ora o doente
mental,
Não confirmo a identidade,
Ou da pessoa o abismo,
Doutrem esvazio a essência,
- E assim leio o que ele
vale.
Mato-lhe toda a verdade.
828
829
Primeiro
Separado
Não se pode
transmitir
O homem vive separado
Nenhuma coisa a
ninguém
Tanto de seus semelhantes
Sem primeiro a mim me
ouvir
Como é deles aliado
Sem de mim ficar
refém.
E assim são os seus instantes.
830
831
Tirano
Peles
Todos temos um
tirano
O nó que nos ata a nós
Que é uma pública
opinião;
É o que nos desata deles.
Porém, este é o maior
dano:
Se nos estrangula a voz
Firmar-me no que aí me
dão.
É que quer todas as peles.
832
833
Ajuda
Sono
Perde logo o
medo,
No meio doutras pessoas
Corre a me
ajudar:
Dar-me o sono e ninguém ver,
- Quem ajuda
cedo
Se é uma educação das boas
Ajuda a dobrar.
É também não me acolher.
834
835
Conselhos
Ritos
Quando alguém pede
conselhos
Com ritos te identificas,
Não é que ignore a
resposta,
Com ritos me excluis do credo:
Reflectida quer em
'spelhos
Se com os teus te unificas,
Outra imagem que a lá
posta.
Condenas-me a mim ao medo.
836
837
Herejes
Força
Tens credos, tens
rituais,
Se estou só, só me defendo;
Não tens, pois, que nos
invejes.
Se me junto co'os demais,
No mais somos teus
iguais.
De mim só já não dependo,
Por que nos tratas de
herejes?
Cresce a força muito mais.
838
839
Falha
Poço
Queixam-se que os põem
loucos,
Há um poço de solidão
Mas, na luta pela
vida,
Na vida que a gente tem
Seus combates são tão
poucos
Que nos abriu o rasgão
Que a falha lhes é
devida.
Da morte de nossa mãe.
840
841
Trair
Indulto
Sempre que tu trais
alguém,
Insultas-me sem pudor.
Justiça de
Talião,
Recuso qualquer indulto,
Estás traindo
também
Fica-te com teu penhor:
A ti em primeira
mão.
- Não aceito o teu insulto!
842
843
Sorte
Pão
A sorte, quando nos
lida,
A que sabe a liberdade,
Busca o campo de
influência:
Qual o preço que lhe dão?
- Ter muita sorte na
vida
- Só quem passou fome sabe
É questão de
competência.
Que bom que é o gosto do pão!
844
845
Recordação
Porquê
Se a recordação
acorde,
"Por que é que a pomba cai morta
Tratamo-la por
doença:
E não a zorra do mato?"
Curamos a dor que
morde
- Só reparo e só me importa
Co'o espinho da
indiferença.
Quanto me faz desacato!
846
847
Remédio
Equilíbrio
Tentar vir remediar
Equilibra a vida humana,
Tudo o que não tem
remédio
Por enigmáticas traças,
É uma tolice sem
par,
A força com que dimana
É erguer nas nuvens um
prédio.
Contra o peso das desgraças.
848
849
Dor
Brenhas
É bênção a dor sofrida
Nas brenhas da serra
Sempre que, na
expectativa
Me vivo emboscado:
De quem a dor não
olvida,
Com isto sou terra
Vem ainda dor mais
viva.
E caço o meu fado.
850
851
Dinheiro Trabalho
Sonhas com
dinheiro
Há quem pràs dores da vida
Para o teu
serralho?
Se drogue com anestésico
- Muito mais
certeiro
E assim disfarça a dormida...
É buscar trabalho.
- Trabalhar é que é analgésico!
852
853
Recomendável
Dizer
Se ao agir me
limitei,
Perdes o tempo a dizer
Sei lá se é
recomendável!
O que és capaz de fazer.
Ver o que faço é que a
lei
Faz algo de mais profundo:
Do dever me torna
viável.
- Demonstra-o perante o mundo!
854
855
Exterior
Prever
Nada do que é
exterior
Olha a nuvem que escurenta,
Fica exterior se o
compreendo,
Não te surpreenda o raio.
Menos ainda se o que
empreendo
Não é o temor que acalenta,
Dele é tomar o
sabor.
Mas prevê-lo, senão traio.
856
857
Espelho Proibido
O espelho das
almas
Proibida a romaria,
De vidro não
é:
Ela toma cor divina.
Coroam-no
palmas,
Franqueada a porta algum dia,
Só lá vê a
fé.
Cai à terra, é a nossa sina.
858
859
Dor
Campeão
A dor é um fruto que
cresce
Ser um grande campeão
À medida do
tamanho
É uma grande persistência,
Com que a ramagem
floresce
É saber quando se não
Do cotio em cada
ganho.
Pode cair na desistência.
860
861
Tamanho Desportos
O tamanho da
grandeza
Como mostram os desportos
Vem do adubo da
raiz:
Onde aponta nossa essência?
Quando a sério alguém se
preza
- Trazem aos olhos já mortos
Bebe fundo em seu
país.
Casos vivos de excelência.
862
863
Noite
Momo
É tão noite a minha
noite
Uma hora de sono a mais
E há tantas noites a
vivo!
E tornamo-nos reis momos:
Se um dia ao dia me
afoite
Porque dormimos demais
Como ser do dia
altivo?
Doravante já nem somos.
864
865
Consciência Jardinagem
Consciência, em
democracia,
Fana-se o jardim da vida
Não é do voto
elemento:
Na corrida da viagem.
- Uma lei da
maioria
A verdura é só mantida
Não tem aqui
cabimento.
Se a vida for jardinagem.
866
867
Perigo
Imoral
Numa matéria de
crime,
Ser um imoral confesso
Quando periga o
culpado,
Simplifica tanto a vida
O interesse é que o
redime:
Que a moral fácil, do avesso,
Faz confessar-lhe o
pecado.
É a franqueza que é devida.
868
869
Prazer
Saber
Por mim sentido o
prazer,
O que se sabe doi menos
Dele dor colho e saber;
Logo depois que se sabe:
De ignorar-me até ao
fim,
Os terrores são pequenos
Não tenho ciúmes de
mim.
Quando o mistério se acabe.
870
871
Respeito
Decisão
O hábito do
respeito
Quando me chamo por mim
É que nos faz respeitar,
Eu tomo uma decisão:
Não que provoque este
efeito
Ser responsável é, assim,
Quem a tal se deva
dar.
Dispor-me entre o sim e o não.
872
873
Janela Enquadrada
Eu sou a janela
aberta,
É um olhar para a chegada
Deixo entrar o aparecer
Esta janela que sou
Que se aproxima e me
alerta
Mas toda a vinda é enquadrada
Para a chegada do
ser.
Nos caixilhos que lhe dou.
874
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Pensador Sofrimento
Ser um grande
pensador
Este meu corpo é tão ágil
É pensar sempre no
mesmo
Suporte do sofrimento
Que é tão rico que o
valor
Que, invicto adversário, frágil,
Nunca esgota ou perde a
esmo.
Resiste ao poder que invento.
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877
Argúcia
Racional
Dos dominados a
astúcia,
O homem não é racional,
Do soberano a
prudência
Busca a racionalidade:
Vão-nos apurando a
argúcia:
Longe de ser natural,
Todos somos
resistência.
Razão crio-a em liberdade.
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879
Tolerância
Impune
Aumentou a
tolerância
Quando um crime fica impune
E um crime caiu em
flecha?
É o regabofe do abuso:
- É que a justa
concordância
Abolido o que nos une
Calou um iníquo "não
mexa!"
É a fera à solta que eu uso.
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881
Terra
Jardineiros
Toda a terra é como um
leito
Os jardineiros conhecem
E um leito é como uma
terra:
Plantas, flores e perfumes
Quando naquela me
deito,
Que os botânicos esquecem
Neste acabo toda a
guerra.
Lá no esconso de seus cumes.
882
883
Convite
Cão
A Primavera a
chegar...
Entre um homem e o seu cão
E cada banco é um
convite
Há uma troca desigual:
Para nele me
sentar
Por um naco do teu pão
E dar à pressa o
desquite.
Dá-se-te inteiro o animal.
884
885
Café
Aventuras
O café da minha
infância
À vida sem horizontes
Tinha um cheirinho de
beijos
Ver um filme de aventuras
E o encanto da ignorância
É deparar co'uma fonte
A que cheiram meus
desejos.
Do deserto nas agruras.
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887
Culturas Condenados
Como manterem-se
inteiras
O desespero que pomos
As culturas e seu
modo?
Em tentar uma saída
Sentar-se em duas
cadeiras
É que nós, de facto, somos
É não se sentar de
todo!
Os condenados à vida.
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889
Domínio
Ordem
Quando arrastado me
vi,
Para à desordem pôr fim
Rasguei os lodos do
fundo:
O punho crispado ameia?
Todo o domínio de
si
- Quando ponho ordem em mim,
Começa pelo do
mundo.
Ponho-a no que me rodeia.
890
891
Danos
Papel
Passarei meses e
anos
Cada vez me torno mais
Buscando a
espontaneidade
Papel a desempenhar;
Contra da violência os
danos
De pessoa, nem sinais
Desta ordem que nos
invade.
Com que me identificar.
892
893
Custo
Pobreza
A nossa libertação
Quando à pobreza me afiz,
Custa um custo bem
custoso:
As prendas mais pobres pesam:
O de romper a
união
Fico sempre então feliz
Com o alheamento que
gozo.
Com quanto os demais desprezam.
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895
Dignidade Apresta
Para ajudar a encontrar
À busca da paz
A dignidade
perdida
O mundo se apresta;
Não há como
preservar
O apresto nos faz
A que resta em minha
vida.
Já viver a festa.
896
897
Defender Propedeuta
Dantes defender a
casa
Todo o psiquiatra é um psicótico,
É que era o nosso
problema,
Todo o louco é um terapeuta,
Mas, se isto hoje o mundo
abrasa,
Depende do perfil óptico:
Defendê-lo é então o
lema.
Cada qual é um propedeuta.
898
899
Compreender Enfermeiro
Compreender é sempre
pouco,
Não pode ser enfermeiro
Saber a sério é
viver:
Quem já foi louco algum dia.
Tenho de tornar-me
louco
Mas pode ser verdadeiro
Para o louco
compreender.
Quem diz ver o que não via?
900
901
Situação
Norma
Compreendo a
situação
Quando ponho em causa a norma
Através da
experiência:
Não a contesto por gosto,
Não a apreendo se
não
É que a realidade informa
Sei também minha
vivência.
Que está em crise o termo oposto.
902
903
Conflito
Negação
Um conflito
inconsciente
Dentro de nossa existência
É coisa que não
admito,
Sempre entre si se unirão
O que existe em toda a
gente
A negação da experiência
É inconsciência de
conflito.
E a experiência-negação.
904
905
Alienação
Encanto
Hoje tudo anda a
pensar
A vida por trás dos muros
A partir da
alienação,
A ver claro ajuda tanto
Não há fronteira a
talhar
Um par de óculos escuros
Limite entre o louco e o
são.
Como ao cientista o encanto.
906
907
Recesso
Cercado
Proibir
saber-do-proibido
Por que é que o que é proibido
Nunca é claramente
expresso:
Não é todo explicitado?
É que assim fica
escondido
- É que a regra entra no ouvido,
O mais perverso
recesso.
Logo o pé salta o cercado.
908
909
Palmo
Arrependa
Todos se sentem
melhor
Se esta noite quer fazer
Mesmo co'um palmo de
terra:
De que amanhã se arrependa,
De bem pouco se é
senhor
Tente antes adormecer:
- Mas prò fundo ele se
enterra.
Dorme melhor co'esta prenda.
910
911
Elogios
Viagem
Quando os
elogios
Toda a viagem perfeita
Não os
engolimos,
É um percurso circular:
Dão-nos
calafrios,
Partindo, uma festa é feita;
Tombamos dos
cimos.
Termina na de voltar.
912
913
Silêncio
Regra
Esperar é uma
táctica
A regra mais importante
Às vezes
menosprezada:
P'ra falar ou não falar:
Ficar em silêncio é
prática
Se o benefício é bastante
Que da vida alarga a
estrada.
P'ra a escolha justificar.
914
915
Feira
Bicicleta
A melhor
maneira
Uma bicicleta a andar
De hoje se ser
vítima
É o mais engenhoso invento
É correr à
feira,
P'ra sem perdas transformar
Pregoar-se
legítima.
Energia em movimento.
916
917
Instantâneo Compara
A vantagem do
instantâneo,
O psiquiatra se compara
Quando é bom, é de
impedir
Ao esquizofrénico, pois
Momentos sem
sucedâneo
Veneram da crença na ara
De alguma vez nos
fugir.
Do jamais provado os dois.
918
919
Ignorância
Hinos
O médico ama
encobrir
Somos todos assassinos,
Com floreios a
ignorância,
Somos todas prostitutas?!
Tal como o louco, ao
fingir
- Ah! Não me cantem mais hinos
Os balbuceios da
infância.
Que me encegueirem pràs lutas!...
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921
Psiquiatria Orfanato
Psiquiatria é
disciplina
Um louco, num hospital,
Do comportamento a
expensas:
O que busca é ter indultos
Controlá-lo
determina;
P'ra não ser mais animal
Não, curar quaisquer
doenças.
Nesse orfanato de adultos.
922
923
Nome
Medicina
No matrimónio, a
mulher
A medicina tem fios
Perde o nome de
solteira.
Que hoje geram desavenças:
O louco, sem o
saber,
Outrora curou doenças,
Perde-o da mesma
maneira.
Hoje controla desvios.
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925
Droga
Atitude
A droga não tem
juízo,
Qualquer ocorrência,
É um ludíbrio, ao fim e ao
cabo,
Seja ela boa ou má,
Sempre aponta o
paraíso
Se altera na dependência
Quando apenas é o
diabo.
Da atitude com a qual se encarará.
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Felizes
Sermos felizes não é o melhor.
O melhor é que então cremos
Que da infelicidade o travor
Nunca mais nós sofreremos.