8ª. Redondilha
Que pelos
Netos Devêm
Escolha aleatoriamente
um número entre 1142 e 1356 inclusive.
Descubra o poema
correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1142
8ª. Redondilha
Que pelos netos
devêm
Sonhos quantos
se sonharam,
De avoengos que
os contaram
Aos amanhãs que
os contêm,
É o que ao canto
nos advém
Dos recantos que
acenaram
De infinitos que
arroubaram
E que nos roubam
também
Os presentes do
presente
Por quanto o
porvir pressente
Já presente em
desafio:
Canto o sabor de
amanhã
Nesta frescura
louçã
Que ameia de
além do rio.
1143
1144
Comum
Poema
Contra os bonzos da
poesia
Um poema não cria nada,
Uso a voz de qualquer
um,
Abre-se ao dom do possível,
Digo neste dia a
dia
E assim é nele criada
Coisas fora do
comum.
Quanta vida for vivível.
1145
1146
Natureza
Vou
O livro da
natureza
A Primavera chegou,
Tem já folhas
amarelas
A cultivar-nos os sonhos.
Mas é nele que a
beleza
Para lá mesmo é que eu vou
Nos sonha as lendas mais
belas.
Do porvir com meus medronhos.
1147
1148
Pensar
Razão
Ainda não é grande
artista
A razão do homem não
Quem pensa quando
criar.
Chega à razão que há num verso,
Da natureza a
revista
E, se o Universo é razão,
Não pensa, dá que
pensar.
Bem estúpido é o Universo.
1149
1150
Firmamento
Num
É das multidões de
estrelas
Poema, corpo comum,
Que no firmamento
viajam
Nele nos reconciliamos,
Que a paz de quanto são
belas
Nele somos todos num,
Faz que dentro em mim
reajam.
Não mais escravos nem amos.
1151
1152
Partida
Ontologia
Poeta é viver o
engano
A única ontologia
De estar à espera da
vida
É o gérmen primordial
As quatro estações do
ano
Que enoita e ilumina o dia
- E o comboio sem
partida!
Do poeta original.
1153
1154
Progresso Escutar
Se nas ciências há progresso,
Como vou me habituar
Como é que em arte não
há
Dum mundo novo aos sentidos?
Se um verso quando
confesso
Com olhos como escutar?
Descubro o lado de
lá?
Como ver sons e ruídos?
1155
1156
Palavra
Feiticeiro
Poesia e
pensamento
Aprendiz de feiticeiro,
Lavram juntos uma
lavra.
Vou dedilhando palavras.
É o amor o seu
frumento:
Se não depuro dinheiro,
O mesmo amor da
palavra.
É que arroteio outras lavras.
1157
1158
Espelho
Perdura
Um espelho das
palavras
Pouco a vida dura
É o sentido delas
lidas.
Por mais que cometas,
O verdadeiro é o que
lavras:
Pois o que perdura
É o curso das nossas
vidas.
Fundam-no os poetas.
1159
1160
Poético
Guia
Enche-se o homem de
mérito
Escrevo e comando o mundo
Com quanto o espanta e o
aterra.
Ao sabor da fantasia.
É deste modo
poético
Se da vida vou ao fundo
Que habitamos esta
terra.
Ela ao fim é que me guia.
1161
1162
Voz
Poeta
Retomo o sabor
silvestre,
Percorre uma bala
Canto à madrugada um hino:
O Universo informe:
- Se escuto o íntimo
mestre
- O poeta fala,
Sou parteiro do
destino!
A criança dorme!
1163
1164
Linguagem
Gesto
Toda a linguagem é um
dom
Cada gesto é linguagem
Que apenas o homem
detém:
E mesmo depois de agires
Testemunha quanto é
bom
Não te deixa grande margem
O mais perigoso
bem.
P'ra que os efeitos lhe tires.
1165
1166
Fundação Justeza
A poesia é
fundação,
A justeza da palavra
Nela fundo o
permanente,
Não se encontra nunca nela:
Furto-o à
devastação
Outro senso nela lavra
Voraz do fugaz
presente.
De quem a acolhe à janela.
1167
1168
Olvido
Encantação
Este olvido na
escritura
Todo o nome é encantação,
Que me distrai deste
mundo
Nele sujeito um objecto,
É meu sossego à
procura
Faço dele a invocação:
De si mesmo no meu
fundo.
Mundo é o meu palco secreto.
1169
1170
Aberto
Procura
Torna-se o mistério
incerto,
De mim dentro sairei
Qualquer verdade,
evidente?
Em demanda dos demais?
- É que, p'ra quem for
aberto,
- Então de novo terei
Fica o mundo
transparente.
Transparências de cristais.
1171
1172
Destino
Primordial
O meu destino é
viver
Linguagem primordial
Em sucessiva
ruptura
Só mesmo a da poesia,
E ninguém pode
inverter
Nela se funda o real,
As etapas da
aventura.
Que o dia só lá foi dia.
1173
1174
Sintoma
Raios
Um sintoma é uma
verdade
Tu, poeta, estás exposto
Furando dentro o
discurso,
Aos raios todos de Deus
É um grito de
liberdade
E os crimes de fogo posto
Que só contra encontra
curso.
Dizem depois que são teus.
1175
1176
Essência
Historial
Qualquer poeta
poeta
A essência da poesia
O que põe em
poesia
Gera um tempo historial
Da poesia é a
concreta
E o que a história evidencia
Essência que ninguém
via.
É que esta essência é essencial.
1177
1178
Diálogo
Arte
Nós, homens, somos
diálogo:
Tudo em arte é um artifício
Se a fala me funda o
ser,
E o seu benefício parte
Só funda porque um
análogo
De encontrar-te o precipício
Rouba ao caos meu
viver.
No resquício onde talhar-te.
1179
1180
Medo
Isolamento
Se estás preso na
ansiedade,
Quanto mais cansado estás
A teu medo empresta a
voz:
Mais vives no isolamento,
Alcanças a
liberdade
Quando só alcanças paz
Se contigo formos
nós.
Se alguém for teu linimento.
1181
1182
Artista
Obra
Um artista é um
pormenor
Eu criei uma obra de arte,
Que vê o que ninguém
veria.
Janela para o infinito,
Por ele não tem
valor,
E o longe daqui se parte
Vale no que
principia.
E estrangula-me o meu grito.
1183
1184
Vive
Arcanos
Para que serve
arte?
Damos forma a dez mil anos,
- Ignora p'ra
quê
Somos arte em carne viva,
Quem a não
reparte,
Movem-nos velhos arcanos:
Quem não vive o que
é.
- Activo o que a mim me activa.
1185
1186
Pitágoras
Capaz
A soma dos quadrados dos
catetos
Eu sou capaz de falar,
Ao quadrado é igual da
hipotenusa
Capaz sou também de ouvir,
- Pitágoras ensina aos
arquitectos:
Com ambos andando a par
Traça o porvir, na praia, em
Siracusa. Sou
diálogo: estou a ir!
1187
1188
Epifania
História
Uma obra autêntica de
arte
Falando é que o tempo existe,
É do mundo
epifania:
Foi falando que o gerámos
Ela o ilumina em
parte,
E se a história ainda persiste
Noutra guarda-o e
vigia.
É que jamais nos calamos.
1189
1190
Coisa
Balbucia
Ser arte não é uma
coisa
Se o pensar nos balbucia,
Estagnada no
presente,
O sentir que também fala,
Mas antes a virgem
loisa
Quando uma obra de arte cria,
Que um milagre nos
pressente.
Diz-nos mais no que ali cala.
1191
1192
Fundo
Intimidade
Fundo o ser pela
palavra
Quando penso e me explicito
Dando um nome a cada
ente
Preparo um acesso ao ser.
Que fundo a casca lhe
lavra
Em arte, porém, se grito
Buscando a eterna
semente.
Sou ser mesmo a se viver.
1193
1194
Energia
Vigília
O mundo emerge da
imagem
Epifania do mundo,
No instante em que
transparece
A arte é também vigília:
E a arte, nesta
focagem
Se o alicerça bem fundo
Bem presa, jamais
perece.
Provoca sempre quezília.
A essência de qualquer
arte
Arte, porque é bela, deixa
É a epifania do
mundo,
Dela irromper a verdade:
Aqui, como em qualquer
parte,
Do ser ouve a surda queixa,
Na beleza que é no
fundo.
Cria-o mundo em liberdade.
1197
1198
Preparo
Inauguro
Ao pensar eu me
preparo,
Uma acção justificada
Ao poetar me proponho:
É aquela em que me inauguro,
Venha o deus que então eu
paro,
Que, em vez de ser a chegada,
- Ou melhor, serei meu
sonho!
Principia a ser futuro.
1199
1200
Fugaz
Eu
O permanente é
fugaz
Sou Homem,
portanto Terra,
Mesmo se nele me
iludo:
E Deus sou, que
busco o Céu:
Jamais um deus é
capaz
Com quatro dentes me ferra
De se dar dando-nos
tudo.
Assim o ser que sou eu.
1201
1202
Semeador
Violino
Sou um semeador de
estrelas,
Sou um frágil violino,
Venho aqui bater-te à
porta
O hábito me silenciou.
P'ra embarcar nas
caravelas
Basta a aragem do destino
Rumo ao mar que ao mundo
importa. E os
meus sons levantam voo.
1203
1204
Fado
Véu
Dissolvendo o falso
eu,
Nós somos o próprio véu
Todo mui
normalizado,
Que a nós próprios dissimula
É que vou visando o
céu,
Quanto em mim haja de céu
Divino talho meu
fado.
Em quanto em mim se formula.
1205
1206
Retomar-me
Pródigo
Retomar-me é
recordar
Dou-me livre se me fundo.
Minha origem e
destino,
Pródigo me fundamento
Momento deste
enviar
Neste solo em que, fecundo,
Do ser rumo a ser
divino.
Começo meu lançamento.
1207
1208
Eterno
Deus
Eterno me
recomeço
Só poderei ser um deus
Em meu começo de
eterno
E aguentar a solidão
E quanto de eterno
meço
Se os meus votos forem teus
É o que meço neste
inferno.
E o deus for esta união.
1209
1210
Teus
Crer
Todo o homem quer ser
Deus,
Crer em Deus requer a prova
Ter a marca do
infinito,
De que de facto Ele existe,
É por isso que são
teus
Mas não crer quer que eu remova
Os soluços de meu
grito.
Prova como o mais subsiste.
1211
1212
Desprendimento
Alegria
Voa o místico até
Deus,
Dos céus em busca da entrada,
Liberto de tudo,
enfim:
Dos deuses tomo os aprestos:
- É desprender-me dos
meus
Nossa alegria sagrada
A ver se chego até
mim.
São tais sacrílegos gestos.
1213
1214
Religiões Convicções
Todas as
religiões
Colecção de antiguidades,
Tornam-nos todos
ateus,
A série das convicções:
Que a fé gritada aos
milhões
Vestígios doutras idades,
Mata a angústia que há nos
céus.
É o ser de antes em funções.
1215
1216
Ódio
Trabalho
Quem odeia quer ser
Deus,
Eu gosto do meu trabalho,
Que é Deus chega mesmo a
crer.
Ainda mais de meu jardim.
Sofre de indícios ateus,
Por isso comigo ralho,
Que o não é nem pode
ser.
A ver se me chego ao fim.
1217
1218
Morrer
Adiado
De meu fado a dura
imagem
Vivo uma vida adiada,
Não é tanto a de ir
morrer:
'Spero viver não sei quanto,
É de exceder a
viagem,
Mas a espera esperançada
É de a mim
sobreviver.
É, no fim, um desencanto.
1219
1220
Trás
Nada
A vida da
gente
O que importa é a caminhada
É a gente que
faz,
Sobre pregos ou veludo
A esperança à frente
Porque nós não somos nada
E o mais para
trás.
E o que buscamos é tudo.
1221
1222
Espera
Obra-Prima
O que ela espera é
conforme
Uma obra-prima é maior
O deus que a rege era a
era:
Se nem precisa de artista:
A humanidade não dorme,
A Deus o maior louvor
Desde o princípio ela
espera.
Afinal é o do ateísta!
1223
1224
Belo
Estátua
Bela não é a
escultura
Não há uma estátua na pedra,
Nem o grupo
arquitectónico,
A culpa a outrem atiras,
É a memória da
aventura,
Mas se na pedra não medra
Todo o seu pulsar
tectónico.
É que de dentro a não tiras.
1225
1226
Imagem
Humanizo
No bronze é que está
esculpida
Humanizo meu sexo em pénis, falo
A imagem da
eternidade:
E assim ele te excita e nos conjuga.
Tão madrasta é nossa
vida
Primeiro era animal. Se aqui me calo,
Que lhe minto a
brevidade!
Calo em mim do mistério a infinda fuga.
1227
1228
Filha
Crise
Quando em ti se te
adivinha
Este mundo em crise
Das imensidões o
brilho,
Já não ameaça
Será que és tu filha
minha
Quando ali divise
Ou sou teu primeiro
filho?
O porvir que passa.
1229
1230
Homem
Tempo
Progenitor de
amanhãs,
O tempo apavora, pense-o
Chovo estrelas ao
luar
Embora, ou minta-lhe aos gritos.
No sonho das
cortesãs,
- Apavora-me o silêncio
Pois ser homem é
criar.
Dos páramos infinitos.
1231
1232
Vida
Inimigo
Que sempre a vida me
lembre
O teu maior inimigo,
Quando a vida é
contratempo,
Poder, é o tempo que mata.
Já que o tempo chega
sempre
Em mim este é quem eu sigo,
Mas nem sempre chega a
tempo!
Quem a força me desata.
1233
1234
Teu
Tempo
Querer
Por que corres sem
parança
Para o tempo que vier
Contra o tempo à
desfilada?
Urge que a disputa acabe:
- Não corras tanto, descansa,
Se importante é saber o que se quer,
Que o teu tempo não é
nada.
Mais importa querer o que se sabe.
1235
1236
Fito
Esperança
Quando o meu fito é
infinito
Com ordem e disciplina
O tempo nem sequer
conta;
Tem o futuro aliança;
Mas se logo à frente o
fito
O porvir tem outra sina:
Jamais a manhã
desponta.
Não há porvir sem esp'rança.
1237
1238
Futuro
Passado
Quem dera ver o
futuro,
Relembro sempre o passado
Viver a festa de
então,
Porque o passado é o meu pão:
Mesmo, caso seja
escuro,
Se não for bem levedado
Sofrer co'a
antecipação!
Nunca os dias cozerão.
1239
1240
Porquê
Costas
Porque só morre quem
quer
Todo o dia daqui parto
Há uma certa
eternidade
Jogando em novas apostas:
Que em mim sinto e deve
ter
Hora a hora estou mais farto
Algum porquê de
verdade.
De trazer a vida às costas!
1241
1242
Depoi
Acontece
Os grandes sonhos não
são,
Tudo aquilo que acontece
São do tempo em que
devierem.
É tanto de cada vez
Aliás, nem
nascerão
Que o tempo sempre fenece:
Se primeiro não
morrerem.
Tempo é fugaz rapidez!
1243
1244
Mudar
Rio
Vivemos em
despedida,
O rio do tempo se estende
Buscando a
evasão:
Diante de nós até onde
Podemos mudar de
vida,
O pensar se compreende
De morte é que
não!
E mais além onde o esconde.
1245
1246
Cota
Tarde
Este tempo é uma
anedota,
É sempre para mais tarde
Não tem mesmo
realidade,
Que se adia um sonho a mais;
Já lhe perdemos a
cota
Depois a chama não arde,
Que o que conta é a
eternidade.
Então é tarde demais.
1247
1248
A
Mais
Oportunidades
Quando adio p'ra mais
tarde
Boas oportunidades
Tudo quanto quero a
mais,
Sempre andam batendo à porta,
Quando a chama após não
arde,
Questão é ser nas idades
Não posso ou posso
demais?
Nas quais isso nos importa.
1249
1250
Passo
Sonho
Um homem sempre é
pequeno,
Eu vivo a sonhar amor,
Do tamanho do seu
passo.
Todo o homem é ilusão,
Mas, se neste a história
ordeno,
E, por sonhar com furor,
Ultrapasso o tempo e o
espaço.
Tenho a vida aqui à mão.
1251
1252
Horizonte
Anúncio
Sonho-me além do
horizonte,
A anunciar a primavera ao mundo
A voar entre as
estrelas...
Nos levantamos como povo e história.
- Mas quem me cria esta
ponte,
Da primavera o despontar mais fundo,
Quem me joga ao meio
delas? No
fim, é um vago rasto de memória.
1253
1254
Bairro
Provincianismo
No bairro de
lata,
Vivemos tão deslumbrados
Nó górdio em
renovo,
Com nosso provincianismo
O além se
desata:
Que aos génios que nos são dados
- Eu vim ver o
povo!
Jogamo-los para o abismo.
1255
1256
Força
Educar
Ser homem é ser da
idade
Educar não é preciso
Da passada em que se
força
Se se limita a instruir,
A liberdade da
força
Que um aluno é sempre o aviso:
À força da liberdade.
- Por mim dentro é que é urgente ir!
1257
1258
Aldeia
Criança
Entre as ruínas da
aldeia
A criança a brincar
Regresso ao meu
paraíso:
Um sonho agradável...
É das colinas na
ameia
- Quem quer lhe inventar
Que o infinito
diviso.
Um porvir sonhável?
1259
1260
Outros
Salvar
Para os outros
existirem,
De nós juntos toco o fundo
Importa esta
relevância:
Ao dar-te a mão rumo ao fim,
Para por mim dentro
irem,
Que eu ando a salvar o mundo
Só p'la mão, como na
infância.
E assim eu me salvo a mim.
1261
1262
Fome
Rumos
A fome de ser
irmão
Importa perceber onde estiveste,
Produz tanta fome ao
homem
Importa discernir para onde vais,
Que, se sós prà mesa
vão,
Porém, o que se torna mais agreste
Muitos sentam-se e não
comem.
É ver se estás a ir longe demais.
1263
1264
Imortalidade
Porto
Quem dera ser
imortal,
Acordo a meio da noite
Ter aqui a
eternidade!
Pairando longe do corpo
- Morrer, porém, é o
fanal
E, à distância, onde me acoite
Que aposta a
imortalidade.
Lobrigo do eterno o porto.
1265
1266
Eternidade
Escrever
Que importa se não crês
válida
Na busca da eternidade
Na eternidade tua
meta?
Falso é todo o passaporte.
- A lagarta na
crisálida
Não fugindo à minha idade,
Sempre acorda
borboleta!
'Screvo p'ra fugir à morte.
1267
1268
Escrita
Cortina de Ferro
Toda a escrita é
breve,
Cai a cortina de ferro
Só dura com
sorte.
E é uma corrida febril
E o homem só
escreve
Às fileiras em que encerro
P'ra matar a
morte!
Os sonhos dum outro Abril.
1269
1270
Estrangeiro
Árvores
De repente dou-me
conta
As árvores são paisagens
De que sou doutro
país.
E um pouco de eternidade,
- Palavras, que língua é
pronta
Ao passado dão viagens,
À força com que
saís?
Ao porvir, nossa saudade.
1271
1272
Universo
Apelo
O segredo do
Universo,
Chama-me o apelo da Terra,
Se é uma promessa de
festa,
Acolho-o com humildade;
Decifro-o cantando um
verso
Que a força com que me ferra
No coração da
floresta.
É a nossa fatalidade.
1273
1274
Andorinhas
Pântano
Chegaram as
andorinhas
Caí no pântano da vida.
Cheias de saudade e
sonho.
Sua margem só se alcança
Chilreiam-nos
adivinhas:
Com a ilógica medida:
- Qual o longe que aqui
ponho?
- Puxar-me p'la própria trança!
1275
1276
Degredo
Milho
Fui à praia ouvir o
mar
Vem aí um milho branco,
E do silêncio o
segredo...
Oitenta por cento leite:
- P'ra no fim me
condenar
- Da treva, cientista arranco
Desta balbúrdia ao
degredo!
O sabor de meu deleite.
1277
1278
Matéria
Esculcas
Nas vastas e eternas
leis
É no picoto da serra
Que a matéria nos
conformam,
Que as esculcas se colocam.
Não nos pecados dos
reis,
Não é só p'ra ver mais terra,
Nossas esperas se
informam.
É p'ra no céu ver se tocam.
1279
1280
Prometeu
Medida
Prometeu agrilhoado,
Que o homem seja a medida
Quem me livra desta
rocha
Das coisas todas da vida
Em que pago o duro
fado
É uma verdade inconfessa.
Do apoio ao que desabrocha?
- Só não tem é com que as meça!
1281
1282
Realidade
Morreu
Mas por que é que a liberdade,
Hoje morreu-nos o sonho,
Alguma vez, algum
dia,
Ficamos com a verdade.
Não atinge a
realidade?
E a verdade é que deponho:
- Então o real
seria!...
- Foi co'o sonho a realidade!
1283
1284
Perguntas
Espanto
Perguntas ao
Universo
Não me espanto de viver,
As perguntas que aqui
juntas.
Espanta-me, sim, que a vida,
Tarde notas, ao
inverso,
Depois de tanto morrer,
Que ele é que te faz
perguntas.
Sobreviva tão sortida!
1285
1286
Humanidade Descansar
A humanidade tem
rosto.
"Quem me dera descansar!"
Se a pretendes
derrubar,
- Suspira quem perde a fé.
Irá cair no seu
posto:
Suspiros não têm lugar,
- Vai cair a
protestar!
Eu quero morrer de pé!
1287
1288
Morto
De Pé
Dormir como um
morto?!
Vamos lá pensar de pé,
- Os mortos nem
dormem.
Que pensar na vertical
Vivo é que
transporto
Mede um homem no que ele é,
Sonhos que me
acordem!
De pé vale quanto vale!
1289
1290
Acolher
Optimista
Quem vê tudo
positivo
Se um optimista é capaz
É pessoa de
acolher,
De no feio ver belezas,
Crer em si é
distintivo
Com uma alegria faz
De quem quer mesmo
viver.
Morrer mais de cem tristezas.
1291
1292
Sorte
Rua
Nas vascas da
morte
Quantas vezes uma rua
Geme o
moribundo
A rasgar-nos horizonte
E eis que tal é a
sorte
Não foi uma falcatrua,
De quem gera o
mundo.
Muro branco ali defronte!
1293
1294
Grito
Deuses
Que teu grito de
silêncio
Se algum dia deuses formos,
Me rasgue a pele, que eu
grito
Será lá tão natural
Meu grito mudo. E
compense-o
Tal como hoje em dia pormos
Alertando o
infinito!
Telefone num local.
1295
1296
Imitar
Caça
Quando pretendo
imitar
Todo o sonho é inatingível,
Uma aventura
empolgante
Mas o desejo espicaça
Logo ignoro que o
luar
E se o fracasso é visível
Não se imita, brota
adiante.
Também continua a caça.
1297
1298
Ressurreição
Sorte
Quando terminar a
vida,
É porque a ressurreição
Termina a
ressurreição. Só
pode nascer da morte
- Ou esta bandeira
erguida
Que, onde tudo acaba, então
Chama ainda outrem à
função?
Tudo outra vez tenta a sorte.
1299
1300
Adaptar-se Desconhecido
Bem se adaptar é
mudar
A vida de cada ser,
Ou resignar-se a um
porvir.
Rota do desconhecido:
Se acolá navego o
mar,
Um passo e cresce o saber
Erro aqui mas a
sorrir.
Mas nunca se anula o olvido.
1301
1302
Fundura
Piedade
Por mim dentro há uma
fundura,
Ao olhar-me sem piedade
Dizem que é lesão mental.
Surpreendo a maior fundura:
Quem lhe foge à
levedura
É que toda a humanidade
Não distingue o bem do
mal.
É mera caricatura.
1303
1304
Extensão
Fabrico
A extensão de ser
humano
Tem defeito de fabrico
É toda uma
imensidão
Este homem que somos nós:
E se com ela me
irmano
Se numa verdade fico
Nunca acabo a
aplicação.
Por que após me tolhe a voz?
1305
1306
Peso
Marinheiro
Sou dum peso que se
ignora
Tenho um jeito passageiro
Com um destino tão
vário
Na vida que, em vão, fecundo:
Que me atrai jogá-lo
fora
Sou Sindbad, o marinheiro,
Como lixo
camarário.
Sempre em busca doutro mundo.
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1308
Rosto
Grito
Eu tenho um rosto que é
rosto
Guardo um secreto sorriso
Que irei mostrar-te
amanhã.
Por detrás de cada grito.
O perfil de hoje é o
desgosto
É, quando aflito, o conciso
De ser tal procura
vã.
Meu bocado de infinito.
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1310
Subvida Banquete
Viver a vida p'ra
além
A vida é imenso banquete
É a vida como é
vivida,
P'ra esta fome insaciável,
Por isso vida não
tem:
Mas sempre hesito ao bufete,
Nossa vida é uma
subvida.
Tanto o manjar é variável!
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1312
Sentado
Depressa
Vivo sentado na
vida
Ter um sonho é andar depressa,
Como quem não tem
futuro,
Só na ausência há lentidão.
Mas os que andam na
corrida
Até que o porvir nos meça,
Não valem o que
inauguro.
Todo o sonho é prontidão.
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1314
Mexer
Freimas
Esta gente mexe
tanto
Quando as freimas se avolumam
A correr para
amanhã
Embotam o nosso olhar
Que perdem na pressa o
encanto:
E os sentidos já não rumam
Morrem antes da
manhã.
No sentido de admirar.
Esqueço-me por ter
medo
Toda a dívida devida
De me esquecer do que
importa,
Se paga dum modo só:
Que eu só bato, em meu
degredo,
Todo o sonho duma vida
Do desconhecido à
porta.
De repente vira pó.
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1318
Importante Persistência
Não é ser, ter,
parecer
Do Homem a resistência
Que na vida é o
importante;
Das eras marca a subida:
É agir,
desenvolver,
É preciso persistência
Construir o passo
adiante.
P'ra se ter algo na vida.
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1320
Crent
Experiência
Todo o crente crê no
sonho
A experiência determina
Da ilusão que o
iludiu:
Qualquer um comportamento,
Foge a si mesmo, é medonho!
Por isso, a todo o momento,
- Crente a sério, só o
ateu!
Donde emano é desta mina.
1321
1322
Evidência
Nós
Não nos faltam
teorias,
Eu actuo sobre vós,
Falta-nos a
experiência:
Vós actuais sobre mim:
A fé já não dá
alegrias,
As vivências atam nós
- Exigimos a
evidência.
E o comportamento é afim.
1323 1324
Totalização Compreendo-te
Sou em
totalização, Compreendo-te
através
Nunca sou
totalidade,
Do que de mim próprio sei,
Um total é o fim da
mão Mas
aquilo que tu és
Quando eu busco a
infinidade.
Do saber de mim é lei.
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1326
Aviso
Águia
Quanto mais eu me
analiso
Nego a possibilidade
Melhor te compreendo a
ti
De seres águia que voa?
Mas lendo o que em ti
diviso
Confino-te à identidade
A mim é que ao fim me
li.
De devires não-pessoa.
1327
1328
Corrigir
Senão
Determinismo
causal
Toda a norma é alienação:
Não tem erro ou
incerteza;
Cremos viver plenitude
Só que agir não tem
final
E não vivemos senão
E ao corrigir se
embeleza.
As raias da finitude.
1329
1330
Criar
Pressão
Por ser possível o
nada
Quando estou sob pressão
E o vazio me
atentar,
Projecto-me noutro mundo.
O não-ser do ser é
entrada
É o espanto a condição
Em tudo quanto eu
criar.
Que mo vai tornar fecundo.
1331
1332
Desejo
Ideólogos
Até a um certo
momento
Os ideólogos deliram
Desejo o que me
desejam;
Acenando as utopias
Quando acorda o
pensamento,
E, enquanto nelas respiram,
É o que quero e p'ra que vejam.
Matam-nos de asfixias.
1333
1334
Armas
Brida
As armas mais
poderosas
Muitos falhanços da vida
Não são nunca as armas,
não,
É de ao cavalo puxarmos,
Mas ideias
generosas
Quando está a saltar, a brida,
Que os muros deitam ao
chão.
Em vez de nele voarmos
.
A medida do
talento
Ninguém é tranquilo
Não é o dinheiro que
cobras
Ao findar um lance:
Mas o tamanho do
invento:
Ninguém quer aquilo
Talento medem-no as
obras.
Que lhe fica ao alcance!
1337
1338
Ideal
Sei
Encontra-se
transmudado
Sei, primeiro, o bem e o mal,
O ideal de
conhecer-se:
Depois, o que as coisas são,
Doravante o que é
buscado
Em terceiro, torno real
É o de por si próprio
ser-se.
Que o fazer não seja em vão.
1339
1340
Ideia
Descanso
Vale uma ideia o que
valho:
Há quem pense que o descanso
Não ocupando
lugar,
É ficar sem fazer nada.
Vê-se-lhe o tremor do
galho
Nada fazendo, o que alcanço
Donde acaba de voar.
É a vida sempre cansada.
1341
1342
Entendimento Pobreza
Entre teu corpo e ti
mesmo
Na pobreza envergonhada
Tem de haver
entendimento,
Há vontade de dizer:
Para a vida que anda a
esmo
- Vou trepar à cumeada!
Ser tão livre como o
vento.
Vencerei! Eles vão ver!
1343
1344
Gota
Nadar
Se toda a gente do
mundo
Desde que saibas nadar
Uma gota
numerava
Joga-te de pés e nada,
A um átomo por
segundo,
Mesmo à cão, p'ra começar:
Trinta mil anos
contava.
Vais de bruços à chegada!
1345
1346
Defesa
Passada
Quem jogar sempre à
defesa
Esta é a única maneira
Não vai a parte
nenhuma:
De nunca cometer erros:
A criatividade é
presa
Nossa passada primeira
E o dia-a-dia se
esfuma.
Nunca advir, que estamos perros.
1347
1348
Avaliar
Minoria
Como posso
avaliar-te,
Em nome da minoria
Aluno meu minha
esp'rança,
Eu reclamo o meu direito
Se de ti nunca sou
parte
De ser louco qualquer dia
E só vale o que em ti
dança?
Sem que me atem ao meu leito.
1349
1350
Revoluções
Senso
As revoluções em
paz
Se o bom senso da razão
Quem as pretende
impedir É o procurado pináculo,
As sangrentas ele faz
Dos sonhos, da inovação
Fatais de vez
explodir.
Também é o fatal obstáculo.
1351
1352
Pensar Interrogação
O bom pensar dá bons
frutos,
Mais importante na vida
O mau dá-nos frutos
maus
Que a fuga a qualquer questão
E o homem, ante os
produtos,
É trepar, pela subida,
É quem poda os secos
paus.
Pontos de interrogação.
1353
1354
Curioso Confiança
Não esperes que o
saber
P'ra a humanidade tornar
Venha acaso ter
contigo.
De vez digna de confiança
É curioso a correr
Um só caminho o alcança;
Que descubro o que
persigo.
- De vez nela confiar!
Este mundo está um
inferno
O elogio é luz do sol
E a vida dá
calafrios
A banhar-me o amanhecer:
Mas a música do
eterno
A vida então é arrebol
Toca-nos quando há elogios. A crescer e florescer.