9ª. Redondilha
Agora de cá
do Cimo
Escolha
aleatoriamente um número entre 1357 e 1452 inclusive.
Descubra o poema
correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1357
9ª. Redondilha
Agora de cá do
cimo
Canto a grandeza
e a miséria
De cada jornada
séria,
De cada aresta
que limo,
Quanto
interminável rimo
O dispêndio com
a féria
Extorquida a
esta galdéria
De vida a que
mal me arrimo.
Canto a raiva e
o desespero
De ser este
infindo zero
Quando, infindo,
sou tamanho,
A humilhação de
cotio
Em que balanço
no fio
Onde me perco e
me ganho.
1358
1360
Andaimes
Aprender
Andaimes de
construção,
Eu aprendo ou me demito
Suportes do
edifício,
Quando à escola presto preito?
Somos aqueles que
não
Só aprendo quando o meu grito
Assistirão nunca à festa,
Gritar dentro do meu peito,
Cordeiros de
sacrifício,
E quando o meu peito aflito
Porque, completada a
obra,
For grito colhido a eito
Somos o que já não
presta,
Feito então da escola o fito!
O lixo que no fim sobra:
Só então não me demito!
- O mundo veste a romeira,
Nós ficamos na
lixeira!
1361
1359 Sentidos
Porta O domínio dos sentidos
É sempre o da utilidade
Quando uma porta se
fecha,
Quando os sentidos vividos,
Que
importa?
Mais do que úteis, são queridos
- O acaso dispara a
flecha,
Porque visam a verdade.
Logo aí nos rasga uma outra.
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1362
Contra os anjos que, de fora,
Na brancura da inocência,
Cristão
São quem a mim me devora,
Me abandona na indigência.
Ser
cristão
É mandar na própria
mão,
Mas há demónios também
É fixar os pés no chão
Que por dentro de mim bramam
E deste arrancar seu
pão,
E que, se os solto, ninguém
É aprender a dizer
não
Diria que em mim se acamam.
Ao que for mas sem
razão,
Ao que a final
comunhão
A todos, de fora ou dentro,
Troca por breve
ilusão.
Terei de impor o cabresto:
- Assim é que por mim entro
É ser eu do fundo do
coração,
E a qualquer obra me empresto!
Ser comigo em
união,
Ser tão eu,
tão
1365
Que ser eu e ser
cristão
É, no fim,
repetição.
Conhecer
Ou então
contradição:
Conhecer não é viver,
Se não for eu,
religião
Viver é criar raízes.
É de mim a
alienação.
Quem conhece vê nascer
Mas de fora das matrizes.
Por
isto,
Se só conheces, teu ser
É que, afinal, Jesus
Cristo,
Trocas pelo que tu dizes,
Nunca pôde ser
cristão!
Vais confundir teu crescer
Com dizer noutros matizes.
1363
Conhecer não é viver,
Coração Viver é
criar raízes.
Que o coração não
distorça
1366
O que força o
coração:
- Jamais é a razão da
força,
Pau de giz
Mas a força da
razão!
Era tão feliz
P'ra que a acção se me não
torça
No meu ingénuo provincianismo
Nesta força se reforça minha
acção!
Que precisei vir à cidade
Para me cultivar de infelicidade
1364
E me educar de cinismo
Alfabetizado.
Lutar
Era tão feliz!
Para ser um bom
artista
Mas vivia numa ânsia:
Urge lutar contra os
anjos:
- Fora tão empoeirado
Só nos rasgamos a
pista
O labrego pau de giz
Com incansáveis
arranjos.
Da minha infância!
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1367
1371
Educação
Muda
A única
educação
Se o poema se desnuda,
Que leva à
sabedoria
Se se despe até ao osso,
É a da
pedagogia
Ou muito depressa muda
Do coração.
Ou em breve é só o caroço
Com que o poeta se iluda,
Ser um bom
educador
No verso entale o pescoço.
Requer mais que um bom domínio:
Tem de evitar o
fascínio
E assim é que nunca posso
Sendo sempre um
sedutor.
Moldar a gosto a voz ruda:
O poema que é mesmo nosso
É aquele em que a voz é muda.
1368
1372
Palavras
Fácil
Dizem as palavras mais do que
dizem, Eu tenho uma
escrita fácil,
As palavras não são
puras.
Ideias em catadupa.
Quando deslizem,
Porém, crêem que o que é grácil
As palavras desenham
figuras.
É fruto de muita luta
Ou então não vale a pena.
E toma a
vida
A figura da palavra nela
repartida.
- Será que uma escrita à lupa
Faz grande a ideia pequena?
1369
1373
Letras
Desgraça
Perdes tempo a comer letras
Como se comem
maçãs.
Às vezes, é na desgraça
Se tarde te
compenetras,
Que germina uma obra-prima.
Tornam-se-te as fugas
vãs:
Da noite escura é que grassa
No mundo já não
penetras,
A luz que nos ilumina.
Viverás de
antemanhãs.
Das ovelhas que
soletras
No desespero mais fundo,
Só te ficam vagas
lãs.
Numa solidão sem dó
É que o homem gera o mundo,
1370
Argamassando-o do pó.
Falar
Cume da felicidade
É que sonhamos que dura
Se falares no
diabo
Por toda uma eternidade
Ele vai-te
aparecer,
- E só no instante é que é pura!
Falar não é só dizer,
Falar leva um sonho a cabo:
- Força mesmo a acontecer.
==================================================================
1374
1378
Lugar
Acontece
Quando o artista vai
perdendo
Felicidade acontece,
Todo o seu lugar no
mundo,
Depois neste acontecer
É urgente
denunciar
Acontece que me esquece,
Que o que jamais
compreendo
Não me acontece viver.
É a arte a perder, no
fundo,
O mundo do seu
lugar.
Tal acontecer fenece
Enquanto em mim não crescer:
1375
Felicidade acontece
No que deste acontecer
Anestesia
Acontece que em mim cresce,
É
normal
Só então me acontece ser.
Que quem
tente
Ser feliz não me obedece,
Tornar-se
imortal
Obedece ao que eu colher.
Seja forçado,
Em todo o
lado,
1379
A tomar frequentemente
Anestesia
moral.
Felicidade
1376
Verás que a felicidade
Nunca vem do que acontece.
Peleja
A maior calamidade
Passa por nós e perece.
Que a palavra
soada
Nós é que damos os nós,
Pele me
seja!
Nunca é o que o destino quer,
Que se
veja
Mas o que acontece em nós
Quanto é uma palavra
suada
Daquilo que acontecer.
Nesta peleja!
1380
1377
Mar
Gaguez
O mar em vertigem,
Todo o sonho é uma
gaguez,
Bate que bate,
Ultrapassa o corpo e a
voz,
Coração do mundo,
Depois volta atrás de
vez.
Antes que o tempo nos mate:
Na hesitação do
entremez
- Pulsar da origem
Nunca consegue ser
nós.
De que me inundo.
==================================================================
1381
A mirar-se, pura,
No rio.
Marés
E ali um pardieiro
Marés vivas sobre as
praias,
Dente podre do siso
As rochas a
despencar
A estragar por inteiro
No turbilhão da
areia:
O sorriso.
- Verbo
amar
1385
A conjugar-se nas longínquas
raias
Em que a vida se
ateia.
Sol
1382
A calma de que me inundo
Dum arrebol vem atrás,
Falésia
Por trás do monte fecundo
Que estes perfumes me traz..
O sol na amplidão
De céu e mar aberto
Quando o sol inunda o mundo
E as ondas a
enrolar
Inunda o mundo de paz.
Com risinhos nas
maretas.
1386
E o brusco
rasgão
Pela terra dentro,
perto.
Luar
Das alturas a
apelar
Quando o mar nos faz
caretas.
Luar
De Agosto
Quando o mais se nos
entorta,
No mar
Resta, afinal, uma
porta...
De Albufeira.
Vestígios da torreira
1383
Em que um grande sonho se afoite.
Restos de soalheira
Abandono
No rosto
Da meia-noite.
Corpo estendido na
areia
Esteira
À mordedura do
sol,
De mar,
Abandono das
origens...
Luar
Salvação?
Do rosto
Perdição?
De Albufeira
Vertigens
Em Agosto.
Que nos
ameia
Um sonhado
arrebol
Luar de mar,
Definitivamente em
vão:
Corpo de luar,
Sou este adiado sonho de
areia.
Sonho de soalheira,
Meia-noite
1384
Despida
Onde me acoite,
Lisboa
Sonho de vida:
Lisboa, a
brancura
- Albufeira.
Às gargalhadas do casario
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1387
E, enquanto prepara
Quermesse indivisa,
Lua
Não pára,
Recresce.
A
Lua
Não é minha nem é
tua,
Abismo insondável,
Dança na
rua,
Luisa, teu nome,
Nua,
Como pode, amável,
Na imensidão
flutua,
Matar tanta fome?
Falua
Que em meu mar se
insinua,
1390
Ferindo-me com sua
Acerada
pua,
Polo
Lua-mulher,
Não é de
quenquer
Em extasiado transporte
Mas de quem ela
escolher:
Correm, loucos. Não os sigo
- Todo o mundo a pode
ver,
No emaranhado frenético.
Só o eleito a irá
colher.
Teu coração é meu norte
E abaixo de teu umbigo
1388
Mora meu polo magnético.
Insinua
1391
Esta Lua, Beijo
Esta Lua
pequenina
Sobre
mim,
Ao beijar-te não te sinto,
Em mim que não sou
ninguém
Que p'ra tal não há sentido
Se
insinua,
E esta boca com que minto
Se insinua e tanto
ensina
Mente outra vez, não duvido.
Que por
fim
Mas mente menos que um chifre
Ainda hei-de ser
alguém.
Ou que uma antena de insecto,
Permite que eu te decifre
1389
P'ra além do que em ti detecto.
Nesta pequena distância
Luisa
Entre o que sinto e pressinto
Recobro os sonhos da infância,
Ouço o teu nome,
Luisa,
Já não minto quando minto.
E passa uma brisa...
E, enquanto
perpassa,
1392
Um sonho desliza
Na
praça.
Murmúrio
Evoco-te o nome,
Luisa,
Amor, murmúrio íntimo em que pousas,
E a vida se
alisa...
Brando
marulho em que abrem sempre as rosas.
E, enquanto convida,
A aldeia enfatiza
A lida.
Colho o teu nome , Luisa,
E a seara estremece...
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1393
1397
Sereia
Amor
Mulher por inteiro
pronta
O amor é um violino.
Perdeu logo todo o
encanto
Se a música pára
Que o desejo só
desponta
Então o destino
Se o mistério nos
aponta
Joga-nos à cara:
Da sereia o ignoto
canto.
- Prò som que não dá
Toma as cordas já!
1394
1398
Junto
Luz
Não me acabam os abrolhos
De estar tão juntinho a
ti:
Quando meu amor morreu,
Vêm-me as lágrimas aos
olhos
Mesmo em dias luminosos
De tão longe que nos
vi.
Toda a luz escureceu.
Se a vida volta a ter gozos
Como é que estando tão
perto,
É que, após o eclipse, a luz
Tão
irremediavelmente
À paisagem reconduz.
Vivemos neste deserto
Separados frente a frente?
1399
1395
Sós
Desordem Mesmo
casadas e com filhos, sós
São as mulheres ao lutar p'la vida,
A presente desordem
amorosa
Que os homens atam e desatam nós
É que mede o
comprimento
Mas não entendem o que vem após:
De orgasmos e de pénis e não
goza
- Tanta semente por aí perdida!
O sabor que tem o vento.
1400
O amor é lisura
Por colher do pomo à vagem,
Altruísmo
Em plena aventura,
A floresta mais
selvagem.
O altruísmo é caridade
Quando atende ao que outrem quer.
1396
Porém, a maior verdade
É que, quando isto fizer,
Sentido
A saúde que tiver
Cresce em mim com igualdade:
Um amor, p'ra ter
sentido,
Isto é uma modalidade
Tem que dar sentido à
vida,
De amar noutro o próprio ser.
Que a vida, p'ra ser vivida,
Tem sentido ou nada vale.
Um amor que é só prurido
Não é nunca amor real.
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1401
1405
Mata
Mamã
O homem não
mata
Será que em teu dia de anos,
Quem
odeia,
Mamã,
Apenas o
desata
Se fez, por faustos enganos,
Da
teia.
Manhã?
Jamais o
relata
E que os enganos continuem
A
fama,
Agora
Mas quem o homem
mata
E de teu sol todos fruem
É quem
ama.
De outrora?
1402
Se o dia nos dás eterno,
Então
Embora
Todos num abraço terno
To dão.
Se num arremesso
Bato porta
fora,
E na tua festa de anos
O amor que me
meço
Aqui
Vai comigo
embora
A alegria final dá-nos
A gritar: "Não
podes
A ti.
Escapar de mim.
Se mais me
sacodes,
1406
Mais te seguirei,
- Que sou o teu
rei
Suicida
Do princípio ao fim."
Mais medo de viver que de morrer
1403
É do suicida a inapelável voz.
Porém, o que p'ra nós é mais atroz
Bomba
Não é a fatal escolha de não ser:
- É menos temer isto do que a nós!
Quando uma bomba explodiu
Não explodiu só uma
bomba,
1407
Uma esperança morreu:
A Humanidade é que
tomba.
Outro
Uma bomba explode
quando
Se o outro não existisse
Por mim ninguém há
esperando.
Assim tão outro de mim,
Talvez o céu eu cobice...
1404
- Ou o inferno é que é o meu
fim?
Guerra
É que inferno sou eu mesmo
Quando dos outros me corto:
Soldado que vais à
guerra,
- Perco-me na vida a esmo
Gostas tanto dela
assim?
Sem jamais encontrar porto.
Ou foges enfim da terra
Porque esta terra te
aterra
Se à guerra não vês mais fim?
==================================================================
1408
- Onde quer que nos achemos
É inferno!
Amanheço
1412
Sonho o amor,
Dás-me
putas.
A Rodos
Suo labor,
Tu
disfrutas,
Sou memória atribulada
Chulo, de quanto
estremeço.
Desta imensa solidão
E
anoiteço.
De aqui estar sempre com todos,
Ser esta hóstia consagrada
Dispenso
então
Que se transformou em pão
Quanto
meço,
Que todos comem a rodos.
Greve do coração,
Do braço que não
ofereço.
1413
À margem, meus arraiais
Monto aonde não chegais.
Canção
E amanheço.
Voa uma canção dos anjos
1409
Perdida pelos espaços
E que às vezes desce à terra.
Solidão
Não são violinos nem banjos,
Nem traça visíveis traços,
Na cidade, a
solidão
Mas quando meu imo a encerra
É tanta que a gente
fica
Rememoro-a, interminável:
Longe até mesmo de
si.
- É só uma palavra amável!
E na aldeia a comunhão
Solitário a mim me
implica
1414
Com tudo com que vivi.
Calor
Acolá vivo só por entre a gente,
Aqui sou tudo sendo eu
somente.
Nunca me abrasa o calor
Ao sopro de teu falar.
1410
Teu falar tem mais sabor
E vale todo o valor
Inferno
Ao calor de teu calar.
Em todo o inferno falta a
comunhão.
Há, porém, de tal ordem tais pessoas
Que não só de estar só me
impedirão
Como ainda se arvoram em tão boas
Que prefiro fugir prà
solidão.
1411
Inverno
Não é por culpa do inverno,
Dos gigantes polifemos,
De ditadores que hiberno:
==============================================================================================================
Não tanto porque não seja
1415
Mas porque o que ele não vê
Não está mesmo que esteja.
Vida
E assim, Deus, se fores, sê,
Trago a minha vida
inteira
Que a fé por que aquele almeja
Cá no meu bolso de dentro.
Nunca se mantém de pé
Mas se vou vendê-la à
feira
Só no vazio da igreja.
Não a trago já quando entro.
Um ateu toma o café
E, se ninguém a
quiser,
Mas à planta benfazeja
Também dela não preciso,
Nunca faz um rapapé.
Nem por isso vou
sofrer,
Ateu é aquele que lê
Era falta de
juízo.
Do mundo a rubra cereja
Lanço-lhe o sacrário ao
lixo,
Sem cerejeira que a dê:
Vou puxar-lhe o
autoclismo:
É o Grande Nada que beija
Não vou adorar em
nicho
No fruto à sua mercê.
Dos demais este ateísmo.
Por isso é digno de inveja:
1416
Ateu é aquele que crê!
Contra quem crê de bandeja,
Fome
Crê neste vazio até
E da ausência malfazeja
Ao sinal da
fome
Faz seu motivo de fé.
Eu reentro em casa:
Deveras não
come
Ao crente faz que reveja
Quem, perdido o
nome,
Em que assenta seu porquê,
Come em terra rasa.
Que descubra quanto enseja
Pôr um fim ao balancé
1417
Que a dúvida mercadeja:
- Um ateu não vê que vê,
Contacto
Crente vê o que quer que seja!
Porque sempre o
isolamento
1419
É causa de depressão,
O contacto é um
linimento:
Snobismo
Quando converso, alimento
A fome de
comunhão.
Humilde orgulhosamente
E se ajudo outrem,
então
Há um snobismo evangélico
Ponho fim a meu
tormento.
Que santamente nos mente
Porque, olhando superior,
1418
Não despreza, maquiavélico,
Quantos a quem deve amor:
Ateu
Em requintes os sublima
P'ra mostrar quanto está acima!
Ateu é aquele que crê
Que aquilo que ele não veja,
Mesmo que seja, não é,
==============================================================================================================
1420
1424
Entre
Feliz
Entre a verdade e a
mentira
Atitudes que revelam
Terei de me
perguntar:
Quanto nos sentimos bem
Minto p'ra que outrem não
fira
São actos que por nós velam
Ou a consciência se vira,
Quando estamos mal também:
Não me quero é
atrapalhar?
Ao tomá-las, me refiz
E sinto-me então feliz.
1421
1425
Gavinha
Sorrir
Tal como dum pé de vide
A gavinha se
desune
Tenta sorrir
Se não for bem feita a
lide,
A todo o momento.
A mentira nos
divide
Lento e lento,
E a honestidade nos
une.
Teu sorriso vai conseguir
Modelar teu sentimento.
1422
1426
Moeda
Lágrimas
Se o tempo nos é dinheiro,
Só tu cunhas a
moeda
As lágrimas dão sinais
E não encontras
parceiro
De fraqueza com tal força
Na subida nem na
queda
Que são uma língua mais:
Da cotação que
tiveres.
- De amor ou dor dão-nos ais
Mas, se tu não te
precatas,
Sem que a tradução distorça!
Quem dispende teus haveres
São outros e assim te
matas
1427
No câmbio que assim lhes deres.
Bom-Humor
1423
Hoje o bom-humor é livre,
Ajudar-me
Um espectáculo aberto,
Mas o fascismo ainda vive
A chave de me
sentir
Em quem o viveu tão perto
Em cada dia
melhor
E com a queda ainda vibre
É de por mim
decidir,
Por lhe ter findo o deserto.
Tenha o que tiver a opor,
Que vou ter de me
ajudar.
Porque rir a descoberto
É uma cura. E Deus nos livre
Só então acho meu
lugar.
Doutro qualquer desconcerto
Que antigas chagas avive!
==============================================================================================================
Trabalhar p'ra ter virtude
Virtude é maior que
as mais.
1428
1432
Consciência
Prisão
Co'a consciência de
arreata,
À porta da prisão
Aí vai a
burricada,
Jaz baleado
Tudo em alegre
bravata:
Sem identidade
A esperteza
desatada
O fugitivo preso.
E afinal não sabem
nada!
Nesta ocasião,
Pela morte inocentado,
A consciência é que nos
ata
Tem da liberdade
Ao ser toda a
madrugada
O justo peso.
E é uma bicheza da mata
Que os boçais tomam por
fada.
1433
1429
Polícia
Liberdade
Cumpri na vida o destino
De ser da vida polícia,
Liberdade, és tão
amada
Mas afinal o que ensino
Tanto por quem tem
razão
É que aprendo, sem malícia,
Como p'la vida que
não
Que o polícia que faz lei
Foi de ti nunca
dotada
É o que na vida encontrei.
Que te buscam o pendão
Desde o humano teu
irmão
1434
Até uma fera enjaulada.
Pròs homens és ser quem são;
Princípio
No animal tu és o chão:
- Liberdade
libertada.
"Não faço isto por dinheiro,
Mas por questão de princípio!"
1430
- Co'o pregão eleiçoeiro
Não voto em teu município:
Segredo
Em princípio, é o mealheiro
Que rege o teu ano inteiro!
Falas com gosto em segredo.
É que nunca a
liberdade
1435
Grita pregões de degredo
Nem precisa de ter
medo:
Rico
É discreta que é verdade.
Mesmo se morro de fome
1431
Não morro quando debico.
Se mata a fome quem come,
Virtude
Não mata quem tudo tome,
Tão caro custa ser rico!
"O que é preciso é virtude!"
- Gritam os que têm
demais.
Mais juízo
revelais
Se em obreira juventude
A virtude
conservais
P'lo trabalho que prestais.
==============================================================================================================
1436
E ele ficar paralítico,
Vai ele seguir o povo.
Pobreza
Se o rumo se provar certo,
P'ra nele animar a fé,
Se acreditas que a
pobreza
O político que é esperto
É uma falta de
dinheiro
Vai ficar ao nosso pé.
Atenta nisto
primeiro:
Andando sempre por perto
No pobre o que mais o
lesa
Toma o sabor ao renovo.
Não é o ter que lhe faz
falta
Quando se sentir experto
- Mas o pensar tão
rasteiro
Volta prà frente do povo.
Que é uma doença sem alta.
1441
1437
Vontade
Poupar
É por força de vontade
Se me falam de
poupar,
Que torno verde o deserto
Ponho-me de
sobreaviso:
Ou em deserto o que é verde,
É que, por todo o
lugar,
Que a minha ambígua verdade
Querem que eu perca o
juízo
É a deste destino incerto:
E tais falas são o
aviso
- O que me salva me perde!
Com que empurram-me a gastar.
1442
1438
Medo
Escravizar
Parece uma criança
Tudo aquilo sem o
qual
Estúpida em extremo.
Não posso jamais
passar,
Não é uma aliança
Jamais o tenho,
afinal:
Com o demo:
Tanto me vai
escravizar
- Desterrou-lhe o medo
Que é quem me tem, por meu
mal.
A razão para o degredo.
1439
1443
Reveses
Profissional
Quando todas as
questões
Matador profissional
São questões de vida ou
morte
Mata sempre a sangue-frio.
Não é vida o que
repões.
Vê-se nos olhos o mal,
O que então te cabe em
sorte
Que neles não há sinal
É que sofres tais
reveses
Da expressão que a vida riu.
Que vais morrer muitas vezes.
1440
Político
Quem nos comanda é o político
Mas, se o rumo é muito novo
==============================================================================================================
1444
1448
Ver
Itinerários
Quem apreça seu
cavalo
Na vida temos dois itinerários
Por maior que seu
cocheiro, Entre
os quais toda a escolha é pertinente:
Um diamante
avaliá-lo
Um primeiro, após festa, são fadários;
Vai menor que um formigueiro:
Um outro em muita azáfama consente,
Não vê bem o que crê
ver. Só
que ao fim seus festins são bons e vários.
Está mais ligando ao
ter
1449
Do que ao ser que ali se mostra
E a pérola que vender
Perdeu
Não vê que nasceu da
ostra.
Se alguém perdeu a cabeça,
1445
Perde o nome que fruiu,
Perde a distância que meça
Perigo
À loucura que atravessa.
Ninguem vê o maior labéu:
Se o perigo é
perigoso
- Ninguém vê que se perdeu!
Pânico tem mais perigo,
Que, se aquele é
temeroso,
1450
Este nem nos deixa o gozo
De a gente ser dele amigo.
Incompetência
1446
A natureza é doente,
Sofre duma incongruência:
Negociar
O que sempre está presente
É que nunca a incompetência
Negociar,
Faz doer ao incompetente!
Arte do possível.
Jamais vai atingir o
pretendido
1451
Mas conquistar
Quem for
irredutível
Conselho
Para que devenha comedido.
Do poder contra a evidência, Quando
dou um bom conselho,
A
conversão
Para melhor resultar,
Jamais provém da
exigência:
Requeiro antes o aparelho
É apenas
persuasão.
De um bom susto o aconselhar:
- Só então se procura o espelho!
1447
Casebres de pedra preta
Albergam gado e semente
E, sendo comum a meta,
Eis o que jamais nos mente:
- Que são currais para gente!
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1452
Poder
É o poder que alimenta as organizações
E as organizações mantêm o poder.
Quando elas são quadrilhas, vivem corrupções,
No poder dissimulam as suposições,
Nele tecem as máscaras, o parecer:
Transformam ditadores em bons democratas,
Vão pintando os escroques como heróis do povo
- E, quando deste embalo tu te não precatas,
Sugaram-te os miolos, morreste no ovo.