12ª. Redondilha
Onde me
alcança a memória
Escolha aleatoriamente um número entre 1651 e 1751 inclusive.
Descubra o poema respectivo como uma mensagem particular para o seu dia de
hoje.
1651
12ª. Redondilha
Onde me alcança
a memória
Canto o traço
que me traça
A profundeza que
abraça
Minha derrota e
vitória.
Além de toda a
vanglória
Canto quanto a
vida é lassa,
Como nos borbota
escassa
Em cada passo da
história.
A sabedoria
canto
Com cada traço
de encanto
Que nos encantou
as eras.
Canto o mestre
que, do olvido,
Me sustém na
vida erguido,
Daqui me lança
às esferas.
1652
Compreender
- Mestre, como compreender?
- Tentando e descobrindo que não compreendes. Quando aceitares que não
compreendes, então saberás.
- Saberei?!
- Saberás, embora continues a não compreender.
- Nada mudou?
- Tudo mudou. Tu e o enigma então sereis um: abriste os
portais do infinito!
1653
Ser para Ser
- Mestre, que fazes de mim?
- Sou tua condição de ser.
- Posso prescindir de ti?
- Não! Deixarias de ser. Prescindirias, afinal, era de
ti.
- És meu criador?
- Não, dou-te a chave da criação.
- Criação de quê?
- De ti próprio.
- A partir de ti?
- A partir de mim, não. Senão duplicar-me-ias e já não
serias tu próprio.
- A partir do muno?
- A partir do mundo, não. Degradar-te-ias num objecto,
serias o animal-máquina, o mais perfeito robô, mas apenas e só robô.
- A partir de mim?
- Sim. De ti és tu princípio e fim. Eu sou apenas o meio.
- Meio para quê?
- Para atingires o fim de ti.
- A morte?
- A plenitude.
- Plenitude de mim?
- De ti comigo.
- Então que plenitude?
- Conseguirmos vir a ser, algum dia, definitivamente Nós.
- Um Nós universal, sem retorno nem fronteiras?
- Integralmente Nós, isto é, o Infinito.
- Para a eternidade?
- Para a eternidade.
- Seríamos deuses...
- Seremos Deus!
- Num amanhã qualquer?
- Não, para além do tempo, quando lhe ultrapassarmos a
fronteira, quando mudarmos de natureza. Porque o tempo somos tu e eu
enquanto não formos Nós.
1654
Enriquecer
- Mestre, é mau ser rico?
- Somos infinitamente mais ricos que o homem de
Cro-Magnon. É bom.
- Então é um bem.
- Não, é um mal.
- Mas se melhoramos...
- Só melhoramos quando melhoramos em comum. O melhor só é
quando é para todos.
- Isso não é enriquecer?
- Não. Rico só há onde há pobre. Se todos formos iguais,
ninguém é rico.
- Não sentimos melhoria?
- Ninguém a valoriza.
- Ficamos então infelizes?
- Infelizmente.
- Por quê?
- Porque desatamos a querer ser ricos e aí principia todo
o mal.
- Como assim?
- O rico explora apenas frémitos dos sentidos.
- Qual é o mal?
- Transforma tudo e todos em brinquedos.
- Brinquedos?!
- Sim, brinca aos automóveis e às mulheres, brinca às
jóias e ao poder...
- Diverte-se!
- Não, transforma-nos em joguetes, somos marionetas com
que se entretém.
- Isso é fatal?
- Fatal.
- Como assim?! Perde a liberdade?!
- Não. É livre de desenvolver até ao fim o mal original:
o primeiro erro.
- Qual?
- Ser rico, em lugar de ter enriquecido em comum.
- Não pode ser o mesmo?
- Não, porque o rico, para sê-lo, empobrece outrem.
- O contrário, no ver dele, era ser pobre.
- Na realidade enriqueceria bem em bens.
- Sendo rico tem sempre mais bens também...
- Mais males: vai desenvolver sempre mais longe o mal que
lhes dá origem.
- Jamais se libertará? Poderia renunciar a tal caminho...
- Sim. Mas não pode inflecti-lo.
- Por não inflectir o primeiro passo?
- Pois. Prosseguirá na lógica fatal dele até ao fim.
- Quanto mais rico...
- Pior!
- Para os outros!
- Também para ele: paga os bens com o ser. Quanto mais
tem, menos é!
1655
Porvir
- Mestre, como será o futuro?
- Para mim, negro.
- Como para ti?
- É que, para ti, será azul.
- E nele próprio?
- Negro e azul. E todo o arco-íris.
- No nosso imaginário?
- Na realidade.
- Não pode ser. Ela é uma só.
- Uma só para cada um que a vive.
- No juízo que dela fazemos?
- Não. No que fazemos dela por causa dos nossos juízos.
- Mas se são contraditórios!...
- Aparentemente. Somos todos complementares.
- Mas se um quer preto e outro branco...
- Preta é a morte e é dela que alimentamos a vida...
- ...O arco-íris.
- Que quando se unifica é branco.
- É indiferente, então, o que eu quiser...
- Ao invés, é tão importante que, sem a tonalidade de
cada um, jamais atingiremos um dia a pureza da brancura.
- Mas nada mudará...
- Mudará tudo, porque tudo será cada vez mais da cor que
tu lhe deres.
- Terei tal poder?
- O porvir hás-de ser tu, o futuro seremos nós. À
medida do nosso sonho, do sonho que formos
capazes de sonhar.
- Mestre, podemos recuperar um mestre morto?
- Jamais.
- Não sobrevive?
- Não.
- Não ressuscita?
- Não.
- Fica reduzido a um silêncio eterno?
- Dá voz a outros.
- Mas ele, pessoalmente?
- Morreu definitivamente.
- Sem esperança?
- A esperança, para ele, somos nós. Mas nem a esperança
lhe resta: porque ele não é nada.
- Então?
- Nós é que damos sentidos aos sentidos que ele nos deu..
- Sobrevive-lhe a mensagem?
- Não, nós é que sobrevivemos pela nossa mensagem que nos
chegou por ele.
- Só isso?
- Só, até que algum dia rompamos a porta dos limites.
- E então...?
- Vencido o espaço-tempo, vencido o relativo, a plenitude
ficar-nos-ia ao alcance.
- E a morte?
- Vencê-la-emos: ressuscitaremos os mortos.
- Os mestres, queres dizer.
- Não, os mortos. Que todos somos mestres, mesmo jamais
reconhecidos.
1657
Homem
- Mestre, que é o homem?
- Junção da eternidade e do tempo.
- Mas é mortal.
- Cada indivíduo.
- A espécie ocorre no tempo: pode sempre extinguir-se...
- Enquanto não criar um tempo eterno.
- A eternidade impossível...
- Não, seria ainda só meia eternidade possível.
- Mas inexequível...
- Não, sempre indefinidamente aproximável.
- A eternidade da alma?
- Do corpo e da alma, que cada homem é um só: ou se salva
todo ou nada se salva.
- Estamos então perdidos!
- Enquanto a eternidade não assumir e consumar o tempo.
- Uma eternidade temporal?
- É a outra metade do tempo eterno.
- Jogos de palavras...
- Não, jogo do real que é simultaneamente a realidade
jogando-nos.
- Somos joguetes?
- Enquanto o Universo inteiro se resume em nós e por nós
joga a sorte do todo.
- Quais são nossas possibilidades?
- As dum campo de forças.
- Temos saídas?
- Infinitas.
- Com que poder?
- O do infinito.
1658
Tudo
- Mestre, o espaço é tão grande!
- Infinito.
- O tempo é tão extenso!
- Interminável.
- Como poderemos atingi-los?
- Jamais.
- O infinito não nos está ao alcance?
- Ninguém sabe. Mas visamo-lo.
- Mas se é impossível...
- Por aí.
- Há outra via?
- Tentar o infinito em cada coisa.
- Se o alcançarmos será diminuto.
- Ao invés, será tudo.
- Como assim?
- É que tudo está em tudo. Se abrires uma janela,
entra-te por ela o mundo inteiro.
1659
Dilaceração
- Mestre, porque vivemos tão dilacerados?
- Desejamos a eternidade prisioneiros do tempo.
- Não podemos desistir?
- Seria encurralarmo-nos numa das opções.
- Pararia o sofrimento?
- Jamais. Torna-se no inferno.
- Não há, pois, libertação.
- Há. Mantemos a tensão, perdura o apelo a sermos deuses.
- Mas isso é que é o desespero...
- E a esperança!
- Como?
- A fúria do amor pode romper com a fatalidade.
- Matando-nos?
- Transcendendo-nos.
- Sem nos aniquilar?
- Pela morte que ressuscita.
- Após a morte é o nada.
- Donde o amor pode criar tudo.
- Quem morreu já não ama.
- Mas pode ser amado.
- E daí?
- Do nada o amor o fez nascer a vez primeira. Assim será
também da segunda.
- Reencarnação? Seria outra pessoa!
- Não. Ressurreição: só lá chegaremos quando, no fim,
cada um for ele mesmo, para a eternidade.
- Só por um acto de fé.
- Não, se for precisa a fé, ainda não chegámos lá.
- Mas com que evidência?...
- Com a da infinitude cuja fronteira conquistaremos um
dia.
- Antes disso já estaremos todos mortos.
- É verdade.
- Então, não há saída!
- Pode haver, desde que morrer seja mudar de natureza.
- Uma metamorfose?
- Não: o fim do ser em todo o seu modo para assumir o
Ser-em-Todos-os-Modos.
- Como será?
- Ninguém o sabe.
- Mas é possível?
- Ninguém o sabe.
- Então...
- Aqui principia e acaba a fé.
- Não vale a pena.
- Ao contrário, é a única coisa que vale a pena.
- A única?!
- Sem isto é que nada vale. Absolutamente nada!
- Fico de mãos vazias.
- De mãos vazias é que somos todos. Só nos resta a
possibilidade de as manter abertas à eventualidade de se encherem algum dia.
- Isso é verdade?
- Tudo o mais é ilusão.
1660
Ver
- Mestre, não vejo e não estou cego.
- Tens de ver com o sentimento.
- Dei uma topada na pedra. Não a vi!
- Tens de vê-la vivendo-a.
- Tornando-me pedra?
- Tornando-a um membro de ti.
- Mas ela é morta...
- Vivendo-a dar-lhe-ás vida.
- Ao utilizá-la?
- Não, ao senti-la.
- Com os sentidos?
- Não, com o íntimo, com o eco do coração.
- Então ela ficará sempre fora de mim...
- Nada no Universo está fora de ti.
- Não pode ser! O universo é infinitamente grande. Não
cabe em mim!
- A imagem dele, o valor que lhe dás, o êxtase que te
oferta não ocupam espaço: o infinito só existe no teu íntimo. Cá fora é tudo
muito limitado.
- Mas não é jamais a pedra em si que terei em mim.
- Enganas-te. A pedra em si é apenas justamente o que
dela houver em ti. O mais é
ilusão.
- Mas está aí.
- Apenas aí está o que alguém, no íntimo, dela viver e
partilhar.
- Mestre, como é possível se ela existe antes de alguém
ter existido?
- Antes de alguém ter existido, Alguém a existiu e continua
existindo para que ela exista
hoje para nós e para que, por ela, possamos existir para todos, sempre.
- Não creio que a pedra seja alguém.
- E não é, mas o que vês de Alguém que a vive.
- Mas é apenas ela!
- Evidentemente. Só que ela é a palavra que Alguém te
dirige.
- Não ouço palavra nenhuma...
- Mas podes vê-la se quiseres ver com o coração. E só tal
palavra vale a pena ver-se.
- A ciência não presta?
- Prestará quando a ouvirmos no íntimo. Então ir-nos-á
revelando Alguém escondido na palavra do Universo. Até lá andaremos cegos vendo
tudo.
- A ciência desvenda o segredo cada vez mais...
- E nós tanto mais cegos quanto mais virmos!
- Como prová-lo?
- Só pode provar-se o que não vale. O que vale não se
prova, vive-se.
- Mas se não existir...
- De que prova precisas de ti, se te vives?
- De nenhuma. Sou eu.
- Só se prova o que não se vive. Vive o Universo e não
precisarás de prova.
- Elimino a ciência?
- Não. Apenas a prova. É que precisas de conhecer para
decifrar a palavra da imensidão.
- Sem prova não descortino a verdade.
- A prova torna-se o teu dicionário. Não demonstra,
traduz-te a mensagem de Alguém. Não é muda, também fala de ti a outrem, através
da palavra-pedra, através do discurso-Universo.
- Então o meu saber...
- Será o segredo desvelado de Alguém para todos; tu serás
o porta-voz, o tradutor do Infinito.
- E o que eu fizer....
- Será tua palavra feita pedra e Universo, conversando
com todos em todo o tempo.
- E com Alguém?
- Será tua resposta a Alguém, tornando-te corpo do Universo.
Serás corpo alargando-te ao Infinito.
1661
À Toa
- Mestre, sabe o homem o que faz?
- Jamais.
- Não tem um sentido?
- Tem-no sempre e nunca é verdadeiro.
- Mas crê nele?
- Quando tem algo de sábio.
- Algo?
- O sábio verdadeiro crê e sabe que a crença é falsa.
Irremediavelmente.
- Isso é estúpido.
- Estúpido é o vulgar: gesticular à toa.
- À toa?
- Ninguém sabe o que faz. Pensa que sabe e isto lhe
basta.
- Por que não se pára de vez?
- Mexem-se apenas para não ficarem quietos.
- Que é que os move?
- O medo de enfrentarem o que são, o terror do que serão,
o pesadelo do que lhes está fatalmente acontecendo.
1662
Sossegado
- É noite, mestre, tudo dorme sossegado.
- Tudo dorme sossegado, quer de noite, quer de dia.
- Em vigília, mestre?
- Em vigília é que se dorme a sério.
- Por distracção?
- Por concentração. Ninguém vê o que está para além.
- Mas vê o que vê.
- Não. Apenas vê o que quer ver e não acredita no que vê.
- Afinal, vê ou não vê?
- Vê quanto o deixa sossegado e ignora quanto o perturba.
- Simula não vê-lo?
- Não, torna-se cego.
- Voluntariamente?
- Inconscientemente. Por isso é que é cegueira a sério:
não vê definitivamente.
1663
Peritos
- Mestre, estou divertido e alarmado.
- Com um comportamento bizarro?
- Com a obediência cega às regras e regulamentos.
- Os homens dependem dos sistemas que criaram para se
libertarem.
- É contraditório.
- Se a cegueira for a norma.
- Mas são os mais lúcidos...
- Têm uma fé inabalável na lei; na ciência, fruto e norma
da lei; na técnica, lei incarnada. Não são lúcidos.
- Mas se os sábios são escravos...
- Não são sábios mas peritos, peritos em escravidão. O
sábio é livre e libertador.
- Estes de agora são servos da tecnologia. Vivem
obcecados por ela.
- As máquinas são os novos senhores.
- Mas são mesmo eficientes.
- Pode não ser mau, enquanto tal for o sonho e a carência
do homem.
- Liberta, então, mestre?
- Os demais, não os humanóides telecomandados.
- Como é possível? Todo o fruto da escravidão é
desprezível.
- Quando a escravidão é forçada. Esta é voluntária e
militante.
- E o fruto não degrada, como ocorreu através das eras?
- Só a quem creia nos dogmas das jaulas doiradas. Sem os
dogmas, restam instrumentos, bens e serviços. Para libertar e promover ou para
oprimir e marginalizar. Ao arbítrio e consciência de cada um.
- Até quando?
- Até ao dia em que as máquinas se avariem.
- Aí pararia tudo: seria um bem.
- Seria um mal. Para os escravos, que já não sabem viver
sem dono. Para os libertos,
que já não sabem viver sem hábitos.
- Mas tudo então seria recuperável...
- Ou tudo ficaria perdido: aí as máquinas poderão tomar o
poder. Definitivamente.
- Como assim, mestre?
- A obsessão da ausência delas pode submeter-lhes de vez
a humanidade inteira. Tudo e todos, humildes, ao serviço do novo deus ausente.
- Mestre, perdi o sonho!
- Mergulha em teu íman.
- Qual?
- Primeiro a água.
- Nadar, ir à praia...?
- Não. Abandona-te inteiro ao abraço da água-mãe:
deita-te nela, fecha os olhos e deixa-te embalar.
- Repousar?
- Reencontrarás a paz.
- Mas como viver?
- Segundo a árvore.
- Plantando-a?
- Não. Abraçando-a. Aperta-lhe os braços à volta do
tronco.
- E daí?
- Sente a vida fluir, suave, dela para o teu corpo
abatido.
- E terei força?
- A força da árvore passará, discreta, a robustecer a tua
fragilidade.
- Basta uma?
- Primeiro, uma. Depois, a floresta inteira. Quando a
força te embeber, poderás voltar ao seio dos homens. Ficarás ébrio de vida.
Serás a alegria.
1665
Domínio
- Mestre, é feliz quem domina?
- Nunca.
- Então o ideal é a obediência.
- Depende.
- De quê?
- De ser ou não em consonância com teu íntimo, com o sonho
de plenitude que te anima.
- Nesse caso não obedeço.
- Obedeces, em ti, ao que em ti te ultrapassa.
- Mas não a uma chefia.
- Obedeces a uma chefia que te mande obedecer à
profundeza de ti próprio.
- E se não mandar assim?
- Impede-la de dominar-te. Libertando-a da perversão do
domínio, leva-la a comandar em prol de tua plenitude: tua chefia também pode
ser feliz.
- Como educarei meu filho? Aí sou eu que mando.
- Mandando-o ir dominando sua vida.
- Mas ele não a pode controlar.
- Por isso a infância é infeliz, contrariamente ao que
julgam.
- Então?
- Dá-lhe cada dia mais participação em quanto lhe diga
respeito.
- Se o fizer...
- ... Dás-lhe o sentimento de poder controlar a vida mais
e mais.
- E daí?
- A esperança de algum dia atingir a plenitude
principiou: passo a passo tem a prova de ir a caminho. Cada vez será maior o
poder para realizá-lo. O infindo começa a ficar ao alcance.
1666
Pertença
- Mestre, ninguém gosta de mim.
- Faz algo por outrem.
- Mas fiquei abandonado...
- Apenas deixaste de dar-te a alguém gratuitamente.
- E quem o fará por mim?
- Tu!
- Como, se é por outrem?
- Se te dás a alguém, pertences-lhe, és parte dele.
- Alieno-me, despersonalizo-me...
- Ao invés, se é por gosto, seduze-lo, conquista-lo.
- Manipulo-o, manobro-o.
- Não serias gratuito, ficarias mais só.
- Então dominar-me-á...
- Ninguém dominará ninguém. Pertencereis um ao outro em
reciprocidade.
- Acabará o vazio?
- O sentimento de pertença plenificará cada minuto de
vossos dias.
- Dar-lhes-á sentido?
- Rumo ao Nós total sempre visado, jamais consumado.
Germinareis toda a fecundidade da Vida.
1667
Apreciar
- Mestre, ninguém me aprecia.
- É que não aprecias ninguém.
- Se lhes der valor, valorizam-me?
- Não.
- Então?!...
- Faz que se apreciem a si próprios.
- E eu?
- Aí apreciar-te-ão.
- Como?
- Em ti residirá, a partir de então, o valor deles.
1668
Alegria
- Mestre, como encontro a alegria?
- Dando-a.
- Como dá-la se a não tenho?
- Como o artista.
- Mas o artista não dá alegria.
- Pois não.
- Então?!...
- Ele encontra alegria ao partilhar o belo com todos.
- Mas se eu não for artista?
- Torna a vida inteira uma obra de arte!
1669
Gerar
- Mestre, a alegria é genética?
- Jamais, só a predisposição à serenidade.
- Vem do clima criado por pais felizes?
- Jamais, embora a corrobore.
- Como?
- Ajudando a aprender a atitude adequada para gerá-la.
- Como se gera, afinal, a alegria?
- Cada qual tem o poder de emaná-la das profundezas do
próprio íntimo.
- Como?
- Vivendo-se inteiro a partir daí.
1670
Felicidade
- Mestre, a felicidade é possível?
- Jamais.
- Então seremos fatalmente infelizes.
- Nunca.
- Como assim?!
- A felicidade é aproximável.
- De que modo?
- Admira alguém.
- Que me adianta?
- Principiarás a amar.
- E daí?
- Se lho manifestares, torná-lo-ás mais feliz.
- E eu?
- Elogiá-lo-ás.
- Mas então...
- Então dar-lhe-ás incitamento.
- E em mim fica tudo igual.
- Em ti tudo mudou.
- Em quê?
- Aprendeste a admirar, a amar, a elogiar e a incitar.
Doravante a tua vida é outra.
- Mas sempre infeliz.
- Não. Com a felicidade de criar felicidade.
- É muito pouco.
- Isto é apenas meia verdade.
- Qual é a outra meia?
- É que noutrem despertarás por ti admiração, amor,
elogio e incitamento.
- E daí?
- Rumareis à plenitude, indefinidamente.
- É a nossa felicidade?
- É a felicidade possível a nossa actual natureza.
- Actual?! Não há outra!
- Todo o possível é possível.
1671
Dom
- Mestre, qual é o maior dom que posso receber?
- Dares-te.
- Ora essa! Aí não recebo nada!
- Recebes.
- Quê?
- A felicidade de quem te é querido.
1672
Feliz
- Mestre, que diferencia um casamento feliz dum infeliz?
- Três palavras não ditas.
- Quais?
- A humilhante, a importuna e a que destrói o silêncio da
comunhão.
- Só?
- E três palavras ditas todos os dias.
- Quais?
- A que reconhece,
A que enaltece
E a que emudece
Porque a ternura aparece.
1673
Escolhas
- Mestre, a liberdade de escolha garante a felicidade?
- Uma porta aberta não é nunca o caminho caminhado.
- Mas ajuda.
- Ou desajuda.
- Como?
- Podes escolher ser infeliz.
- Então a felicidade...
- ... É um acto de vontade.
- Mas há motivos para ser infeliz...
- ... E a liberdade de escolheres a atitude perante eles.
- Para os dominar, abolir, reconverter...?
- Para decidires entre o desagrado e a esperança.
- Mas, se são razões de infelicidade...
- Mesmo na prisão ou afundas o olhar na lama ou lança-lo
às estrelas.
1674
Sonho
- Mestre, a felicidade é realizar um sonho?
- É abrir-se a todos os sonhos.
- Sem os realizar?
- Para sempre ir realizando ao menos um, quando os mais
forem bloqueados.
- Até quando?
- Até atingirmos o derradeiro deles.
- O derradeiro?!
- E darmos o salto para Além.
1675
Adversidade
- Mestre, como fugir à adversidade?
- Não lhe fugindo.
- Essa agora! Então ficamos esmagados.
- As pessoas felizes ultrapassam-no.
- Como?
- Aprendendo o positivo do negativo.
- E daí?
- Explorando até ao limite a positividade ignorando o
resto.
- Mas o resto continua lá.
- Não. Os felizes tiram da morte a vida. No limite só
esta continua.
1676
Divórcio
- Mestre, aceitas o divórcio?
- Quando ele existiu desde sempre.
- Mas é para casados...
- Não. Para enganados que julgaram casar.
- Isso são todos...
- Não, apenas os que após o divórcio continuam os
mesmos...
- Deveriam mudar?
- ... Continuam com os mesmos valores...
- E não deveriam mantê-los?
- Continuam com igual incapacidade para enfrentar os
problemas...
- Não deverão refazer a vida?
- ... Continuam com o mesmo relacionamento com os outros.
- És injusto com eles.
- Nunca. Criam novas relações iguais às anteriores.
- Mas então...
- Por mais que casem jamais ficarão casados.
- Não podem mudar?
- Podem. Só que então nunca se divorciariam.
1677
Prudente
- Mestre, não é prudente a quem casa tomar precauções
para a hipótese de não dar certo?
- Nunca.
- Como assim?
- Quanto mais abrimos o abismo mais fácil é cair nele.
1678
Segredo
- Mestre, qual o segredo dum amor para a eternidade?
- Saber ceder.
- Quem?
- Ambos.
- Mas assim ficarão cada vez mais alienados.
- Ao invés. Encontrar-se-ão cada vez mais.
- Cada qual encontrará mas é o outro.
- ...É que no outro encontrar-se-á a si mesmo.
1679
Paz
- Mestre,
como viver em paz com meu cônjuge?
- Metade do tempo, que ele faça o que quiser.
- E na outra metade?
- Faz tudo o que ele quer.
- E quando chega a minha vez?
- Quando ele te fizer o mesmo.
- E se o não fizer?
- Enganaram-se. Não são ainda cônjuges.
1680
Paixão
- Mestre, por que morre a paixão num casal?
- Porque o amor se desenvolve.
- Não morre?
- Não. Transmuda-se, mergulhando pelos amantes dentro.
- Mas tantos se separam...
- Ignorantes!
- Onde erram?
- Não conviven até saborear que o amor cresce tanto
quanto a paixão arrefece.
1681
Diálogo
- Mestre, por que é tão difícil o diálogo entre o homem e
a mulher?
- Não é.
- Não?!
- Se for sobre o trabalho, a televisão, o cinema...
- Então por que se desentendem?
- Porque os homens privilegiam as notícias, o desporto, a
música...
- Mas as mulheres também falam disso...
- Só que preferem conversdar da família, saúde, roupa,
peso, comida, sexo...
- E os homens não?
- Tanto o homem como a mulher encaram o tema predilecto
do outro como uma futilidade.
- Que fazer então?
- Centrar o diálogo nas áreas comuns.
- E abandonar o resto?
- Não. Acolher a diferença: cada um ouvirá então o outro
no que lhe é favorito.
- Mas se não o partilha...
- Ambos se sentirão mutuamente acompanhados. Começarão a
ser um só.
1682
Ideal
- Mestre, não encontro a mulher ideal.
- Encontras, sim, mas não a vês.
- Como a descobrirei?
- Tornando-te o homem ideal.
- Por quê?
- Porque ela procura o homem ideal.
- E não me descobre?
- Como tu a não descobres a ela.
- E andamos lado a lado?
- Permanentemente.
- Então não há saída.
- Há.
- Como? Nenhum de nós é ideal...
- Pondo-vos a caminho pela mediação dum ao outro.
- Mas ignoro quem ela é...
- Descobri-la-ás quando te abrires à mediação.
- Ora! Qualquer uma o pode fazer, nenhuma é ideal...
- Pois não. Ideal é a que poderá vir a sê-lo por tua
mediação.
- Não o é à partida?
- Também é.
- Como assim?
- Tem nela a possibilidade de vir a sê-lo. Por isso já o
é.
- Mas como é que vou dar conta disso?
- Olha-a com o coração. Depois segue-o.
1683
Mulher
- Mestre, qual é a mulher de minha vida?
- A que mais te desafia.
- E qual me desafia mais?
- A mais segura de si.
- Não me ameaça?
- Até pode humilhar-te.
- Então?!
- Fascina-te: será irresistível.
1684
Discussão
- Mestre, hoje sinto-me bem: ganhei uma discussão à minha
mulher.
- Então vai pedir-lhe perdão.
- Não compreendeste. Fui eu que ganhei. Ela é que não
tinha razão.
- É por isso mesmo que tens de pedir-lhe perdão.
- Essa agora! Por quê?!
- Porque te alegra a humilhação dela.
- Mas se ela não tinha razão...
- Devia alegrar-te a descoberta da vertdade, jamais a tua
vitória sobre ela.
- Ela é que devia desculpar-se por discutir sem
fundamento.
- Não. Ela deve apenas agradecer-te a razão a que lhe
deste acesso. Tu tens de pedir-lhe perdão porque a não amas.
- Não amo?!
- Não. Não te alegra o crescimento dela, antes a
escravidão a que a submetes. Só julgas crescer com sua diminuição.
- Mas eu gosto dela!
- Gostas? Adoras exaltar-te reduzindo-a a capacho de teus
pés.
- Não é bem assim...
- Não será quando lhe fores pedir perdão.
- É humilhante.
- Não. É a humildade que te falta. Tu não amas. Apenas
cultivas a soberba.
- Mas tenho uma família...
- Tens um campo em que cultivas teu orgulho, matando o
amor: matas tua mulher a fogo lento, vens-te marando a ti em cada dia que
passa. Não tens uma família, é um campo de concentração.
- Não exageremos...
- Não exagero. Nutres-te do fracasso dela, alimentas-te
de seu cadáver.
- Mas geramos novas vidas...
- Geras novas mortes disfarçadas de vida. De ti só
provirão cadáveres adiados. Vives num sepulcro, teu riso é já o de tua caveira.
1685
Sucesso
- Mestre, é verdade que por trás de cada homem de sucesso
há uma mulher?
- É.
- E deve-se-lhe o sucesso, tanto quanto ao empenhamento
do homem?
- Nunca.
- Então?!
- Por trás do sucesso, a mulher pergunta: “por que chegas
cada dia mais tarde?”
- Quer dizer que o sucesso...
- ...Hoje leva ao insucesso.
- Ora! É vencer na vida.
- Jogando a civilização inteira na sepultura.
- Que fazer?
- Lutar pelo sucesso no amor, na família, nos amigos, na
vivência comunitária.
- E no emprego, na carreira, no negócio, na indústria, na
empresa, na investigação...?
- Enquanto for compatível com aquilo.
- Não é sempre?
- Quase nunca.
- Nunca?! O dinheiro não dá felicidadem mas ajuda. Só não
dá a quem o não tem.
- Quem não tem não é feliz. Se perder todo o ter deixou
de ser.
- Então?!
- Ter só ajuda se for para ser. E somos o que formos no
amor.
- E daí?
- O problema é aquela ajuda deixar de ter a que ajude.
Fica o ter sem ser nenhum.
- Acontece?
- Mundialmente. Com cada um, com todos. É a civilização a
afundar-se.
- Mesmo tão rica e poderosa?
- Não é por não ter, é por não ser.
1686
Música
- Mestre, meu pai nunca aprendeu a tocar uma música para
nós.
- E tu?
- Toco para corresponder ao sonho frustrado dele.
- Então não é frustrado.
- Não?!
- Ao tocares, tua música não é tua.
- É, sim.
- Não, é a de teu pai.
1687
Ódio
- Mestre, o amor aprisiona-nos às vezes?
- Numa gaiola cheia de sol.
- Como?
- Libertamos raios de nós à velocidade da luz.
- Nesse caso, o ódio...
- ...É escuridão que nos asfixia por todos os lados.
Veda-nos o horizonte.
1688
Ter-me
- Mestre, por que não me tenho a mim?
- Porque só te tens a ti.
- Como assim?
- Só te terás quando tiveres algo maior do que tu.
- Mas se nem sequer a mim me tenho...
- É que te não abres para além.
- Continuarei a não me ter...
- Ao invés, se no poema te abres ao infinito, se na
pintura lhe vislumbras o rosto, aí, finalmente, ter-te-ás.
- Pois. Na frustração, no vazio...
- Na plenitude prometida que, passo a passo, irá tomando
posse de ti.
- Não serei outra vez eu.
- Devirás plenitude tanto quanto aprendas a abandonar-te.
- Passivo?
- Empenhado até ao derradeiro fundo de ti próprio.Aí
principia o Infinito.
1689
Férias
- Mestre, não gozas férias?
- Gozo sempre.
- Como, se nunca daqui sais?
- Metendo-me em aventuras.
- Mas estás sempre parado!
- Vivo peripécias empolgantes por dentro de mim mesmo.
1690
Montanha
- Mestre, nada me apetece...
- Sobe à montanha.
- Para quê?
- Para encontrares horizontes.
- Para quê?
- Apetecer-te-ão.
- Ainda ficarei mais frustrado.
- Ficarás realizado.
- Sem nada?
- Com tudo.
- Como?
- Tudo principia quando te abrires à imensidão.
- E como acaba?
- Com a sabedoria.
- É pouco demais.
- É tudo, no tempo intermédio que é o teu.
- Mas desespera.
- Só se fechares a tua porta à possibilidade da
infinitude.
- Mas como comprová-la?
- E como provar o contrário?
- Não há certeza nenhuma!
- Há: tudo fica em aberto, indefinidamente. Se o fechas,
é à tua responsabilidade.
- Jamais lá chegarei.
- Como podes afirmá-lo, se, antes de nasaceres, nem de ti
podias suspeitar e agora te afirmas assim? Que sabes tu do mistério que nos
rodeia?
- Oh, mestre...
- Sábio é não entravar o curso do rio, é seguir o
murmúrio do vento. Aí teu coração vai começar a escutar.
- O quê?
- A imensa paciência da esperança.
1691
Mar
- Mestre, qual o sentido da vida?
- O do mar.
- Do mar?!
- Que nos atrai e apavora.
- Como assim?
- Pára diante dele. Que sentes?
- O fascínio.
- Que te paralisa. Simultaneamente ele te chama e te
ameaça.
- Por quê?
- Porque ali estão infindas possibilidades em gérmen: é a
tua matriz primordial.
- Isso é bom, deveria entusiasmar-me.
- Mas, se lá mergulhas, afogas-te nas tuas próprias
sementes e nenhuma germina. É a morte.
- Não poderei desenvolvê-las?
- Podes, mas isso implica escolhas. Optas por umas e
ignoras outras: abandonas a matriz original.
- E se me enganar?
- Essa é a tragédia da vida. Podes não poder retomar o
fio no ponto de partida e então tudo estará perdido.
- Não há alternativa?
- Jamais. Nunca terás duas vidas para viver.
- Mas isso é terrível! Como é que alguém se atreve a dar
um passo?
- Se o não der, morre também. Em gérmen. É o fim.
- É um desespero!
- Não, apenas angústia. Só desesperas quando não rompes o
cerco do fascínio.
- Como fazê-lo?
- Pelo sonho possível.
- Mas é só imaginário.
- Por esse imaginário nos lançámos ao mar e descobrimos o
mundo.
1692
Pequenos Homens
- Grandes homens, mestre, criaram os grandes impérios!
- Foram demasiado pequenos para os terem criado.
- Pequenos?!
- Só foram grandes na ambição desmedida.
- Mas ficaram na História!
- Recordados apenas por quem é tão pequeno quanto eles.
- Dominaram tribos e reinos, tiveram génio!
- O génio do mal. O do bem não domina. Liberta e promove.
- Foram geniais, mesmo se perversos...
- Não. Foram genialmente estúpidos!
- Como assim?!
- Não houve vantagem. Nem para eles, nem para ninguém.
- Mas ganharam riqueza e poderio incomensuráveis...
- Ora! Mesmo que o grande imperador tenha cinquenta mil
pares de sapatos, só poderá calçar uns de cada vez!
1693
Altitude
- Mestre, por que é que os melhores sofrem tanto?
- Pela altitude.
- Como?
- Quanto mais trepamos a encosta, mais feros sopram os
ventos.
1694
Fama
- Mestre, a fama presta?
- Para conseguires um lugar num restaurante apinhado, se
calhar.
- Mas sabe bem...
- Não a quem busca o reconhecimento pela autenticidade.
- E a fama não é isso?
- É o contrário: a vulgarização plebeia que esvazia tudo.
Impede a descoberta do autêntico de cada um pelos demais, entrava o
desenvolvimento dele por dentro de cada um.
- Nesse caso os eminentes ficarão sempre ignorados. É
injusto!
- Serem reconhecidos é a justiça que buscam, não o serem
famosos.
- Mas a fama não pode ajudar?
- A fama ajuda-te a afastar essa mosca que te está
importunando?
- Claro que não!
- Se nem para tal serve, serve então de bem pouco. E
agora repara, ainda por cima, quanto a fama lançará sobre ti nuvens e nuvens de
mais moscas.
1695
Reconhecer
- Mestre, por que é que as pessoas são medíocres? Por
desprezarem quem é de qualidade?
- Não.
- Mas se admirassem o melhor tentariam assemelhar-se-lhe.
- E tentam.
- Então por que não fugimos à mediania?
- A chama interior não é igual em todos e menos ainda o
fôlego para atear a fogueira.
- Isso não é resignar-nos à mediocridade?
- É.
- Então?!
- Mesmo resignados, continua a fascinar-nos o melhor, o
maior ou o mais pequeno. Nunca o médio.
- Como?
- É o que nos emociona ao vermos cair um novo recorde
mundial. É o que tornou o livro dos recordes ele próprio um recorde mundial de
vendas.
- Então somos masoquistas. Nunca lá chegamos...
- Não. Adoramos entrever o infinito.
1696
Poderio
- Mestre, como é que o poderio é uma tão grande
fragilidade?
- Quanto maior o poder, mais frágil é.
- Então não é poder.
- É. O da fragilidade.
- Mesmo se mata milhões?
- Se mata é porque é frágil. Senão, não precisaria.
- Mas uma hecatombe, um genocídio...
- Quanto mais inseguro, mais destrutivo.
- Por quê?
- Para ir adiando a queda do débil pedestal.
- Que jamais se mantém?
- Jamais.
- Mas a religião, a Igreja manter-se-ão indefinidamente.
- Todos os fanáticos o gritam, a ver se o tornam real. E
sempre o reino dos mil anos falhará.
- Mas Deus e a fé...
- Nunca reivindicam poder, por isso se mantêm para a
eternidade.
- Só que os deuses também caíram...
- Quando tomaram forma, organização e poder: aí
condenaram-se à morte.
- Não há maneira de ter poder?
- Há. A da fragilidade.
- Mas é a ausência de poder!
- Ao contrário. É a presença da força.
- Como?
- Como esperança duma fé.
- É vago.
- É a vaguidade que dá força.
- A demagogia, o populismo?...
- Isso são as corrupções que perdem a força: querem
organizá-la.
- Mas sem organização...
- Temos a força de quanto é frágil: a do sonho e a da
crença.
- Que tomam forma sempre.
- Que incarnam em mil formas e não têm forma nenhuma.
- Todas são deles.
- Não se esgotam em nehuma e apossam-se de todas sem se
lhes submeterem.
- Como é tal força?
- A única que subsiste, a única que existe.
- A única?
- Toda a força é a daquilo que, desde sempre e para
sempre, está para vir.
- E nunca aqui está?
- Sempre aqui está em promessa.
- Só?
- Só. Porque toda a promessa é uma semente. Tudo está a
germinar.
- Mas isso não é nada.
- É tudo: é um nascimento eterno. Por isso é frágil, por
isso é a Força.
- Mas jamais se consuma.
- Consuma-se em gérmen todos os dias. Sempre aqui
presente, é nossa medida da eternidade.
1697
Importância
- Existirá um único homem que tenha importância?
- Todos.
- Os grandes homens como os anónimos?
- São iguais.
- Mas uns são recordados e os outros...
- Todos serão finalmente esquecidos.
- Lembramos ainda os sábios de há milénios...
- E de há centenas de milénios? Nenhum!
- Houve-os?
- Como sempre. E, como sempre, a apagar-se lentamente na
escuridão do passado.
- Mas os grandes mudaram o mundo...
- O maior imperador morrerá sem ter mudado a face da
Terra. E será esquecido apenas um pouco mais tarde que os ignorados.
- Tudo permanecerá imutável?
- É preciso um prodígio para mudar um nada. Mas muda.
- Vale a pena?
- É o pequeno rasto que fica.
- Mas se tudo esquece...
- O rasto, mesmo ignorado, fará parte dos vindoiros. Será
o que eles forem, mesmo sem o saberem.
- Mas então quem fomos...
- Já ninguém lembrará. Mas todos trarão, sem o notarem, a
nossa marca na carne.
- Amar-nos-ão?
- Seremos o coração deles.
1698
Primavera
- Mestre, a história humana é um permanente marcar passo.
- Não pretendas que a Primavera seja o Outono.
- Mas nunca mais muda, é sempre igual...
- Enganas-te. É apenas a época das flores.
- Flores?! Bem tristes são!
- São as que somos.
- Precisamos de ver resultados. Senão, como manter a fé?
- Aguardando. Uma árvore não pode dar flor e fruto em
simultâneo.
- É um desespero.
- A história humana é a gestação duma infinita paciência.
1699
Apoio
- A vida não vale nada, mestre.
- Contudo vive-la.
- É tão frágil que não merece a pena.
- Ela vale quanto valeres.
- Eu não valho nada.
- Vales tudo. Que só tu é que vales.
- Mas é tão pouco!
- É muito.
- Porque é tudo?
- Porque daí poderás chegar a tudo.
- Mestre, como consegues ver branco em quanto é negro?
- És tu que o estás vendo.
- Só porque me falas assim.
- Não. O louvor encoraja. Vai polindo o que o quotidiano
enferruja.
- Que sabedoria deténs!
- Sabedoria? Toda a flor deixa perfume na mão que a oferta!
1700
Efémero
- Mestre, tudo é efémero.
- Para sê-lo, permaneceu ao menos um instante.
- Mas morre...
- Porque viveu!
- É louco desejar que algo perdure?
- É, já que nada é permanente.
- Mas então...
- Mais louco é não o saborear enquanto dura.
- Minha rosa murchou...
- Joga-a fora. Sem tristeza.
- Mas é triste!
- Triste é teres perdido a fugidia madrugada em que a
beleza dela foi real.
1701
Luz
- Mestre, parece que, quanto mais sabemos, mais o mundo
fica escuro.
- Não é pelo saber, é do sabor.
- Como?
- Todos somos, cada vez mais, gente sem sentido.
- Mesmo com o saber crescendo dia a dia?
- É que perdemos o sabor da vida.
- E daí?
- Só quando aí nos descobrirmos saberemos a luz que por nós
se revela.
1702
Sol
- Mestre, o Sol vai perdendo energia, arrefecendo de ano
em ano.
- É um desafio à humanidade.
- Estamos nos derradeiros dias do mundo?
- E nos nossos primeiros.
- Ora! Está tudo a esboroar-se e a História esbarronda-se.
- Muitas vezes teremos de treinar...
- Treinar?!
- ...Até descobrirmos a continuidade para além.
- Mas toda a civilização entrou em colapso. E o do
planeta não anda longe.
- É como algum dia aprenderemos a lição.
- Se tudo for aniquilado...
- Renasceremos das cinzas!
- Até que o Sol se extinga?
- Aí já teremos descoberto substituto.
- E até lá?
- Morreremos tantas vezes quantas as necessárias para
aprendermos a nascer Sol dentro de nós.
1703
Medo
- Mestre, é terrível o futuro da Humanidade.
- Jamais.
- Mas está o mundo inteiro a desmoronar-se!
- O fim duma civilização não é o fim da Humanidade.
- Nunca o cataclismo foi tão vasto nem tínhamos poder
para o apocalipse.
- Sempre o Homem esteve em crise, sempre ela foi universal.
Apenas nossa força e a consciência do risco mudaram em paralelo.
- Não tens medo?
- Não.
- Por quê?
- Porque podemos agir.
- E daí?
- Depende de nós o porvir que criarmos.
- E se nos aniquilarmos?
- Desde que reste um de nós, tudo continuará.
- Então não há motivo para temer?
- Há.
- Como?
- Se algumas vez ficarmos condenados à destruição – de
mãos tolhidas.
- Mas, se perdermos sem sermos tolhidos, é o mesmo.
- Não é, porque antes pudemos agir. E após o colapso,
igualmente.
- Ficaremos aniquilados, de qualquer modo.
- Restará ainda a esperança.
- Caso contrário é o desespero?
- Será o verdadeiro terror. O único.
- Por quê?
- Porque aí parou de vez o caminho. Jamais haverá
qualquer horizonte.
1704
Matemática
- Mestre, a matemática é tudo?
- Não, tudo é matemática, embora a matemática não seja
tudo.
- Como é possível?
- A relação é matemática, mas não o que se relaciona.
- Tudo, então, é relação?
- Não, tudo é amor. Por isso é que só pode ser
relacionando-se.
- Na ordem humana?
- Na ordem universal, desde a partícula subatómica que só
persiste fundindo-se, até ao Cosmos, com o bailado das miríades de Galáxias.
- E a matemática lê tudo?
- Não, em tudo lemos matemática.
- Também na liberdade humana?
- Também, em tudo quanto ela exprime.
- E em quanto ela é?
- Enquanto é, ela cria a matemática.
- Mas se esta lhe prè-existe...
- A liberdade recria a mundo e, nisto, recria-lhe a
matemática.
- Recria só? Então a criatividade é uma ilusão.
- É-o quase por inteiro. Toda a liberdade é condicionada.
Porém, entre os limites da condição, abre-se uma estreita nesga: daí reinvento
o mundo.
- Matematicamente?
- Sempre. Mas no amor, o princípio do inédito.
- Inédito como, se a matemática é previsível?
- Porque ainda a não descobrimos toda.
- E quando tal acontecer?
- Teremos a previsão absoluta duma absoluta
imprevisibilidade!
1705
Liberdade
- Mestre, a liberdade é uma ilusão?
- Não, é uma libertação.
- Mas, se tudo está matematicamente determinado...
- Tudo, menos a tua escolha entre os determinismos
matemáticos.
- Todos predeterminados, portanto.
- Isso é que te liberta.
- Como?
- Se fosse o caos, estarias perdido, não valeria a pena
escolher.
- Mas há grande escolha?
- Imensa. Entre os imensos matematismos que entretecem o
mundo.
- Mas se nos são todos impostos...
- Ainda aí podes escolher.
- O quê?
- Entre a matemática que te é imposta e a recusa de toda
ela.
- Mas, se a recusar nessas condições, aniquilo-me.
- Tornas-te herói ou mártir.
- E acabou tudo. Não valeu de nada.
- Não. Começou tudo: inauguraste aí o mundo novo.
1706
Prisioneiros
- Mestre, somos livres?
- Somos prisioneiros da vida, desde a concepção à morte.
- A liberdade seria não existirmos?
- Ao invés. Só poderemos libertar-nos porque existimos.
- Mas, se estamos encarcerados na vida...
- É que a chave anda algures deste lado da porta.
1707
Libertar
- Mestre, pode alguém libertar-se sozinho?
- Jamais.
- Pode alguém libertar alguém?
- Jamais.
- Não há liberdade?
- Há o caminho para ela.
- Como?
- Pela mediação de outrem.
- E por aí atingimo-la?
- Jamais.
- Então?...
- Liberdade, só no infinito. Apenas podemos pôr-nos a
caminho. E o caminho é indefinido: sempre mais próximo e definitivamente longe.
- Ninguém nos pode valer?
- Em parte.
- Pela mediação?
- Pela comparticipação.
- Como, se ninguém me pode libertar?
- Podes tu viver a libertação doutrem.
- Mas se eu não sou ninguém mais...
- Se nalguém viver teu sonho, se ele o soltar pelos
espaços, é já um pouco de ti que nele ruma ao infinito.
- Mas eu pessoalmente...
- ...Principiaste nele a libertar-te!
1708
Além
- Mestre, há uma Terra Prometida?
- Fica sempre além.
- E a nova liberdade?
- Também.
- É uma promessa fingida?
- Até que alguém
Atinja a idade
Em que será cumprida.
- No outro mundo?
- Neste.
- Não a remeteste
Para o Além?
- O além é o que neste quiseste,
No fundo,
Que fosse outro, como te convém.
- Um mundo outro a meu gosto?
- Tanto quanto nele for posto
O gosto de todo o sujeito
E o do Universo inteiro.
- Quando sei que tal é feito?
- Quando tomares o mundo a peito.
- Ficaria esmagado!
- Não. Do Universo pelo peso leveiro
Serias finalmente libertado!
1709
Observar
- Mestre, para saber basta observar?
- Para observar é preciso saber.
- Mas antes de captar alguma coisa nada sei.
- Sabes muito mais do que julgas.
- Como?
- Sabes captá-la, sabes querer captá-la, sabes por que o
queres, sabes até onde o queres e tens mil outros saberes anteriores àquilo que
ignoras.
- Mas nada sei da coisa ignorada.
- Nem saberás observando-a apenas.
- Então...?
- Tens de juntar-lhe o raciocínio.
- Aí descubro-a?
- Não. Descobres o imenso abismo da tua ignorância dela.
- Mas sei dela um pouco...
- Nunca dela saberás nada. É de ti nela e dela em ti que
elaboras conhecimentos.
- Mas são acerca dela!
- Não. De ti relativamente a ela. E só.
- A ciência não é objectiva?
- Não. Procura uma objectividade que indefinidamente lhe
escapa.
- Como assim?
- Quanto mais avança, mais fundo descobre o abismo de
cada ser, por onde ele lhe foge.
- E não o capta?
- Jamais. Vai captando apenas o tamanho da noite de que
se rodeia.
1710
Percepção
- Mestre, a
percepção dá-me as coisas?
- Não, dá-te a ti.
- Elucida-me?
- Acerca das trevas que te rodeiam.
- Mas descubro as coisas.
- Não. Modificas o teu íntimo representando-as em ti.
- Mas são sempre elas.
- Não. São as formas que lhes atribuis.
- Não são delas?
- Nunca. São sempre só as tuas, de que tua consciência é
capaz.
- Mas se as capto nas coisas...
- Se teus olhos me vissem ao raio x, atribuir-me-ias uma
forma inteiramente diversa.
- Não serias tu?
- Jamais. Dirias minha a forma que afinal é sempre tua.
Eu apenas te permito a aparição e aplicação dela.
- Jamais conheço os seres?
- Jamais.
- Mas alcanço-me a mim?
- Jamais.
- Contudo, tudo isso é meu...
- Mas nunca és tu.
- Então de mim...
- Sabes que és. O mais é mistério.
1711
Valor
- Mestre, vi a Guernica de Picasso. Vale uma fortuna.
- Não vale, não.
- Mas é uma obra-prima!
- Não é, não.
- Mestre, Picasso é um génio.
- Enganas-te.
- Não posso crer.
- Podes, sim.
- Como?
- O valor da Guernica está no teu olhar.
- Mas uma obra-prima é uma obra-prima!
- Jamais. É apenas o que tu nela vês.
- Ora! Picasso é quem é. Não depende dos olhos de quem o
vir.
- Não?! Então vai perguntá-lo àquela vaca que pasta
diante de nós. Ela verá melhor que eu.
- Mas...
- É a mestra da tua teimosia: descobre nela o tal valor
da obra-prima do génio.
1712
Recusar
- Mestre, temos liberdade de recusar a verdade?
- Jamais.
- Mas todos os dias ela é repudiada...
- Não. Nunca alguém repudiou a verdade.
- Como é possível?!
- Ninguém teve nem tem nem terá jamais a verdade.
- Então que temos?
- Conhecimentos.
- Mas alguns são verdadeiros, demonstrados na matemática,
provados na ciència...
- São apenas mais verosímeis, jamais a verdade.
- Não deveriam ser postos de lado.
- Por que não? São falsos como quaisquer outros.
- Mas mais seguros.
- Não, o mais seguro é ser-se livre perante eles.
- Mas são a verdade maior que nos é possível...
- A liberdade maior ao nosso alcance é que poderemos
sempre libertar-nos da tirania deles.
- Para cairmos na ignorância?
- Para mantermos indefinidamente a porta aberta para
além.
- Sem jamais acabar?
- Até que o salto para o que somos se dê e rasguemos as
portas da infinidade.
- Aí deixaremos provavelmente de ser livres...
- Aí seremos a verdade.
- Prescindimos do resto?
- Não poderemos aí ser livres porque seremos a liberdade:
tudo em nós solto em plenitude, projectado no infinito.
1713
Razão
- Mestre, temos razão?
- Temos. Para saber que nunca temos razão.
- Então que adianta?
- Conhecer a verdade.
- A verdade de que jamais conhecemos?
- A verdade que a razão permite conhecer.
- Mas como, se jamais conhece?
- Utilizando-a correctamente.
- Mas se ela falha sempre...
- Correcta, é infalível.
- Então a correcção...
- ...É um ideal inatingível.
- Ficamos condenados ao fracasso.
- Não. Porque é indefinidamente aproximável.
- Sem jamais se consumar?
- Em nossa actual condição.
- Não temos outra...
- Mas poderemos vir a ter.
- Quando?
- Quando mudarmos de ser.
- E daí?
- Daremos o salto para o absoluto: seremos a infinidade.
1714
Falível
- Mestre, tudo é falível.
- Não.
- Que é que não é?
- O que acabas de afirmar.
- Mas então tudo falha.
- Menos a tua certeza disso.
- Pois, mas se os mestres falham...
- Falham!
- ...Se os livros também falham...
- Falham!
- ...Como irei aprender?
- Com aquela certeza que te resta.
- Deixa-me vazio!
- Mas obriga-te a pensar por ti próprio.
1715
Altura
- Mestre, os políticos ganham votos pelos seus programas?
- Quase nunca.
- Pelo que fazem?
- Por vezes.
- Então como é?
- Pela altura.
- Das ideias?
- Não. Da estatura.
- Da estatura?!
- Os altos tendem sempre a ganhar aos baixos.
- Não posso crer! Então e os correligionários?
- Vêem sempre o chefe mais alto e os adversários mais
baixos do que na realidade são.
- É estúpido!
- Mas verdadeiro.
- A vida não é assim!
- Enganas-te. Os altos conquistam melhores empregos,
ganham mais dinheiro.
- O meu porteiro é alto e nunca saiu do atoleiro.
- Mas é gordo, não é verdade?
- Uma barrica!
- Os gordos, à vista, ficam atarracados. Perderam a altura
toda.
- Mas isso não pode ser uma norma.
- É uma tendência.
- Universal?
- Até a mulher,
para tornar credível a luta pela igualdade, teve de calçar saltos altos.
- Somos tão irracionais?
- Não. Somos tão racionais que temos de ir reconhecendo
as fronteiras de nossa racionalidade.
1716
Enganar
- Um mestre pode enganar?
- Pode.
- Involuntariamennte?
- Também voluntariamente.
- Como assim?
- Não pretendes vir a ser mestre?
- Quem me dera!
- Só o atingirás ao descobrires meu engano.
- Por quê?
- Aí principiaste a crescer por dentro de ti.
- Mas cresço igualmente contigo.
- Não. Se o afirmas, não pretendes devir mestre. E eu não
devo alimentar em ti tal ilusão.
- Não! Não! O mestre está enganado!
- Ora aí tens! Foste capaz de denunciar meu engano. Só
por aí poderás vir a ser mestre algum dia.
1717
Grande
- Mestre, devo tentar ser um grande homem?
- Deves.
- Serei feliz então?
- Serás infeliz.
- Mesmo que me torne o maior?
- Serás o mais desgraçado.
- Mas então...
- O grande homem é sempre mártir e o maior é quem mais
sofre.
- Nesse caso, não vale a pena.
- Vale.
- Como?
- Só estraçalhando-te emergirás em tamanho autêntico. Só
nesta tragédia encontrarás plenitude à tua medida.
1718
Isolamento
- Mestre, é uma maravilha ser o maior!
- Para ti, é.
- Não é para quem for tamanho?
- Nunca.
- Porque ninguém chega a compreendê-lo?
- Não. Pelo isolamento.
- Mas todos o admiram!
- Todos o invejam ou adulam: isolam-no, portanto.
- Mas ele sabe que atingiu o cume. Não é bom?
- É bom ter atingido o cume; é o inferno viver aí.
- Como?!
- Quem é grande só encontra alegria enquanto puder olhar
para quem é maior que ele.
- Mas é gostoso verificar que ficaram todos para trás!
- É o sentir de quem é medíocre.
- Então...
- O maior sofrimento de quem subiu às estrelas é olhar à
volta e ver a Terra tão lá em baixo. É tanta a fome de um igual para poder
olhar em frente, ver para cima!
- Bastaria olhar para ele próprio...
- Não. Só o infinito o satisfaria. E o infinito
continua-lhe indefinidamente fora de alcance.
1719
Subir
- Mestre, quando alguém nos quer, elevamo-nos a nossos
próprios olhos.
- Quando somos medíocres.
- Essa agora! Então quem é grande...
- Grande mesmo é quem sente que quem o estima nisto se
eleva.
1720
Ideias
- Mestre, é o homem que tem as ideias?
- Tanto quanto as ideias têm o homem.
- Por ser por elas conduzido?
- Por ser por elas ultrapassado.
- Não as consegue abarcar?
- Abarca mas não domina.
- Por não as esgotar?
- Não. Por esgotá-las e elas nunca se esgotarem.
- Mas fora do homem...
- Fora do homem que as manifestou as ideias caminham por
seu pé, com força e determinação próprias.
- Força e determinação que o autor lhes deu.
- Não. As que o autor lhe emprestou são uma história.
Outra é a da realidade delas.
- Não são a mesma?
- Jamais.
- Como?
- A intenção consciente do autor vai num sentido.
- A ideia não o segue?
- A ideia tem seu próprio itinerário. Ora converge, ora
diverge do autor que a gerou.
- Mestre, sem uma pessoa que a pense, uma ideia não é
nada.
- A ideia talha sua própria história através das
consciências que se lhe permeabilizam.
- E o autor?
- É impotente para controlá-la a partir do momento em que
lhe deu vida.
- A ideia não é fiel a quem a gerou?
- Nunca. Só é fiel a si própria e à sua própria lógica.
- Então a história duma ideia...
- São sempre duas histórias, quantas vezes antagónicas:a
dos intuitos do autor dela e a da realidade em que aquela toma corpo e sentido.
1721
Papel
- Mestre, como saber o que deveras penso?
- Passando as ideias ao papel.
- Mas então não penso dentro de mim...
- Pensas.
- Mas o papel...
- O papel, mais do que a fala, é o teu espelho. Só captas
teu rosto vendo-o diante de ti.
- O pensamento é íntimo...
- É.
- Então?
- O rosto dele revela-se maximamente na escrita. É o lado
de fora dele.
- Sem o lado de fora não existe?
- Jamais.
- Nesse caso, a escrita é o corpo do raciocínio?
- É o próprio raciocínio. Ao tomar corpo.
1722
Jogo
- Mestre, como aprender a pensar?
- Como um jogo.
- Jogo?!
- Com persistência.
- Treinando e repetindo?
- Treinando para não repetir.
- Como?
- Quando tudo esquece, então o treino automatiza-te.
- Mas pensar automatizado...
- Não te robotiza...
- Não?!
- Liberta-te o pensamento para a criatividade.
1723
Aprender
- Mestre, como aprender?
- Primeiro, compreendendo as fórmulas,
- E depois?
- Fugindo delas.
- Então para que serviram?
- Para experimentares deveras a realidade.
- Mas se as tenho de abandonar...
- É que então descobrirás uma fórmula tua. Será tua forma
nova de vida.
1724
Professores
- Mestre, como aprendeste o silêncio?
- Com os tagarelas.
- E a tolerância?
- Com os fanáticos.
- E a ser atencioso?
- Com os indelicados.
- Mas como pudeste ter tais mestres?
- Pelo espanto.
- Espanto?! Admira-los?!
- Não. É o espanto da repugnância.
1725
Transitória
- Mestre, a verdade está fora de moda?
- A verdade do saber, jamais, já que jamais se atingiu.
Buscamo-la eternamente.
- E há outra?
- A do ser. É perene.
- Porque o ser existe em si?
- Não. Isso é a realidade cuja verdade procuramos sem
jamais a abarcarmos.
- Então que outra?
- A do ser que podemos ser.
- E que ainda não somos?
- Não. Quando o somos. Aqui e agora.
- Que verdade é essa?
- Que desde sempre e para sempre honestidade, respeito
pelos outros, integridade e ideal nos desafiam. Prevalecerão para além de toda
a morte.
1726
Criança
- Mestre, a receita para uma adultez feliz é uma infância
feliz?
- Jamais.
- Então uma criança desgraçada dará um adulto realizado?
- Jamais.
- Qual a alternativa?
- A criança que sofre, que fica por vezes frustrada, mas aprende
connosco a ir superando tudo.
- Isso dói muito.
- Mas é muito gratificante.
- No futuro.
- Não. Desde o presente: apenas assim a criança é desde
logo feliz a sério.
- Então uma infância que tem tudo...
- ...É a via directa para uma adultez falhada.
1727
Consumismo
- Mestre, fiz tudo por meu filho e ele é intratável.
- Deste-lhe demais em vez de o amar.
- Mas foi por amor...
- O consumismo não dá felicidade. É uma ilusão.
- Enganei-me?
- Amaste mal.
- Por quê? Devo deixar de dar?
- Pára a avalanche de dádivas. Para poderes dar-te quando
deres.
- Como?
- Teu filho deve receber para ser criativo, não para
ficar asfixiado.
- E onde vou ver isso?
- Ele não pode sentir que a felicidade é uma torrente de
coisas.
- Então de quê?
- Da ternura que lhe dás nelas...
- Só?
- ...E da com que te corresponde saboreando-as
imaginosamente.
1728
Opinião
- Mestre, é tão fácil viver segundo a opinião alheia!
- Enganas-te. É muito difícil.
- Difícil?! Mas toda a gente vive assim...
- Pois. Mas fácil deveras é viver, na solidão, segundo a
própria opinião.
- E viver com a multidão não é?
- Não.
- Por quê?
- Porque, para ir com els, é preciso trair-se. Dói sempre
e jamais pára.
- Então por que todos cedem?
- Porque são pequenos.
- Como é que seriam grandes?
- Vivendo, em plena multidão, a autenticidade em solidão.
1729
Coração
- Mestre, por que tantos fracassam em instruir-se?
- Ninguém se instrui a sério sem se educar.
- Qual a diferença?
- Instruimo-nos pela cabeça, educamo-nos pelo coração.
- São dois caminhos separados?
- São um caminho e sua perversão.
- Perversão?
- Só instruir é soltar o génio do mal.
- Mas acontece?
- Quando o fito de quem se instrui é vir a atear o
inferno.
- Como impedi-lo?
- Quem não quer soltar o diabo não instrui.
- Mas então...
- Chega à cabeça do educando através do coração.Aí cada
qual se encontra a si próprio e em si encontra todos.
- Mas o génio do mal...
- ...Jamais vergará o saber do amor!
1730
Essência
- Mestre, qual a essência da educação?
- Desencadear o mundo novo.
- Mas isso é uma utopia!
- Evidentemente.
- Então não se pode realizar.
- Ao contrário. É a única coisa que deveras realizamos.
- Como assim?
- Não é verdade que ultimas a educação quando o educando
usa a informação aplicando-a a novas questões e situações?
- Isso, sim.
- E nisso só vês isso?
- Claro.
- És cego!
- Que mais há?
- Um mundo outro que principia.
- Por quê complicar tanto?
- Porque simplificas demais e assim nos matas.
- Mato?!
- Evidentemente.
- Essa agora!
- Se eu não vir o porvir que principia nos meus passos,
para quê dá-los?
- Para resolver as novas questões e situações.
- E acabar exactamente aí.
- E daí?
- Se tudo acabar aí, tudo acaba. Nada valeu, de facto, a
pena. Já estamos mortos e ainda não o descobrimos.
- Então...
- Só vale a sério aquilo em que começa um mundo novo.
- Não é querer demais?
- Jamais. Ou a plenitude se abre diante ou a passada não
tem a nossa medida. Urge reconhecê-lo em cada palmo que avançamos ou nunca
entrevemos o horizonte a alcançar.
- Ele não é daqui visível.
- É, sim . Os cegos é que no-lo anulam. Impedem-no de
acontecer.
- Como?
- Aprisionando-nos no imediato. Escravos aqui, jamais nos
abalançarenmos ao além. E assim ele nos escapa indefinidamente longínquo.
- Não terá de ser sempre fatalmente assim?
- Claro.
- Então é o mesmo!
- Nunca! Porque se nos abre diante indefinidamente. A
aproximação termina quando fechamos o horizonte.
- Então quando educamos para novas situações...
- Estamos a semear o infinito. A semear-nos no infinito.
1731
Progresso
- Mestre, que é o progresso?
- Subverter as ideias feitas.
- É subversivo?
- Principalmente quando é pacífico.
- É perigoso?
- Para os velhos de qualquer idade.
- Por quê?
- Porque ser homem é questionar por que tudo é como
sempre foi.
- À maneira dos jovens?
- Ser homem é buscar a juventude eterna.
- Para jamais morrer?
- Não. Para vir a ser Vida em plenitude.
1732
Verde
- Mestre, o progresso vem matando a Terra.
- O progresso vai salvá-la.
- Mas o ambiente degrada-se, as espécies extinguem-se, as
florestas ardem, o ar é irrespirável, há cada vez mais rios e mares mortos...
- É a Vida a declinar.
- Os verdes nem nos salvam a esperança nem a verdura.
- Salvam ambas.
- Mas como, se tudo se esboroa perante nós?
- Só lucrará quem for ecológico.
- Por ora só acumula prejuízos.
- Também lucra.
- Moralmente?
- E monetariamente. E competitivamente.
- Como assim?
- O consumidor prefere-o.
- O consumidor?!
- Hoje o verde vende. Amanhã só o verde venderá.
- Se houver verde ainda...
- Não. Se acreditarmos em corpo inteiro.
- Só com a fé!...
- Só, não. Com a fé que revolve a vida até aos
fundamentos.
1733
Correr
- Mestre, todo o mundo anda a correr hoje em dia.
- Sempre correu.
- Mas hoje mudamos em dez anos quanto antes demorava um
século a mudar.
- Arranjámos meio de ir mais depressa.
- Outrora ninguém tinha pressa nenhuma...
- Era a mesma, só que de passo travado.
- É tudo igual?
- É tudo diferente.
- Mas...
- Dantes sabíamos onde íamos, hoje fugimos de medo.
- Medo?!
- Dantes impelia-nos um sonho, doravante é o temor.
- Temor de quê?!...
- Dantes íamos a algum lado, hoje escapulimo-nos.
- De quem?!
- Ninguém o sabe.
- Ninguém?!
- Assim parece.
- E não é?
- Não.
- Então?
- Fugimo uns dos outros.
- Uns dos outros?!
- Ninguém olha ninguém olhos nos olhos.
- Ora! Todos nos sorrimos imenso, cheios de vénias...
- Pois é. Morreu aí toda a alegria. Só mendigamos
doravante mútua piedade.
1734
Melhor
- Mestre, quando dou o melhor de mim?
- Quando amas tua imagem.
- Por quê?
- Porque acreditas em ti.
- Poderia tornar-me sobranceiro...
- Ao invés, libertas-te para poderes ser tu próprio.
- Então porque não me enclausuro em mim?
- Porque jamais chegarás ao fim de ti quando te puseste a
caminho.
- E se me envergonhar de mim?
- Tenderás a esconder-te.
- Fechar-me-ei?
- Num covil de fera.
- Como assim?
- Hostil a todos. Conviverás agredindo.
- Mas sairei também então de mim.
- Não. Obrigarás todos a enclausurar-se, como tu, em seu
interior esvaziado.
- Nesse caso, quando gosto de mim...
- Fazes um milagre: abres tuas portas à imensidão.
1735
Iguais
- Mestre,
os homens são todos iguais?
- Embora os povos divirjam.
- Nos usos e costumes?
- Mais ainda no modo de se darem.
- De se darem?!
- Sim. Quando dois amigos ingleses conversam, quantas
vezes se tocam numa hora?
- Ignoro.
- Provavelmente nenhuma. E se forem americanos?
- Sei lá!
- Talvez duas vezes. E se forem franceses?
- Muitas mais?
- Cento e dez vezes por hora. E tu?
- Nunca reparei.
- Nem quando teu amigo estiver aflito?
- Ia lá reparar, numa situação dessas!
- Uma vez só!...
- Uma ?! Então...
- Só que dura a hora inteira!
1736
Oportunidade
- Mestre, quando terei na vida minha oportunidade?
- Vem sempre ter contigo...
- Vem?!
- ...Quando não desistes de a procurar!
1737
Franco
- Mestre, não consigo enfrentar uma assembleia.
- Consegues, sim.
- Como?
- Sê franco.
- Ora! Digo-lhes que estou nervoso e não consigo?!
- Exactamente.
- Mas então não irei fazer nada.
- Já fizeste.
- Falta avançar para diante.
- Já avançaste.
- Só com aquilo?!
- É que já andaste muito mais.
- Quê?
- Aproximaste-os de ti, aproximaste-te deles.
- E daí?
- A franqueza quebrou as barreiras.
- Perco o medo?
- Temes os teus familiares?
- Não.
- Tu e os teus participantes já não serão estranhos. Eles
devieram teus familiares.
- Engolir-me-ão vivo...
- Não, que te tornaste um familiar deles também. Doravante
defendem-te.
- Por quê?
- Porque te querem.
1738
Centro
- Mestre, que digo quando fico sem ideias?
- Torna teu ouvinte o centro da conversa.
- E se ele quiser o que tenho para comunicar-lhe?
- Ele quer acima de tudo que o acolhas em tua
comunicação, de modo a ouvir-se pela tua voz.
- Sempre?
- Todos requeremos o reconhecimento de nós próprios. Sem
isto não somos.
- Só aquilo basta?
- Não. Precisas de saber ouvir.
- Por quê?
- Todos queremos que nos prestem atenção. Aí valemos
algo, pelo menos para alguém.
- Então...
- Um aceno de cabeça e farás milagres!
1739
Aceitar-se
- Mestre, há um segredo para sentir-se bem perante os
outros?
- Aceita-te a ti próprio.
1740
Vencedores
- Mestre, os vencedores têm medo?
- Tanto quanto os perdedores.
- E não ficam inibidos?
- Pelo medo, não.
- Como o conseguem?
- Não pensando nele.
- Então os perdedores...
- ...Deixam-se aprisionar dos receios até entrarem em
pânico.
- Qual é o segredo da vitória?
- Ignorar os medos.
- Mas o temor impõe-se contra vontade.
- Não, se te concentras no que tens de fazer.
- Quando penso nisso ainda fico mais aterrado.
- Porque o encaras em bloco.
- Há outro modo?
- Divide-o em pequenas tarefas e enfrenta cada uma.
Executa-a.
- Para quê?
- Confirma como é fácil, como podes dominar. Os receios
esvaziam-se como um balão oco.
- De certeza?
- É que todos os medos da vida são apenas isso.
1741
Começar
- Mestre, o meu problema é começar.
- É-o para todos.
- Dar o primeiro passo, escrever a primeira frase,
iniciar uma comunicação...
- A humanidade vive no prefácio dela própria. Sempre.
- Como desemperrar-me?
- Avançando sem hesitar.
- É temível.
- Depois descobres que não.
- E se errar?
- Consegues, por fim, muito melhor do que imaginaste.
- Por quê?
- Inauguras a vida.
1742
Problema
- Mestre, como enfrentar um problema?
- Vendo-o como bom em vez de mau.
- Que adianta? Ele não muda...
- Mudas tu.
- Como?
- Afirmas-te, afirmas o que sentes, acreditas em ti
próprio.
- E daí?
- Eliminas a ansiedade, começas a ser tu.
- Eu?!
- E principia um mundo outro. O problema desata a fugir
diante de ti.
1743
Mais
- Mestre. Como conseguir que todos gostem de nós?
- De modo nenhum.
- Então?
- Sempre uns te amarão enquanto outros te detestam.
- É indiferente o que façamos?
- Não.
- Como assim?
- Quanto mais te acolheres como és, mais e mais se
interessarão por ti.
1744
Ridícula
- Mestre, a Humanidade é um problema muito sério!
- Sério? Ela é ridícula!
- Ora!
- Vê-a tal qual é.
- Então?
- Um nada abaixo dos anjos...
- Isso é ridículo?!
- ...Um nada acima dos macacos!
1745
Brasa
- Mestre, a humanidade é fria.
- Não. Só se morrer.
- Mas é tão odienta!
- Nem tanto. Apesar de tudo continua pensando.
- E daí?
- Quando um homem pensa, pensa no que sente.
- Então e se só sentir ódio?
- Quando um homem pensa, chispam-lhe brasas na mente.
- E depois?
- Em breve ateará um incêndio.
- De morte?
- E de vida.
- De vida?
- Nunca haverá uma sem a outra.
- Essa agora!
- Uma da outra se gerarão, irremediáveis, até à
consumação dos tempos.
1746
Absorver
- Mestre, estás a desmantelar a carcaça dum automóvel?
- Não.
- Mestre, uma pessoa da tua categoria não devia
misturar-se com a ralé deste bairro de lata!
- E misturo-me?
- Mestre, com tua responsabilidade não devias perder
tempo a reparar esse computador.
- Será que perco?
- Devias empregar as horas livres nas bibliotecas, a
absorver a cultura do mundo.
- Mas que crês tu que ando fazendo?
1747
Dinheiro
- Mestre, o homem não pensa na morte?
- Pensa.
- E não se prepara para pagar-lhe o preço?
- Prepara.
- Como, se a virtude é o preço da passagem?
- Procurando a maior das virtudes de hoje.
- Ora! Só pensam no dinheiro...
- Justamente!
- Mas ganhar dinheiro não é virtude, qualquer um ganha...
- Decerto.
- Então?!
- Hoje o melhor é quem mais ganhar.
- Mas essa ambição desmedida acaba matando-nos...
- Vem-nos matando planetariamente.
- Assim, como se preparam para a morte?
- Vivendo desde já no inferno.
1748
Investigação
- Mestre, a investigação científica deve ser
condicionada?
- Deve ser investigação científica.
- Então deve ser livre.
- Livre?! Investigação científica livre é redundância.
- Por quê?
- Porque, se não for livre, não é científica. E se não
for científica não será libertadora nunca.
1749
Motor
- Mestre, a vida tornou-se mecânica e pouco falta para
sermos autómatos.
- Não. Qualquer motor é um código moral cristalizado em
metal.
- Essa agora!
- Responde eficazmente ao nosso porquê e para quê.
- Mas subjuga-nos.
- Ao contrário. Liberta-nos.
- Como?
- Materializa, passo a passo, um itinerário que a mente
talhou. Realiza-nos um sonho.
- Logo, a técnica não ameaça?
- Ameaça.
- Mas então?!
- Quando ignoramos que o âmago dela não são engrenagens,
circuitos, conexões, programas...
- Mas é nisso que ela consiste!
- Não. Os nexos racionais da mente humana é que lhe
talharam cada peça e função desde o primeiro passo. O coração dela é nosso sonho.
1750
Esquina
- Mestre, qual é a melhor forma de encarar o mundo?
- Como se o mundo escondesse um segredo excitante atrás
de cada esquina.
1751
Nada
- Mestre, que dizer a tanta gente apostada em demonstrar que
nada é coisa nenhuma?
- Que dizer? Que até nisso mostram que, afinal, tudo é
alguma coisa.
- Como?
- É que, senão, também a demonstração deles seria nada.