14ª. Redondilha

 

 

Que o Homem Retira a Glória

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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1908

 

14ª. Redondilha

 

Que o Homem retira a glória

Dos acertos nos enganos

Eu canto através dos anos

Cantando cada vitória.

 

Canto, a passo, esta memória

Que nos revela os arcanos

Que superam desenganos,

Nos elevaram da escória.

 

Canto a razão que empurrou

Nossos avoengos ao voo

Que inaugurou nossa infância.

 

Canto esta actual juventude

Por cuja maior virtude

Amanhã serei distância.

 

 

1909

 

A Descoberta da Infância

 

 

          Eras ontem um jovem de provecta idade, de recente bipedia, com inseguros recuos ao quadrupedismo  ancestral,  quando  as  ancas  te  ameaçavam  com  a dormência das cãibras. Tinhas olhos negros cheios de azul e distância. Vagueavas entre a densidade do capim alto e flébil e a raridade  dos imbondeiros  e  coqueirais, de século para século mais moribundos, num mundo em crescente  frescor, mais e mais letal.

          Sem rumo vagueavas, com olhos admirados de amplidão, entre teus irmãos de sol e orvalhadas, das savanas às estepes, dos fios  de água  às fruteiras,  das raízes e bolbos às bagas e talos.Eras despreocupado  e feliz.  Mas  rareavas,  de milénio em milénio mais rareavas, à proporção da avareza em crescendo  de  tua despensa natural.

          Até que teu chefe de bando morreu e se colocou o  problema  hereditário  da liderança. É norma imemorial a disputa do primado  entre os excelentes,  pela  força ou esperteza.

          Vossa tradição avoenga consagrara a competição  em  festival  comunitário, pejado de rituais e enfeites. A Grande-Mãe impunha-vos o  colar  dos  pretendentes, entrelaçado de festões silvestres. Sempre cinco se armavam, três do oiro   da giesteira, dois do rubro do azevinho. E sempre  no  silêncio  dos  olhos  vendados vos eram impostos, bem ajustados ao pescoço, a três competidores de cada vez.

          Ganhava quem, ao abrir os olhos e reparando nos colares  dos  outros  dois,  descobrisse qual o que lhe fora imposto. Até à tua vez,  porém,  sempre  fora  puro acaso.

          Contigo aconteceu a diferença. Quando observaste que teus dois adversários ostentavam colares rubros, rompeu instantânea a luz dentro de ti:

          -Só posso ter um de giesta! - murmuraste de espanto.

          E nasceste como Homem.

          Todas as jovens te olhavam expectantes. Qual escolherias? E tu impuseste:

          - A que descobrir por que é que eu teria de ter este colar.

          Uma morena coleante deslizou para o meio do terreiro:

Porque ambos os de azeviche brilhavam  já  nos  outros  competidores. Só restando de fora os de maias, terias, pois, de ter um deles.

          Então tu compreendeste-a. Então ela compreendeu-te. Inaugurastes juntos o amor. Os demais convivas nada entenderam e assim ficaram perdidos pelos recantos penumbrosos da história. É que esta, de verdade, inaugurou- -se  convosco ali e tudo o mais só por vossa senda reza, incapaz de voz  nem  rumo  que  aparte de vossos trilhos encontrem eco nem sentido.

          E principiastes a crescer, pelos séculos dos séculos...

 

 

 

1910

 

A Fonte da Juventude

 

 

          És hoje um mastro erecto,  de  bandeira  hasteada,  branca,  negra,  amarela, vermelha, as cores de tua  sabedoria  multimilenar.  Vem-las  a  todas  cambiando mais e mais, doravante, pelo mundo fora.

          Passeias pelos cinco continentes até aos gelos polares e às profundezas oceânicas, sobes aos Himalaias, Trepas à Lua e sondas Marte, Júpiter, o Sol e  os abismos intérminos da Galáxia. Perguntas pelo limite do  Universo  e,  mais  perto, pretendes discernir na escuridão opaca o vago rasto doutro qualquer sistema planetário que possa vir a ser irmão do teu.

          Morres de cancro e de sida enquanto vbasculhas bactérias e vírus, átomos e partículas, para que os venhas a dominar e te libertes. Para  que  vivas.  Para  que sobrevivas.

          Morres de excesso e penúria enquanto  te  encontras  e  coordenas  mundialmente, internacionalmente, regionalmente. És ONU, és UNESCO, és FAO.  És  CE, és CEI.  És FMI, és BIRD. És Benelux e muito  mais  alianças.  És  muitas  e  muitas pontes, todas frágeis, todas ágeis, todas suportes e trânsitos,  todas  mudanças  e sonhos. Todas sede e copo de água. Todas passo de amanhã, hoje aqui a tentear-se.

          Muito trabalhas e cansas, muito suas e consomes. Sociedade  de abastança, sociedade de consumo e nada nunca te descansa. Pela vida tu te matas  e  matas quem por ti vive.

          E distrais-te, e distrais-te. Tanto, tanto! De quem te quer e tu queres, por quanto tens ou terás. De tanto amor por tão pouco ter!

          Quando te atinge a má nova, paras.

          - Senhor, tua esposa acaba de fenecer.

          - Que farei? Que farei?

          - Por teu nome, para vossa eternidade, convém que  lhe  suceda  aquela  que mais a memória lhe abrilhante.

          - Que farei? Que farei?

          - Terás de desposar, dentre as três mais  apaixonadas,  a  que  ultrapassar  a prova que lhes impuseres.

          - Que farei? Que farei?

          - Toma teus alfinetes de cabelo. Todos sabemos que dispões de três encastoados de esmeraldas e dois de rubis. Quando as prendadas,  de  manhã,  te  fizerem a vénia consuetudinária, tomarás dois de esmeraldas e um de  rubis  e  pregarás cada qual nos cabelos de cada uma. A eleita é  a  que  descobrir  e  fundar  que alfinete lhe impuseste, por mera observação de ambas as que lhe ficam diante.

          E na manhã de cada milénio, quantas favoritas se perderam! Que não era possível, vendo apenas dois, descobrir qual dos restantes três tu lhe  prenderas  na  cabeça! Que só vislumbrando-se em qualquer dissimulado espelho, porventura no espelho dos olhos das outras! Que apenas através de falcatrua, uma informação  clandestina duma rival, porventura de ti mesmo,a favorecer a tua predilecta, quem sabe?

          E na manhã de cada milénio sempre tua favorita se adiantou:

          - Bem amado, coroaste-me de esmeraldas.

          - Como o descobriste?

É que, de minhas companheiras, uma ostenta um alfinete de rubis e a outra um de esmeraldas. quando olhei fixamente esta última foi para confirmar se ela veria em mim a segunda joia de rubis. Se eu a tivesse, logo ela haveria concluído que teria de ter uma de esmeraldas. Como ficou tão hesitante quanto eu,  só pode ter  sido  porque em mim  viu o mesmo que vejo nela.  Nenhuma  encontra  o segundo rubi que implicaria que o terceiro alfinete tivesse de ser um dos outros. É por isso que é  um  destes  que, evidentemente, tenho de ter.

           E assim, por direito de razão, te vem sendo tua  milenar  esposa,  pelos  séculos dos séculos. E através das idades se lhe vem apurando a perspicácia:

Perdoai-me, senhor, que vos alerte para o prejuízo a que a prova  sujeita  quem detém o alfinete de rubis. É que esta pretendente jamais poderá descobrir qual  deles tem, nem pela via por que descobri

 

o meu, nem por qualquer outra. Só me superiorizei à que tem um alfinete igual ao meu. A outra fica fora de prova.

          E deste modo mais e mais ínclita se apura tua geração,

          Ao compasso das esferas,

          No transcurso da Razão,

          Imemorial, pelas eras.

 

 

 

1911

 

Rumo à Infinidade

 

 

          Serás amanhã o desafio que te sonhas e projectas, em quantas ficções recrias e saboreias. Da televisão à literatura, do cinema ao vídeo, da banda desenhada  ao teatro, do computador ao compacto disco interactivo. Imaginas e  inventas,  propagas  e consomes, encantas-te e vais-te criando um Universo  à  medida  do  impossível  para onde te encaminhas.

          Hoje aprendeste a violar em espírito o infinito dos espaços. Amanhã possui-lo-ás em corpo e alma. Hoje abismas-te por ti dentro insondavelmente. Amanhã serás  mais e mais rei de teus reinos interiores, rumo ao centro de teu vórtice. Hoje tentas encontrar o infinitamente pequeno de cada partícula. Amanhã reconstruirás o tecido da matéria e da energia, na arquitectura de teu encanto e comodidade.  E  o  cosmos  será  teu.  E  o cosmos serás tu. E tu devirás cosmos. Dele serás o espírito e de ti ele será teu corpo a crescer ao infinito. Engenheiro de ti e do Universo, talhar-te-ás cada vez mais à tua medida sem medida, da geração à morte, rumo à  eternidade  fugidia  num  tempo  que  se esgarça perante o ímpeto de teu passo.

          E desafiarás a morte, dia a dia mais encurralada. É que teu destino é o eterno. Tua condição, a inultrapassável ambiguidade: enquanto finito, o infindo por natureza te  ficou fora de alcance; enquanto esperança, todo o horizonte te  é  indefinidamente  aproximável.

          E assim tu, interminável, caminhas interminavelmente. Transmudas o fatal futuro num porvir libertador. E desde sempre o prevines e sempre o prevenirás  e  preveni-lo-ás para sempre.

          Na frota interestelar das multiformes naves espaciais te colocarão o desafio da liderança. Três a três as astronaves flutuarão solidárias, pelas solidões dos espaços abismais. E o Alto Comando Galáctico três  códigos verdes poderá acender, os da paz, os de todas as florestas cósmicas, e dois rubros, os do sangue, os do perigo  de todas as guerras. Exteriores no cone de cada nave,  nenhum  cosmonauta  visiona  o  da  sua própria, apenas pode registar os de ambas que o acompanham.

          A final prova principia quando o  Grande  Monitor  acende,  concomitantes,  os  três códigos verdes nas três naves espaciais.

          - Será Grande Mestre Astral qual dentre vós descobrir, com razão necessária e suficiente, a partir dos dois códigos de luz que vê diante, qual o de sua astronave.

          A inultrapassável indecisão paralisa milhões pelos milénios. Que, se em provas de antanho deter um rubi prejudicava a candidata,agora três são os prejudicados.Que não há informação bastante para qualquer  dedução  lógica:  perante  dois  códigos  verdes, qualquer deles pode  ter em sua nave ou o terceiro ou um dos  rubros,  indiferentemente. Que não bastará o brilhantismo indiscutível dos líderes, nem a argúcia intelectual insofismável. Que é decerto racionalmente inexequível, de todo em todo.

          E serás o Mentor do Universo  vindouro quando assim reflectirás, após atento  confirmares a inultrapassável indecisão de teus pares expertos:

          - Grande Monitor, só poderei ter código verde.

          - Por quê, candidato?

          - Porque, se o meu fora rubro, qualquer de meus perspicazes companheiros  haveria concluído, pela hesitação do outro, que não se lhe acendera  o  segundo  código  rubro. Como nenhum pôde concluir isto, tal só pode advir do facto de as três naves  ostentarem códigos verdes.

          Transporás assim novos portais. Um salto na distância, até que um dia toda  a  distância seja, enfim, ultrapassada, porque toda então coube já dentro de ti. Aí todo o longe será perto. Aí tu te encontrarás, finalmente: serás Aqui-Agora ao  infinito.  Inteiro  serás.  E tudo então será em ti: tu serás o imenso, tudo e todos serão Tu, seremos Nós.

          Deus, até que enfim, acontecerá, já que aí acontecemos!