A SOMBRA
DA ESPERA
PRIMEIRA REDONDILHA
À SOMBRA DO POVO
Escolha aleatoriamente um número
entre 0 e 161 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
0 – A Sombra da Espera
À sombra do povo
A
espera recresce
E
a vida se aquece
De
quanto for novo.
Em
quanto renovo
O
antido acontece
E
por dentro cresce
O
sabor que provo.
Poema
em liberdade,
Cada
vez mais solto,
Jamais
tem idade.
Na
mágoa e no riso,
Se
mais me revolto,
Mais
tenho juízo.
1 - À sombra do povo
À sombra do povo
É que vou nutrir
Horas de porvir:
Com povo me aprovo.
2 -
Início
8 - Pinheiro de Natal
Trabalhe o melhor
que
puder,
Os
pinheiros de Natal
Por menos que
importe na
altura:
Por que tantos tu rejeitas?
Ninguém sabe um
tema
qualquer
Não
vês que não têm mal,
Como quem de
início o
procura.
Que são árvores perfeitas?
3 -
Ria-se
9
- Crente
Não queira ser
timoneiro,
Quando alguém diz crer em Deus
Olhe que os
reinados
passam.
Toma
um trejeito divino:
Ria-se de si
primeiro
Talha a vida ao desatino
Antes que os
demais o
façam.
Dos
infernos que há nos céus.
4 -
Paciência
10 - Mentira
É preciso ter
paciência
O
coração do homem para lermos
Para a vida
caminhar;
Não basta ver quanto ele, enfim, delira
Mas, tendo embora
prudência,
Perdido entre as acções e os tredos termos:
Nunca gostamos de
a
usar.
- É preciso despi-lo da mentira!
5 -
Reputação
11 - Calar
A boa
reputação
Saber
falar é ciência
Demora a
amadurecer
E a contento ainda é melhor.
E os loiros se
murcharão
Poucos
vêem a evidência:
Se pendem do que
for
ser.
- Calar a tempo é maior!
6 -
Trabalho
12
- Atira
Todo o trabalho
bem feito
Aos homens jamais se atira
Te recompensa
demais:
Como,
aliás, se atira aos brutos,
Não com descansar
no
leito,
Que nos podem ter na mira:
Mas com poder
fazer
mais.
São mortos disto os produtos.
7 -
Aforismo
13 - Berço
Criar um bom
aforismo
Para as Índias ignotas eu me apresto,
É o saber dum
livro
inteiro
Delas no fim só colho as ilusões:
Todo inteiro
neste
abismo:
- O berço em que nascemos é modesto
- Um dito de que
me
abeiro!
Para
a altura das nossas ambições!
14 - Lugar
O casamento e a mortalha
(Se ficamos a esperar)
Cada qual no céu se talha
Quando a terra é o seu lugar.
15 - Conversem
Antes de declarar guerra
Convém que dois inimigos
Ponham bem os pés na terra.
- Conversem: serão amigos!
16 - Nadas
A vida é tão verdadeira
Como num conto de fadas:
Da primeira à derradeira
Suas verdades são nadas!
17 - Presente
Deixar tudo prò futuro
É catástrofe iminente
Porque de nosso e seguro
Nós só temos o presente.
18 - Caio
Por mais tamanho que meça
Entre os meus da altura caio:
Não ha um herói que o pareça
Aos olhos de seu lacaio.
19 - Réptil
Se um réptil pode ofender-me,
É de mim que me envergonho,
Que, se ele é apenas um verme,
Este é o selo que em mim ponho.
20 - Alto
A altura visar
Cobra que moeda?
- Quando alto é o lugar
É maior a queda.
21 - Caça
Um caçador, quando caça,
Caça mais que a caça a esmo:
Caça, além de toda a caça,
Quanto caça de si mesmo.
22 - Rir
Rir dos outros ou de mim
Pode algum dia ser festa,
Porém, o que no-la empresta
É rir co'os outros no fim.
23 - Marxismo
O marxismo tem razão,
Por isso eu não sou marxista:
A razão lavra meu chão,
Não a seita enquanto exista.
24 - Moral
Tens uma aparência frígida,
Falas de alto, dás lições...
- Perdes-te nas solidões
De que sofre a moral rígida.
25 - Cimenta
"Grande nau, grande tormenta",
Conta, há séculos, o povo,
- Mas o sonho é que cimenta
Tudo quanto, ao fim, renovo.
26 - Justiça
A justiça tem um custo
Pouco menos que demente:
Quem paga aquilo que é justo
Tantas vezes é inocente!
27 - Desterra
Como é linda, linda a Terra!
E como é aterradora!
- Como o homem se desterra
Daquilo que tanto adora!
28 - Mentira
Toda a vida é uma mentira
E quem é mais mentiroso
É quem co'a vida delira
Crendo da vida no gozo.
29 - Paraíso
Toda a Terra é um paraíso,
Não é um antro ou prisão.
P'ra encontrá-lo só preciso
Preparar-lhe o coração.
30 - Armadilhado
Um homem armadilhado,
Com morte no coração,
Não vê o céu em nenhum lado
Quando o tem aqui à mão.
31 - Fruto
A terra que dá por fruto
Medíocres presidentes
Vai ter logo por produto
A exclusão dos eminentes.
32 - Telhudo
Se alguém me ataca, telhudo,
Logo lhe entrego minha arma:
Quando assim lhe entrego tudo,
Também ele então desarma.
33 - Pergunta
A pergunta que mal ouso,
Que nem sei se alguém entende:
- De que vale ser famoso
Se ninguém nos compreende?
34 - Dinheiro
De tesouros de arte cheio,
São do Antigo Egipto os louros
E o dinheiro foi alheio
À criação destes tesouros.
35 - Ocidental
Este mundo ocidental
É mesmo um mundo a valer?
Por ideal, tanto mal:
- Tanto ter, tão pouco ser!
36 - Raiz
Temos um mal, com certeza,
Que nos atinge a raiz:
- Tanto poder e riqueza
E ninguém vive feliz!
37 - Grande
Quem é grande é-o na ternura,
No respeito por quem mande
Fiel no mandato à lisura:
- É no pequeno que é grande.
38 - Prisão
Perde a vida na prisão
O que a vida quis traída?
Quantos mais perdem-na em vão
Presos na prisão da vida!
39 - Do Céu
Se do céu cai o maná
Quando aos outros tu embalas,
Se te embalas, cairá
Sobre os mais chuva de balas.
40 - Quadro
Um quadro quer uma casa,
De vez rejeita o museu:
Com a casa o quadro casa;
No museu, só se morreu.
41 - Variar
Gotas mágicas de orvalho,
Preciso de os variar,
Aos gozos de trabalhar,
P'ra não fanar o trabalho.
42 - Cegos
A forma democrática de egir
Pode, afinal, talhar-nos mais carregos
Do que os bens que nos traz para fruir
Se os cegos guiam por demais os cegos.
43 - Consciente
Como tornar-se consciente?
Freimas serão de somenos,
Para nós é indiferente:
- Escuta mais, fala menos!
44 - Rótulo
Toda a gente amaluquece
Por não saber dar-me um nome:
Aos pés o chão lhe estremece
Dos rótulos com a fome.
45 - Viajar
Se do barro destes factos
Não tiro o oiro em que cismo,
Torno-os meros artefactos:
Viajar é um comodismo.
46 - Maravilhas
O mundo pode dar gozo
Mais que em montanhas ou ilhas,
Que quem é maravilhoso
Em tudo vê maravilhas.
47 - Condão
Viver a nossa existência
De criança sem condão
É negar-nos, à evidência,
Todo o mundo da emoção.
48 - Idade
Não é uma sequela
Do tempo a correr:
Nossa idade é aquela
Que sentimos ter.
49 - Milagres
A dor é o primeiro dado
Que marca os passos do início:
Os milagres do passado
São feitos de sacrifício.
50 - Livre
Para além do que há-de ter
Que da injustiça nos livre,
Um mundo livre requer
Uma economia livre.
51 - Guarda
Venera a luz, a razão,
Como a mais profunda essência,
Guarda bem teu coração:
- Da tradição é a sapiência.
52 - Tempo
Achado o tempo perdido,
Não podes, propositado,
Recuperando do olvido,
Perder o tempo encontrado.
53 - Fuzilam
Quando os homens se fuzilam,
Ignoram a lição rara:
- Frente a frente se perfilam
E têm a mesma cara!
54 - Paixão
Tudo se vende e se compra
Por qualquer naco de pão
E o mais trágico da compra
É que compra uma ilusão.
55 - Sinal
Quando alguém quer um sinal
De que vai escapando ao nada,
Faz da fantasia real
Realidade fantasiada.
56 - Finge
A verdade não se atinge,
Só nos roça pela pele.
É o problema de quem finge:
- Todos acreditam nele!
57 - Obra
Figurar uma jornada
Dá notícia, sugestão...
- Obra de arte não é nada:
Viver, sim, é criação!
58 - Resista
Muitos crêem que um artista
São obras em turbilhão.
Arte, para que resista
Tem de vir do coração!
59 - Além
É um caso perdido?
O caso está bem;
Um homem erguido
É que falta além!
60 - Morto
Morreste, dizes, fenece
Teu passado em morto arquivo.
- Mas, ao menos, reconhece
Perante ti quem é vivo!
61 - Mentira
Queima Nietzsche, queima Cristo,
Queima biblioteca e arquivo:
Só mentira te vem disto
Se não vês um homem vivo!
62 - Detritos
Uma prostituta triste,
Entre os detritos, num nicho...
Se desespera e desiste,
Aumenta o monte do lixo.
63 - Canalha
Arte pode ser de massas
Sem ser uma arte canalha:
Tem de furtar-se às trapaças
Com que a emporcalha a escumalha.
64 - Tentativa
Toda a nossa vida é um drama
Centrado na tentativa
Que se enreda em fruste trama
De escapar à morte viva.
65 - Lavra
Um artista de primeira
Não se identifica às massas
Que são morte verdadeira:
- Lavra-as com suas desgraças.
66 - Paixão
Se há livros e não paixão,
Os meus crimes eu perpetro-os
Contra os homens logo então,
No fim ficam só os espectros.
67 - Importância
Quando nossa alma nos morre,
Morre quanto é grande e o mal
Com tal importância ocorre
Que nos varre até o sinal.
68 - Rei
Aquele que está mais vivo,
Queiramo-lo ou não, é rei,
Que a vida tem um motivo
De que só mais vida é lei.
69 - Arqueologia
A vida não é viver
Quando é só uma arqueologia,
Quando o que me marca o ser
É de antanho a fantasia.
70 - Esquecemos
Esquecemos a tragédia
Que os grandes sempre sofreram
Ofuscados na comédia
Das obras que nos venceram.
71 - Herói
Um herói não rasga a treva
Nem é estrénuo turbilhão:
Um herói é quem se eleva
Acima da multidão.
72 - Escolha
Abelhas no trabalho permanente
Ou de instintos anárquicos despertos,
Depende: se os artistas se consente
Ou se deles morremos já desertos.
73 - Fato
Porque desejo o impossível
Visto aqui todo o presente:
Ontem e amanhã sofrível,
Só a quem tem fato decente.
74 - Falência
A corrida ao inconsciente
De tantos com tal premência
Só demonstrará a falência
Da vida num mundo ausente.
75 - Estranho
O estranho é que nós nadamos
Na oceânica profundeza
Enquanto em cima voamos
Dos astros pela grandeza.
76 - Além
Vida no além inventaram
Os cristãos prà sua fome
E nem assim cozinharam
O pão que ainda ninguém come.
77 - Comande
Na vida de quem é grande
Jamais há grande mistério:
Seu agir faz que comande
Das próprias crenças o império.
78 - Exemplo
Não é a doutrina o fecundo
Motor com que me desato:
O que move mais o mundo
É um exemplo posto em acto.
79 - Acordo
Um homem que age sozinho
De acordo com sua fé
Mais que exército adivinho
Que vai pôr o mundo em pé.
80 - Face
Quem fala com Deus, no fundo,
Regressa com uma estrela,
Altera a face do mundo,
Põe um pouco de Deus nela.
81 - Canto
Maravilha para o poeta,
Tudo é divino prò santo,
Para um herói, grande meta,
- Depende de quem é o canto.
82 - Língua
Quando a vida fica dura
A língua estrangeira tem
Marcas de subtil tortura:
- Minha língua é minha mãe!
83 - Viagens
Ir à Lua, ver Plutão,
No cosmos não há garagens:
Na vida não há senão
Viagens noutras viagens.
84 - Bordo
Ninguém pediu meu acordo
Nem deu tempo de rodagem,
Estamos todos a bordo
Na rota da mesma viagem.
85 - Judicioso
Fora as medidas por junto
Que quer um caso imperioso,
Quem quer ser judicioso
Busca e rebusca o assunto.
86 - Azul
Que impede que eu pule,
Que é que me atrapalha?
Ai, o céu azul
Como uma navalha!
87 - Trilhos
Biografias, diários
Apaziguam a fome
Da vida por trilhos vários
Quando arte é o que ali se come.
88 - Revelação
Sempre arte é revelação:
Oculto ritmo da vida,
Nela pulsa o coração
Mas com secreta batida.
89 - Comportas
Mas quando é que tu despertas
E olhas o tempo mudado?
- Comportas andam abertas
Na vida de céu fechado.
90 - Sinta
Vou fechar a minha vista
Para que o meu corpo sinta
Do mundo a inteira revista
E assim eu jamais me minta.
91 - Finalmente
Ver-me ao espelho de frente
É não perder o ensejo
De descobrir finalmente
Que a mim é que me não vejo.
92 - Sentar
Caminho esta vida inteira
Pelas ruas, sem lugar
Onde me possa sentar:
- Toda a vida é uma canseira.
93 - Feitiço
O meu trabalho é um feitiço
Se não sei como ocupar
A vida com que me enliço:
Mata quando torno ao lar.
94 - Lugar
Como encontrar meu lugar
Sem, no fundo, me fundir?
- Para poder avançar,
Antes urge regredir.
95 - Lanterna
Do saber o mais fecundo
É pegar nesta lanterna:
- Tudo é negro, não há fundo,
Nem há uma verdade eterna.
96 - Erros
Os erros dos mais
São como as abelhas,
Se não dão sinais
Nunca destrambelhas.
97 - Abismo
Tomba logo num abismo
A mais próspera nação
Quando um igualitarismo
Supera a competição.
98 - Ajudar
Nunca as medidas são boas
Se anulam, de tão impróprias,
A vontade das pessoas
De se ajudar a si próprias.
99 - Usura
Se és esperto, põe de lado
A hesitação ou a usura.
Ninguém é condecorado
Por 'star abaixo da altura.
100 - Dever
Primeiro dever dum rei
Seu próprio povo é servir
E esta a derradeira lei:
Seu bastião final devir.
101 - Sofrer
Há quem sofra com sofrer,
Que o sofrimento traz dor,
Quando o que importa é saber
De que modo o vou transpor.
102 - Vulgares
Quem longe busca a riqueza
Perde a dos próprios lugares:
A deslumbrante beleza
Das belas coisas vulgares.
103 – Simples
A atitude salutar
Cumpre em norma este dever:
As coisas simples mudar
Num verdadeiro prazer.
104 - Razão
A razão não grita, fala
Discreta como a semente.
Sem razão é que se fala
Mais alto que toda a gente.
105 - Medo
Quando o medo bate à porta,
Que a fé vá, primeiro, abrir
E, após, o que mais importa:
- Aqui estou eu! Sem fugir!
106 - Pegada
Quanto na vida é vivível
Só requer nossa pegada.
Tudo parece impossível
P'ra quem nunca tenta nada.
107 - Vencer
Vencer é tudo na vida,
É quanto lhe dá sentido,
Mas só a leva de vencida
Quem nela tomar partido.
108 - Percurso
Nosso percurso é o mais longo
P'ra descobrir o mais puro:
É pelo céu que me alongo
Se um chilreio lá procuro.
109 - Natureza
A natureza é uma festa
Mas, para dar-me alegria,
É o suor que se lhe empresta
Que ma gera dia a dia.
110 - Pára
Duma a outra ocupação,
Dum prazer para o seguinte...
- Pára, olha o coração,
Só assim podes ter requinte!
111 - Lugar
Quando perco o meu lugar,
Eu dou meu lugar à vida,
Que é a vida que me convida
Noutra vida a me encontrar.
112 - Intenções
Preocupa-te, se se esforça
Por vergar os teus pendões,
Do inimigo com a força,
Mas mais com as intenções.
113 - Comova
Se a morte espalhas na guerra,
Discreta, a vida se inova:
Uma alma não foge à terra
Sem que a terra se comova.
114 - Nunca
Não precisa de alvará
P'ra sonhar com o que vem:
- Um homem nunca estará
Contente com o que tem.
115 - Razão
Quem advoga por justiça,
Com justiça paga a liça;
Quem o faz só por viver
Perdeu a razão de ser.
116 - Desapontado
Ficar-se desapontado
Lutando p'lo que se quer
É ficar do melhor lado:
- Desistir é que é perder!
117 - Marca
Sabedoria que aponho
Marcando a maioridade:
Podemos manter o sonho
Sem fugir à realidade.
118 - Peso
O peso da idade
Não está nos anos,
É a modalidade
De encarar-lhe os danos.
119 - Paciência
Para a vida virar verde,
Paciência é o melhor intento:
Nunca o moinho se perde
A procurar pelo vento.
120 - Probabilidade
Toneladas de talvez
Nunca valem, na verdade,
O que vale uma só vez
Uma probabilidade.
121 - Fácil
Finou-se o teu modo grácil
Mais do riso a distensão?
- É porque o dinheiro fácil
Alimenta a corrupção.
122 - Oportunidades
Quantas oportunidades
É que um homem tem na vida?
A morte não tem idades,
Todo o dia nos convida.
123 - Confirme
Nunca diga: "estás errado!",
Que aumenta assim o deserto.
Confirme por todo o lado:
"Eis como vai bater certo!"
124 - Tranquilo
Jamais um lavrador dorme tranquilo
De tempestade numa noite agreste
Se sabe que o telhado que o reveste,
De telhas falho, não irá servi-lo.
125 - Contentar-me
Para a felicidade o maior ganho
Vem do lema eficaz quando é vivido:
Se aprendo a contentar-me co'o que tenho,
Serei um coração reconhecido.
126 - Resistente
Importa que nossa voz
Se não cale, persistente:
Se a mentira é mais veloz,
A verdade é resistente.
127 - Corridas
Nas corridas de verdade
Busca-se a meta à largada,
Só a busca da qualidade
Não tem linha de chegada.
128 - Difícil
Difícil é conseguir,
Não o que viso atingir,
Mas o que talvez queria
Ter, por acaso, algum dia.
129 - Fado
Não discutas com a vida
Nem digas que és maltratado,
Dado que é quem assim lida
Que pior canta seu fado.
130 - Intolerante
Quanto fado malfadado
Vem de ser-se intolerante:
- Quase nunca o degradado
É de facto degradante!
131 - Sofre
Se um inocente sofre
Não tenho nem terás
Nenhum direito ao cofre
Nem a dormir em paz.
132 - Força
Na vida quanto sofreres
Bem calculas a quanto orça:
Pouco importa o que quiseres
Porque a vida tem mais força!
133 - Derrota
É preciso tomar nota,
Senão não se atinge a glória:
Quem não chora na derrota
É que descreu da vitória.
134 - Danos
Tudo o que à vida proponho
Só pode provocar danos
Se é uma catedral de sonho
Construída com enganos.
135 - Maravilhas
Importa-me lá se brilhas
À medida do que falas!
- Executa maravilhas,
Não te percas a explicá-las!
136 - Chefe
Por muito que o contradigas,
Nunca um chefe chefe nasce,
Que ser chefe obriga a brigas,
Um chefe não nasce, faz-se.
137 - Retribuição
A melhor retribuição
Por um momento de estalo
Não é vir pagá-lo, não,
Consistiu em desfrutá-lo.
138 - Sonho
Um sonho, para que morda,
Tem um fogo que nos arde,
Mas no mundo a gente acorda
Dele mais cedo ou mais tarde.
139 - Creia
Há quem creia no diabo
E nunca acredite em Deus:
É levar a noite a cabo
Sem notar o alvor nos céus.
140 - Fama
Fama com cheiros campestres
Vem da espécie de renovo:
Se tenho fama entre mestres,
Não a terei emtre o povo.
141 - Pesadelo
Artista que busca a glória
Do prémio fareja o apelo.
Depois quem lhe mira a história,
Não foi sonho, é pesadelo.
142 - Sangue
Um escritor cuja escrita
É escrita só a tinta e forma
Não forma, em quanto nos grita,
As gritas que o sangue informa
143 - Pobre
Por muito cheque que cobre
É desnudo que me fico:
O escritor é sempre um pobre,
Que só de sonho ele é rico.
144 - Barragem
É Vilarinho das Furnas
A afundar-se no progresso:
- Quanta morte vai nas urnas
Para a vida ter sucesso!
145 - Lágrima
A saudade não se pega,
Gera a Odisseia e a Ilíada.
Quanto navio navega
Numa lágrima lusíada!
146 - Perdulário
O homem será um perdulário:
Agarra tanto o que é seu
E, no fim deste fadário,
Perde a Terra em que nasceu!
147 - Político
Político, não condigo
Com teu critério de esperto:
- Adversário meu amigo
É que é o político certo!
148 - Tempo
O tempo é o sempre que dura jamais,
Fio que prende tudo quanto há,
É a visão da porta do nunca mais:
Quem por ela passa não voltará.
149 - Conselho
Faça o que for, não dará,
Perdido é sempre perdido:
Um conselho não se dá,
Só se aconselha a pedido.
150 - Depressa
Ser breve é ser eficaz
No tempo que em nós tropeça.
Evita o verbo falaz:
Só diz bem quem diz depressa.
151 - Bulir
Para no mundo bulir
E as entranhas lhe lavrar,
Sê rápido em teu agir
Mas lento em apreciar.
152 - Despedida
Aplaudidos à chegada,
Mais importante é a saída,
Que o que recorda a jornada
É a saudade à despedida!
153 - Asas
Querer é mesmo poder,
O sonho ergue nossas casas:
Mesmo a formiga, se quer
Voar, irá criar asas!
154 - Bicho
É o homem aquele bicho
Que se adapta onde estiver
Desde que impregne o seu nicho
Do calor que lograr ter.
155 - Espera
O que a experiência nos diz:
A espera vai compensar-nos
- Prà Humanidade feliz
Não devemos apressar-nos.
156 – Poema
De asas uns, outros de aletas,
Dedilhamos cada tema:
- Todos seremos poetas,
Mas alguns são um poema!
157 - Bom
É um combate negregado
Que termina em beco imundo:
- Ser bom é mais arriscado
Do que dar a volta ao mundo!
158 - Bravura
A vida nos trunca
E demais nos poda
- Mas os bravos nunca
Passarão de moda!
159 - Pensa
Desbravamos a floresta,
Da maior à menos densa:
Mais vale quem mais se apresta,
- Quem mais fala, menos pensa.
160 - Aqui
Se um livro nos traz o mundo,
Uma biblioteca então
Rasga o Universo profundo,
Põe-no aqui na nossa mão