QUARTA REDONDILHA
DE QUANTO FOR NOVO
Escolha aleatoriamente um número
entre 435 e 608 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
435 - De quanto for novo
De quanto for novo
Os traços implanto
No sopro do canto:
- Na ementa me provo!
436 -
Sorte
442
- Tédio
A sorte é a
combinação O
tédio não é repouso
Bem fortuita, na
verdade,
Nem
espreguiçar que acalma:
Da prévia
preparação
O tédio é quanto não ouso,
Com uma
oportunidade.
O
tédio é um bocejo da alma.
437 -
Desdém
443 - Arrogância
Há quem desdenhe
do
pobre
No
dicionário da vida
E de si é que
desdenha:
Que quer dizer a arrogância?
Tem medo que o
pobre cobre
-
De vãs roupagens despida
Quanta fome o pão
contenha.
Só significa ignorância.
438 -
Egoísta
444
- Absurdos
O egoísta é uma
pessoa
A fidelidade aleinam
Que a si nos
ajunta em
resma
Os súbditos dum destroço:
E, por ser por
demais
boa,
Os absurdos nunca reinam
Se põe antes dela
mesma! Quando são de pele e osso.
439 -
Celebridade
445 - Sobejos
Mascara a
celebridade
Não vos peço que vos deis,
E de tal modo
mascara
Rogo-te
a ti quanto sobres:
Que a uma
personalidade
É que os sobejos dos reis
No fim lhe corroi
a
cara.
São a alegria dos pobres!
440 -
Estatísticas
446 - Mesa
As estatísticas
são
Há
quem administre portos
Mais que os
números das
máquinas:
Que nem constam dos arquivos:
Escondem o
coração
Se
há quem ponha a mesa a mortos,
Do ser humano com
lágrimas.
Secreto anda a engordar vivos!
441 -
Ditadura
447 - Habilidade
A ditadura é o
sentido
Neste mundo a habilidade
Deste ferrete
notório:
Consiste em mostrar por fora
Tudo o que não é
proibido,
O
contrário da verdade
Prò Governo é
obrigatório!
Que por dentro de nós mora.
448 - Demora
Eu jamais vi
O que demora:
- É que quem ri
Depressa chora!
449 - Quer
A verdade de meu ser
Como ter força que a meça?
Naquilo que a gente quer
Sempre cremos tão depressa!
450 - Muda
Os homens têm o defeito
De em casa só dar ajuda,
Tomam-na até tanto a peito
Que só disto consta a muda.
451 - Anos
O tempo marca a compasso
De cada passo os enganos
De que me faço ou desfaço:
- A idade não são os anos!
452 - Vida
Não tremer da morte
É glória fingida:
Às vezes a sorte
É poder co'a vida!
453 - Moço
Quando se é moço e vivaço,
As paixões e actos são tais
Que o sentir nos corta o passo
Ao que a razão faz sinais.
454 - Paixões
Quem não pode co'as paixões,
Pondo em risco seus haveres,
Também, por entre os tufões,
Já nem pode co'os deveres.
455 - Mancebo
No mancebo a timidez
Anda sempre unida à audácia:
Aqui, da acção no entremez;
Da fala, além, na eficácia.
456 - Lema
Se o Homem a Terra altera,
Se destroi o ecossistema,
A Terra então considera
Que anulá-lo é o melhor lema.
457 - Consciência
O que a Igreja tem de mau
Vem de quanto nela é bom:
Passa-me a consciência a vau
Dos peritos co'o bordão.
458 - Demência
O Homem é um gigante enlouquecido,
Semeia pontes, ruas, turbulência,
Carros, fábricas, máquinas, ruído
- E o mundo é a sementeira da demência!
459 - Coisas
Vivemos por entre coisas,
Nosso mundo não é um mundo:
De medo já nem repoisas,
Tão afogado no fundo!
460 - Mutila-se
Perdido por seus haveres,
Um mutila-se a si mesmo;
Outros procuram seus teres
Mutilando outros a esmo.
461 - Tirano
"Um tirano? É abatê-lo,
Logo se acaba a peçonha!"
- Esquecem que o pesadelo
Tem alguém que ali o ponha.
462 - Distância
Somos povo emancipado
Democrata, livre, isento...
- E a distância a que está o dado
De tão grande pensamento!
463 - Progresso
Nós pilhamos brutalmente,
Crentes no insano progresso,
Enquanto o progresso mente:
- Não equilibra, é um excesso.
464 - Império
O império do homem
Não é o que aterra,
É o que todos somem:
- O império da Terra!
465 - Guerra
Guerra não é só violência,
Traz as gentes enganadas:
A traição e a demência
Andam sempre de mãos dadas!
466 - Força
As más sinas que nos calham,
Quando nossa alma as não torça,
Porque as outras armas falham
Recorrem então à força.
467 - Inúteis
De coisas inúteis cheio
A aprender quanto são úteis,
Explorado de permeio...
- Como não seremos fúteis?
468 - Transformações
Da guerra as transformações
Pouco são se comparadas
Às ideias e invenções
Que na História abrem estradas.
469 - Autómatos
Foram homens. Eu relembro-os,
Tais autómatos amáveis,
Ao Estado que ata os membros
P'ra os tornar mais manejáveis.
470 - Inverno
No mundo a cor deste inverno
Não é de velhice e morte,
Hoje alastra um outro, interno:
É doente a mundial sorte.
471 - Indústria
A indústria traz-nos cansaços
Mesmo se as fomes acalma,
Mas o pior de seus passos
É quando nos mata a alma.
472 - Parque
Quem são, no parque, os falhados,
Malogrados no passado,
De futuro já castrados?
- Os que assim caminham fados...
473 - Aldeia
A minha aldeia é doce como o mel,
Sabem-me a pão de forno os seus torrões:
Na minha aldeia não, não há um hotel,
Há um povo aqui de calmas ambições.
474 - País
Tem, profunda, uma raiz,
Já uma vez foi conquistado,
Meu País, ah!, meu País,
Mas jamais foi derrotado!
475 - Ler
Leio, leio sem parar,
De letras e sons me inundo.
- Ler é um modo de sonhar,
Voar por cima do mundo.
476 - Criação
Toda a criação nos funde
Nove meses numa mão:
A criação se confunde
Com uma procriação.
477- Robô
Trinta ciclos trabalhou,
Certo, polido, de prata.
Agora que se gastou,
Sendo ele homem, é sucata.
478 - Grande
Não é p'ra levar a palma,
Nem para lhe inchar o peito,
O que marca uma grande alma
É a humildade e o respeito.
479 - Ordem
Ordem estabelecida
É sempre a dum cemitério:
A sua bandeira erguida
É já mortalha do império.
480 - Sacrílego
O que morreu é sagrado;
O que é novo, que nasceu,
Por diferente, é malvado:
- Sacrílego, viola o céu!
481 - Música
Há uma música tão funda,
Ouvi-la dá tanto gozo
Que dentro em nós nos afunda,
Fica-se, após, silencioso...
482 - Marcas
Quando os olhos de outrem fixo,
Se marco marcas de demos,
Todo ali me crucifixo
E odiamos o que vemos.
483 - Viram
Uns só viram animais,
Rios, florestas e montes;
Alguns viram os sinais
De haver outros horizontes.
484 - Magia
De Marco Polo a magia
É que a Ásia como um deus
Vem criar na fantasia
De todos os europeus.
485 - Dinossáurios
Movemo-nos lentamente
A sonhar com tempos áureos;
Somos, gorada a semente,
Mentalmente dinossáurios.
486 - Estrelas
Por que busco coisas belas,
Saltando todas as valas?
- Acredito nas estrelas,
Sempre me perco a observá-las.
487 - Escravos
Somos filhos dos escravos
De Grécias, Romas, Egiptos:
- O rubor de nossos cravos
Não é o da flor, é o dos gritos!
488 - Cobiça
Grata por quanto nos dão,
Males encobre a cobiça:
Não desprezamos o dom
Mesmo oriundo da injustiça.
489 - Cair
Se cairmos sete vezes,
Somos do género afoito
Que ante estes sete reveses
Logo nos erguemos oito.
490 - Enterro
Quando um paciente já conta
Quem irá no seu enterro
Nisto p'la vida desconta
Metade de seu aferro.
491 - Acossado
Um homem é um acossado:
Terríveis correm as horas,
Gira a Terra, gira o fado
E sempre o caça a desoras.
492 - Memória
O que é estranho na memória
É a recordar aprender
E não poder ter a glória
De aprender a se esquecer.
493 - Jóia
A jóia do humano escrínio
Tem esta rara beleza:
Mesmo um parvo raciocínio
Chega à infinita agudeza.
494 - Enigma
A estupidez cria enigmas,
Mas o enigma o que procura,
Se terrível, é um estigma
Que o disfarce de loucura.
495 - Bar
Todo o bar é uma breve fantasia:
Ata os fios do tempo em vaga trança,
Depois esperarás o novo dia,
Mas foi-se a chantagista segurança.
496 - Abalar
Pelo sonho medras
Enraizado ao fundo:
Poesia são pedras
A abalar o mundo!
497 - Martírio
O martírio mais certeiro
É não dar pelo martírio:
Digo o delírio, primeiro;
Escrevo, ao fim, já em delírio.
498 - Sol
Fujo deste sol no ocaso
Que me deu vida fugaz:
Da morte ninguém faz caso
Se o mundo novo lhe apraz.
499 - Bandeira
Um homem como bandeira
É mais fácil de encarar
Que a verdade corriqueira
De seu tempo e seu lugar.
500 - Fuga
Em fuga, leveiro,
Ficou na fronteira.
Não tinha dinheiro:
- Tinha a vida à beira!
501 - Alheias-te
Alheias-te no desporto
Bebes, podre, o tédio langue.
Como podes viver morto
Ante tua carne e sangue?
502 - Burlado
Tudo me serve a meu fim,
Ganho a vida em todo o lado,
Para descobrir, enfim,
Que, afinal, vivo burlado.
503 - Famintos
Do cinema e da TV
Andam em busca os famintos
Da vida que já não vê
Quem já perdeu seus instintos.
504 - Suspeita
Parte o trem e o que me doi
É que eu fico co'a suspeita
De que a vida é que se foi
E eu aqui de mala feita!
505 - Zombaria
Há mortos em cuja morte
Tantos sonhos vão cativos
Que ali se nos joga a sorte,
Morrem a zombar dos vivos.
506 - Lenda
Toda a lenda tem uma alma
Que desponta e toma forma:
Contando, ela nos acalma,
Traz promessas, cria a norma.
507 - Reverso
O artista não tem lugar,
Que vive no além dum verso.
Ao invés, o homem vulgar
É moeda sem reverso.
508 - Perdeu
O artista é como o judeu
Lutando no mundo estranho
Que jamais lhe paga o ganho:
Se o conquistou, já o perdeu.
509 - Afloramento
O afloramento autêntico da vida
Em vez de nos levar a um maior nível,
Por demasiado vero antes convida
A achar a história por demais incrível.
510 - Poema
Um poema sempre acaba
Quando o acabas de escrever:
Do presente é a frágil aba
Em que se pendura o ser.
511 - Solidão
A solidão do poeta,
Homem entre homens, termina
Nesta verdade indiscreta:
O poeta se abomina!
512 - Expande
Eu não nego quem é grande,
Vou comê-lo, assimilá-lo
Até que por mim se expande,
Já sou eu no novo talo.
513 - Nenhum
Crenças, governos ou fados,
Ninguém nos toma o lugar:
Nós estamos condenados,
Nenhum deus nos vem salvar!
514 - Maioria
Distingue-se a maioria
De alguns poucos, dos eleitos,
Pois nunca aquela agiria,
Como estes, dos próprios peitos.
515 - Liça
A liberdade e a justiça
São causa às vezes fingida
De quem já perdeu a liça,
Não sabe viver a vida.
516 - Fonte
Olham com fascinação?
O artista secam na fonte:
- Vêem a realização,
Já não vêem o horizonte!
517 - Tirania
Tirania das ideias,
Disfarces libertadores:
Atam as massas às teias,
Ninguém já nota os senhores.
518 - Fundo
Se um analista mergulha
Por nós dentro até ao fundo,
No profeta o eco marulha
Das vozes dum outro mundo.
519 - Nasce
A vida tem tal recorte
Que nos algema os artelhos:
Um homem nasce prà morte,
Os jovens já nascem velhos.
520 - Contradição
Há funda contradição
Nas turbamultas à solta:
Crêem na revolução
Sem ninguém sentir revolta.
521 - Abarcar
Conhecer penetra fundo,
Poeta não sabe, não,
Que vai abarcar o mundo
Do lado do coração.
522 - Só
Nossa crença fica em pó
Quando a solidão ataca,
Nosso medo de estar só
Prova que a fé nos é fraca.
523 - Multidão
Um homem é mais feliz
Quando está na multidão,
Mas a multidão só diz
Dele o que é destruição.
524 - Acreditou
Um movimento se extingue;
Um homem que acreditou
É dele o porvir que vingue,
Dos demais tudo finou.
525 - Conhecimento
A análise não traz cura;
É a consciência do momento,
Do mal que nele perdura
- Que é o próprio conhecimento!
526 - Pele
Dantes tabu, avatar,
Lei agora (até da rua),
Não podemos enfrentar
O mundo de pele nua.
527 - Amanhã
Porque o ter, hoje, é quem manda,
A quantidade é rainha;
Do ser, amanhã, ciranda
A qualidade na vinha.
528 - Ritual
Os jovens são preparados,
Sempre e em todo o local,
Não do porvir para os fados,
Para a morte ritual.
529 - Causa
As causas são sempre a causa
Dos diabos encadeados:
Nós somos, de pausa em pausa,
Uns p'los outros devorados.
530 - Viagem
"Boa viagem!" - e acenamos
Ao sonho em toda a partida
E a viagem que encetamos
Corre o mundo e corre a vida.
531 - Rosto
Morte, viagem derradeira,
Começo doutra viagem:
Quem sabe qual é a primeira,
Qual o rosto, qual a imagem?
532 - Sulcos
Com os sulcos planetários
Dos espaços invisíveis,
Viajamos tensos e vários
A acertar nossos desníveis.
533 - Prata
Não é branca tanta prata
Que sonho em minha saleta,
É um disfarce que retrata
Quanto minha prata é preta.
534 - Saudade
Tenho saudade da terra
Que fica p'ra além da Terra:
Que condão tal terra tem
De ficar sempre p'ra além!
535 - Elipse
Espreitamos, por entre os alçapões,
As sendas para a vida, em toda a parte,
E mesmo nas mais nuas confissões
Existe a mesma elipse a gerar arte.
536 - Realidade
Busca um diário a verdade
Como um artista a beleza;
Excede-as a realidade
Que cada qual busca e preza.
537 - Rotas
Mesmo em águas estagnadas
Dum diário sem marés
Vivem rotas navegadas
Dos forçados às galés.
538 - Nascer
Nem toda a vida é do mar.
O artista, em busca do ser,
Cuja tarefa é criar,
Jamais consegue nascer.
539 - Espelho
Tenho de olhar tanto o espelho
Que o espelho desapareça:
Minha imagem reingressa,
Vem sentar-se em meu joelho.
540 - Cavalo
O cavalo de ontem, de freio nos dentes,
A galope foge, arrastando o passado,
E com pés de chumbo perdemos presentes,
De hoje no remanso sempre ultrapassado.
541 - Cacos
Homens mortos no passado,
Tão amados e tão fracos!
- Todo um mundo feito em cacos
A mim dia a dia atado.
542 - Labirinto
Na grande cidade às voltas,
Perdido no labirinto,
Aqui vou, as velas soltas,
A ver onde me pressinto.
543 - Margem
Para atingir outra margem,
Outra margem esquecer
É condição da viagem:
Deslumbra ao reaparecer!
544 - Sagrado
Na consciência, o sagrado
Jamais perdeu seus sentidos.
Rumando p'ra qualquer lado,
Nós é que andamos perdidos.
545 - Alcança
O desejo de viver
Corre a um fim que não se alcança,
Não de prazer em prazer,
Mas de esperança a esperança.
546 - Dragão
Devasta o meio ambiente,
A economia e o gozo,
- O Estado benevolente,
Dragão todo-poderoso.
547 - Predar
Os Incas, Maias, Aztecas
Jantavam gordas lagostas
Quando as nossas alforrecas
Lhes foram predar as costas.
548 - Floco
Nunca ninguém de si teve
A imagem de que nasceu:
Somos um floco de neve,
Ideia que cai do céu!
549 - Floresta
Um problema me dimana
Quando procuro uma alfombra
Por entre a floresta humana:
Não tem árvores de sombra.
550 - Pasto
Os homens são animais
Ao acaso pelo pasto
Saboreando os sinais,
Que Deus é pai, não padrasto.
551 - Adiado
Quem 'spera disposição
Para algo vir a fazer
Adia-se até mais não:
- Vive adiado até morrer.
552 - Pobreza
Há quem viva na pobreza
E que não identifico:
É um pobre outro, é o da avareza
Que é uma pobreza de rico.
553 - Perfeição
Quando aponto à perfeição,
No infindo a coloco, imóvel.
Porém, quando entro em acção,
Devém logo um alvo móvel.
554 - Cair
Um homem marca o porvir,
Mormente se no caixão:
- Depois da árvore cair
Vemos sua dimensão.
555 - Optimismo
Optimismo é um certo olhar,
Olhar ávido de vida:
- O melhor saborear
Quando o pior nos convida!
556 - Casa
Fora da estrada e dos meses,
Além do bem e do mal,
A casa dos camponeses
É a berma do essencial.
557 - Sorte
Saber que algo se inaugura
Ou para que é que é o mister,
É ter sorte: a vida dura
Mas então é a que se quer.
558 - Vazio
De matéria satisfeitos,
Resta um vazio no fundo
E os jovens, à vida atreitos,
Perdem o rumo do mundo.
559 - Felizes
São pobres e sem poder,
Cultivam outros matizes
Que outros deixaram perder:
- Antes querem ser felizes!
560 - Comboio
O comboio corre, corre,
Com toda a gente aos montões:
É a Terra que os céus percorre
Assim connosco aos milhões.
561 - Sinal
Sala de espera, hospital:
Antecâmara da morte,
Do cemitério sinal,
Do viço que é do recorte?
562 - Loas
Prà grandeza merecer
Loas da boca invejosa
Mau carácter há-de ter
Ou uma miséria afrontosa.
563 - Reboque
Ah! Quanto mísero escroque
Que é um imenso romancista!
Quantas vezes, a reboque,
Um faz que outro não resista!
564 - Cigano
O cigano é um passarinho,
Jamais pode viver preso:
O homem confinado ao ninho,
Só filhote - até ter peso!
565 - Meu
Não depois de que nasceu,
Que em cada folha me parto:
O meu livro não é meu,
Só foi meu na dor de parto.
566 - Iníqua
Quando rompo a lei iníqua
Nunca me sinto culpado,
Esta é a verdade conspícua:
Fico alegre e confortado.
567 - Livre
Há quem escravo em si seja
De outrem querer ter à mão:
Quando sou imune à inveja
Sou livre prà admiração.
568 - Louco
Cai o Muro de Berlim:
Livre! Será que estou louco?!
- Por bom que isto seja, enfim,
Não me muda nem um pouco.
569 - Professor
O professor ao espelho
Vê-se em missão consagrado,
Tira o novo do que é velho:
- Professor não tem pecado!
570 - Artista
Aí pelo nascer do sol
Solta os pássaros o céu:
O artista olha-os, não bole,
Com eles se vai - fugiu!
571 - Criativa
Ser pessoa é a vida viva,
Por muito que sofra apupo:
- Uma ideia criativa
Jamais emana dum grupo.
572 - Mais
Cuida do imo e da expressão,
Que de ver todos carecem:
As coisas são o que são,
Mais aquilo que parecem.
573 - Escravo
Quebras sacrílego os nichos?
Viverás vida de opróbrio:
Sempre cheio de ti próprio,
Escravo és de teus caprichos.
574 - Instáveis
Os instáveis principiam
Sem nunca acabar o sonho,
Quando ao fim se mediriam
Por quanto ali lhes suponho.
575 - Pobre
Nos bancos dos hospitais
Há um cheiro que tudo cobre:
Não são remédios, é mais,
- Ali cheira mesmo a pobre!
576 - Policial
O romance policial
Conserva-nos sob o império,
P'ra além do bem e do mal,
Dos apelos do mistério.
577 - Infância
A infância, idade divina,
Deus em imaginação:
- O herói dita a própria sina,
Do nada cria a função.
578 - Primavera
A Primavera é uma orquestra
Que nos toca a singeleza:
De repente tudo em festa,
É a fala da Natureza!
579 - Vida
A vida é uma tela enorme
Onde pousa um arco-íris:
De ti vem que lá se forme
A paisagem que seguires.
580 - Revolver
Traz-nos paz onde houver guerra,
Traz a fartura que acalma:
Como o revolver da terra,
Assim é um revolver de alma.
581 - Influente
É influente quem é e sabe sê-lo,
Mais quem o não será mas julga ser.
A influência requer estranho elo:
Quem a tem e não sabe i-la-á perder.
582 - Atilhos
Deste povo que tem voz
Vou desatando os atilhos
E atando aqueloutros nós
Que ao porvir abrem os trilhos.
583 - Fio
Na voz que este povo tem
Canto as prisões do cotio
E o fio que nos mantém
Vivos dentro deste frio.
584 - Dum
Seja cristão, comunista,
Nazi, racista ou judeu,
Se é fanático, esta lista
É dum só e mesmo labéu.
585 - Atoleiros
A prostituta é mulher,
O ladrão busca parceiros:
As flores podem crescer
Por dentro dos atoleiros.
586 - Solidão
Para aqueles mui raros que a apreciam
É a solidão na terra a maior graça,
Rica em significados que nos guiam,
Da esperança pejada onde o ser passa.
587 - Drogado
O sorriso do drogado
Tem uma faceta estranha:
Quando alguém se busca ao lado,
É a droga de si que apanha.
588 - Parar
Parar é morrer, de facto,
Mas é um lento acontecer:
Parar de aprnder é o acto
De começar a morrer.
589 - Seduz
Brota a vida e nos seduz
Com sua inteira verdade:
- É toda cheia de luz
E plena de fealdade!
590 - Limitado
Quando o tempo é limitado
E as palavras são medidas,
O essencial é que é pensado
E as escórias são banidas.
591 - Pensa
Ante um morto, se alguém pensa:
"Ele já não está aqui",
Pensa também: "eu morri,
Mataram-nos! Não compensa!"
592 - Científico
O socialismo científico
De científico só tem
O que um engano contém
De quanto o absurdo é magnífico.
593 - Atalho
Muitas vezes um atalho
É a pressa de que me valho,
Não para o que procuramos,
P'ra um lugar onde não vamos!
594 - Atitude
A felicidade
É mais a atitude
Do que a realidade
A que alguém se grude.
595 – Carreira
Por muito concorrida
Que seja uma carreira,
Há vagas na subida:
É o topo da escaleira.
596 - Comigo
Mais que a solidão faz dó,
Dói tanto que não consigo:
- Pior do que estar eu só,
É estar sozinho comigo!
597 - Cemitério
Cemitério do povoado,
Povoado de tanta loisa,
Evoca a paz dum passado,
Passado que ali repoisa.
598 - Humildes
Dos humildes pela mão
Se humilha a soberba oca
Dos sábios que nunca dão
Por que são bichos da toca.
599 - Animais
Os homens são animais
E o que estes animais são
Divergente dos demais
É que têm pretensão.
600 - Fome
Quantos mil anos de arte,
Religiões sem nome,
Sem que a infâmia se aparte:
- Os homens têm fome!
601 - Vale
Uma hipócrita humildade
Vale menos de certeza
Que um orgulho de verdade
Numa cruel inteireza.
602 - Saudades
Nas saudades do passado,
Da inocência no jardim,
De quanto ali foi rosado,
Tenho é saudades de mim.
603 - Prato
Corremos nós açodados,
Sempre como o gato e o rato,
Sem vermos, esfomeados,
Que ao fim somos nós o prato!
604 - Nada
A intriga mais descabida
É a que vivemos na estrada:
- A vida, só quero a vida,
Só que a vida não é nada!
605 - Segredo
Sempre um segredo é pesado
E mais se não dá sinais:
- Se não se partilha ao lado,
Um segredo pesa mais.
606 - Navegante
Um emprego, uma ambição,
Tanto labor fatigante,
- A eterna navegação,
Sem porto prò navegante!
607 - Fé
Aqui há três milhões de anos,
Sempre à espera, de era em era...
Após tantos desenganos,
Só a fé nos suporta a espera.
608 - Aniversários
Aniversários são festas
De sonhos que se sonharam,
E, afinal, o melhor destas
São as que ainda não passaram.