QUINTA REDONDILHA
EM QUANTO RENOVO
Escolha aleatoriamente um número
entre 609 e 713 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
609 - Em quanto renovo
Em quanto renovo
Ponho minha marca:
Tiro dentro da arca
Vinho velho e novo.
610 -
Contra
614
- Cadáver
Sou contra as
revoluções
Um cadáver será um ser
Porque são a
regressão
Que
perdeu todo o desejo.
A uma ordem que
aos
milhões,
O que é próprio de viver
Longe de abrir
soluções,
É
o movimento de ter
Lhes impõe o que
serão.
Tudo com que me protejo.
Revolução trai
assim
Desejo é satisfação
De mim quanto
houver em
mim.
Sempre que lhe como o pão.
611 -
Envenena
615 - Sentido
Entre a grandeza
dos
ideais
Um desejo tem sentido,
E a miséria da
ideologia
Não é instinto desregrado.
Vão as distâncias
principais
Significado
vivido,
Que transformam
os
sinais,
É memória contra o olvido,
Que, da noite
para o
dia,
Relação
de amante a amado.
Tornam um gigante
num anão
Ter desejo é a inteligência
Quando o poder
lhe envenena o
coração.
De
avançar com consciência.
612 -
Ódio
616 - Imortais
O meu ódio por
alguém
Nós
não somos imortais.
Não o prejudica
em
nada,
Não é uma infelicidade.
Sobre mim é que
ele vem
Se
é triste não viver mais,
Com a força que
contém
A vida faz-nos sinais
Como pedra
arremessada:
De que é nossa propriedade:
Terei de acalmar
depressa
O que importa é construí-la
P'ra impedir que
me
aconteça.
Nesta fartura tranquila.
613 -
Tudo
617 - Tempo
Um desejo é uma
carência,
O
tempo é destruidor,
Infinda
insatisfação.
Tudo nele é passageiro,
Porém, se nisto é
uma
ausência,
Mas
é também construtor
É também a consciência
Que fecundo, com amor,
De que temos tudo
à
mão.
De
pão nos enche o celeiro:
O desejo é
juventude
Cobre-o da alegria a teia,
Em busca de
plenitude.
Nele
o mundo se arroteia.
618 - Marca
É a guerra, o racismo, a fome
O que marca a sociedade.
Que tal rumo a vida tome,
Sendo tragédia sem nome,
Jamais é toda a verdade;
- Questão não é se isto existe,
É que muda, se se insiste.
619 - Impaciente
O desejo é inteligente,
Imaginativo a mais,
Mas também impaciente:
Quer tudo imediatamente
E as ilusões são normais.
De conflitos cai num pego,
Que entregue a si fica cego.
620 - Aprende
Desejar também se aprende,
Que aprender, no fim, consiste
Em desvendar o que rende
E como em quanto nos prende
Convém ter o que persiste,
Encaminhando o desejo
Rumo ao que na vida almejo.
621 - Espontaneidade
Não se trata de deixar
Em sua espontaneidade
O desejo caminhar.
A tarefa de educar
É de lhe emprestar vontade.
Então pondera e decide:
Quem quer bem jamais agride.
622 - Domínio
Pôr o freio no desejo
É a reflexão a intervir
Informando que no brejo
Bramam feras cujo harpejo
Nos mata qualquer porvir.
Quanto mais meu pensar alço
Mais poupo os passos em falso.
623 - Parceiro
A educação desenvolve
Senso de felicidade,
Na alegria nos envolve
Em que o desejo revolve
Dogmas mortos por verdade.
Um desejo verdadeiro
Da inteligência é parceiro.
624 - Arma
As pessoas em concreto,
Quando educadas, despertam
A alegria do que é recto,
Já que esta jamais tem tecto
Se os saberes não se acertam.
Desejo que não é vão
É que o arma a educação.
625 - Encontra
Conhecer é um instrumento
Do educador prà criança,
Não é um último argumento:
Ser criador não é intento
Que com este ao fim se alcança.
Do que a vida põe na montra,
A alegria é quem me encontra.
626 - Sabor
A educação que formar
As gerações do futuro
Não as vê só a trabalhar,
Visa o desejo, o gostar,
Salta para além do muro.
Pelo trabalho ela as guia
Para o sabor da alegria.
627 - Máquina
Se a escola só dá instrução,
Transmitir conhecimentos
Vai ser sua ocupação.
Fica fora a educação
Que é ser tendo sentimentos.
A máquina que isto gera
De humano tem só uma fera.
628 - Liberdade
Toda a nossa liberdade
É a de dar sentido à vida
E assentar nesta verdade
O rumo a dar à vontade
Que ordena o mundo em seguida.
Assim crio meus valores:
Ganho e espalho minhas cores.
629 - Solitário
Estamos sempre sozinhos
Na escolha fundamental:
Ser adulto é, sem carinhos,
Responder por pães e vinhos,
Solitário, até final.
Só assumindo este calvário
Com os mais sou solidário.
630 - Recíproco
Sem os outros não existe,
Deles vem reconhecido,
Recíproco é que persiste
E de mãos dadas resiste
A dissolver-se no olvido.
Tal é de homem a consciência:
- Dos mais me vem a existência.
631 - Distintas
As culturas são distintas,
Não a civilização:
Ciência e técnicas pintas
Mundo além com iguais tintas.
Culturas são o que são:
- Se aqui crês e te acostumas,
Além nem vês a que rumas!
632 - Nunca
Os homens são tão diversos
Que as culturas que resultam
Divergem como dois versos
Sobre os mesmos universos
Que um ao outro assim se indultam.
Mesmo lendo o que tu lês,
Não vejo o mesmo que vês.
633 - Instruir
Instruir será eficaz
Se for transmitir saberes.
Uma criança capaz
Sabe o que o seu mundo faz
E é capaz de iguais fazeres.
Tem a cabeça arrumada,
Pode enchê-la e vir prà estrada.
634 - Educar
Se se trata de educar,
É funda a dificuldade:
Como a virtuda ensinar?
Inseguros, se calhar,
O que se logra, em verdade,
É que educador primeiro
Seja o próprio e não terceiro.
635 - Estertores
Dissolução do sagrado,
Enfraquecer dos valores,
Autoridade um bocado
Hesitante em todo o lado
- São do mundo os estertores.
Neste emmeio, há liberdade?
- É a responsabilidade.
636 - Igualitário
Um ensino igualitário
Promete o que ao fim não dá:
Não faz este erro primário,
Tudo nele é fado vário,
Cada qual fica onde está.
Se o fizera, o metro igual
Da prisão tem sempre o mal.
637 - Igual
Uma educação igual
Desenvolverá o melhor
Onde dele houver sinal,
Revelando cada qual,
A cada dom seu valor.
Não uniformiza a via,
A todos diferencia.
638 - Carneiro
Ao me instruir me igualizo
E, nesta uniformidade,
A mim não me realizo,
Sou o carneiro do guizo
Entre o rebanho da herdade.
Só me formo até ao fim
Se a mim é que alcanço em mim.
639 - Relação
A liberdade e o poder
Jogam ao agarra-agarra.
Se não se desenvolver
Vai aquela perecer;
Crescendo é que nos amarra.
Poder é dominação?
- Mais domina a livração!
640 - Fins
Nos políticos procuram
Que lhes revelem seus fins,
Não vendo que assim descuram
A mezinha em que se curam
Suas frustrações afins:
Não é de fora que posso
Programar quanto for nosso.
641 - Modelo
Educar não tem modelo,
Que não há modelo de homem.
Educa quem faz apelo
Ao mais íntimo e singelo,
Que dentro o educando tomem:
- Um modelo modelar
Infindo vai variar!
642 - Faces
Instruir e educar,
Duas faces da moeda.
Nunca irei comunicar
Se não souber meu lugar,
Se a mente mantiver queda.
É nos saberes que mais
Me encontro a mim e aos demais.
643 - Submissão
Libertar-nos do sistema
De habituar os alunos
À submissão, ainda é o lema
De quem busque um novo tema.
Os temas só, porém, unos
São se a nova liberdade
Gerar nova autoridade.
644 - Mal
O mal vem-nos da ignorância:
É tornar o homem melhor
Suprimir o mal na infância,
Prevenindo-o à distância
Com quanto preciso for.
Só que o saber pode mais:
- Até gerar temporais!
645 - Ignorância
Da injustiça e da opressão
Adubador dos maiores
É ignorarmos o que são
Quando se instauram e vão
Vida além minando dores.
Então o esclarecimento
Pode atacar o tormento.
646 - Adaptar
Adaptar-me jamais é
O mesmo do que aprovar:
Ora acolherei com fé
Ou com reservas de pé,
Ora deixarei andar...
Adaptar-me é a porta escusa
Do acolhimento à recusa.
647 - Hoje
Outrora a contestação,
Hoje a reserva interior.
Não foi uma demissão
Que aconteceu desde então,
Foi um passo superior:
- Em lugar do fanatismo,
Moderado, salto o abismo.
648 - Crescimento
O dogma do crescimento,
Produzir-consumir mais,
Não é o nosso linimento,
Panaceia do tormento
Em muindos artificiais:
- Da vida o melhor sabor
É o mesmo saber melhor.
649 - Rosa-dos-ventos
A crescer conhecimentos,
Formar consciência crítica,
Eis toda a rosa-dos-ventos,
Deriva dos elementos
Que nos livrou da alma mítica.
Formar alguém é a ignorância
Matar à primeira instância.
650 - Esforço
Aprender requer esforço,
Esforçar-se é sofrer mais.
Mesmo para um breve escorço,
Se me movo, o corpo torço
E os custos são bem reais.
Questão não é que se pena,
Questão é que valha a pena.
651 - Igualitarismo
Há certo igualitarismo
Que força à desigualdade.
Se não há escolhas, o abismo
Entre o que tenho e o que cismo
Pende da sociedade:
- Quem tem apadrinhamentos
Passa os mais, ganha os proventos!
652 - Sorte
Que sorte a do cientista,
Com quantas certezas lida!
Quanto a mim, por mais que invista,
Sempre há um dado que resista,
Sempre o incerto me liquida.
Invicta, sempre a mim presa,
Dúvida é a minha certeza.
653 - Particular
Educar numa visão
É crer no particular,
Seja uma religião,
Seja uma mundivisão
Que se quer ver a reinar.
Como não é universal,
Será a guerra o seu fanal.
654 - Essencial
Um homem só será um homem
No dia em que ultrapassar
As religiões que o domem,
Os partidos que o consomem,
Toda a fronteira e lugar.
Reduzido ao essencial,
Descobre os mais como igual.
655 - Confie
Apenas alguém que à partida
Não seja a mão duma seita,
Duma igreja, duma ermida,
Nem duma pátria erigida,
Nem pense nesta maleita
Dum sistema que nos guie
- Leva a que nele confie.
656 - Adapta
Na forma tradicional
A educação nos adapta
A vivermos tal e qual
Na sociedade em geral,
Todos da forma mais apta.
Tudo nela faz que iluda
Um mundo que, afinal, muda.
657 - Amanhã
Não podemos educar
Para um mundo que não há:
O além como adivinhar?
Mas posso criar lugar
Para o amanhã que virá.
Quando o sonho, eu abro a leira
P'ra que o educando o queira.
658 - Diferença
O direito à diferença
Não pode justificar
Que um mundo tenha mantença
E que outro nem se pertença
Nem encontre aqui lugar.
Diferenças há sem jeito
A que ninguém tem direito.
659 - Une
Sobre aquilo que nos une
E não no que nos divide
A educação nos reune.
E a tudo o que nos desune
Tolera, mas não decide.
Se os ideais, as fés separem,
- Que então disto as aulas parem.
660 - Capaz
Qualquer criança é capaz
De procurar a verdade.
Mesmo latente, aliás,
Isto em gérmen é o que faz
Saltando de idade a idade.
Um homem que dorme é um dado
Nisto igual ao acordado.
661 - Fora!
"Política em aulas, fora!"
- Grita-se hoje, com razão.
Pior é que vai-se embora
A questão que nos devora
De o poder pôr em questão.
Aula política? Não.
- Política em reflexão!
662 - Disponível
A criança é disponível,
De abertura universal,
Crença ou raça tudo é cível,
Toda a gente é de seu nível,
O saber quer todo igual.
Para haver um mundo em dança
Tudo tem de ser criança.
663 - Confundo
Quando ministro saberes,
Eu transmito segurança.
Se das crenças meus haveres
Junto ali, confundo os seres,
Confusa afundo a criança:
Na educação arbitrária
Torno a criança sectária.
664 - Criança
Criança não tem fronteiras
Por isso o adulto tem medo.
Quando ela lhe faz asneiras,
São as pegadas primeiras
Onde o adulto parou quedo.
Formar crianças? Janelas
Mais no-las abrirão elas!
665 - Época
De época alguém se mudar
É mudar-se de pensão,
Ir dum a um outro lugar?
Ou não será, se calhar,
Invertendo a posição,
Por muito que não me apraza,
Que o que muda é a própria casa?
666 - Cepticismo
Vivemos de cepticismos,
Que de antanho os grandes sonhos
Cavaram-nos mais abismos
Do que quantos cataclismos
Nos atingiram medonhos.
Fanaram-se as utopias.
Como guiar nossos dias?
667 - Mapa
Duvidamos dos projectos
De ideologias e fés,
Nossos passos são concretos
Debaixo de actuais tectos,
Atentos a nossos pés.
Não há mapa do tesoiro,
É o cotio o bom agoiro.
668 - Incerteza
Nas épocas de incerteza
Sobre nossos objectivos,
O educador que se preza,
Sendo do desnorte presa,
Escolhe entre rastos vivos
Da vida a finalidade,
Nela aduba a actividade.
669 - Acaso
Saber de homens não seria
Dos homens todo o saber,
Já que somos fantasia
Duma evolução tardia,
Mero acaso a acontecer.
Ao pensar, quem por mim pensa
É o cosmos que em mim se adensa.
670 - Profissional
Educar e preparar
Para ser profissional
Não podem andar a par.
Convém ir, mas devagar,
Abrir do emprego o portal.
A profissão fecha e aperta
Quanto a educação liberta.
671 - Sistema
Um sistema educativo
Não se reforma de fora,
Opera como um ser vivo:
De fora vem-lhe o motivo,
Por dentro é que se elabora.
Se quiser que amadureça
Dou força ao que o desimpeça.
672 - Parto
Um saber de opinião
Dentro duma sala de aula
Nem chega a ser diversão,
É tortura de prisão
Que as feras solta na jaula.
Um diálogo é exigente,
Dói como parto de gente.
673 - Rigoroso
Um saber bem rigoroso
É o que hoje deseja a escola
Suando bem este gozo
Contra o mito preguiçoso
De quem tudo à festa imola.
Quem quer tão fundo aprender?
- Alguns são que querem ser!
674 - Diverso
"Faça como toda a gente!"
- Sussurra a publicidade.
Não lhe importa que, demente,
Em molde único consente
Meter toda a sociedade.
Quando formar é, afinal,
O diverso em cada qual.
675 - Modo
Poder fazer doutro modo
Com tudo aquilo que é dado,
Ao formar-nos, é o engodo
Que nos faz tentar o todo
Sempre além do que é ensinado.
Outro mundo desde já
Só quem é, pois, o fará.
676 - Abafa
A criança é o outro lado
Que o adulto já não é:
A caixa vira atrelado,
Rodovia é um encerado,
Na corrida arma um banzé.
E mal vai da educação
Que em nós abafa a ilusão.
677 - Nem
A educação conformista
Fabrica-nos em cadeia.
Ao invés, a que é alarmista
Elimina a comum lista,
Fecha as portas à colmeia.
Acolá viverei ontem
E esta faz que nem nos contem.
678 - Arma
Educação de verdade
Transmite o saber mostrando
Que é disponibilidade,
Não obriga, não invade,
E que nos liberta quando,
Bem contra o constrangimento,
Nos arma a cada momento.
679 - Modelo
A família, como a escola,
Ambas elas reproduzem
O modelo a que se imola
Quanto do sonho se evola
E conformes nos conduzem:
Em tudo quanto as descansa
Encarceram a criança.
680 - Esterilizo
Em nome do utilitário,
De quanto com ele ganho,
Esterilizo, primário,
Quanto no saber for vário,
Onde o porvir tem tamanho.
Um saber sujeito ao ter
Amanhã mata meu ser.
681 - Oculta
Um pensamento liberto
Que se quer bem criador
Trabalhará de si perto,
Contra si sempre desperto
Para não sofrer senhor.
Seu meio, porém, oculta
Sempre esta voz insepulta.
682 - Pervertida
A crítica pertinente
Jamais perverteu ninguém.
É um ensino prepotente
Que a juventude inocente
Sob o calcanhar mantém:
Conformista e demitida,
Ele é que a quer pervertida.
683 - Secular
Hoje as nossas convicções
Não têm braço secular
P'ra se impor às multidões.
Hoje são nossas razões
Que temos de argumentar.
Cada qual tem de escolher
Tão livre como qualquer.
684 - Erguemos
Acreditar no que creio,
Sabendo que, aqui ao lado,
Outro qualquer, sem receio,
Convive com outro meio
E dele talha outro fado,
Sem que ambos nos guerreemos,
- Nisto é que Homens nos erguemos!
685 - Tolerância
Saber que outrem tem sentido,
Sentido que não colhemos,
Respeitá-lo no vivido,
Enquanto, firmes, o crido
Em que nos reconhecemos
Mantemos, é a tolerância:
- É o porvir já aqui na infância!
686 - Menoridade
Não se deve impor escolhas
Se se quer educar bem,
Mas que informação recolhas
Dentre a qual depois acolhas
O que de ti faça alguém.
No campo da liberdade
Sanções são menoridade.
687 - Futuro
Educar tem um futuro,
Não só por ter amanhã,
Mas porque agora inauguro
Um salto p'ra além do muro,
Dou já fruta temporã.
É o futuro, sim, desde hoje,
Rumo ao infindo que foge.
688 - Trepa
Descubro, primeiro, a morte.
Depois ponho-me a educar
Sabendo que tal é a sorte
E que não há passaporte
Para outro qualquer lugar:
Enquanto nos dura a vida
É que se trepa a subida.
689 - Porvir
Educar para o porvir
Não é gerar Outro Mundo,
Que, se um dia houver de vir,
Tão outro se há-de vestir
Que nos vira até ao fundo.
Porvir à nossa medida
É dar rumo nosso à lida.
690 - Progresso
Há dois tipos de progresso,
Um que transforma o cotio,
Outro que tenta o sucesso
Só se garantir o ingresso
Do infindo no desafio.
Se o primeiro nos alegra,
Rompe este e nos desintegra.
691 - Melhoria
A ideia da melhoria
Desta condição humana
Não é projectar a via,
Sempre uma vã fantasia,
Que ao divino nos irmana.
Como o Além ninguém trespassa,
Tentá-lo só traz desgraça.
692 - Jamais
Há males, por mais que avance,
Que jamais irei suprir,
Que, por muito que me canse,
Farão parte de meu lance
Precário, bem lento a ir.
Posso vencer a doença,
Que a morte não há quem vença.
693 - Demais
Quando queremos demais
É de menos que vivemos,
Dão-nos as guerras sinais,
Racismos, lutas tribais,
De que à solta andam os demos.
Pretender o céu na terra
Paz não traz, traz-nos a guerra.
694 - Possível
Viver o melhor possível
Requer uma educação
Que melhore nosso nível
No poder do que é factível
E não na endoutrinação.
Não há reino de valores
Senão sem inquisidores.
695 - Aparência
Por detrás duma aparência
De sentido, que sentido?
De ordem qualquer evidência
Evidencia-lhe a ausência,
Tudo é fruto proibido.
Conhecer é a descoberta
De que sou só a porta aberta.
696 - Sentido
Numa instância derradeira
Se não há sentido algum,
Nada implica que a primeira
Fique sem um rumo à beira:
Sentido não há só um.
Ao enfrentar os problemas,
Forjo as armas de meus temas.
697 - Infantilização
Uma infantilização
Reina no reino do ensino:
Adultos crianças são
E adolescentes irão
Sofrer o mesmo destino.
Que é que a criança mais cansa?
- Ser tratada por criança!
698 - Consenso
Para que a cidade exista
Há um mínimo de consenso:
Que entre as tradições persista
No diverso a comum pista
Onde com os demais penso.
A fonte que o alimenta
Assim cada qual sustenta
699 - Dispensa
Quando uma escola dispensa
Abordar qualquer valor,
Quando nas crenças não pensa,
A ideologia é suspensa,
Qual será o rumo melhor?
Cria peritos em massa,
Ninguém vai ver p'ra que o faça!
700 - Sucesso
O segredo do sucesso
Difícil é de tão fácil:
Não busques cego o progresso,
Que a melhor via de ingresso
É que os outros acham grácil
Que tu dês o teu melhor
- Isto é o que te dá valor!
701 - Recomeçar
Recomeçar principia
Quando a nós próprios dizemos
Que aquilo que se fazia
Atingiu o fim da via,
Nada mais dali queremos.
Ao contrário, começamos
Noutro rumo o que acabámos.
702 - Razão
O direito de fazer
Seja lá bem o que for
Jamais é o mesmo que ter
Razão para proceder.
O direito e o valor,
Tendendo a seguir a par,
Não ocupam só um lugar.
703 - Sabes
Os outros querem saber
Até que ponto, primeiro,
Te preocupas a valer
E só depois de isto ver
Se baterão por inteiro,
Antes que tu próprio acabes,
Por saber o que tu sabes.
704 - Fito
Como iremos descobrir
Que vai ser nosso amanhã?
As pegadas do porvir
Não há como conduzir
À Primavera louçã?
- Que devirá nosso ser
Nosso fito o irá dizer.
705 - Dois
Sempre dois lados em briga
Se confrontam mundo além.
Qual o segredo que diga
Como é que se aos dois obriga
No inimigo a ver alguém?
- Ouvindo os dois se afiança
Que haverá sempre esperança.
706 - Preguiça
Preguiça é viver cansado
Só de pensar que se cansa,
Parar no introito do fado
Sem o haver ainda cantado,
De medo do que ele alcança.
Ter preguiça é descansar
Antes de cansado andar.
707 - Lado
Se lutámos com manguais
Não nos interessa ao fim,
Ou com murros, ou punhais,
Ou com meios desiguais,
- Nisto não me encontro a mim.
Importa, tudo somado,
É, se lutar, de que lado.
708 - Paga
A paga que melhor vem
Das mais que nos paga a vida
É o facto de que ninguém
Que, sincero, ajude alguém
Fica sem paga devida:
- Não se ajuda outrem a esmo
Sem se ajudar a si mesmo.
709 - Dinheiro
O dinheiro muda tanto,
Muda tanto nas pessoas,
Que não encontro recanto
Que fique imune ao encanto
Quando ele lhe canta as loas:
Muda tanto a gente então
Como então muda de mão!
710 - Sobre-humano
Errar é humano, decerto,
Tanto ao saber como ao ser.
Por mais que alguém more perto
Da verdade, é no deserto
Que sempre há-de ao fim viver.
Humano é cair no engano,
Confessá-lo é sobre-humano.
711 - Talentos
"Corrige tuas fraquezas!"
- Sugerem por todo o lado
Sem verem quantas despesas
Este rumo aconselhado
Requer a nossas defesas.
Mais importa envolver mais
Os talentos pessoais.
712 – Pesadelo
Quando a vida é dolorosa,
Sonhemos num pesadelo:
Ao torturar-nos, entrosa
A dor com quanto se goza
Quando se acorda singelo.
A vida é menos avara
Se a tal sonho se compara.
713 – Acção
Se se faz a boa acção,
Há sempre quem a ache má.
Queira embora com razão
Todo o bom de quanto é bom,
Não há bem onde bem há.
Quando se faz bem a uns,
Isto é o mal doutros alguns.