DÉCIMA REDONDILHA

 

 

CADA VEZ MAIS SOLTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 1137 e 1288 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu da de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1137 – Cada vez mais solto

 

Cada vez mais solto,

Mesmo em pé quebrado,

No canto exaltado

É a mim que ao fim volto.

 

 

1138 - Receio

 

O meu receio, mulher,

É, de repente, um par de asas

Em teus ombros florescer

E do fogo em que me abrasas

Nada mais remanescer

Que a solidão destas casas

E tu, longe, a amanhecer

Noutro mundo a que pertences...

- E assim, vencida, me vences!

 

 

1139 - Espada

               

Só o amor abre uma estrada

A que o coração adere.

O rei vence pela espada

Mas a espada é o que nos fere

E assim fechamos a entrada,

Jamais nos tem como quer.

A espada encurrala e aperta;

O amor solta-nos: liberta!

 

 

1140 - Jovem

 

Jovem, o orgulho imagina

Que os leões nos obedecem,

Que os olhos ditam a sina

A quantos nos estremecem.

 

São, depois, os desenganos

O que nos fica do anos...

 

Sábio é ter a humildade

Que os bem provados arcanos

Nos ensinam com a idade.

 

 

1141 - Controla

 

O destino de milhares

Controla que nunca viu,

Tão rico que não tem pares,

A terra e o céu removeu

Mas, por fados singulares,

De ansiedade se tolheu.

 

Por isso nem se conhece:

- Dos seus e de nós se esquece!

 

 

1142 - Gratuitamente

 

Com o dinheiro eu comprava

Tudo quanto desejava.

Mas em cada aquisição

Gratuitamente me dão

O que jamais eu pedira

E que dentro corroía,

E em minha alma se embaíra

Lento e lento, dia a dia.

Tanto assim me transformou

Que a compra não é, por fim,

A que comecei por mim:

- A mim é que me comprou!

 

 

1143 - Incapazes

 

Incapazes de fruir

Quanto vem do mundo novo,

Adiamos o porvir

Só porque ele é diferente.

Morre em mim tudo o que inovo

Por não haver quem o sente.

                                                               

Porém, quando alguém explica

O que isto é, do que se trata,

Tudo então se simplifica,

Já a novidade se acata.

 

Não confiamos nos sentidos,

Pendemos do que outrem diz.

E assim é que de mim fiz

Mera voz de ecos perdidos.

 

 

1144 - Livros

 

Livros, montes de papel,

Donde vos vem tanta vida?

Vem da magia do anel

Que a folha ainda não delida

Traça desde o meu tropel

Ao repouso da guarida

Onde visto vossa pele.

 

Saio de mim, entro nele:

O livro abre-me a avenida

Por onde o sonho me impele

E além-mundo me convida!

 

 

1145 - Sacrifica

 

Não é herói quem sacrifica

A vida pelo seu povo

Se a só causa identifica

A um princípio de renovo:

 

Mais covarde do que herói

Normalmente é o que o pratica,

Que em rebanho sempre foi

Quanto agir o justifica.

 

Lutar pela vida, em norma,

Conduz a perder a vida,

Mormente se toma a forma

De crença ou bandeira erguida.

 

Viver a vida nas massas

Não é nunca heroicidde,

Nem se nisto a morte passas,

Que perdeste a identidade.

 

 

1146 - Luta

 

Sempre é a verdadeira luta

Por vida mais abundante

E jamais a vã disputa

Do traidor que hoje disfruta

Do que iludiu desde infante.

Seguem-no milhões diante?

- Os passos mostram a fruta:

Um pigmeu não é um gigante.

 

 

1147 - Permanente

 

Nesta luta permanente

Da vida por ser mais vida

O que se torna premente

É o alimento,  a bebida,

O trabalho. E é tão banal

Que não se encontra semente

Do que nos dava o sinal

Que faria de nós gente.

 

 

1148 - Obra

 

Um autor escreve uma obra,

Com ela fugiu à vida.

Como a vida ali desdobra,

A uma outra vida convida.

Volta ao ponto de partida,

Que a si fugiu, não ao mais.

Inadaptado ademais,

Agora é a vida, por cima,

 

Comungando-lhe os sinais,

Que vive como obra-prima!

 

 

1149 - Peso

 

Este silêncio entre nós

É o peso que as coisas têm

À procura de ter voz.

E o peso em nós as retém.

 

Não conseguirão sair

Se as não tornarmos pequenas:

Vamos a fome sentir,

Do frio fremir as penas.

 

Readaptado ao cotio,

Sorvendo o calor do sol,

É que preencho o vazio,

De novo em mim tudo bole,

 

Brinca uma réstea no friso,

Por mim dentro estala um riso.

                                                                                               

Este silêncio entre nós

É o peso que as coisas têm

À procura de ter voz,

De falar por nós além.

 

 

1150 - Medo

 

Desvenda o segredo,

Espreita nas luras!

Quando alguém tem medo

Não fica às escuras:

Analisa bem,

Tenta compreender.

- Só depois alguém

Podes socorrer.

 

 

1151 - Pé

 

O mundo não é perfeito,

Por vezes é monstruoso.

Alegrias, a despeito,

Tem e momentos de gozo.

Todos eles ali estão,

Não pedem actos de fé,

Porém, com a condição

De nos mantermos de pé.

 

 

1152 - Olhos

 

As coisas não são as coisas,

Nem sequer estão presentes:

Os olhos que nelas poisas

São olhos de com quem vives

Mais os dos que estão ausentes,

Tais nas coisas os cultives.

As coisas não são as coisas,

São quanto nelas revives.

 

 

1153 - Crises

 

A economia tem crises

E que são crises de excesso,

Ao contrário do que dizes:

É quando expansão lhe peço

Que lhe desgraço as matrizes.

Só lhe venço as cicatrizes

Se contenção lhe mereço.

 

 

1154 - Visita

 

Os velhos amigos têm

Tendência p'ra aparecer

Sem sequer nos avisar,

Quando embrenhados nos vêem

Numa outra coisa qualquer:

A felicidade, a par,

Como nossa velha amiga,

Só vem quando a não persiga.

 

 

1155 - Peso

 

Quando se afastam calados

Transportando o próprio peso

Sobre seus ombros vergados

É que, assim bem humilhados,

Ultrapassam o desprezo

Que de si mesmos merecem

- Os que do perdão se esquecem.

 

 

1156 - Somos

 

Somos fortes, abalamos

Montanhas com nossos braços,

Mas se uma topada damos

Ficamos logo em pedaços!

 

Generoso, o coração

Partilhamos com um cão

Por um pedaço de fome.

Mas, enquanto ele nos come,

 

A um órfão faminto e peco

Roubaremos o pão seco.

 

Quão grandes somos! Tocamos

Co'a cabeça nas estrelas!

E tão baixos, tocaiamos

O excremento das cadelas!

 

Somos antigos e vamos

Ao passado mais distante

E tão novos que nem damos

Por quem nos está diante.

 

Tão intrépidos, morremos

Por um pano atado a um pau!

Covardes, nem passaremos

Nosso coração a vau!

 

Somos tudo e somos nada,

Parasitamos o mundo,

Hesitamos na passada:

- Quem seremos nós no fundo?

 

 

1157 - Professor

 

Profissão de professor

A agir dentro das crianças,

A fermentar o futuro,

De quem encanta é o valor

Mesmo quando a não alcanças,

Discreta agindo no escuro.

 

Ausência sempre presente,

Nem dela ouvimos falar

Quando nela tudo assente:

Respiramo-la como ar!

 

 

1158 - Cumulativas

 

Crês que os nervos são pequenos,

Que as perdas são relativas.

As horas de sono a menos

São sempre cumulativas.

 

Sempre os minutos são poucos,

Da primavera ao inverno,

E fazes ouvidos moucos?...

- Acabas no sono eterno:

 

As horas assim perdidas

Pagam-se sempre com vidas.

 

 

1159 - Pérola

 

A pérola de cultura

É o que está dentro de ti

À espera que a tua altura

Mostre de vez, sem usura,

Se em ti vales o que vi.

 

Tua ostra é o mundo inteiro,

Cultiva-o, que o mundo assim

Será mais que o teu dinheiro,

Serás tu até ao fim.

 

 

1160 - Adestrar

 

Experimentar ideias

Como adestrar instrumentos,

Se nos faz perder as peias

Também nos prende nas teias

Dos levados a tormentos,

- Números sem sentimentos

Perdidos nestas colmeias!

 

 

1161 - Árvore

 

Árvore do bem e mal,

Como podes ser só uma?

A mesma seiva, tal qual,

E as raízes por igual

Nos mergulhando na espuma

Do sangue e do coração.

- Bem e mal um doutro, em suma,

Como se distinguirão?

 

 

1162 - Escória

 

O estranho da escória humana,

Como de tudo o que é fútil,

É que, quanto mais inútil,

Mais se defende e me engana.

 

E eu fico sem a certeza

Se é o inútil ou é o útil

Que a gente por fim despreza.

 

 

1163 - Grito

 

O grito da solidão

Do fundo de qualquer um,

Por mais que do mundo irmão,

Não despoleta eco algum...

 

É o grito a pedir perdão:

 

Perdão por sonhar o infindo

E falhá-lo, o prazo advindo.

 

 

1164 - Espanto

 

É no espanto que começa

Todo o sonho e fantasia.

Também é a primeira peça

Em que a angústia principia.

 

Se não me espantar de nada

Toda a dor anularia,

Mas começava a agonia

De parar a caminhada.

                                               

Entre a noite e a madrugada,

Onde escolher o meu guia?

 

 

1165 - Medida

 

Cultivar a vida

P'ra que se dilate

Nunca a vida abate.

Em toda a medida

A vida é combate

Em que as armas são

Arte e coração.

 

 

1166 - Disciplina

 

Com pensada disciplina

A arte condensa o esforço.

Com penúria nos inclina

A tudo quanto domina

A sobriedade: o escorço

Da obra que se quer divina,

Quando vivemos a sina

De só dela ter remorso.

 

 

1167 - Pobres

 

Todos que se julgam nobres

E não têm nobreza de alma

Desprezo-os porque são pobres

A ponto de que lhes cobres,

Sem que eles percam a calma,

O que cada qual mais ama,

Tanto o desprezam na lama!

 

 

1168 - Espada

 

Palpo a cabeça dorida,

Mancho os meus dedos de sangue,

Mas, se me doi a ferida,

Mais dor de alma, mais exangue

É não encontrar guarida

Entre vós que me feristes

Sem tentar compreender-me

E o sonho comum traistes

De nosso convívio inerme.

 

Quem, após a derrocada,

Alça a mão sem uma espada?

E quem, ante este sinal,

Fecha um punho sem punhal?

 

- A dor que fundo mais dói

É o possível que não foi!

 

 

1169 - Dói

 

O ponto mais doloroso

É que quem me proporciona

O amor mais delicioso

Logo além revela à tona

A existência da mentira

E a capa do fingimento

Mesmo que p'ra que não fira

O melhor do sentimento,

 

- Que ninguém é do tamanho

Do sonho com que me amanho

E assim vou agradecer

Tal traição que me faz ser.

 

O que doi é a maravilha

De a mentira ser verdade

E de nos abrir a trilha

Em que, rumo à imensidade,

A mentir nos construimos

E, ao tropeçar, não caímos:

Por aí mesmo é que vamos

E a verdade ao fim achamos.

Que mistério é que preside

À insensatez desta lide?

Quem me garante que ao fim

Não me perderei de mim?

Quem vou ser, ao fim e ao cabo:

Serei Deus ou o Diabo?

 

Que é que me mantém de pé?

Serão ocos sonhos meus?

No fundo, é uma aposta: é a fé

Que diz que ao fim serei Deus.

 

Na duplicidade terna,

É uma ilusão derradeira

A que em vez de vida eterna

Me pinta como moderna

A mais antiga canseira:

A de espreitar ao postigo,

Sem saber nem o que digo!

                                                                                                               

E, apesar de marcar passo

Sempre à espera dum abrigo,

O que nisto infrene faço

É riscar no tempo um traço

Pelo qual sempre me sigo:

Vergarei um dia o espaço

E terei o que persigo,

Atingirei o tamanho,

Tamanho do meu abraço,

Tamanho que hoje não ganho

Na espera deste compasso.

 

Ninguém disto desespera,

Corre o grito de era em era:

- Enquanto não ocorrer,

De pé estou, daqui não passo,

Morra lá quanto morrer!

 

 

1170 - Solitário

 

Súbito faísca o rosto

Duma alegria secreta

Mas ninguém vê o pensamento:

Solitário no seu posto,

Autoridade secreta,

Cada qual doma o elemento

Em que ele salta por vezes,

 

Pois cada qual é o pastor

Cujo cajado põe ordem

Nas desordenadas reses

Dos pensamentos que acordem

A promessa em nós do alvor.

 

 

1171 - Memórias

 

Um homem de si transborda

Na recordação de alguém

Quando aqui e além acorda

Memórias que dele têm.

Assim se espalha no mundo

Como uma alga semeada

E o solo torna fecundo

Desta presença velada.

 

É nisto que um homem é

Mais que a planta de seu pé.

 

 

1172 - Caminho

 

O que mais me deixa absorto

Quando alguém morre é o caminho

Unir-se ponta com ponta:

Conduzido pelo morto

Como um rio, o que adivinho

É ser lixo em qualquer porto,

Que qualquer um tanto monta.

 

 

 

1173 - Evento

 

Um evento assim tão grave

Não pode ser verdadeiro

Dum momento para o outro!

Ontem ainda, grácil ave,

Contava um conto brejeiro.

Como falta agora ao encontro?!

Um telegrama não chega,

Mesmo neste assunto imundo,

Só porque uma morte adrega,

Para assim mudar o mundo!

 

 

1174 - Porta

 

Quando alguém morre, uma porta

Durante uma vida aberta,

Aos frios constante alerta,

Fecha de vez a comporta

E onde se gera o vazio

Ergue-se, triste e tranquilo,

Como na esteira dum rio,

De saudade um brando fio

Que às aves dá um novo trilo.

 

 

1175 - Passo

 

Um passo à frente de alguns,

Um passo atrás dos demais,

Não seguirei com ninguém.

Nesta tarde de jejuns

Tropeçarei nos portais,

Mesmo a morrer sou alguém:

- E ninguém mais, ninguém mais,

Ninguém mais serei também!

 

 

1176 - Luz

 

Sonhos são iluminados

Pela luz que lhes é interna.

Quando o sol entra p'los lados,

Pelos buracos cavados,

Esvai-se a luz que era eterna

 

Para então, esvaziados,

Os sonhos nesta lucerna

Viverem arremedados,

Mesmo quando a luz madrasta

Os põe mais iluminados:

- É que luz só não lhes basta!

 

 

1177 - Morte

 

O ser trágico da morte

Só se pode compreender

Se se quer uma outra sorte:

- A vida feliz viver,

Qualquer que seja meu norte,

Sem perder meu passaporte

Nem um corte me abater.

 

 

1178 - Magia

 

Todo o truque de magia

Aquilo que tem de mágico

É o que não é mas seria

Se não fora a fantasia

Cometer um erro trágico.

 

Dista um adulto da infância

Dum simples erro a distância

E ao corrigi-lo pagamos

Por longas dezenas de anos

O que em tão poucos sonhámos

E depois são desenganos.

 

Só que a adultez é talhada

Deste sonho feito carne

E algum dia, revoltada,

Ainda há-de rasgar a estrada

Em que a magia se incarne.

 

Sem truque, mas de verdade,

Embora não adivinhe

Nem como nem com que idade

Deste Universo cozinhe,

Com que espécie de vitualhas,

Um mundo de maravilhas

Neste que é de maravalhas.

 

Sei que as magias são filhas

Do reino do coração:

- Um dia hão-de estar à mão!

 

 

179 - Imãos

 

Tu sofreste e eu sofri,

A dor fez de nós irmãos.

Nosso pensamento aqui

Se acresce por nossas mãos:

                                                               

- Selou-nos com o sinal

Que exorcisa todo o mal.

 

 

1180 - Jamais

 

Se ouvidos der à razão,

Eu jamais namoraria,

Jamais amigos faria

E jamais me meteria

Em nenhum negocião.

 

Então deviria cínico

E o disparate é tamanho

Que me torno um caso clínico.

E, afinal, qual é meu ganho?

 

Para talhar meus inícios,

Indómito hei-de saltar

E minhas asas ganhar

Ao descer nos precipícios!

 

 

1181 - Causa

 

Quando por uma causa perdida lutamos

Com toda a força nós ganhá-la costumamos.

 

Os que refutam esta opinião

Como optimista então me apodarão.

 

Quem tem razão é sempre o pessimista,

Mas que prazer traz seu ponto de vista?

 

Ser optimista é o porvir ver incerto

E ter medidas p'ra que fique perto.

 

 

1182 - Entusiasmo

 

Nem o fogo na floresta

Incendeia como a festa,

Nem o prazer que há no pasmo

Corre como o entusiasmo.

Ele remove montanhas

Quando a força dele ganhas

E até cativa, entrementes,

Os menos inteligentes.

A fim de cada milénio

Ele foi nele o seu génio,

 

Marca de sinceridade

Sem a qual qualquer verdade,

Nem que ao vento espalhe a trunfa,

Na terra jamais triunfa.

 

 

1183 - Mais

 

Como o amor fica mais belo

Sempre enquanto os anos passam!

Como o encanto e a ternura

Se tornam da vida anelo!

Como juntos ultrapassam

Quer o humor, quer a finura,

Mesmo o esplendor de saber!

O maior de quanto houver

Será o riso das crianças,

A amizade dos amigos,

À lareira as falas mansas,

A flor a espreitar nos trigos:

 

Música que se ouvirá,

Em surdina, em tudo o que há...

 

 

1184 - Partilhado

 

Pode ser uma anedota,

Do trabalho um mexerico...

Um casal, quando se cota,

Se quiser devir mais rico,

Atende a si um bocado:

O que lhe importa é o sentido,

O momento partilhado,

Mais que o tema debatido.

 

 

1185 - Sua

 

O talento nunca basta

A garantir o sucesso.

O empenhamento que arrasta

É que é o metro do que meço,

Que a qualidade final

Provém do trabalho intenso

Em que o produto real

Sua tudo quanto penso.

 

 

1186 - Confiante

 

Sempre sou mais confiante

Se um momento de sucesso

Me apela a que me levante.

Quando falho é que tropeço:

Num momento de falhanço

Perco-me e já não me alcanço.

Talho, porém, minha sorte:

Basta a mim tornar presente

Todo um êxito evidente,

Que daqui saio mais forte.

 

 

1187 - Cabeça

 

A cabeça é um maquinismo

Do qual penso, se calhar,

Que jamais cobre o abismo

Que em nós ocupa o lugar

Entre o que penso pensar

E o vulcão muito mais denso

Que será pensar que penso.

 

 

1188 - Rio

 

Ao tomar conta dum rio,

Dou-lhe amor, dou-lhe carinhos.

Se a vida está por um fio,

Se os vinhedos murcham vinhos,

O rio a que me confio

Cumpre, sereno, as promessas,

Toma conta dos vizinhos,

Dá-te quanto tu lhe peças.

 

 

1189 - Fome

 

Sempre houve fome no mundo.

Não era o mundo da fome

Que o planeta hoje consome

Na enorme vaga de fundo.

Hoje importa é que se tome

No seu sentido profundo

Que o faminto não é imundo,

- Que cada qual é o que come!

 

 

1190 - Sentido

 

Para que é que serve a vida

Se a vida perde o sentido?

Já não trepo na subida,

Sem chegada nem partida

Não há lugar para a ida,

Nenhum rumo lhe é devido.

 

Os caminhos por onde ia

Já não têm fantasia.

Na parada a marcar passo,

Não há régua nem compasso

Que me trace uma esquadria.

 

No movimento perverso

Morre qualquer poesia,

Já não chego a nenhum lado,

Sou verso de pé quebrado,

Com nenhum outro converso.

 

Para que é que serve a vida,

Se a vida perde o sentido,

Senão p'ra, desiludida,

Regressar ao eterno olvido?

 

 

1191 - Envelhecer

 

Descubro-me a envelhecer

Quando sei qual é o caminho

E com todo o meu saber

Um outro além adivinho.

Não me fechando ao porvir,

Mesmo assim não quero ir,

Já que amanhã amanheço

Mais velho do que começo.

 

 

1192 - Comuns

 

A amizade se baseia

Nos interesses comuns.

Se é difícil vir à teia

Qualquer um por quem se anseia,

Se os laços forem nenhuns,

É bom que te não disperses:

Um interesse cultiva

Que a comunhão torne viva,

Que à amizade dê alicerces.

 

Verás, tudo então recresce

E um milagre te acontece.

 

 

1193 - Pressão

 

Sofremos tanta pressão

P'ra sermos bem sucedidos

Que a felicidade então

São só produtos sofridos,

Como um carro, um bom talher,

Coisas que temos de ter.

 

Felicidade é uma coisa?!

Se não olhas para ti,

Se o sentido em ti não poisa,

Nenhuma felicidade

Te pode restar aqui.

Pois ser feliz de verdade

É acolher-te e saborear

Em tua profundidade

Teu momento e teu lugar.

 

 

1194 - Selvas

 

Ser feliz não são os ramos

De algo que nos acontece,

É o modo como lidamos

Com as selvas que topamos

Que nos aquece e arrefece.

 

Encontrar o positivo

Como a humilde qualidade

De quanto for negativo

É que torna o gozo vivo.

E uma contrariedade

Tornar-se num desafio,

Eis a aventura em meu rio.

 

Desejar o que não temos

Nos despencará dos cimos.

Aquilo que possuimos

Melhor apreciaremos

Se soubermos, afinal,

Que isto é que nos cura o mal.

 

 

1195 - Sobreviver

 

P'ra sobreviver, um homem

Tem de aprender duas frases:

Pede uma o que os homens comem;

Com a mulher faz as pazes

Outra, ao confessar que a ama.

 

Se duma tem de abdicar,

As duas juntas acama

Na segunda, ao murmurar

Quanto o amor por dentro inflama:

 

- Se o sussurra a uma mulher

Irá dar-lhe ela o comer!

 

 

1196 - Deus

 

Se Deus não existir ou se for distraído

Não tem inventariadas as nossas acções.

Não temos de atender a quanto é aborrecido,

Fica-nos a consciência dos actos vilões.

 

Na vida ocorreriam carnavais de corsos,

Já que há gente demais que nunca tem remorsos!

 

Ou são mesmo sadios, ou não têm moral,

Já que esta provirá do convívio entre gentes

Ou das superstições, preconceitos, sinal

De que a moral não vem de quaisquer sumos entes.

 

Porém, se não há Deus, como é que existe tudo?

Esbarramos aqui num fatal ponto morto.

Porém, se Deus existe, como é que me iludo

Sem saber quem o cria no vazio absorto?

 

Da vida assim cirandam estes alcatruzes

De tal modo enredados nesta insegurança

Que as fés trazem cegueiras, já não nos dão luzes,

E a esperança jamais, jamais se nos alcança.

 

 

1197 - Divindade

 

A ideia da divindade

É tão velha como o homem,

Não houve necessidade

De ninguém no-la ensinar.

                                                               

Os homens crêem como comem

Em todo o tempo e lugar,

Sem o terem de aprender.

 

Nasceu com seu próprio ser,

São condições sem as quais

Não nos restam nem sinais

De poder sobreviver.

 

 

1198 - Esperas

 

A vida é feita de esperas.

O tempo, como pará-lo,

Recuá-lo às idas eras?

Em vão nos fascina o halo

Das velhas recordações,

Apenas dão o tamanho

Da caminhada perdida,

Das fadigas e tensões.

O nosso diário ganho

É do desgaste a medida,

Perde-se e não recupera:

- A vida é intérmina espera!

 

 

1199 - Casal

 

No passeio, rua abaixo,

Um casal, outro casal...

Em toda a rua o que eu acho

É uma cadeia de pares:

Distintivo mundial,

Não há rumos singulares.

                                                               

Na cidade, no país,

Em todos os continentes,

Ininterrupta, condiz

Com a lei do que é feliz:

Uns aos outros ser presentes.

 

Mais vale mostrar os dentes

Num jeito de predador

Que não conhecer o amor,

Que de vez viver ausentes

Sem ter doutrem o sabor.

 

 

1200 - Imunizar

 

Quantas vezes uma vez

Chega para imunizar

Um amor que se desfez!

Quantas irão ter lugar

Para deixar de sonhar

Que com um pouco de esforço

Os cornos à sorte torço

E que assim trarei o bem

Que à humanidade convém?

O que pela história vedes

São hesitantes passadas:

São as nossas cabeçadas

Das eras contra as paredes!

 

 

1201 - Sábio

 

Que nada tem importância

É a sabedoria do sábio

E a nada dar relevância

É a palavra de seu lábio.

Porém, se sábio é saber

Que a vida não tem sentido,

Dar-lhe um sentido qualquer,

Mais do que saber viver

É atar o fio perdido.

Além de todas as penas,

Mesmo se a atitude mente,

Agora não sabe apenas,

Agora até o sábio sente!

 

 

1202 - Náufrago

 

Um náufrago no mar

Onde só existem naufrágios,

A nau de meu navegar

Sofre de eternos presságios:

 

Das Índias sempre em demanda,

Eternamente naufraga

Na interminável procura

E a busca inútil comanda,

Como todas, esta praga

Para a qual jamais há cura.

 

 

1203 - Mentir

 

Se na vida estamos sós,

Não é possível mentir:

Ninguém espera por nós,

Ninguém vamos iludir.

Se outrem não há p'ra enganar,

Não lhe posso causar dano:

- Posso a mim ludibriar

E este é que é o maior engano!

 

 

1204 - Uso

 

O uso da convivência

É o pior de qualquer uso:

A amizade perde a essência,

O amor é conveniência,

Tão coçados que os recuso.

Sem sabor, sem colorido

Que merece ser vivido?

                                               

 

1205 - Transitória

 

Toda a vida é transitória.

Por transitória que seja,

Conta, porém, uma história

Em que basta que se veja

Seus bastantes atractivos

P'ra nela encontrar motivos

De que vale ser vivida.

Haja ou não uma outra vida,

Qualquer que seja a promessa,

Importa que aqui se meça

Que esta etapa é inelidível,

Vale por ela e sem mais,

Só que lhe acrescem sinais

De um Além ser atingível.

Não aqui (não lhe convém),

Não agora, que a demora:

- É um eterno que não tem

Ponteiro que marque a hora!

 

 

1206 - Cegas

 

Dizes-me que eu ando às cegas?

É que eu vou um pouco à frente

E ao redor de toda a gente

É uma treva que não negas

Que o passo nos põe tremente.

- Só que o rumo segue a luz

Que por dentro nos conduz!

 

 

1207 - Terra

               

Se a terra tem tais matizes

Que nela os membros enterro,

Mergulho nela as raízes,

Não lhe tolero um aterro

Quaisquer que sejam as crises,

- Por ela então vou sentir

Que vale a pena morrer!

 

Não há, porém, um devir,

Em um momento qualquer,

Por mais sagrado que seja

O meu mais caro lugar

- Que funde que alguém se veja

Por ele vir a matar.

 

 

1208 - Mulheres

 

Ai estas nossas mulheres,

Com mãos duras de trabalho

Sem meiguice para a noite!

Mãos que ladram aos talheres

 

Enciumadas do malho

Onde algum homem se afoite.

 

Mulher cara de odalisca

Com coração de sereia

De cujas mãos não faísca

Lume que a paixão ateia.

 

Mulheres que tanto se ofendem

Porque suas mãos não prendem!

 

E o homem sempre a tender

A espreitar pelos desvãos

Só porque o não conseguem ter

Preso, preso aquelas mãos!

 

 

1209 - Coragem

 

Nós nunca temos coragem,

Meia coragem vivemos.

Por medo é que todos agem,

De covardes, na viagem

Que na vida mais tememos.

 

Medo de que nos condenem,

Medo do maior opróbrio

Por que mais culpas se penem:

- O condenar-se a si próprio.

 

 

1210 - Culpa

 

Ninguém aceita ter culpa

Das coisas más nem das boas.

Quando alguém pede desculpa

De se queimarem as broas

É que, afinal, não se inculpa.

Não é que pretenda loas:

- A culpa mata as pessoas!

 

 

1211 - Lavar

                               

Ajudar uma pessoa

E depois lavar as mãos

Não é que seja acção boa.

Por muito que isto nos doa,

Se entrámos pelos desvãos

Onde se perdeu alguém

Em busca de seu confim,

Tem de se ir até ao fim.

 

Pior do que não mexer

Em quem perdeu seu lugar

É só de conta fazer

Que mexe p'ra o abandonar.

 

 

1212 - Viagem

 

Quando acaba uma viagem

A viagem não acaba:

Os sonhos todos reagem,

Repetem cada paragem,

Sobre nós sempre desaba,

Tais os meandros da mente,

Cada passo eternamente.

 

 

1213 - Convencer

 

Quando os pais a desaprovam,

A criança sobrevive

Mas os gestos que a renovam

(Se nada houver que a cative

Nos mais por quem ela vive)

Não a irão mais convencer

Do valor que ela tiver:

- O nada que em si cultive

A inclina sempre a não ser.

 

 

1214 - Contenta

 

Um homem não se contenta

Com simplesmente ser homem.

Devir deus por isso tenta,

Todos os truques inventa

P'ra que as parcas o não tomem.

- Apenas o que é impossível

Torna a vida apetecível!

 

 

1215 - Corre

 

Para onde corre um homem?

Vai à procura ou em fuga:

Ou de dois braços que o tomem,

Ou de predadores que o comem.

Mas, por mais que corra a esmo,

Não há nunca onde esconder-se:

- Se olha para trás vai ver-se

Perseguindo-se a si mesmo.

 

 

1216 - Crise

 

Uma crise é boa e má.

Má por tudo quanto mata

E por quanto impedirá.

Boa porque nos desata

Perante oportunidades:

 

Sou pessoa mais sensata

Se perder e as qualidades

 

Serão meu ganho ante a perca;

Se ganhar, joguei meu trunfo,

Pode então ser o triunfo

Que a vida de mim acerca.

 

 

1217 - Mar

 

Os rios correm prò mar

E o mar nunca extravasou

Na corrida milenar.

Quem clandestino o sugou

Devagar, tão devagar

Que ninguém detecta o voo

Que o mar sempre eleva ao ar?

 

E nós que em terra vivemos

O que afinal descobrimos

É que a manta que envolvemos

É o mar donde todos vimos.

 

 

1218 - Leiteira

 

Uma leiteira de litro,

Um litro de leite leva.

Que leva a leiteira humana?

Mesmo modelada in vitro,

Não tem fundo a sua treva

Nem nenhuma tampa aplana

A abertura ao infinito

Onde não sou de verdade.

- Só que aqui é que concito

Gerar minha identidade!

 

 

1219 - Solúvel

 

Conhecer tem vários modos,

Mais ou menos inseguros,

Mas o melhor dentre todos,

De resultados mais puros,

Consiste no da ciência

Onde tudo o que é volúvel

É sujeito a uma experiência:

É sempre uma contraprova

Que o saber firma e renova,

Nesta arte do que é solúvel.

Saber seguro, porém,

Se do mundo tem a prova,

A mim jamais me contém.

 

 

1220 - Galho

 

Somos um ínfimo galho

Da imensa árvore da vida,

Tão pequeno que tresmalho

Da valia atribuída.

                                                                                               

Só que este galho é capaz

De entender a própria história

E a continuidade traz

De toda a Terra a memória.

                                                                                               

O aflorar da consciência

Numa epiderme final

Duma intérmina existência,

Eis nosso bem, nosso mal,

Tão grandes na mesquinhez,

Nosso tamanho real:

Nossa imensa pequenez!

 

 

1221 - Grilhão

 

Encerrados pelo mar,

Encarcerados no ar,

No limite e na fronteira,

No isolamento e prisão

Só nos importa a maneira

De romper com o grilhão.

Por isso o que nos convence

É sempre a mesma função

Que as inimizades vence,

- Nova comunicação:

Um passo mais para além,

Rumo ao que o mistério tem.

 

 

1222 - Forte

 

Forte não será quem parte

Para a guerra ou a aventura.

Forte é quem fica e faz parte

Da casa, desta fundura

De húmus donde brota a vida:

- Forte é quem nos assegura,

Não quem vive em despedida.

 

 

1223 - Penélopes

 

As Penélopes da história,

Com as vidas adiadas

Nas teias de cada lar

Sempre à espera da vitória,

São da humanidade as fadas:

De nossos fados a par,

São quem no-los vem tecer

 

Nas meadas dum tear

Que ninguém logra entender.

 

 

1224 - Busca

 

Nossas interrogações

Não chegam a ser recusa

Nem sequer um desafio,

São as brandas pulsações

Duma busca que se acusa

Se a vida está por um fio.

O grave é que esta procura,

Suspensa entre o não e  sim,

Eternamente perdura,

Nunca mais encontra fim.

 

 

1225 - Ferida

 

Se a ferida sangra aberta

Será tal o sofrimento

Que nele tudo acoberta,

Tanto embota o pensamento.

Então a prudência, alerta,

Cala para que não doa:

Só o silêncio não magoa.

 

 

1226 - Risco

 

Que me importa a ingenuidade

Se só quando corro o risco

É que espreito a eternidade,

Se só então é que este cisco

Encontra a paz que procura?

A crença, a fé não é um dom:

Eu sei que um remédio é bom

Quando é um remédio que cura.

 

 

1227 - Ilha

 

Habitamos nesta ilha

Tresmalhada no Universo,

Famintos de maravilha,

Procurando uma partilha

Contra um destino perverso.

 

Mas como matar a fome

Se os alimentos que tentam

Só do espaço se apresentam?

Cada qual os outros come,

Uns dos outros se alimentam:

- Entre si tudo comentam

A iludir a impaciência

Da falta de liberdade

P'ra atingir a saciedade

Com a mínima decência.

 

 

1228 - Sarcasmo

 

Violência acorda coragem,

Força moral de enfrentá-la.

Porém, os que fazem sala

E com sarcasmo reagem,

Tanto humilham e destroem

Que, se há grão que lhes suporte

A mó com que tudo moem,

É o pó que fica da morte.

 

 

1229 - Aprender

 

O problema de aprender

É aprender a estar aqui.

É que o homem nem sequer

Vê que é uma evidência em si

Que quando está não está.

É o não-aqui com que estamos

Que nos marca a vida cá,

Por isso nunca apreciamos,

Pelo ainda-não, nosso já.

 

 

1230 - Olhos

 

Os olhos falam verdade,

Deles tanta se retira

Que, se numa falsidade

Acreditar, a mentira

Meu campo apenas invade

Enquanto eu a não confira

Co'o que deles sobrenade.

 

 

1231 - Longo

 

A verdade é a eternidade

Deixando-me aqui, sozinho,

Do enigma lento adivinho:

Uma pequena verdade

Percorre um longo caminho

E da sua integridade,

Cansado, só me avizinho.

 

 

1232 - Amizade

 

Brota sem ser cultivada,

Mas por vezes, p'ra existir,

Só forçada e alimentada.

Rocha, não vai aluir;

Frágil, vai morrer inane

Sempre que a amizade emane

Dum mero deixar correr.

Sempre activa, o seu lugar

Empenhamento requer.

Depois de tudo levar,

Quantas vezes, traiçoeira,

Esvai-se em fumo no ar,

Vaga ilusão passageira!

 

 

1233 - Estertor

 

Um coração a bater

De raiva e de violência

É a amizade no estertor:

Esta versão nem sequer

Entrevê dela a exigência,

É um teatro de amador.

 

A amizade não tem pressas,

É uma representação

Dum rude quebra-cabeças:

Quer mesmo imaginação.

 

 

1234 - Rosto

 

Os que têm o poder

De magoar e o não farão

E quanto aparentam ser

Não diz com qualquer guião,

 

Os que os mais comoverão

Mantendo de pedra o ser,

Incorrupto bastião

À tentação de quenquer,

 

São os donos e senhores

Do rosto que nos ostentam,

Não passando os mais de actores

Cujos papéis orientam:

O outros são servidores

Da excelência que alimentam.

                                                               

                               

1235 - Viajantes

 

Aqui vamos, viajantes

Que não sabem o destino.

Agora e sempre, como antes,

Corremos ao desatino.

Ninguém nos disse p'ra onde,

Ninguém nos disse até quando

Nem o que este sonho esconde,

Que é jamais se ir acabando.

 

 

1236 - Educadores

 

O que é mais extravagante

Na mão dos educadores

É pelos textos adiante

Buscarem quanto os garante

E depois não são senhores

Do contexto em que, delidas,

Jogamos as próprias vidas.

 

 

1237 - Energia

 

Morte é falta de energia.

A energia é vida tal

Que o prazer que ela irradia

É a garantia final

Que a morte não cresceria

Se, todos em movimento,

Rápidos e bem felizes

Raios de luz, o momento

Furássemos nas matrizes:

O tempo, enfim, pararia,

Eterno em nossa alegria!

 

 

1238 - Choro

 

A vida é feita de choro:

De saudades, à partida;

De alegrias, à chegada.

E aquilo que sempre ignoro

É se penetrei na vida

Em grita desarvorada

Com pena do que deixei

Ou na alegria incontida

De encontrar a minha grei.

                                                                                                               

 

1239 - Felicidade

 

Felicidade perfeita

Em germe é infelicidade,

Já que toda a chama é atreita

A fugaz caducidade.

Tão fatal pressentimento

Anula, a todo o momento,

E quando menos se pensa,

A alegria mais intensa.

 

 

1240 - Lavados

 

Por que é que as pessoas choram

De alegria ou de desgosto?

É para terem no rosto

Os olhos que tanto imploram

Lavados de vez em quando.

Erguem nisto um anteparo

Enquanto vão caminhando:

- Podem assim ver mais claro!

 

 

1241 - Ponte

 

O erro da revolução

É que deita abaixo a ponte

Antes doutra construção.

Fica então sem horizonte,

Em vez de outra ponte erguer

Ao lado da que não quer.

Por entre as margens do rio

Escorre então o vazio,

Quando, pela outra via,

O que decerto ocorria

É que o novo homem gerado

Nenhuma ponte, se calhar,

Precisaria de usar,

Se fora bem sucedido:

Cruzaria o rio a nado,

De tão bem constituído.

...E só então caducaria

Do velho mundo a utopia.

 

 

1242 - Perdição

 

A perdição é vontade,

Mas muito mais danação.

No perdido o que adivinho

Só num pouco é liberdade.

A primeira condição:

A miséria é que é o caminho

Mais geral da perdição.

 

 

1243 - Passar

 

O que pensa um optimista:

Ser feliz quando casar.

Vai ser ele o pessimista

Quando um ano se passar:

 

Um amor não é um estado,

É plantar e ter cuidado!

 

 

1244 - Vida

 

A vida é a felicidade

Que ninguém nunca pediu

E que existe de per si,

Embora nós, na verdade,

Só lhe sintamos o fio

Quando ele já se partiu,

Quando morre o frenesi

Brotado tão simplesmente

Deste chão de toda a gente.

 

 

1245 - Nada

                                                                                               

Nada serve para nada,

Afinal, se virmos bem.

Qualquer encontro na estrada,

Todo o sabor que isto tem,

Toda a mudança encontrada

É a vida, vida de alguém,

Mas não abre a madrugada.

- Na vida tudo o que importa

Nem sequer serve de porta!

 

 

1246 - Elevação

 

Como atrai a elevação

Para lá do que é vulgar,

Acima do quotidiano,

Peso da libertação

Da lama rudimentar,

Nosso fardo de ano em ano!

E depois o angelismo,

Repugnância da terra,

Do trabalho calejado:

A aldeia esconde um abismo,

Sua crueza me aterra,

Todo o campo engalanado

É o atractivo do inferno

Quando em mim já queima o eterno.

Numa imaterialidade

Impossível de alcançar

É que mora o meu lugar,

Nela busco a identidade.

Aspiro e sofro a derrota

Entre o terror e a esperança:

Perco de mim toda a nota

E o infindo não se alcança.

Como é que a fugir de mim

Me posso atingir por fim?

 

 

1247 - Irresponsável

 

Quanto na vida é alcançável

Persegue o passo das corças

E o artista é irresponsável:

Nada lhe supera as forças

Que o levam, num desatino,

A traçar-nos o destino

Que não há metro que meça...

- E sorte ninguém lha peça!

 

 

1248 - Vivos

 

Por entre a festa dos vivos

Palmilho, espantado, as ruas.

Vão alegres, agressivos,

Ramalhetes nas mãos nuas,

A celebrar os seus mortos.

Não vêem como, iludidos,

Recolheram nos seus hortos

As flores para os caídos

Quando a si é que as ofertam,

Já que um dia também morrem.

Por que tanto o passo apertam,

Para a morte tanto correm?

Vejam o que está a ocorrer,

Não olhem só lá adiante:

- Vocês estão a morrer,

A morrer a cada instante!

 

 

1249 - Rapariga

 

Ela é só uma rapariga

Que aprendeu o bê-á-bá

Nos três ciclos duma escola.

De amores conhece a intriga

Das telenovelas que há

Quando se pede uma esmola.

Jamais pode saber nada

Dos outros nem mesmo dela:

O mundo não é uma estrada,

Mora dentro da viela.

Pensa no corpo que tem,

Naquele que o há-de ter,

Já que ela há-de ser de alguém,

Pois de si não sabe ser.

E assim, arrastando o pé,

Trôpega, sobe a calçada,

Sem consciência de quem é...

Não serve mesmo p'ra nada!

 

 

1250 - Calo

                                                               

Discretamente me calo

No refúgio do jardim.

Se me aborda, nem lhe falo,

Não estou para aturá-lo

Pelo que ele tolhe em mim.

Traz-me uma coisa qualquer,

Um qualquer brinquedo caro?...

 

- Nem que seja o bem mais raro,

Não, não quero adormecer!

 

 

1251 - Dormem

 

Todos dormem, todos dormem

E aqui ando eu acordado!

Um, no sono mais pegado,

Dos que a tudo se conformem;

Outro, porém,logo ao lado,

O sono mais agitado,

Sonha que daquilo o informem.

Os sonâmbulos, teimosos,

Gritam não estar dormindo:

Eles conhecem os gozos

Da vigília que vem vindo...

 

E assim caminha o destino

Pelo meu corpo acordado

Num simulacro de tino

Buscando qual o seu lado.

 

 

1252 - Condição

 

Triste condição a nossa,

Tão presa das coisas vis!

A fome desfeia a moça;

Mesmo sempre nos carris,

Qualquer distância faz mossa...

 

De todas as criaturas

As mais nobres e mais belas

E tão presos às impuras

Da vida pobres sequelas!

 

 

1253 - Invento

 

A que ando eu aqui no mundo?

Em meu redor todos lutam,

Torcem a dor e a alegria,

Desejam, vivem, disputam...

De lado, sempre infecundo,

Qual é minha fantasia?

Enquanto a vida desfia

As roupas de cada sonho

Tudo é como se eu não fora:

O mundo de que disponho,

Igual por dentro e por fora

Continua, calmo e lento.

O mundo é mundo sem mim!

 

Porém, se me acalma assim,

Não me mantém a contento.

Por isso é que sempre tento

Caminhá-lo até ao fim

Na ilusão de que o invento.

 

 

1254 - Caminho

 

Aqui vamos no carrinho,

Cada qual fechado em si,

Sem descobrir o caminho

Para os mais que vão ali

A correr-nos mesmo ao lado,

Cada qual em si fechado.

Falar adianta pouco

Se não há boa vontade:

O nosso ouvido anda mouco

E à fala falta verdade.

Que vai ser de nós, assim

Neste prefácio do fim?

 

 

1255 - Fecho-me

 

Fecho-me na austeridade

E numa torre de orgulho

Com atavismo feroz.

Como o sol na soledade,

Mui discreto, sem barulho,

O gelo de todos nós

Dilui breve em água viva,

Assim o tom do carinho,

Compreensão amistosa,

O gosto nos reactiva

Do brando calor do ninho.

E a vida tanto se goza

Neste sabor renovado

Que as portas então abrimos

Para o vizinho do lado:

Vamos juntos para os cimos,

Ao belo cume nevado

E da estreiteza nos rimos

Com o rosto afogueado.

 

 

1256 - Suicida

 

O caminho que escolhi

É acabar com os meus dias,

Já que a vida que vivi

Desilude de agonias.

Não vale a pena, desisto,

Vou renunciar ao mundo,

Já que o mundo é apenas isto.

De minha sorte, no fundo,

Ao menos decido eu.

 

Mesmo condenado à morte,

O suicida na cela

A liberdade assumiu:

- Sou eu que me talho a sorte,

O algoz não decide dela.

 

E assim é que ainda no fim,

Mesmo se for um fim trágico,

Me não liberto de mim

E do que em mim há de mágico.

                                               

 

1257 - Ocidente

 

Por que é que no Ocidente

O suicídio tem visco,

Prende as asas, renitente,

Às aves de que é petisco?

Colchoaria decadente,

Neste mundo não avisto

A almofada competente

Que amacie o rigor disto.

 

 

1258 - Crescem

 

Crescem árvores céu fora

E as fontes correm na terra.

Que quem dorme a toda a hora

E as pálpebras sempre cerra

Não nos adormeça à força

Quem nasceu com outro fado:

Que na vida há quem se esforça

Por viver sempre acordado!

E este é que aos céus vai lançar

As vergônteas que gerar.

 

 

1259 - Horas

 

Vida sem hora marcadas

Transmuda o tempo num mar

Com marés eternizadas

Noite e dia, devagar.

Toda a gente ali se afoga,

Cada qual se confundindo

Com quanto em redor lhe voga:

Como o mais lá se vai indo...

 

 

1260 - Multidão

 

No meio da multidão

Penso na incrível cegueira

Desta absurda obstinação,

Destes gestos em fileira

Há milénios repetidos,

Tão inúteis hoje em dia

Como eram em tempos idos.

Jamais cansa, jamais basta!

- E eis como se contraria

A nossa sina madrasta!

 

 

1261 - Próximo

 

Meu próximo formigante

De inumeráveis contactos,

Próximo mas inconstante,

Massa prenhe de artefactos,

Gelatina peganhenta

Que se cola a contragosto,

Que me absorve e que me atenta,

Que me aglutina indisposto,

Meu próximo, como amá-lo,

Multidão cega e confusa,

Surda sempre que lhe falo,

Formigueiro no intervalo

Da aceitação e recusa?

 

Meu próximo foi sempre isto.

Então por que há milhões de anos

Não desisto, não desisto,

Sempre a enfrentar desenganos?

 

 

1262 - Fuga

 

Tudo em casa a horas certas

E a vida que não tem horas!

Ou tem horas tão despertas

E com outras tais demoras

Que estas horas que inventamos

Não são horas, são a fuga

Da mãe-terra para os ramos

Quando a fera em nós madruga,

De atacar-nos ameaça,

De gente viramos caça.

 

E a vida que não alcanço

Sempre a acenar-me o descanso!

 

 

1263 - Morreu

 

Não posso clamar

A morte de Deus,

Que Deus não morreu.

Aqui, devagar,

Nestes dias meus,

Quem morreu fui eu.

Ainda não é o fim,

Que me resta a pele:

Não morri em mim,

Morri para Ele,

Deus familiar,

À minha medida,

De mim sempre a par,

Fala comedida,

Um mane do lar,

No entanto infinito,

Sempre tão distante

Que, mesmo se grito,

De nada adiante.

Tacteio no escuro,

Vasculho resquícios:

Sempre o que procuro

São os meus indícios.

E são tanto os meus

Como o não serão:

Ao fim será Deus

Numa outra versão

Em que me proponho

Os fins com que sonho.

                                                                                                                               

 

1264 - Bom

 

Tudo o que na vida é bom

Nem sequer damos por ele.

O melhor é sempre um dom

E um tal dom vai ser aquele,

 

Tão por nós e p'ra nós feito,

Que à força de repetido

Nós lhe esquecemos o jeito

E acaba despercebido.

 

Até que um dia nos falta

E a perda nos faz sentir

Que, afinal, tanto o exalta

Que só então passa a existir.

 

 

1265 - Pão

 

Comer o pão do talento

Para ganharmos a vida

É a grandeza do momento

A cada dia devida.

 

É o trabalho em comunhão

No que temos de melhor,

Connosco em primeira mão

Aos demais a se propor.

 

 

1266 - Mulher

 

A mulher a gente insulta,

Diz mal dela, até lhe foge,

Se calhar por não poder

Vivê-la inteira, a valer.

E a mulher não fica inulta,

Pois de sempre é como de hoje:

- Se ninguém chega às estrelas,

Também não vive sem elas.

A mulher não é um sinal,

Ela é a vida tal e qual.

 

 

1267 - Levantar

 

Levantar a Humanidade?

É tão pesada que já

Não se anula a gravidade:

Ninguém a levantará.

 

Juntando as forças em resma,

Só se se erguer a si mesma.

 

 

1268 - Salada

 

Uma salada é alimento

Mas pode ser a alvorada

Se aquilo que nela invento

For a vida apaixonada.

 

Serves salada e sacias

A fome que o corpo tem,

Mas vemos então quanto ias

Servindo-te a nós também.

 

A salada sabe bem

Porque tem outro sabor

Além daquele que tem:

Sabe também ao amor

De amante, mulher e mãe

E aos parabéns, ao calor

Por quem nos serve tão bem.

 

 

1269 - Viagens

 

Viagens de quem viaja,

Por que tanto viajais?

Por que de inveja reaja

Se vos recebo os postais?

Ou pela maturidade

De partilhar o prazer

De quem já atingiu a idade

De atender mesmo ao que quer?

De quem pelos mais já não

Perderá gestos em vão?

 

 

1270 - Cansado

 

Se à noite fico cansado

Pode ser uma alegria

Se inteiro vivi o dia,

Se foi dia conquistado,

 

Se eu for, onde o tempo medra,

Canteiro que lavra a pedra.

 

 

1271 - Génio

 

Mora o génio numa ilha,

Cerrado em seus pensamentos,

Fora do alcance do mundo,

Do fragor de suas vozes.

Enternece a maravilha

Desta criança em tormentos,

Órfã de tudo, no fundo,

E que salva seus algozes:

- Nele que de nada sabe

É que o sonho inteiro cabe!

 

 

1272 - Dentro

 

No banco sentado,

Quem me vai ao lado?

Não se vê na pele

O que há dentro dele.

Sei lá se é assassino

A marca deste homem!

Na dúvida, afino

Pelo que o tomem.

Na aparência iguais,

Nada nos soletra,

Que nada penetra

(Faltam os sinais)

No poço profundo

Que nos abre ao mundo.

 

 

1273 - Fim

 

É triste o fim do caminho,

Cheio de insatisfação.

O vinho só sabe a vinho

Se é o do próximo Verão.

 

Alcançado um objectivo,

Perde ali todo o valor.

Esquece quanto foi vivo,

Quando sonho, o seu fulgor.

 

A vontade corta a eito

Pela terra já lavrada

Semeando o insatisfeito

Desejo de nova estrada.

 

E nem temos o direito

De queixar-nos, pois chegámos

À fronteira que, do peito,

Sempre outrora ambicionámos.

 

Só que a meta que convém

Fica sempre mais além...

 

 

1274 - Tesoiro

 

Se uma criança pesquisa

E o tesoiro cai na lama,

Olha o desapontamento

A que a alegria desliza

Se, em vez de louvar a trama,

Tu lhe infliges o tormento

De à lama que tudo apaga

Sacrificares o invento

Que nenhum preço lhe paga.

 

Água à lama lava bem

Mas à frustração, porém,

Duma descoberta inglória

Como a apagar da memória?

 

 

1275 - Falhada

 

Uma carreira falhada

Decorre mesmo dum nada.

Em vez de se concentrar

No modo de êxito ter,

Basta se preocupar

Com a forma de qualquer

Erro evitar ou falhanço.

É que na vida o que alcanço

Vem de visar o sucesso

E é quando nele acredito

Que as muralhas atravesso

E que atrás de mim concito

Quantos visam igual fito

E é com eles que me meço.

Assim nunca em mim tropeço,

Sigo aberto ao infinito.

A pequenez de meu grito

Verdade é que a não esqueço

Mas com ela não me canso,

Viso além de seu limite:

Na terra deste palpite

É que ao fim eu sempre danço!

 

                                                               

1276 - Líder

 

O líder é uma pessoa

Que analisara um problema,

Lhe escolhe a solução boa

E propõe-na então por tema

Aos que querem resolvê-lo

Que assim se atam elo a elo,

- Cadeia que se perfila

Ante a chefia, a segui-la.

 

 

1277 - Segredo

 

Segredo da liderança:

Cumprimentar amigável

Até onde o olhar alcança

Torna logo mais fiável,

A quem queira uma chefia,

Ver assim reconhecido

Que é capaz do que queria...

- E o cargo é-lhe atribuído.

 

 

1278 - Manto

 

O manto da liderança

Pousa aos ombros do respeito,

Da responsabilidade

E dum engenho que avança:

Respeito que toma a peito

Cada qual em igualdade;

Responde pelo que faz;

E engendra quanto for novo

Nos passos de que é capaz.

 

Sempre e só nisto é que provo

Que a chefia tem sentido

E o caminho é prosseguido.

 

 

1279 - Manhã

 

P'ra qualquer criança

O mundo é um jardim.

Toda a manhã dança

A primeira manhã

Que dança na Terra.

Tudo é encanto, assim,

Frescura louçã

Onde o riso aterra.

Que excitante andar,

Correr contra o vento,

Tentar apanhar,

Em festivo intento,

Os flocos de neve

Da alegria breve!

 

 

1280 - Come

 

Este Ocidente não come,

Foge da sorte ao cariz:

- Como porque tenho fome

Ou porque estou infeliz?

 

Morro por comer demais,

Quando à fome mato os mais!

 

 

1281 - Criativo

 

Se queres ser criativo

Vai aprender algo novo,

Procura no teu arquivo

Um perdido qualquer ovo:

Seja um livro diferente,

Um jornal que nunca leste,

Ou, se és financeiro, investe

Na dança de que és ausente

Desde a tua juventude...

Em qualquer alternativa

Ver-lhe-ás logo a virtude:

Aumenta-te a iniciativa

E jamais te desilude

- Cresce-te mesmo a inventiva

E o mundo novo criaste

Do que antes creras um traste!

 

 

1282 - Lebre

 

Fica alerta à boa ideia

Porque é uma lebre a correr:

Tão depressa visionei-a,

É só uma cauda qualquer,

Tão no instante fugidia

Que ser-me-á sempre arredia.

 

Aquele que é criativo

É que tem um olho vivo

E, quando a lebre lhe salta,

Dispara logo certeiro.

O que aos outros sempre falta

É acertar nela primeiro,

Antes que, perdido o rumo,

Se lhes ela esvaia em fumo.

 

 

1283 - Activista

 

Activista não é aquele

Que diz que o rio está sujo,

Que este não arrisca a pele,

Quantas vezes é um sabujo!

 

O activista que aprecio

É aquele que limpa o rio.

 

 

1284 - Fruteira

 

Uma fruteira no Inverno

Parece o nosso destino.

Ninguém diria que, terno,

O sol ao galho mais fino

De verdura o enfeitará

E de novo o irá florir.

Mas a confiança aqui está,

Nós sabemos o porvir!

E, fiados no segredo,

No fundo não temos medo.

 

 

1285 - Espera

 

Se apenas ficara à espera,

Escolha de mau conselho,

Tudo o que me acontecera

Era só ficar mais velho!

 

Ao contrário da esperança,

A espera apenas me cansa.

 

 

1286 - Paciência

 

A paciência é uma chave,

Uma chave para tudo:

P'ra que um pintainho grave

Na terra o bico miúdo

Primeiro um ovo se choca

Até que nasça da toca.

Jamais parti-lo se deve,

Que se mata o sonho breve.

 

 

1287 - Grande mãe

 

Há quem diga que sou grande

Sem ver quanto sigo aos ombros

Duma voz que me comande

A saltar sobre os escombros.

 

És tu, mãe, sempre presente

Desde que nasceste à vida.

Fazes anos. Meu presente

É dizer que vivo assente

Na vida de ti haurida

Mais em quanta me convida

Dia a dia a que me aumente.

 

Afinal o meu tamanho

É o de quanto de ti ganho.

 

 

1288 - Anos perto

 

Sou tua filha pequena

A crescer com toda a pressa.

Quando uma mãe nos ordena

Não há metro que nos meça.

 

Fazes anos e à procura

De ti é que corro tanto

Buscando a tua lonjura

Da ternura sob o manto.

 

Minha prenda é o meu acerto

P'ra que o longe fique perto.