DÉCIMA SEGUNDA REDONDILHA
NA MÁGOA E NO RISO
Escolha aleatoriamente um número
entre 1421 e 1510 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1420 - Na mágoa e no riso
Na mágoa e no riso
Minhas gargalhadas
Marcam as estradas
Dos fitos que viso.
1421 - Mesa
As horas da refeição
Só são horas de ir à mesa
Pròs adultos que lá vão
Do comer para a surpresa.
Os miúdos que virão
Ocupar
Um lugar qualquer
- É só para continuar
A comer!
1422 - Admiração
A prova mais concludente
De que é tão maravilhoso
Não será uma admiração
Que por si nota que sente
Um testemunho famoso,
- O que lhe afirma o seu cão?!
1423 - Prego
Um prego é aquele pedaço
De metal para o qual faço
Minha melhor pontaria:
Com ela bem alinhada,
Prego logo a martelada
No dedo com que o prendia!
1424 - Bobo
O bobo é sempre um palhaço
De trapos e papelão:
Copia, afinal, no paço,
De originais veste e traço
Que em todo o lado andarão.
1425 - Bichas
Andamos tanto nas bichas
Que, nas bichas viciados,
Delas inventamos fichas
Com novas bichas de dados.
De minha rua na esquina
Eis uma bicha imponente.
"A que é que isto se destina?"
- Pergunto ao que está na frente.
"Baixei-me para amarrar
O atacador do sapato.
Ao erguer-me, vi formar
Após mim este aparato.
Serve a nada," - diz, lampeiro
- "Mas, afinal, dá-me jeito:
Já que sou dela o primeiro,
Como assim, eu aproveito!"
1426 - Criado
Ele é um criado impagável
Com a esquisita mania
De na mão lhe ser mutável
Garfo, colher, prataria:
- Tudo (milagre da graça)
Se lhe transforma em cachaça!
1427 - Quem?
Este mundo que não fiz,
De mazelas e de cacos,
Quem diz que algum dia o quis?
- É uma aldeia de macacos!
1428 - Civilizado
Se de civilizado me conoto
E me vislumbro além desta euforia,
Para além me apresto:
- Sacudo-me, tal rato dum esgoto
Para deixar cair a porcaria...
...E que Deus faça o resto!
1429 - Vacas
Se as vacas morrem neste mundo à fome,
Tão rodeadas de folhas tão macias,
Se já nenhuma tais petiscos come,
- É que tais folhas são latas vazias!
1430 - Zoológica
Um jardim zoológico é
Onde os animais admiram
Os homens que ali até
Sobre eles já nem atiram!
1431 - Lupanar
"O mundo, este lupanar!"
- É o fanatismo a crescer. -
"Melhor é o próximo amar...
...E pôr de lado a mulher!"
1432 - Castiçais
São sagrados castiçais
As obras em que me perco
Até que vós mas mostrais:
- Que enorme monte de esterco!
1433 - Calo
Há quem se deixe aparar,
O imo reduzir a um talo,
De si deixando o lugar
Duma verruga ou dum calo.
1434 - Encanta
Se a gripe causa embaraços,
Vê que é que o médico encanta,
Senão corta-te aos pedaços
Antes de olhar-te a garganta.
1435 - Paraíso
Vantagens do paraíso:
Além de não ter quem mande,
Ninguém diz, com todo o siso:
"Que vais tu ser quando grande?"
1436 - Fala
A fala é o nosso lugar,
Falo e nasce aquele que ama:
Deus cria o mundo a falar,
Não mandou um telegrama!
1437 - Calvário
Diz o galante à senhora
De crucifixo no seio:
"Que bom morrer aí fora,
Desse calvário no meio!"
1438 - Contradições
O calvário dos calvários
São contradições concretas:
Como há um público anuário
Das sociedades secretas?!
1439 - Certeza
A dúvida transcendendo,
Contraditório proclamo:
- Se estúpida te compreendo,
Tenho a certeza de que amo!
1440 - Gostar
Sabes por que te sorri,
Por que auxiliar-te vim?
- É tão belo o que escrevi
Que chego a gostar de mim!
1441 - Colher
O que o mundo quer
É pão e manteiga:
Um poema à colher
Tem a voz mais meiga!
1442 - Felicidade
Felicidade é problema,
Não tanto por sê-lo em si,
Mas por sê-lo no intervalo:
Se alguém é feliz, por lema,
Um problema logo ali,
Se o não tem, corre a inventá-lo!
1443 - Esquina
Todos nós, quando ali vamos
Até à loja da esquina,
Nem sequer nos recordamos
Que antes ali era a China,
Quando um passo dado em frente
Demorava eternamente.
1444 - Papelão
Tudo o que mexe, que brotar do chão,
Tem parafusos como quem se preza:
- Na civilização de papelão,
Do espírito o monarca é a chave inglesa!
1445 - Candeeiro
Um homem inteiro
A ler, preso ao chão,
É um candeeiro
De iluminação!
1446 - Aristocrata
Um genuino aristocrata
Não põe em dúvida um preço
Como a bolsa não desatra:
- Ignora a conta, é um tropeço!
1447 - Luto
Na jovem mulher de luto,
Com a dor em sobressalto,
Este é o mais terno produto:
- Os seios soluçam alto!
1448 - Cangalheiro
Como é bom ser cangalheiro,
Ir ao lado aqui da morte
Enquanto, vivo e fagueiro,
Marco o passo à minha sorte!
1449 - Frio
O frio toma tal rumo
Que acabaremos até
Por ter de ir partir o fumo
Na boca da chaminé!
1450 - Rua
Qualquer dia o frio é tanto
Que à rua sai um cão bronco
...E acorremos ao seu pranto
A despegá-lo do tronco!
1451 - Paz
Pela paz reza a criança,
Quando a guerra nos escalde,
Por onde o saber lhe alcança:
- Reza por pás... e por balde!
1452 - Presente
Ante a morte o parecer
Que cada qual diz que sente:
- Não me importo de morrer,
Só não quero é estar presente!
1453 - Rir
A sério terá um porvir
Quem vir donde vem a piada,
O que demonstra que rir
É mesmo coisa engraçada.
1454 - Perdi
Quando a vi, o ar compassado,
Perderam meus pés o apoio:
- Ou passo a vida a seu lado,
Ou já perdi meu comboio!
1455 - Fantasma
Na rua, um homem-fantasma.
Respondo-lhe ao palavrório,
Enquanto o alarve se pasma,
Sem ver que lhe armo o velório.
1456 - Social
Pôr talento e erudição
Em reunião social
Não é uma estafa de anão,
Dá cabo dum general!
1457 - Língua
A melhor forma de aprender a língua,
Co'o que a língua tem de sedutor
Será a de saciar-nos desta míngua:
- Boca na boca dando ais de amor.
1458 - Nada
Há quem seu tempo dedique
A não fazer nada em vida
E mui fatigado fique
Doutrem co'a incansável lida.
1459 - Vaidade
A muito amigo deveras
Não posso dar-lhe a verdade
Com quanto ela quer de esperas
Sem lhe ferir a vaidade.
1460 - Hotel
Num hotel não se repoisa,
Ser-se ouvido é espera tonta:
- Num hotel é-se uma coisa
Que no fim paga uma conta!
1461 - Zarolho
Camões vê só com um olho
O que nem eu nem tu vês:
Diz o povo que o zarolho
Vê mais dum que nós dos três!
1462 - Diabo
Ditadura de direita
Se a combato, sou herói.
Se à da esquerda estou à espreita,
Sou um diabo que destrói.
1463 - Reuniões
As reuniões sociais
São estupidificantes:
Olham-me sábio e jamais
Sou o que era um pouco antes.
1464 - Voo
A humanidade, sem pai,
Ciosa recolhe o voo.
Perguntam-lhe: como vai?
Retruca, grossa: não vou!
1465 - Intelectuais
"São mesmo como animais!
Com tal gente, que renovo?"
- Nossos intelectuais
Têm horror ao nosso povo.
1466 - Boato
Um boato sempre foi
Mui ruim de identificar.
Quer dizer "mugir de boi":
Como em manada o topar?
1467 - Turrões
Há velhos que são turrões
Como toiros sem manada:
P'ra quê manter tradições
Se nos não servem p'ra nada?
1468 - Gozo
Arte que me trará gozo
É às vezes prosaica prosa:
Basta um crime misterioso
- E é coisa tão graciosa!
1469 - Derrotam
A guerra é de insecticidas,
São vírus que nos embotam:
As coisas grandes vencidas,
As pequenas nos derrotam.
1470 - Experiência
Experiência é coisa louca,
Vive a me contraditar:
É que, quando se tem pouca,
Muita se pode arranjar!
1471 - Humor
Cansaço, canseira e fúria
São culpa do mau humor;
No que é bom não há penúria:
Vem de mim, é o meu valor!
1472 - Aprender
Antigamente crescer
Era aprender as respostas
Para todas as perguntas.
Hoje significa ver
Que perdemos as propostas:
- Contestam-nas todas juntas!
1473 - Dentro
Escultor, desbasto a pedra
E na estátua me concentro.
E a criança que não medra
Me acena donde não entro:
- Tu sabes fazer magias?
Como é que então tu sabias
Que a estátua estava lá dentro?
1474 - Democrático
Democrático, o patrão:
"Quem de acordo está comigo
Levante seu braço amigo.
E alto declare quem não:
- Peço a minha demissão!"
1475 - Tirania
Na tirania o tirano
Tiraniza tanto o povo
Que o reino, ao cair do pano,
É a casca vaga dum ovo.
1476 - Resume
Quando alguém amar alguém
Tudo ao amor se resume:
Ama-lhe o riso e o desdém
E o mau hálito é um perfume!
1477 - Ganha
Se um homem morre, em verdade,
Perde só uma vida breve;
Ganha a personalidade
Que jamais em vida teve!
1478 - Atenta
Acontece que um governo
Democrático me atenta?
- É que é o diabo do inferno
Numa pia de água benta!
1479 - Fogueteiro
Um homem é um fogueteiro,
Joga foguetes no espaço:
Sobem em flecha, primeiro;
Morre, após, seu fogo escasso.
1480 - Preguiça
Gentes há cuja preguiça
Lhes torna as vidas tão foscas
Que em nada o labor se enliça
Nem sequer a enxotar moscas!
1481 - Confusão
Não há droga de que dope
Um tipo de frustração:
Não há nada que não tope
Quem procura a confusão.
1482 - Ferramenta
Um homem que ama, aos setenta,
Moça de anos juvenis,
Não pinga os pontos nos is,
Dá cabo da ferramenta!
1483 - Tolos
Benditos sejam os tolos!
Não fora deles o excesso,
Os outros que têm miolos
Nunca teriam sucesso!
1484 - Depressa
Ser homem é ser depressa.
Jovens, vamos para a escola
E, desde que ela começa,
O desejo que se expressa
É o das férias, de ir à bola...
Trepados até ao topo,
O que infrenes ansiamos
É buscar um novo escopo,
Ter trabalho e para um copo
E depois viver sem amos.
Temos pressa de casar
E, enquanto o filho esperamos,
O tempo parou no lar,
Não cabe em nenhum lugar
A impaciência que enervamos.
Depois dos filhos, os netos,
Depois a casa e, em verdade,
Nossos sonhos predilectos
São fuga a todos os tectos,
Sempre além de nossa idade.
O estranho da correria
É que, velho, a novidade,
Após tanta fantasia,
Diz ao neto, dia a dia:
- Quem me dera a tua idade!
1485- Prova
O teu ouvido resiste
Ao insecto intrometido
Alçando pêlos em riste.
Disto diz certo entendido:
- A prova que Deus existe
É que tens pêlos no ouvido!
1486 - Intelectual
De intelectual mesmo puro
É jamais compreender nada,
Afectando, bem seguro,
Dominar, duma penada,
Todo o passado e futuro!
1487 - Educo
Em toda a vida me educo
Até que o dever me imola
Ao me apontar o trabuco
Que me obriga a ir à escola!
1488 - Lugar
Como custa muito ver,
Mais simples é condenar
De antemão tudo o que houver:
- Assim não perco o lugar!
1489 - Caça
Bem estranho, ao fim e ao cabo,
É que vá o homem à caça,
Que a mulher melhor a laça:
Por onde passa o diabo
Uma mulher também passa!
1490 - Dentro
Há quem morra numa cama,
Há quem morra pelos matos.
Porém, quem inteiro ama
O ar livre, alheio à fama,
Morre dentro dos sapatos.
1491 - Lacaio
Há muito quem se enobreça
Co'a nobreza do fidalgo
E que sonhe em ser dele aio.
Ocorre até que aconteça
Disto além nem haver algo
Se tem alma de lacaio.
1492 - Bêbado
Um bêbado na taberna,
Qual é afinal seu escopo?
Parece-nos que ele hiberna...
Falta-lhe uma fala terna,
Vem falar a sós co'o copo.
1493 - Lado
Foi só quando ela saiu
Que seu rosto iluminado
Me mostrou que o sol abriu,
Que era de manhã ainda:
- E era uma manhã tão linda
Que fiquei de cara ao lado!
1494 - Aldeão
Quem
Repara no aldeão?
Ninguém,
Senão
Se, bêbado, insulta alguém,
Se casa
Ou se alguém lhe morre em casa.
Então
Aproveita a ocasião:
- Que outro modo teria,
Na verdade,
De aprender a alegria
Da notoriedade?
1495 - Ar
O homem vive depressa
Sem na pressa reparar.
Areja assim quanto meça:
- Ao correr, mete a cabeça
Sob uma torneira de ar!
1496 - Corações
Sobre a bancada espalho os corações
De porco, vaca, frango e de vitela,
Desinfecto depois uma escudela
E apronto na balança as precisões.
Então peso e analiso com cautela,
Meço tamanhos, tiro conclusões
E, para não haver mais ilusões,
Registo quanto tudo me revela.
Descubro então o que lhes é comum:
Os animais de que extraídos foram
Morreram todos, aqui já não moram!
Demonstra a conclusão, sem erro algum:
- O coração é um crucial agente
Para o bem-estar físico da gente!
1497 - Prè-nupcial
O contrato prè-nupcial
É uma ovelha já no aprisco:
Acordo condicional
Em que os dois dão, por igual,
O sim com um asterisco.
1498 - Burocrata
Todo o burocrata é artista
Perito nesta anti-arte
De tornar tudo o que exista,
Que o possível nos reparte,
Num muro por toda a parte
Que de impossível o invista.
1499 - Cabeça
Quem tem boa posição
Só sofre por má cabeça.
Porém, os que ali não 'stão,
Mas cuja sorte tropeça
No mesmo escolho, dirão
Que a desdita não é essa,
Mas em seu redor ameiam
Pràs cabeças que os rodeiam.
Solução eficiente:
- Decapitar toda a gente!
1500 - Imortalidade
A imortalidade mais
É do que um mero desejo
Que alucinado adivinho:
- Apenas somos mortais
Até ao primeiro beijo
Ou até dois copos de vinho!
1501 - Dinheiro
O dinheiro rala?
- Mas que vida boa!
E o crédito? Cala
Tão bem à pessoa!
Crédito e dinheiro,
Um doutro parceiro:
Se o dinheiro fala,
O crédito ecoa.
Nem que a vida roa,
Nada no-la entala
Com esta coroa
De ambos a encimá-la!
1502 - Entre
Entre um herói e um cobardee
É pequena a diferença.
Não é o que nos peitos arde,
Nem o que cada qual pensa:
- É apenas um passo dado
Cada qual para seu lado.
1503 - Mistério
Resta um mistério qualquer
Em que a Humanidade atola,
Pois quase sempre a mulher
Quando é linda é mesmo tola!
É porque linda a requer
Um homem àquela que ame?...
- Então bem tola há-de ser
P'ra assim amar quem desmame!
1504 - Passos
Uma plateia de laços,
Crianças, caras risonhas.
Do riso à tristeza os passos
Não são tragédias medonhas,
É o fim que tudo há-de ter:
- As crianças vão crescer!
1505 - Companheiros
Todos somos companheiros,
Nós, os homens sobre a Terra,
Fechados por carcereiros
Na prisão que nos encerra.
Mas não temos alibi,
Que a nós damos o tormento,
Cada qual trancado em si
Na cela do isolamento.
P'ra quem sonha um novo dia
Não vai mal a companhia!
1506 - Salão
Pelo salão, estafados,
Os pares nem podem rir-se:
Arrastam, desesperados,
O esforço de divertir-se!
1507 - Democracia
Toda a democracia é um mísero sistema,
Será mesmo o pior dos sistemas possíveis,
Exceptuando os demais igualmente exequíveis
E que são os que não lhe seguirão o lema.
A pior falha dela que faz com que a tema
É que os seus cabecilhas reflectem os níveis
Dos eleitores deles, pacóvios falíveis
Que escolhem à medida que o chão lhes não trema.
E portanto a ignorância, estupidez, egoísmo
Que pelos pedestais o poder lá consagra,
Numa democracia são aquele abismo
Em que a média mergulha, incurável pelagra.
Fica-nos, todavia, esta consolação:
- A pelagra do chefe pegou-lha um irmão!
1508 - Ricaços
Os ricaços sofrem tanto?!
- Para que creia, primeiro,
Nos argumentos do pranto,
Por que não dão o dinheiro?
Mas aqui lhes presto preito,
Coitadinhos dos ricaços:
- Afinal têm muito jeito
Para armarem em palhaços!
1509 - Peritos
Para os peritos, os cães
Divergem nos caracteres:
"Se em colapso te manténs
Fingindo, em terra, conferes
Que o mau cão irá morder-te,
Mas o bom, vendo-te inerte,
Lamberá, fiel, o dono,
A despertá-lo do sono."
Porém, quando em casa testas,
Frente ao prato de comida,
Os cães que te fazem festas,
Se mimas a recaída,
Contra a tese dos peritos,
O que os cães fazem, aos gritos,
É, com todo o desacato,
- Atirarem-se ao teu prato!
E, convencida, a ciência
Continua na inocência...
1510 - Viciado
Muitos dos que se socorrem
Da segurança social
Jogam viciado baralho.
É que só para ali correm,
Dizem, porque vêem mal:
- Não se vêem a ir para o trabalho!