DÉCIMA TERCEIRA REDONDILHA

 

SE MAIS ME REVOLTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 1511 e 1602 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

1511 - Se mais me revolto

 

Se mais me revolto,

É que o infinito

No mais alto grito

Brinca desenvolto.

 

 

1512 - Mudar

 

Nós não andamos aqui

Para mudar as pessoas.

O nosso dever em si

É devir pessoas boas.

 

 

1513 - Aposentação

 

Há muito quem se aposente

Por motivos de saúde

E que nisto nos ilude:

- Pôs foi seu patrão doente!

 

 

1514 - Pareço

 

Que razões é que te movem

Para eu ter de envelhecer

E então é que vens dizer

Que pareço mesmo jovem?!

 

 

1515 - Bem

 

As pessoas que me vêm

P'ra meu bem algo dizer

De mim é que nunca têm

Nada de bom a reter!

 

 

1516 - Martelo

 

Quando alguém tem um martelo,

Os seus cumes e os seus pegos

Têm de comum um elo:

- Todos lhe parecem pregos!

 

 

1517 - Atreve

 

Há quem julgue uma pastora

Fidalga p'ra a seduzir.

Não se atreve, ao vir embora,

A, de fidalga, a vestir!

 

  

1518 - Júris

 

Não gostam do que tu gostas,

Não votam no que tu votas,

Perdem todas as apostas,

- São júris: são idiotas!

 

 

1519 - Banqueiro

 

Para que me mortifico?

- Eu preciso do banqueiro

Imenso devindo rico

A extorquir-me o meu dinheiro!

 

 

1520 - Dispendioso

 

Corpos gastos por demais,

Almas murchas e sem gozo

E nem de sonho sinais,

- Que luxo dispendioso!

 

 

1521 - Jardim

 

No jardim, aquele banco

E, nele, aguardando o fim,

Tudo o que no mundo é manco...

- Sou um banco de jardim!

 

 

1522 - Industrial

 

Neste parque industrial

Sou a condenada vaca

A mastigar o metal

Que em mim vai espetando a faca.

 

 

1523 - Ordem

 

Se manter a lei e a ordem

Foi armar-me até aos dentes,

Então que as feras acordem,

Que esta é a ordem dos dementes!

 

 

1524 - Gorilas

 

Todo o jovem de talento,

Das almas entre os gorilas,

Dá impressão de ser demente,

 

Só de comida a contento

Entretém as longas filas

Das horas pelo presente:

 

Negociatas, dinheiro,

Êxito mais engenhocas

São o constante parceiro

Que em vez de gente ali tocas.

 

Perdido por entre as trocas,

É de caça o cão primeiro:

Se ao lado lhe desembocas,

Dele já te enoja o cheiro!

 

 

1525 - Pauladas

 

Que arte esta que me estremece

De tanto abalar depressa,

Como se eu próprio estivesse

Às pauladas à cabeça!

 

 

1526 - Sacra

 

Há certa música sacra

Tão despida de sentido

Que o sabor nos encalacra

Como um nabo apodrecido!

 

 

1527 - Baixo

 

Há quem, baixo, olhe tão de alto,

Tão sobranceiro prà liça,

Que me vejo, em sobressalto,

Feito legume ou hortaliça!

 

 

1528 - Chimpanzé

 

Há quem jogue a proeminência,

Na alta escola diplomado,

E que tem a inteligência

Dum chimpanzé refinado.

 

 

1529 - Tremem

 

O milionário, o tirano

São como o ladrão de estrada:

Quando o protesto abre o pano,

Tremem como goiabada.

 

 

1530 - Políticos

 

Os políticos nos mandam

Decretos e portarias;

É a forma como comandam:

- Dejectos e porcarias!

 

 

1531 - Armas

 

Do progresso hoje o sentido

É que as armas que ele tem

As dispara prò ouvido,

A ver se funcionam bem.

 

 

1532 - Lixos

 

Maus tempos são passageiros.

Busquemos só, com vontade,

Topar homens verdadeiros,

Não lixos de humanidade!

 

 

1533 - Afogar

 

A gente-bem, de repente,

Vendo um homem a afogar,

Se espreguiça, negligente:

"Se ao menos, nalgum lugar,

Lhe ensinassem a nadar!"

 

  

1534 - Endireitar

 

O que todos desejamos

Será o mundo endireitar,

Que assim nos desobrigamos

De algum vizinho ajudar.

 

 

1535 - Nada

 

Era uma "grande" obra de arte...

- E aos que a burla contradizem,

Não às obras, põem de parte,

Mesmo se elas nada dizem!

 

 

1536 - Escória

 

P'la primeira vez na história

A escumalha é que ditou

O que artistas devem ser.

Não é cinema: é uma escória

Que aos artistas tolhe o voo

Em nome do deve e haver!

 

 

1537 - Notícia

 

Guerra e terror é o que impera

E à notícia nos inclina.

No mundo a demência opera

E opera como vacina:

- Dela bem inoculados

Já dormimos descansados!

 

 

1538 - Bestas

 

Acompanhar o rebanho

São passadas desonestas

De quem não tem outro ganho

Que partilhar-se co'as bestas.

 

 

1539 - Séria

 

"Tudo devém arte séria

Por trocadilhos e enigmas."

- Portanto, sem tais estigmas,

Arte a sério é de miséria.

 

 

1540 - Pergunta

 

Se lhe faço uma pergunta

É p'ra saber o que pensa,

Não o que dos outros junta

Com que seu vácuo compensa.

 

 

1541 - Boas

 

As pessoas que são boas

Cometerão graves erros?

Se não, por que tais pessoas

São sempre postas a ferros?!

 

 

1542 - Minta

 

Se peço papel e tinta

Para escrever uma carta,

Por que há sempre alguém que minta,

Diz que sim e então me aparta,

Põe-me a vassoura na mão,

Me obriga a varrer-lhe o chão?!

 

 

1543 - Trabalhador

 

Trabalhamos sem defeitos,

Meu País é sem igual:

- Trabalhador tem direitos,

Não dever's, em Portugal!

 

 

1544 - Chato

 

Um chato também chateia

Os seus iguais, como a gente.

Mas como é que nesta teia

Nada aprende co'o que sente?!

 

 

1545 - Acontece

 

Aqui no meu chão,

Que nada lhe esquece,

Na televisão

A História acontece.

 

Diante de nós

As transformações,

Em ritmo veloz,

Mudam aos milhões.

 

Um dia vale anos!

A Terra estremece,

Tantos são os danos!

- Que História acontece?!

 

 

1546 - Comunista

 

A polícia comunista

Me espanca, me pisoteia,

Obriga-me a pôr na lista

O que não fiz e me alista,

Insecto morto na teia...

- Mas que enorme vigarista,

A daqui tal qual a alheia!

 

 

1547 - Marx

 

Marx em modelo soviético

Encheu demais nosso prato:

Burlou quanto é sonho ético,

- Além de estúpido é chato!

 

 

1548 - Mastigar

 

A quem tem hoje pensamentos vivos,

O livro deu-lhos, mas então revida:

- Será que o que é devorador de livros

Vai ser capaz de mastigar a vida?

 

 

1549 - Perdão

 

Muito há quem peça perdão

Dum mal que nem adivinho:

- Bate no peito co'a mão,

No peito do seu vizinho!

 

 

1550 - Onde

 

Não é daquilo que poisas,

Onde o fazes é indecente:

- Tu poisas as tuas coisas

Sempre por cima da gente.

 

 

1551 - Prémios

 

Busca prémios e honrarias

De artistas a ganga vil,

E assim mata suas crias,

Prisioneiras no redil.

 

 

1552 - País

 

País do não-me-importismo

E do deixa-para-lá,

Dá-se-um-jeitinho ao cinismo,

- Nem tomba se tombo dá!

 

 

1553 - Osso

 

Quem gosta de osso é cachorro

E eu não sou cachorro, não.

Sem osso dizem que morro?

- Morro é de não ter-me à mão!

 

 

1554 - Berra

 

O Ministério da Guerra

Misérias ao mundo traz.

- Por que é que a gente não berra

P'lo Ministério da Paz?

 

 

1555 - Vergonha

 

É porque têm vergonha

Que muitos vêm negar

Cobrir génios de peçonha...

- Quanto é proibido gostar!

 

 

1556 - Tretas

 

Em concursos e eleições,

Democracia são tretas:

- Mandam mais as relações,

Tudo é medo ou são gorgetas!

 

 

1557 - Primeiro

 

Um escritor, entre nós,

Não pode ganhar dinheiro.

Reduzem-no a nada e após,

Morto e enterrado - é o primeiro!

 

 

1558 - Ofensa

 

Dizem que história é progresso

Mas onde ver-lhe o sinal?

- Neste mundo ter sucesso

É uma ofensa pessoal!

 

 

1559 - Madeira

 

Há gente de tal cariz

Que em nada nos emparceira:

- Há muitos que são verniz,

Mui poucos são a madeira!

 

 

1560 - Besta

 

Uma besta com dinheiro

Deixa  logo de ser besta:

De intelectuais é parceiro,

Do País temo-lo à testa!

 

 

1561 - Gosta

 

Não é da vida de opróbrio,

É de a si não dar-se a mão:

Quem não gosta de si próprio

Normalmente tem razão.

 

 

1562 - Falso

 

Meu grito contra ti alço,

Roubas-me mais que lisura

Porque o teu sorriso falso

É um cheque sem cobertura!

 

 

1563 - Torresmos

 

Não tomam partido em nada,

Que só pensam em si mesmos,

Nem no inferno têm entrada:

Nem gente são, são torresmos!

 

 

1564 - Comum

 

Os nazis e os comunistas

Sempre têm em comum

Dos inocentes as listas:

- Prà matança os dois são um!

 

 

1565 - Pensar

 

Ai, meu Deus, como fatiga,

Fatiga infinitamente

Pensar que a pensar obriga

A vida que a gente sente!

 

 

1566 - Atenção

 

Há quem visite um defunto

Porque assim cumpre por junto

Todo o dever social,

- Quando já de nada vale,

Ao morto, uma vida à espera

Da atenção que lhe não dera!

 

 

1567 - Terrorista

 

Algum terrorista é bom?

- O terror não é um desporto

Nem tem consideração:

Bom, só o terrorista morto.

 

 

1568 - Falta?

 

Sobre o rico e sobre o pobre

Berra o político em alta.

- Que é do povo que lhe sobre,

Noventa por cento em falta?

 

 

1569 - Moral

 

Em vez do bem e do mal

E dos juízos do amor,

Antes descubro este abismo:

- O que chamam de moral

É um convívio palrador,

Outro nome do egoísmo!

 

 

1570 - Preço

 

O preço duma manhã,

O peso que pesa o ar!

P'ra comer uma avelã,

Quantos, na insistência vã,

Partirão mesmo um molar?

 

 

1571 - Pés

 

O que há de mais asqueroso

Não são mesmo os rapapés:

À roda dos canapés,

Desta gente o maior gozo

É que tenham tantos pés!

 

 

1572 - Política

 

Política é a dúctil arte

De nos servirmos dos mais

A obedecer-lhes em parte:

Cada qual tanto se parte

Que perde os próprios sinais!

 

 

1573 - Vida

 

Vida são jogos atrozes:

Ganhar em todas as frentes

Ferrando, em redor, os dentes.

- Jogo de animais ferozes

A fazer de inteligentes!

 

 

1574 - Cão

 

Tanto que batem co'a porta,

Tanto gritam em falsete,

Tanto tudo se repete!

O cão não foge da torta,

O cão foge do cacete:

Ao homem-cão que é que importa

Pedra, navalha ou mosquete?

 

 

1575 - Farejo

 

Não preciso lampião

Para te ferrar bem fundo.

Um dia ainda hei-de ser cão

E, se nisto me aprofundo,

Já nem deveras te vejo,

Antes, sim, eu te farejo,

Farejo-te a sério, Mundo!

 

 

1576 - Intimidade

 

Dominar a intimidade,

Cercá-la, empurrar, contê-la

Tal rebanho de carneiros

Que se escapa e nos invade...

Pregar uma ideia à tela,

Evitar quanto se evade

Por inúmeros carreiros...

E sempre esta debandada,

Degradada formação,

Diluição fora da estrada,

Tão nada é qualquer visão!

Quando meus rostos cotejo

Neste perpassar dos dias,

Não são mais do que um cortejo

De caretas fugidias.

 

 

1577 - Ladra

 

Ladra da minha mangueira,

Uma mangueira roubada

Não é nunca brincadeira.

Vou dar-te uma mangueirada!

 

Não digas que é a vez primeira!

Quem assim me sai à estrada

É nisto useira e vezeira,

Não quer é ser apanhada.

 

Eu sei porque não confessas:

Tu queres ter-ma agarrada

Mas num íntimo segredo.

 

Não preciso que mo peças:

- Vou dar-te uma mangueirada

Mesmo em público e sem medo!

 

 

1578 - Aborrecido

 

O indivíduo aborrecido

É o que consegue puxar

A conversa no sentido

Em que ele quer ser ouvido

Mais depressa, se calhar,

 

Do que o outro puxa o treno

Para o seu próprio terreno.

 

 

1579 - Salada

 

Isto é que é democracia:

Entre a conversa fiada

E a liberdade que havia

De palavra, se desfia

A conveniente salada

 

Em certas ocasiões:

- Nos anos das eleições!

 

 

1580 - Está

 

Quer precises quer não, sempre ali está,

Na presença e na ausência, alguém que é mãe,

Atenta e disponível, mesmo sem

Qualquer compensação, paga, alvará...

 

Dos amigos também se lhes verá

A marca autêntica se a algum convém

Uma aproximação do que retém

Este gratuito dom, este maná.

 

Os mais, indiferentes, pouco contam,

São os possíveis que já a nada montam.

Entre estoutros, porém, restam uns tais

 

Que às vezes páram a fazer sinais:

- Está um político pregado ali,

Sempre e só quando precisar de ti!

 

 

1581 - Prescindir

 

Em tempos de recessão

Nós iremos prescindir

Do que nossos avós não

Sonharam, nem ao serão,

Que um dia viera a existir...

- E tememos tal porvir!

 

 

1582 - Operário

 

Ser operário é destino?

- Não tem nada de fatal,

Nem sequer é desatino

De qualquer força animal,

 

Pode escolher o outro lado,

Lado onde melhor repoisa.

Ele jamais é obrigado,

Só não consegue outra coisa...

 

Suor desde o romper de alva

Ao termo do dia à justa:

O patrão sempre se salva

Dos que se perdem à custa!

 

Apostar numa ignorância

Também não será fadário:

- É garantir uma instância

P'ra que não falte o operário.

 

E eis como esta sociedade

É uma sociedade livre

Que nos dá uma liberdade

Tão livre que Deus nos livre!

 

 

1583 - Espécie

 

Será que são da espécie humana

Todos os da espécie humana?

Talvez nem tudo o que é homem

Afinal homens serão.

Quando uns aos outros se comem,

Quando alguns os demais domem,

Serão homens? - Não sei, não...

Talvez uma outra nação

Os queira, talvez os tomem...

E então os que fazem parte

Daquilo que for ser homem,

Daqueles por fim aparte,

Se calhar descansarão...

- Se calhar,

Nalgum lugar

Onde é verdade a ilusão...

 

 

1584 - Afiar

 

Como há facas e tesouras,

Se houvesse dentes e unhas

P'ra se mandar afiar,

Afiavas o que agouras:

- Dentes de víbora punhas

E as unhas dum jaguar!

 

 

1585 - Máscara

 

Quando a vida é de mentira

Mascara-se de silêncio

E o terror cada qual vence-o

Cobrindo quanto delira

De lealdade insuspeita:

- Fica a máscara perfeita!

 

 

1586 - Universidade

 

A Universidade prega

Um saber válido em si

E a beleza que congrega

Por dentro a pessoa inteira.

Mas da vida o frenesi

Tudo impõe doutra maneira:

O fazer é que abre conta

E as notas tornam-se tudo.

- A nossa cultura é tonta,

Este Ocidente, um entrudo!

 

 

1587 - Trabalho

 

Nem tudo será capaz

De me obrigar ao que valho

Na preguiça a que me apego:

O plano mais eficaz

De incentivar o trabalho

Chamamos-lhe desemprego!

 

 

1588 - Mulher

 

Vê como se satisfaz

O desejo que te aquece:

Para a mulher, quem mais faz

É que ao fim menos merece!

 

 

1589 - Direito

 

Direito, dos homens servo,

Menos dos que servos são,

Da justiça é tal o acervo

Que aos que em defesa lhe vão

Matará sem qualquer custo

E diz que isto é que é ser justo.

 

 

1590 - Funeral

 

Para quê uma pessoa se matar

Se, afinal,

Não está cá para se vingar

Durante o funeral?

 

 

1591 - Amor

 

O primeiro amor

Diverge do derradeiro

Por sempre último o supor

E este ser sempre o primeiro.

O amor é o infinito...

E a traição nele murmura

Por detrás de nosso grito:

De infinito valor

É infinito o amor...

...Mas apenas enquanto dura!

 

 

1592 - Bem

 

Namorado, foi "meu bem"

Para cá e para lá.

Casado, que bem será?...

Separado, sei também

Que um outro bem haverá:

"Teus bens p'ra lá, meus p'ra cá!"

Mas entretanto ninguém

Vê que bem falta acolá.

 

 

1593 - Inteligentes

 

Rimos todos, naturais,

Sem que à semente da morte

Que dentro o corpo transporte

Nós nem liguemos jamais.

 

E somos todos iguais,

Todos iguais e pior:

Cada qual crê que os demais

São diverso a se lhe opor;

 

Iguais, porém convencidos

Que somos bem diferentes.

E ficamos entendidos:

Somos mesmo inteligentes!

 

 

1594 - Farisaica

 

Tanta criança nascida

Na vida para a desgraça!

Tanta ida

Já perdida

Em tudo quanto se passa!

Como nos descansa

A irresponsabilidade

Da farisaica confiança:

"Seja feita a vossa vontade!"

 

 

1595 - Caridade

 

Das obras de caridade

Não gosto.

Essa gente que, aposto,

Se há-de

Reunir para gozar

O gostinho de ser boa,

Se calhar

Nem faz mais que bem à toa.

Pior, porém,

É seu perverso prazer

Por poder fazer o bem

Em lugar de o receber!

 

 

1596 - Sociedade

 

Desta sociedade os hortos

São de curtir-nos as peles?

Resumem-se os seus desportos

Em levar flores aos mortos

E após deitar-se com eles?

 

 

1597 - Pretensão

 

Nossa triste condição

Mostra-se neste capricho:

Quem tem maior pretensão

É quem mais veio do lixo!

 

 

1598 - Dinheiro

 

Ao mundo move-o o dinheiro

E com tal velocidade

Que até compra por inteiro

A perdida honestidade:

Da mentira faz verdade

Perante qualquer parceiro.

 

 

1599 - Político

 

O político é um alvo pronto para o humor,

Já que nos salta aos olhos o pretensiosismo:

Com o tempo amadura a fruta com que cismo,

Para em riso abafar quanto gerou furor.

 

Um gesto vago o trai e logo cai no abismo

Quando é a pomposidade que lhe pinta a cor,

Ou se, de estupidez, de si não é senhor,

Ou se é tanta a arrogância que pavão o crismo.

 

Então chegou a altura de irmos atrás dele

Em cortejo de entrudo, tocando nos bombos,

Com o riso a espantar à nossa volta os pombos

 

Que inocentes se deixam atingir na pele.

Eis como lhe afirmamos, em jeito singelo:

- Vamo-nos rir de si se continuar camelo!

 

 

1600 - Política

 

A política serve para não servir.

Quando a vida discorre fecunda e serena,

Um político vem e desgrenha a melena,

Barafusta, resmunga, o dedo no nadir,

 

E em nome desse além todo o aquém nos condena

E ora é preto, ora é branco o que aguarda o porvir,

Conforme o gosto e a gente que entenda zurzir.

O político é um homem: dá riso e dá pena!

 

Mas por trás do grotesco ele afinal é esperto,

Não somente, que é o menos, porque a história grava,

Mas, ágil, porque vive do cordão aberto

 

De todos os palermas que ele assim aldrava.

Pergunto-lhe o que dantes ele fez ao certo:

- Antes de ser político? Eu trabalhava!

 

 

1601 - Besoiros

 

É tão fácil dizer mal,

Encher o ar de besoiros!

Quando, afinal,

Em ponderação serena,

Não é o mesmo falar de toiros

Que enfrentá-los na arena

 

 

1602 - Velha

 

Na velha escola, a velha carteira.

Na velha carteira, o buraco

Do tinteiro, mesmo à beira,

Do tamanho dum pataco.

 

E hoje o garoto, intrigado:

"Será que isto é para pôr"

- Questiona para o lado -

"Os fios do computador?"

 

E assim é que a velha escola

Se quer do mundo ser mola!