CORAÇÃO DA
VIDA
PRIMEIRO VERSO
HÁ QUEM NÃO CREIA NO SABER DO
POVO
Escolha aleatoriamente um número
entre 1 e 121 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1 – Coração da Vida
Há quem não creia
no saber do povo,
Longe procure o
que na casa tem,
Vazio sempre o
que melhor convém
Para à rotina
contrapor o novo.
Eu verei lúcido o
que houver num ovo
Que, por antigo,
então assaz contém
Desde a raiz o
que de lá nos vem,
Como o porvir
cujo antegozo provo.
Sabedoria não
será ciência
Nem a eficácia de
mover o mundo,
Mede precisa esta
banal paciência
Que nos arrasta
do mais longe e fundo.
Ela demora,
sábia, ali contida
Em meio ao povo,
coração da vida.
2
8
Há quem não
creia
Universo
Há quem não
creia
O Universo é nossa mãe
No saber do
povo.
Universal e sem par,
Semeia,
Não por nos parir tão bem,
Entrança o
ninho,
-
Por dele tudo gerar.
A vida compõe e
dispõe...
- Mas nenhum ovo
Põe
9
Pelo
caminho.
Orgulho
O amor próprio gera orgulho
3
Que
a razão tem de abater
Persistente
E não ferir, que o
gorgulho
Se
enquista então sem morrer.
Onde o
inteligente falha
E o talentoso
também,
A sorte é de quem
trabalha:
10
- É o persistente
que a
tem!
Almeja
A vida se move
4
Como não se almeja:
Nosso
Se dum lado chove,
Dos
demais troveja.
Um lugar passa a
ser nosso
No momento em que
sabemos
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Onde as estradas
que
temos
Perdão
Desembocam cada
troço.
O problema é de saber
Que
medida há no perdão:
5
Podendo sempre esquecer,
Ilusão
Ninguém perdoa a traição.
A ilusão é um
guarda-chuva:
Se me abriga,
logo a
perco.
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Mas, sendo pele e
não
luva,
Tirania
Não tem cura: não
a merco.
Da mulher a tirania
É duma estranha exigência:
6
Aos homens não perdoaria
Meia
Quaisquer formas de impotência.
A meia verdade
tem
A vertente que a
desfeia:
13
- É que em geral
é
também
Muda
Ainda menos que
meia.
A paisagem muda, do tempo ao andar,
Ou
muda o conceito com que nós a vemos,
7
Ou mudamos todos de tempo e lugar,
Dor
- E tudo nos muda no que
não queremos!
Quando a dor se
não olvida
E a vida tomba no
horror
Ou se tira à dor
a vida
Ou se tira à vida
a dor.
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20
Face
Presença
A nossa face
funérea
Basta-me só um dedo: ameia-me,
Não é o fado que
a
encastela:
Do nada passo à presença.
- Muito pior que
a
miséria
- Ama-me, pois, ou odeia-me,
É o medo que se
tem dela.
Não me dês a indiferença!
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21
Medo
Forte
Há tantos medos
no
medo
Se fores bastante forte
Que o medo nos
talha a
sorte,
Tua força nos desmente
Pois nossa sorte
é o
degredo
Que árvore de grande porte
Dum só medo que é
o da
morte.
Terá sempre precedente.
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22
Trabalha
Descuidadas
Trabalha como
convém,
É
porque as mãos descuidadas
Breve estás
realizado:
Se não ralam co'os degredos
Labor que começa
bem
Que lhes vão, águas passadas,
Logo está meio
acabado.
Os sonhos por entre os dedos.
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23
Trata
Rotina
Trata de tratar
os
mais
A nossa maldita sina
Como a ti tu
gostarias,
Parece nem ter lugar:
Que o resto dará
sinais
Se a desgraça é uma rotina
De encontrar as
próprias
vias.
Perde o poder de assustar.
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24
Famoso
Espelho
O melhor não goza
o
gozo
Melhor espelho é o mais velho
Da fama nem do
valor,
Espelho
com que condigo,
Pois jamais quem
é
famoso
Pois o meu melhor espelho
No que é famoso é
o
melhor.
É o dum olhar dum amigo.
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25
Promessas
Arrogância
Relações bem
sucedidas
Sê simples como na infância,
Num segredo pedem
meças:
Senão perdes teu mercado.
- Pontuam as suas
vidas
Quem janta com arrogância
Cumprindo sempre
as
promessas.
Vai dormir envergonhado.
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Amo
Vale
Não te pendures
dum
ramo
Vale mais ser camarão
Frágil, mesmo
sedutor:
Perdido no mar da vida
O escudo é um bom
servidor,
Que uma baleia fornida
Mas será sempre
um mau
amo.
Na praia já morta em vão.
27
33
Entrevistador
Sábio
O bom
estrevistador
Amar é sábio o presente
É o que sabe seu
lugar:
Com aquele mesmo amor
Pergunta, doseia
humor,
Com que lhe darei valor
Ouve e mais -
sabe
calar!
Quando em passado se ausente.
28
34
Silêncio
Topo
Não temas
qualquer sequela
A ciência, ao assomar
Do que o silêncio
te
acorde:
Ao topo duma montanha,
Uma língua
tagarela
Sempre encontra no lugar
É que a si
própria se
morde.
A religião na amanha.
29
35
Masmorra
Valho
A masmorra
carcereira
Minha contabilidade
Em si mora encarcerada:
Do que valho ou que não valho
A sociedade é
parceira
Vai ser meu rol da amizade:
Por sua mão
própria atada.
Os amigos a quem calho.
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Fito
Espelhos
A um país
pequeno, o
fito
Cuidado com os espelhos!
É o que lhe
decide a mão:
Só
me reflectem o traço,
Quantas vezes o
mosquito
Alheio a quaisquer conselhos,
Já derribou o
leão!
Do que de mim penso e faço.
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37
Enigma
Cego
Enigma sou sem o
amor,
O amor é cego e cega de tal sorte
Adivinha
indecifrada,
Que se tem por mais sólido o caminho
Porque vejo e sou
melhor
Que, afinal, troca a vida pela morte
Nos olhos da
bem-amada.
E ao incauto destrói, no fim, sozinho.
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44
Fala
Corpo
Fala: por muito
que
fales,
O corpo duma mulher
Nem a mínima
porção,
É um musical instrumento
Sem que o
principal me
cales,
E as melodias que der
Falas de meu
coração.
Mais secretas são que o vento.
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45
Ébrio
Indigno
Toda a jura é uma
mentira
Se
indigno e de si distante
E toda a mentira
jura
Se sente um homem na estrada,
E até Deus de
amor
delira,
É uma experiência falhada,
De amor ébrio no
que
apura.
Torna-se um erro ambulante.
40
46
Saber
Grilo
O saber antigo
clama:
Eu vou apanhar um grilo,
Só um primado não
ilude
Aqui no sopé da serra,
- Chegar ao
Templo da
Fama
Mais que para ouvir-lhe o trilo,
Quer, primeiro, o
da
Virtude!
Para
ouvir a voz da terra
41
47
Rico
Veneno
Quem quer casar
bem e
rico
O veneno é perigoso,
Falta-lhe
discernimento,
Mas perigo desmedido
Que a riqueza com
que
fico
É se, ignaro, dele gozo
De amor é o
contentamento.
E me enveneno escondido.
42
48
Perfeito
Engano
Nunca mais homem
algum
Dum amor é tal o engano,
Amará perfeito a
Deus
É tal o engano do amor
Senão neste amor
comum:
Que onde engana com mais dano
O amor pelos
irmãos
seus.
É que engana o enganador.
43
49
Escondem
Pecado
Amando as coisas visíveis
Muitas vezes o pecado
As invisíveis
amamos,
Tem o perfume do sândalo
Que naquelas,
estas,
críveis,
E dele o que dá cuidado
Se escondem por
entre os
ramos.
Dele não é mas do escândalo.
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50
56
Pecar
Vis
Se o pecado me
desgosta,
Palavras ditas não fedem,
Triste de a Deus
afrontar,
Mas algumas são tão vis
Não pára o gosto
que
gosta
Que as vilanias excedem
De continuar a
pecar.
Quanto nos tapa o nariz!
51
57
Pior
Melhor
Se a ofensa é
pior que a
morte,
É
melhor mostrar, às vezes,
Só se vai
topar-lhe
abrigo
A imperfeição que se ilude
Se se pune de tal
sorte
Que ser no fundo soezes
Que pior que a
morte é o
castigo.
Sob o manto da virtude.
52
58
Passeia
Disfarce
Tão estreita é
uma
prisão
Um disfarce que é emprestado
E em nós tanta a
liberdade
Vai desonrar tanto aquele
Que o pensar não
tem
grilhão:
Que a tirá-lo for forçado
- Preso, passeia
à vontade.
Quanto
o honrou sendo-lhe pele.
53
59
Risco
Aprecio
Risco a que mais
facilmente,
Contentamento não ouso,
Uma amizade é
sujeita:
Não
o suporto medido.
- Quando a
confiança em que
assente
E aprecio só o repouso
Nos dá lugar à
suspeita.
Depois de o haver perdido.
54
60
Falta
Trajos
Quanto mais nisto
aprofundo,
De conventos e sermões
Mais a evidência
é maior:
Andam muitos aos enganos:
O problema-mor do
mundo
Não se deixam as pixões
É só o da falta
de
amor.
Ao deixar trajos mundanos.
55
61
Acorda
Tanto
Acorda, Homem,
que o
dia
Sempre nós duvidaremos
Que hoje nasceu é
aquele
Que incrédula uma mulher
Que o mundo
inteiro
extasia
Seja tanto quanto vemos
E adivinha:
estamos
nele!
Que bela costuma ser.
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62
68
Estranha
Domem
Coisa estranha é
ser o
amor
Como elas nos domem,
Tanto mais forte
em si
quanto
Quando
Deus o quer,
Mais insensato o
teor
Não precisa de homem:
Ou mais atreito
ao
quebranto.
- Basta uma mulher!
63
69
Avesso
Entrementes
Todos os que bem
melhor
Quantos erros persistentes
Que os mais
pretendem que sejam
São no fim cruas verdades
Sempre acabarão
pior
Enganadas, entrementes,
No avesso do que
desejam.
No lugar e nas idades!
64
70
Preceito
Prosa
Nenhum bem pode
ser
tal
Tanto o sofre quem goza
Se o não for bem
a
preceito:
Como o goza quem sofre:
Todo o bem é
sempre mal
O tesoiro dum cofre
Se for bem mas
for mal feito.
Num
corpo é apenas prosa.
65
71
Joga
Defeito
Quem discursos
joga ao
ar,
Defeito de português
Joga palavras ao
vento.
É que tem muito rompante
Quem se modera ao
falar
Mas, provado no entremez,
Alberga mais sentimento.
Jamais é perseverante.
66
72
Grande
Memória
Tão grande é o
amor
A
memória é bom terreno,
E tanto ao
azar
Mas não de abrir-lhe alicerce,
Que dá tanto a
dor
Que a parede cai no feno,
Como a vem
tirar!
Mata quem em tal se exerce.
67
73
Acontece
Sorte
Ninguém vê o mal
que
acontece
A sorte não se destorce
Até que lhe bata
à
porta.
Por mais que a force a ganância:
Quando chega, que
apetece?
Por mais que um velho se esforce,
- É tarde, já
nada
importa!
Tornar já não pode à infância.
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74
80
Tecnologia
Policial
Tecnologia
moderna,
Crítica policial
Menos trabalho,
lazer...
Julga
a produção das artes
Mas que é que
temos à
perna?
Pelo autor a quem quer mal
- Não temos tempo
a
perder!
Não por mensagens e apartes.
75
81
Divide
Inteligência
Quem tempo melhor
compensa
Inteligência é o poder
É quem o divide
igual:
De as visíveis e invisíveis
- Após uma vida
intensa
Coisas se compreender
Vem o repouso
total.
Que são incompreensíveis.
76
82
Presunção
Poucos
É da maior
presunção
Quando os objectos são poucos
Vermos em casos
fortuitos
Os factos tornam-se escassos,
A nossa
destinação:
Pensar
é um sonho de loucos,
É que um vale
então por
muitos!
São fantasmas nossos passos.
77
83
Fascista
Bicho
Mesmo num país
fascista,
Sou
este bicho da furna
Se há sangueira,
uma
aparência
Que as desgraças repetidas,
De legal se quer
que
exista,
Como as cinzas numa urna,
Tal é o medo da
audiência.
Me perdem todas as vidas.
78
84
Covardia
Face
Covardia
oficial
As pessoas não diferem
É a que espanca,
que
tortura
Por uma ou por outra classe,
E, se as coisas
correm
mal,
Só aparências nos conferem
Suicida alguém na
clausura.
A
cada qual sua face.
79
85
Papão
Junto
Se alguém se
mostra
papão,
Há quem tenha o coração
Por trás do jogo
infantil,
Muito junto da garganta:
Com sua voz de
trovão
Segredo que passe à mão
Abate alguém a
fuzil.
Nem lhe a mordaça adianta!
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86
92
Reduzir
Aflição
Se de reduzir
alguém
A aflição torna egoísta,
Alguém me
suspeitaria,
Fá-lo devir não fiável
Tal suspeita não
me
atém,
Àquele contra que invista,
Ela é que nos
reduzia.
Mesmo se antes fora amável.
87
93
Gato
Coragem
Pata macia de
gato,
A coragem, luz na treva,
A notícia ao
infeliz
Quanta vez é falsidade:
Lentamente se lhe
diz,
O
temor às vezes leva
Acariciando o
rato.
Mas é à temeridade!
88
94
Safadeza
Gerar
Se revolta a
safadeza,
Dantes,
dura disciplina
O que revolta de
vez,
Crime gerara em revolta.
Mais que a falta
de grandeza,
Hoje a indisciplina inclina
É mandar a
estupidez.
Mais crime a gerar à solta.
89
95
Açulam
Sobretudo
Há miseráveis que
açulam
Estar de férias é cada
E embalde açulam
quenquer
Qual ter tempo para tudo,
Quando a
aguilhada
cumulam
Tempo de não fazer nada:
Nos que não podem
morder.
-
É haver tempo sobretudo!
90
96
Personalidades
Linha
Tantas
personalidades
A linha que separa o bem do mal
Tão grandes
quanto
afastadas,
Não atravessa estados nem partidos,
E, de perto,
nulidades,
Não condena ideal com ideal:
Tão paredes sem
entradas!
- Somos homens ao meio divididos!
91
97
Costas
Veneno
Sobre ele próprio
transpostas,
Governar um país grande
Leva o homem as
medidas
É fritar peixe pequeno:
Com que se medem
as
vidas:
- Se mexer-lhe demais mande,
- Leva seu caixão
às
costas.
Mais o estrago que um veneno.
===========================================================================
98
104
Álcool
Poder
O álcool é
solidão,
Uma pessoa qualquer
Mas o só mais
melancólico
Bem se busca nas grandezas,
É o de quem vive
a
prisão
Mas
nada como o poder
Dos dias com o
alcoólico.
Para realçar-lhe as fraquezas.
99
105
Diplomacia
Topada
Arte da
diplomacia
Está sempre escuro
É deixar alguém
fazer
Ao correr da estrada
Aquilo que você
quer
Quando ao fim apuro
Crendo ele que o
quereria.
Que dei a topada.
100
106
Cordel
Ditaduras
Se empurrarmos um
cordel,
Se te casas e és cordato
Não vai a parte
nenhuma;
Mas um dogma entremisturas,
Se o puxarmos,
segue,
fiel,
Teu casamento é um contrato
O rumo a que a
mão nos
ruma.
Entre duas ditaduras.
101
107
Empatia
Personalidade
Compreensão e
empatia
Uma personalidade
Levam os mais a
atender-te,
É o fruto das somas várias
Pois crêem, no
fim da
via,
Que juntam a actividade
Que algo os
mantém e os
alerte.
De escolhas nossas diárias.
102
108
Essencial
Ordenado
O princípio
essencial
Dinheiro
que todos comem
Para se podr
impor
É o metro com que me meço:
Será uma relação
tal
O ordenado é para um homem
Que ninguém logre
se
opor.
A medida do sucesso.
103
109
Exercício
Folha
Mais importa o
exercício
Como a uma vinha pertence
Ter contra a
mortalidade
A folha ao ramo agarrada,
Que o peso tornar
em
vício:
Minha terra me convence
- Dieta é uma
falsidade.
A ter casta registada.
===========================================================================
110
116
Virtude
Textos
É virtude que te
peço
Os textos religiosos
Sem paga haver em
meu
bolso:
Nascem
das sociedades,
- A virtude tem
um
preço
Depois nestas, montanhosos,
Que inclui sempre
reembolso.
Talham o clima às idades.
111
117
Suspeita
Inverso
Quando existe uma
suspeita,
Se dos pés para a cabeça
Pode envenenar a
mente;
A bola pode saltar,
Por mais que ao
mal seja
atreita,
O inverso ninguém o peça,
Não mata o corpo
da
gente.
Se se trata de pensar.
112
118
Tragédia
Cheira
Vivemos nesta
floresta
Aqui cheira-me a trabalho,
Tendo a tragédia
por
sorte
Sombra a suar das neblinas.
Sempre ao
culminar da
festa,
Quando
meto pelo atalho,
Nossa tragédia da
morte!
Cheira às férias nas colinas.
113
119
Modo
Improviso
É sempre de modo
estranho,
Ser íntimo de improviso
Inocente e de
comédia
Não nos garante mantença:
Que o destino com
que
venho
Conhecimento sem siso,
Trama as teias da
tragédia.
Dilui-se na indiferença.
114
120
Água
Avô
Água corre com
saudade
Um avô que é avô a sério
Daquilo que ainda
não
teve:
Define-se por si só
O toque da
infinidade
Por detrás deste mistério
Do mar nela aqui
tão
breve.
De ser avô tão avô.
115
121
Estrada
Conselho
Bíblia dantes e
Alcorão
Aquilo de que eu gostava,
Talharam marcos
na
estrada;
Quando novo, era ser velho;
Hoje é da nossa passada
Velho, o que o passo me entrava
Que lhes vem a explicação. É ter seguido o conselho.