NONO VERSO
SABEDORIA NÃO
SERÁ CIÊNCIA
Escolha aleatoriamente um número
entre 847 e 946 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
847
852
Sabedoria
Curar
Sabedoria
Não é um problema, doutor,
Não será
ciência,
A questão de me curar.
É o sabor que
principia
Para a doença maior
Quando descobrimos que por trás de
tudo
Eu preciso é de mentor:
Há,
sobretudo,
-
Para aprender a pensar!
Ausência.
848
853
Solução
Vazia
O passado é a
solução
Uma cabeça vazia
Dos enigmas que eu
enfrente
É sempre um risco eminente,
Ao buscar o que
procuro:
Não pelo que conteria,
Vendo o que ele foi
então,
É que atulha a fantasia
Comparando-o co'o
presente,
Por si própria, de repente,
Posso prever o
futuro.
Dos mais loucos pensamentos
Que virão de dentro dela
849
E
não terão elementos
Significado
Que
nos falem dos momentos
Do
que vemos à janela.
Pela vida além buscar
O que significa a
vida
Vai ser mesmo urgente enchê-la,
É mais do que procurar:
(Já que, por falta de aviso,
É já, de forma
escondida,
Perderá mesmo o juízo)
Significado lhe
dar.
Do que do mundo na tela
Nos traz cada ser preciso.
850
É que os monstros, doutro modo,
Biografias
Brotar-lhe-ão
do inconsciente
E
arrastarão pelo lodo,
A questão das
biografias
Confundindo o sonho todo,
É que só são
admiráveis
Quanto na vida é decente
Se os biografados são mortos.
Quando vivos, atrofias
As proezas mais
fiáveis,
854
Desanca-los, põe-los
tortos!
De
parte
Só deparo com farrapos
Destes génios
mutilados,
De parte vê quanto nos tapa
Toda a vida
achincalhados,
A vista demasiado,
Quando, mortos, junto os
trapos.
Quanto o melhor nos escapa
Se
o de dentro é o nosso lado.
Como superar o fosso
Do génio feito um
destroço?
Viver demais uma intriga
Com a verdade em nós briga.
851
Sentido
855
Imagens
Um amor é uma emoção,
Um sentimento
vivido,
As imagens se nos somem
É uma ideia, um
furacão...
Como na figueira os figos
Não é nada disso,
não:
Que as aves larápias comem.
- No fundo, o amor é o
sentido!
O que sou para os amigos
=====================================================================================
Jamais é o que de mim
tomem
Daquela estranha doença
Os que são meus
inimigos.
De aos outros abrir o cofre
E no halo dos
afazeres
Dos
génios maus que ao fim vença,
Que serei para as
mulheres?
Com o pecado revelho
O mistério
continua
De se não ver ao espelho.
Quando ponho o pé ma
rua:
E assim vamos todos cegos
Qual será minha
feição
A
afundar-nos pelos pegos.
No que imagina este cão
E aquele gato vadio
Como é que vê meu
feitio?
859
Doida
As imagens se nos somem...
- Afinal, que será um
homem?
A pessoa mais normal
Irá
por doida passar
Do psiquiatra ao olhar,
856
Sempre ávido de intuir
Grade
Na
mente de cada qual
Seja
o que for que bulir:
Há muito quem fique
preso,
E na avidez desmedida
Pássaro numa
gaiola,
Internará no hospital
Sem jamais tomar o
peso
Nem
que seja a própria vida!
A quanta grade o viola,
Pois, se o toma, ainda verá
Que, afinal, grade não
há.
860
Riso
E ali mora no cantinho
Que no mundo julga o
seu,
Como é que o riso renova
Ama e odeia,
adivinho
A nossa visão tacanha,
Do que fora será o
céu
Rasgando estradas no chão?
E tão infeliz se
julga,
- O riso é uma branda escova
Desgraçado se
promulga
Que tira as teias de aranha
De cima do coração.
Que a si talha a própria sina:
- Torna-se quem se imagina!
861
Ambiciosos
857
Atropelo
Os
que são ambiciosos,
Além
de quanto possuem
Aquilo que a gente
diz
Buscam fins mais perigosos
Nunca aquilo é que se
ouve,
Em que os homens se diluem:
Que o sentido não condiz.
O que houver daquilo que
houve,
Como os animais e plantas
Num ouvinte, é um
atropelo,
Querem os homens às tantas!
Gizado à sua maneira,
Em que todo o meu desvelo,
Da forma mais
trapaceira,
862
Devém mero
fingimento Homem
De sentido e sentimento.
E aqui vou sempre
sozinho
A vida humana é um vulcão
Ao lado de meu
vizinho.
Que não encontra saída:
Ser homem é uma paixão
Que
não é correspondida.
858
Doença
A psiquiatria já sofre
=====================================================================================
Não, não pode ser
verdade
866
Que uma estrada
verdadeira
Subalterno
Seja a que o porvir invade
E após não chega à
fronteira!
Subalterno é o preconceito
De julgar-se no dever
Mas quem sabe do
mistério
De ter de odiar do peito
Do homem, de arcanos seus?
O chefe, mas sem dizer.
Não basta o maior império,
- Era preciso ser
Deus!
O que se torna exequível,
No termo desta missão,
É
que só resta possível,
863
Ante o chefe, a submissão.
Buscar
Na
humilhação da humildade
Buscar um sentido à
vida
Acaba sendo impelido
É procurar por um
Deus
Pelo amor da potestade,
Que no mistério do
mundo
Feito escravo convencido.
Dilate a minha medida.
Fica o problema mais
fundo:
E nem sequer vem do medo,
Nesta busca doutros
céus
É
espontânea dentro dele
Qual a terra que ao fim
viso,
A entrega ao fim a tal credo
De que Deus é que
preciso?
Que é do subalterno a pele.
864
867
Sei
Letra
Eu só sei que nada
sei
Os coelhos, os carneiros
Ou nem isso
saberei,
Não são pessoas, ou são?
Que para tal
conclusão
Os homens são os primeiros
Não basta esperto
convénio:
Que
o que são não saberão.
É preciso dimensão,
Dimensão que só de
génio!
Pessoas são animais
E por mais que um homem ande
Só distingue os seus sinais
865
De assinar com letra grande.
Dedicar-me
Dedicar-me à minha
gente
868
Requer mais que
sacrifício,
Medo
Desistir de ser valente,
Mendigar um
benefício.
Não tenho medo nenhum
Dum homem, qualquer que seja.
É preciso
compreender
Medo só me resta um,
Que, desde que eu abra a
boca
O daquilo que não veja,
E o que penso vá
dizer,
Daquilo
que não conheça,
Um dilema se
coloca:
Dos entes que andam perdidos,
Que moram na humanidade
Não a abrirei p'ra
comer.
E com que um homem tropeça.
E, se assim o vou pagar,
Mesmo
em alerta os sentidos,
Os meus também vão
sofrer,
Deles é qual a verdade?
Os meus, se me não
calar.
Eu terei de o descobrir
Para poder garantir,
Mais que minha sanidade,
- Que pode haver um porvir!
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869
873
Quê
Aprender
Procurando não sei
quê
O que se deve aprender
Ando à deriva na
vida...
É o significado da vida
E o que perdi que é que
é?
Naquela conta devida
Aí é que está, que esta
lida
Que
baste para morrer
Com a prontidão contida
É à procura duma
coisa,
De quem cumpriu seu dever
Coisa que nunca
perdi...
E então faz a despedida.
Mas o anseio não repoisa
Se a não encontrar aqui.
874
Mas como encontrá-la,
como
Flores
Se nem sei que é que será,
Só sei que é coisa de
tomo
O habitante solitário
E que onde estou nunca
está?
Dum planeta sem ter flores
Creria dever diário
O de alegrar os humores
870
Devido apenas ao facto
Robô
De
aqui as termos em acto.
A mente humana, de exausta,
Vive condenada à
morte.
875
Destina-lhe a sina
infausta
Louco
Um de dois fados à sorte:
Entre o louco e eu
Um será o de
enlouquecer,
Há uma diferença
Outro, o de
imbecilizar-se...
E que é muito pouco
- Do mundo no
entardecer,
Em qualquer sandeu
É a vez de o robô
pensar-se?
Que bote sentença:
- É que eu não sou louco!
871
Incompreendido
876
Perde
É o amor incompreendido?
Incompreendido não
é,
Que
acontece a quem procura
Tudo vai é do sentido,
O pote de oiro e por fim
De como dele dar
fé.
Se perde nesta aventura?
Onde é que me encontro a mim?
Ao sermos barcos sem
remos
Como é que sei que na estrada
Na correnteza do
olvido
No fim há mais do que o nada?
É que não compreendemos
Quem é que é incompreendido.
877
Leitura
872
Sorri
Se
todas as manhãs
Te
deres à leitura,
Constante sorri, sorri,
São frutas temporãs
Nem que seja de
tristeza!
Que
o deserto te apura.
Tristeza maior não vi
Que a do que o riso
despreza,
Em troca da cidade
Pois antes que a vida
acabe
Descobres as campinas,
Já acabou quem rir não
sabe.
Tão longe e fundo invade
Tudo
quanto imaginas!
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Degusta, ao ler, o
apelo
881
Que traz sonho no
meio:
Diabo
Com ele, o feio é belo,
Sem ele, o belo é
feio.
Disfarçamos o diabo
Com
o mais belo dos anjos
Para passarmos, ao cabo,
878
Disfarçados nos arranjos.
Fogo
Com
disfarce semelhante,
Se o diabo fora preto
Antes de reconhecidos,
Quanto para mim foi
mau,
Já dos ganhos o montante
Todos largavam seu tecto,
Nos encheu bolsos e ouvidos.
Saltavam o mar a vau.
E
porventura atraímos
Porém, o fogo do
amor
Os corações com tal força
Por mim lavra tão
interno
Que julgam trepar aos cimos
Que sempre perco de
cor
E o preço a que tudo orça,
Quanto me doi este inferno.
Quando por fim reconhecem
Tratar-se apenas de vício,
879
Na rede é que então se empecem,
Prezar
De
si próprios estropício.
Vale mais
prezar
Doravante quem tem meio,
Uma vida
aborrecida
Preso no jogo falaz,
Que arriscar a
vida
De encontrar seu próprio seio,
Por quem nos não sabe
amar.
De um passo dar para trás?
880
882
Doença
Fadário
É o amor uma
doença
Toda
a vida é lamentável
Que nunca matou
ninguém,
Quando é funesto o fadário,
Sempre embora lhe
pertença
Que a vida não é um cnário,
Morrer dando um passo
além.
É floresta incendiável
Morre na morte do
amante
E,
quando arder, não é um quadro,
Que não é
correspondido:
É apenas a vida a arder.
Mata e morre, instante a
instante,
Em tal belo não me enquadro,
Cada dia mais
perdido.
Que me faz estremecer:
Porém, sempre que alguém
ama,
Beleza, não! Não me é afim,
De tal morte não dá
conta
Que anda ao contrário de mim.
Quando seu futuro o trama
Do desdém a crua ponta,
883
Pois a si é que se
vê
Amigo
Morrendo de inanição
Quando fruto apenas
é
Como é que és tu meu amigo
Da morte do
coração.
Se me não travaste nunca
Quando podias fazê-lo?
Sempre de acordo comigo,
Acolhendo-me a espelunca
E a minha falta de
zelo...
=====================================================================================
Ao respeitar minhas
taras
Quem
fé lhes merece ou não
E aceitar-me tal qual
sou
E assim domam desenganos
Muito mais mal me
preparas
Que aos homens o coração
Que aquele que me
pisou.
Nem desmascara em sete anos!
Aquilo que te censuro,
Aquilo que não
perdoo:
886
Que conselho em ti apuro,
Desamor
Que contenção ao que vou?
Dei-me ao diabo mil vezes
Comigo antes foras
duro,
E o diabo não me quer:
Chamando-me sem
vergonha,
No inferno são mais corteses
Antes despejaras,
puro,
Que o desamor da mulher.
De minha taça a peçonha!
Dum diabo insuportável
Desgostando então de
mim,
O
inferno não é o lugar:
Talvez, por fortuna
rara,
- Para um amante amorável
Encostado a meu
confim,
É seu amor não o amar.
Quem sabe se me salvara?
É que uma amizade a
sério
887
Dela mesma é muito
avara,
Muda
Subjuga, firme, ao império
A intimidade mais
rara.
Nunca muda o coração
Só porque amor nele entrou,
Um amigo é
tolerante
Todos serão o que são
Da intolerância que,
enfim,
Tal qual são sem um tal voo.
É meu único garante
De que chegarei ao fim.
O amor mostra tal qual é
Um coração sem disfarce:
Não da tua
demissão
Louco,
se lhe é louca a fé,
Porque, meu amigo,
assim
Sensato, se usa a tal dar-se.
Não só perderei meu chão,
De vez me perco de mim.
888
884
Imagens
Pouco
Cuidado
com as imagens
Já que o coração dum homem
A que dás adoração.
Lhe obedecerá tão
pouco
Se escolhes mal as focagens
Que antes o tornará
louco
Poderás perder-te em vão.
Que os anseios dele o tomem,
Mede bem quanta
loucura
As que espalhas em teus hortos
Tua resistência
atura:
Ou guardas em teus arquivos,
- Deixa de ser cego e
mouco,
Umas ressuscitam mortos,
Antes que as feras te
domem!
Outras
dão a morte aos vivos.
E não mistures as duas,
885
Que o que acontece depois
Sabidas
É
que jamais terás luas
Que
acalmem o ardor dos sois.
As damas são mais sabidas,
Sabidas mais do que dizem.
Sete dias de medidas
Bastam, firmes, a que frisem
=====================================================================================
889
893
Maior
Estima
Um parvo maior não
há
Todo o amor nos vem da estima
Que o que se julgar esperto
Do valor de quem amamos.
E maior sábio
será
Quando cai de lá de cima
Quem de ignaro se crê perto.
Caiu-lhe o valor dos ramos.
Muita coisa afinal
sabe
O desprezo pela falta
Aquele que reconhece
De quem nos foi desleal
Onde o saber se lhe
acabe:
Nos desnuda a nobre e alta
Sábio do que lhe não
cabe,
Árvore do bem e mal.
- Sabe que nem se conhece!
894
890
Maior
Morte
O
prazer não é perfeito
Nunca a morte pode
ser
Com
o coração pesado,
Nossa maior
punição,
Porém sou-lhe mais atreito
Que sofrer sem
remissão
Quanto maior é o pecado.
Toda a vida faz querer
A morte por
salvação:
E, como é o fruto proibido
A morte assim
entendida
Assim o mais desejado,
Vale então mais do que a
vida.
Convém bem ter no sentido
Que é que ao fim fica vedado.
891
Ao
nada vedar, é a mim
Dobro
Que
me vedo qualquer fim.
São em dobro condenáveis
Vilanias e
cruezas
895
Quando, por baixo de
rezas,
Mais
Encobrem as suas presas
Com mantos
encomiáveis.
Mais
prezo a pobreza honesta
Um é o crime que
praticam,
Que a riqueza duvidosa:
Outro, a venda que lhe
aplicam.
Aquela serviços presta
E esta de todos se goza.
892
Porém,
a meta sonhada
Tolos
É
ser rico honestamente
E
não ser ladrão de estrada
Sempre os tolos vivem
mais
Que, além de pobre, é indecente.
Do que usam os assisados:
Não dissimulam
jamais
Honestidade e pobreza
Por que paixões são
levados.
Não têm de andar a par,
Como o crime da riqueza
Os que sábios julgam
ser
Não
é nota singular.
Cobrem tanto a imperfeição
Que droga acabam por
ter
O bom e o mau se entrecruzam
Em lugar do
coração.
No coração de qualquer
Conforme as vidas abusam
Balançando o ser e o ter.
=====================================================================================
Mas quanto cínico
frui
Quando, por este intermédio,
De vazio
coração
Vão
crescer os escalões
O que doutro suor flui
Das classes no feixe médio,
E lhe vai cair na
mão!
Vão ser deste as decisões.
Refocilam na
abundância
É quando o poder maior
Quando a migalha
escasseia
Na
classe média é somável
A quem trabalhou com
ânsia
Que o governo e que o valor
E ficou sem pé de
meia.
Virá dela, inevitável.
Então riqueza e
pobreza
E assim se contrabalançam,
Põem um dilema presto:
No
fiel intercalado,
Qual a norma que se
preza
Os extremos no que alcançam:
Para um equilíbrio
honesto?
Fica o povo, enfim, folgado.
Quanto mais nisto se apura
Nossa
consideração
897
Menos a lei se
depura,
Distinguir
Não há mesmo solução.
Não será ninguém melhor
Ricos e pobres,
perenes
Que a criança a distinguir
Andaremos lado a
lado
Entre o
que é dito e o sabor
E aproximações
solenes
Do falso a se travestir.
É o que nos permite o fado.
As acções falam mais alto
Incansáveis
andaremos,
Do que palavras gritadas
Tentativa a tentativa,
Porque,
se na voz me falto,
A eliminar os
extremos...
Sou corpo em quaisquer jogadas.
- Só imitamos vida viva,
E a linguagem corporal
Como nos
encontraremos?
É
muito mais eloquente
Haverá mesmo um
lugar
Que da voz qualquer sinal
Onde um dia, por
azar,
Que diz tanto quanto mente.
O Homem de vez seremos?
898
896
Pobre
Economia
Dou-lhe
o meu tempo, a energia,
A liberdade
política
Por vezes só dou dinheiro,
Segue uma bizarra
via:
Mas já dignificaria
Não é luta, não é
crítica,
Um pobre de rosto inteiro.
É a da livre economia.
Dele, porém, que se apura?
Encorajar livre
curso
- Daquela proveniência
À economia dum
povo
Vem-me
de ser rico a cura
Abre-lhe novo
percurso
E volta-me a consciência.
Aos direitos em renovo.
É que ser é só mistério
Nada fica como
dantes
Se não acolho o fadário
Depois do passo
primeiro:
De viver sob este império:
As decisões
importantes
- Que ser é ser solidário!
Tomam-se onde houver dinheiro.
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899
902
Maleita
Tremer
Uns escolhem a
direita,
Quando tremes tu não tremes,
Outros preferem a
esquerda
É a vida a tremer em ti.
E ninguém vê que a
maleita
A coragem não tem lemes
Que provoca toda a
perda
Senão
se me defendi.
É que a maior parte busca
Viver dos outros à custa.
A vida nos ata os nós
É direita e esquerda a
esmo,
E tudo o mais é vaidade:
Que o centro mora em ti mesmo.
Mais esperta que os avós,
Só
ela não tem idade.
900
Pensas tu que vais andando
Ignoto
E
ela aí por ti passando!
As palavras são inúteis
Sombras da
realidade
903
E não porque sejam
fúteis
Importa
Quando nos falam verdade.
Que já não esteja morto
É que a
representação
Porque acordei para a vida,
Reveste outra
natureza
Isso
importa. E eu me importo
Que a das coisas em
acção,
De ser a bandeira erguida
Carne e sangue da beleza.
E mais de não ter morrido
E as coisas tanto
ultrapassam
Ainda até ao momento:
O saber e a
experiência
De carne dar ao sentido
Que o imaginário
deslaçam,
Que adivinha o sentimento.
São dum ignoto a evidência.
A razão não move, não:
Dá-lhe
a força o coração.
901
Companhia
904
Não é como tu ou
eu,
Sentido
Não se parece a ninguém,
Sozinho, de peito ao
léu,
As palavras a boiar
E nunca está só,
porém.
Na meia-luz sem sentido
E tudo quanto é vivido
Durante todo o
caminho
Sem nelas tomar lugar...
Tem estranha companhia
Que o reconforta,
adivinho,
Porque
o que cresce nas lavras,
Nos pedregulhos da
via:
O que brota dum gemido
Jamais encontra palavras
Era um Francisco de
Assis,
Nem pode ser discutido:
Jesus Cristo, Maomé
E os mais estranhos
perfis
É todo o fluir dum rio
Que o mundo ergueram de
pé.
Em que as palavras são velas
A correr no corropio
Se calhar serei blasfemo
Do que o vento fizer delas.
Ao falar como assim falo
Da verdade por que tremo
E que é blasfémia se a
calo.
=====================================================================================
905
908
Crer
Negócio
Uma só resposta:
crer.
Se o negócio é bom ou mau,
Além disto que é que
resta?
Tudo pende do dinheiro
Uma vida que não
presta
Cuja valia flutua.
Sobre o mistério do ser.
O
Homem, não: passa a vau
Crer em Deus e na
bondade
O ter um valor cimeiro,
Que há no fundo mais
profundo
Pois nada vale na rua.
Intacto da humanidade.
E a dúvida em que me
inundo?
Nossa trágica morada
É
valermos tudo e nada.
É preciso muitas vezes
Duvidar e duvidar,
Senão naquilo que
prezes
909
Como vais acreditar?
Meio
Tolhido a meio do voo,
906
Não serei ave sequer,
Triste
Que
assim não quis minha sina.
Obra
que em meio ficou,
Estou triste por
deixar-te,
Não
preciso envelhecer
Mas, para não estar
triste,
Para ser uma ruína.
Só se pusera de
parte
Quem me destina quem sou,
Quando te vi ou me
viste.
Quem não ser me faz o ser?
Se não te houvera encontrado,
Triste então não
estaria
910
Mas seria um zero ao
lado
Verdade
De minha vida vazia.
"Que é Verdade?" Há quem nos diga
Não saber que me
começas?
Que Jesus não respondeu.
- De tão triste não ter regra
Não pretendo entrar em briga,
É a felicidade
negra,
Mas que responde sei eu:
Felicidade às avessas.
Respondeu quando calou.
Ser triste por ti, tão
triste,
A
quem medita convence-o:
É a maior festa que
existe!
A verdade jamais sou,
Mora apenas no silêncio!
907
Excesso
911
Suma
A nossa via de acesso
Aos objectos que
ultrapassam
Quem me dera que o poema
A realidade em
processo
Da razão tivera a força
Nosso ponto é de
contacto
E convencera do esquema
Em que os dados se nos
traçam
Que os argumentos reforça
Precisos sempre no
facto
E que o fizera algum dia
De que ali resta um
excesso.
Da música à melodia!
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Como expor e
contrapor
914
E concluir em
discurso
Espelho
Se o poema perde a cor
Das razões pelo
percurso?
É num espelho de água
Mas será que algume
vez
Que passa e está parado
Aquilo o discurso
fez?
Que vejo minha mágoa
Como passa a meu lado.
Vendo bem o que se diz
E como a fala nos
fala,
E aqui parado, eu,
É fumo, é neblina gris
Assente
nesta frágua,
Que temos ao
alcançá-la.
Descubro sob o véu
A conclusão disto, em suma,
Quanto ao fundo sou água.
Conclui com coisa nenhuma.
E assim poema e
discurso,
915
Dois irmãos costas com
costas,
Ser
Juntos correm igual curso,
Complementares
apostas.
Que é ser homem e mulher
- Só que a leitura da
sina
Sem ser em modos de ser?
É o poema que a destina.
Ninguém pode ser não sendo.
Homem?
Mulher? Não entendo.
912
Deus
Cada
qual é só o que for
E
a aposta inversa a lhe opor.
Um é Deus e será três
Ou quatro será
talvez
Ser
é ser alguma coisa
E é nesta que o ser repoisa.
E assim infinitamente,
Já que em Deus tal se
consente.
Se quiseres ser alguém,
Como
algo então te mantém.
Deus é o único soldado
Neste combate do
ser
Ser não sendo mete medo:
Que de si tem todo o
dado
Mais que o ser, perco meu credo.
Que ocorreu ou a ocorrer.
O problema é ninguém
ver
916
Tão fundo fundo do
ser.
Engenho
Se o engenho não engenha
913
Maneira de amaneirar
Voz
Quanto
ao difícil convenha
Para
fácil o tornar,
Quando o silêncio tem voz
É das vozes a
expressão
Mais nos valera deixar
Que suspensa diz de
nós
O mundo na solidão
O melhor que há na
intenção.
Sem
lhe ocupar o lugar
Da primeva brutidão.
Suspensa é que fica atenta,
Reverente, emudecida:
E então calada é que
inventa
917
A palavra nunca
ouvida.
Acima
O irracional vence-o
Deter
uma inteligência
A voz do
silêncio.
Algo acima do normal
Requer sempre a penitência
Duma solidão geral.
=====================================================================================
É factor de
isolamento
Triunfal, seguirá em frente
Sentir-se alguém
diferente.
À custa de toda a gente.
Para fugir ao
tormento,
Qual justiça! É dela a glória
Ter um igual é
premente.
Que mira como
vitória.f
Qualquer igreja que seja
É do grupo no
modelo
Tem sempre este evoluir...
Que nos quadram as
pisadas:
Ajuntam elo com
elo,
Para que serve uma igreja
Respiram,
normalizadas,
Se não for para servir?
Doravante positivas.
Só que o brilho brilha
tanto
919
Que vivências das mais
vivas
Presas
Vão esquecendo no canto,
É por mera honestidade
Tanto fulge o
pensamento!
Que me afasto das empresas
Por isto então
acontecem,
Que não sei gerir direito.
Com a vida em
detrimento,
Que acaso, porém, me invade,
Erros que nos
arrefecem.
Me aprisiona nas presas,
Me força a enfrentar sem jeito
Não é só da
inteligência,
Do brejo a dificuldade?
Por mais que ofusque ou atraia.
Bem
prometo mentalmente
Fana-se a vida em
demência:
Seguir o recto caminho,
Talvez que a razão a
traia,
Que ao fim sempre ele me mente
E caio implume do ninho!
De se ver em tal premência,
Sem fenda por onde saia,
De extinguir-se na
eminência
920
Nas pregas desta
cabaia
Divergimos
A que agrilhoada se
vê.
Divergimos nas ideias
E, de razão
eminente,
Que nem chego a mencionar
Na vida que só
treslê
E as tuas, que entendo a meias,
Torna seu dono
demente.
Não as tolero em meu lar.
Que ser louco é ser bem
pouco:
E queixamo-nos depois
A vida ao mais
foragida,
Que este mundo não
é um mundo,
Ter só razão é ser
louco,
Que o mundo são sempre dois,
Só razão, perdida a
vida.
Um a levar outro ao fundo!
918
921
Igreja
Inferno
Para que serve uma
igreja
Temos de viver no inferno
Se não for para
servir?
Dos subterrâneos da vida
Talvez o pecado
seja
Para, na conta devida,
O de uma igreja
existir,
Poder
ter um gesto terno,
Que, ao existir, o que almeja
É garantir seu
porvir.
Pois sempre a conta é perdida
Quanto ao mais, que se
proteja!
Quando o olhamos cá de cima
O meio de a
garantir,
Onde, gasto na subida,
Não é de fazer
inveja:
Murchou ao mudar de clima.
Quanto a tal fim já não preste
É a lixeira abandonada
Da miséria, fome e
peste,
Do enfermo à margem da
estrada.
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922
926
Porcaria
Miséria
Nos corpos
alheios
Clamor da miséria alheia,
Vemos
porcaria,
Como tapar-lhe as orelhas?
Dela também
cheios
Mesmo se a praça chilreia,
Corações
veria.
Ficam as aves vermelhas
E por elas o alarido
Horrível no
fundo
Fere-me,
fatal, o ouvido.
É quanto
suspeito
Além de quaisquer gorjeios,
Ser também
imundo:
Gritos gritam e receios.
- Lá se vai meu
preito!
Não são destes nem daqueles,
-
Ando eu sempre a gritar neles!
923
Irresponsáveis
927
Cadáver
Tropeçamos e caímos,
Vemo-nos
irresponsáveis.
Nos hospitais e na vida,
O pior é que não
vimos
Campos de refugiados,
Se tais dados são
fiáveis
Cada membro uma ferida,
E se ao fim nos
conduzimos
Peles da fome dos lados.
Ou se as gestas não são nossas.
E o que nos contam as
mossas
Quem olha e se compadece,
É que o que a mais nos
compete
Afinal o que não via
É de acasos ser
joguete.
Era o espelho acolá, nesse
Cadáver que se mexia.
924
Cada
qual é mais ou menos,
Incomunicáveis
Por muito que ande
adiado,
Morto
com direitos plenos
Sabê-lo
desejaria,
Algum tempo agraciado.
Esquadrinho no interior
Mas é debalde esta via;
E, quando olhar em
redor,
928
Nada, afinal, o
indicia
Cadeia
No ramerrão dum alvor:
À cadeia não se brinca
- Incomunicáveis
somos,
Num
brinquedo literário.
Ninguém nos diz se
dispomos
Bem lemos que ela nos trinca,
De bravura ou
covardia
Mas o autor solitário
Nos gestos de cada dia.
Que nos guia, não jejua,
Não
sufoca na sujeira,
925
Pensa bem mas não actua,
Depressa
Certo
está no que é uma asneira!
Nós nos acostumamos bem
depressa
É inviável conceber
Às mais inesperadas situações.
O que é o sofrimento alheio
A questão é mesmo
essa:
Se primeiro no meu ser
É demais para quem tenha ilusões
O não sofri eu em cheio.
De que algum mundo novo em nós começa.
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929
Acolá pelo silêncio
Povo
Como
aqui pelo chinfrim,
Quem
pensar algo então pense-o,
Somos povo
aventureiro
Mas
a sós: de ambas é o fim.
Que não pára de
explorar
E este passo
viageiro,
Assim se alonga o controlo
Após dar a volta ao
mar
De regimes que usam dolo.
E pisar o mundo inteiro,
Aqui está de volta ao lar.
O espanto do
peregrino
933
Ao chegar onde
partiu,
Passa
É atingir ao fim o pino:
- Descobrir que se não
viu
Se estás triste, tudo passa;
E abrir os olhos de
espanto
Se alegre, passa também.
De isto aqui ser tanto,
tanto!
Na
vida não há desgraça
Que valha o que a vida tem.
Da alegria, da beleza
930
Só te fica uma certeza:
Comum
Passam
e segues além,
Até
que canses e passes.
Religião e
política
No mundo mudam as faces:
Vão tendo tudo em
comum.
Certo
apenas se mantém,
Há uma diferença
crítica:
Traces o que quer que traces,
A oposição, em
política,
Esta verdade pelém.
É quem confessa os pecados
...Para não serem perdoados!
934
Desestabilizadora
931
Entre
Desestabilizadora,
A
pessoa diferente
Entre um homem e a
mulher
Ficará sempre de fora
As discussões de
dinheiro
Como alguém que mora ausente.
Às vezes têm a ver
Com segurança,
primeiro,
Será de
desconfiar
O estatuto
social
Sempre daquele que actua
Ou a imagem
pessoal.
Duma
maneira invulgar
Só neste
significado
Quando nele é que flutua
Se encontrará
solução
O mistério a desvendar,
Em que ambos se
poderão
Porventura a sorte nua
Descobrir no mútuo agrado.
Que
respiramos do ar?
Desde que um ao outro
aceite
Será tão ameaçador
Abrem portas ao
deleite.
Ser tão divergente o amor?
932
935
Ninguém
Escóis
Na ditadura
ninguém
Os escóis vão enganados:
Pode saber que se
passa,
Mudam só no pensamento
Que ninguém pode
falar.
Crendo que em todos os lados
A
mudança é já um evento.
Na democracia quem
Entende o grulhar da
massa
Ora, se são os melhores,
No comum tempo e
lugar?
Como é que ninguém alcança
Que
nada muda sem pores
Coisas a fazer mudança.
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936
O que vai ser aflitivo
Doutrem
Na
estupidez do sarilho
Não
é ver tal morto-vivo,
Se doutrem não tiro os
olhos
É ver que ele é nosso filho.
E não lhe ignorar a crítica,
Minha audácia tem
terçolhos,
Pois antes que alguém nos ponha
Traz-me um rosário de
abrolhos
Tal distintivo indecente
E não mudo de
política.
Confessemos a vergonha
Se aos demais sempre me
grudo,
De ser pai duma tal gente.
À espera fico de tudo:
É que então se torna
mítica
É legítima a alegria,
A vida que jamais
mudo.
Festa
que a vida consente,
Mas jamais esta histeria
Em que tudo perde a mente.
937
Invés
Esgotada
a sensatez,
A
história sempre revida:
Por que será que quem
cria,
- Nós somos a pequenez
Ao invés da
criação,
De que o Brasil é a medida.
Logo um partido anuncia
E se mata no
embrião,
Para
aumentar de tamanho,
Castrando quem se
filia?
Nossa alegria há-de ser
Que um seguidor não é
guia,
Alegria doutro ganho:
Perdeu sua
dimensão:
A do ser que se tiver.
Cego com a luz que
via,
-
É no que de mim apanho
Vai-lhe esquecer a
razão.
Que o que sou ainda hei-de ter.
Os passos que se
darão
Tudo o mais é ser tacanho.
Não são já o romper do dia
Mas lembrar na escuridão
A memória da alvorada
939
Que assim se perdeu na
estrada.
Heresia
A mais profunda heresia
938
É a duma religião
Brasil
Que
exclusiva se anuncia
Como
a verdade-padrão:
O Brasil marcou um
golo,
- A verdade é apenas filha
É já
tetracampeão!
De quem humilde partilha.
Ficou todo o mundo tolo,
Ninguém dá conta do bolo
Sequer da
celebração.
940
Modo
Viva o Brasil, o Brasil!
O samba pulou na
rua.
Não existe só um modo
(Se deve cem ou cem
mil,
De atingir compreensão
Já não será conta
tua!)
Que nos diga, no seu todo,
Que será a religião.
Com o samba e o
futebol,
Quando uma igreja condena
Choronas telenovelas,
Quem
nela lê diferente,
Eis do Novo Mundo o
sol
De redutora se ordena
Que mais brilha que as estrelas.
A ser tida por demente.
Em vez de na Humanidade
Este é o país do
futuro
Nos
levar para diante,
Com os parvinhos em
bando:
Troca de realidade,
Sê pequeno, que te
auguro
Torna-se-nos mutilante.
Porvir para não sei
quando.
Então, religioso a sério
É
quem lhe foge do império.
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941
944
Contas
Muros
Aqui estamos
abancados
Sempre ao longo do caminho
A deitar contas à vida.
Há
precipícios e muros.
Fazem pena os teus
bocados
Se autoconfio, adivinho
De cintura
descaída.
Onde há brechas, onde há furos:
Há que tempos te não
via!
Ergo um marco geodésico
Pena a vida não
querer,
Que, de vez, todas as vezes,
Mas é assim o
dia-a-dia...
Irá ser meu anestésico
Faltou-nos
acontecer.
Contra todos os reveses.
Ficámos sempre no quase.
Mirámos longínquo o
cume
945
Mas sob os pés não há
base
Questão
Para quanto o salto assume.
A
questão não é questão
A cada passo
tropeço
Porque é já meia resposta.
No meu trôpego rocim.
Responder-lhe
sim ou não
Somos o eterno
começo
Vem de como ela for posta.
Sem nunca chegar ao fim.
Entre cigarro e oração
Há incompatibilidade.
942
Ao rezar, fumerei? Não!
Destapar
Ao
fumar, rezo? Em verdade,
Apenas
o sim é que há-de
Já não ter nada a
dizer
Aqui
dar satisfação.
E continuar,
apesar,
E, se houver contradição,
Os demais a
convencer,
É que a pergunta me invade
Isto é mesmo
envelhecer
E a escolher me persuade
Ou a nu nos destapar
A
via a que deito a mão.
Em nosso tempo e lugar?
O que sou e o que serei
Vem das perguntas que ponho,
943
Cujas
respostas são lei
Resquícios
Dos
rumos que traça o sonho.
Os resquícios da família
Me abandonam
lentamente,
946
Sem querelas nem
quezília,
Grupos
Quanto eu mais em mim assente.
Na
vida há dois grupos:
Se a família der a
mão,
Leões e cordeiros.
Isto então pode ser
bom.
E, se houver apupos,
São
interesseiros.
Mau será quando assim fico
Livre enfim para
entender
Se eu cordeiro for,
Que o que nela identifico
Acabo no talho.
É não ter razão de
ser:
Comida é o valor
Daquilo
que valho.
Se é família sem valor,
Livre é ser de mim
senhor.
Mas, se for leão,
Terei o talento
De
pisar no chão
Qualquer pé de vento.
=====================================================================================
Quem tal se escolheu
Comanda a caçada,
Esperto sandeu,
Aos mais à patada.
Vencerá na vida,
Mostrará denodo
E feroz liquida
O cordeiro todo.
Mas, quando o cordeiro
Enfim se acabar,
No mundo não resta
Mais nenhum carreiro
Que nos leve à festa
De nenhum lugar.
- O leão não presta,
- Vai-se então gritar -
Quem nos livra desta?