DÉCIMO  TERCEIRO  VERSO

 

 

ELA  DEMORA,  SÁBIA,  ALI  CONTIDA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 1299 e 1402 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1299

Ela demora

 

Ela demora,

Sábia, ali contida

Em cada hora,

A raiz da vida:

- O sabor e o saber

De ser!

 

 

1300

Viverás

 

Viverás dias, viverás épocas que recordarás amanhã, que recordarás idades depois.

 

Ficarás surpreendido: como pôde ter-me acontecido a mim?

 

Sempre viste nos outros teus pares: comuns sonhos, comuns esperas, mesmas palavras e silêncios, amores e desamores deles e tão teus!...

 

E tudo afinal tão único, tão sem mais ninguém, tão apenas de ti, tão só tu: irrepetível por dentro da tua pele!

 

Tu só. Solitário. Definitivamente.

 

 

1301

Crer

 

Julgarás que os teus, que o teu mundo, que o mundo inteiro precisam de crer em algo parecido com eles, familiar.

 

Julgarás que todos precisamos de crer no tamanho de nossa credulidade.

 

Julgar-te-ás perenemente novo e velho e cada amigo velho e novo, em mútua transmigraçaão para além das evidências, das afrontas, das vergonhas.

 

Verás que eles, como nós, como todos, como tu somos apenas desejo de ser dois e um, todos e um, infinitos num, o infinito uno - Um: o Infinito!

 

 

1302

Voz

 

Ouvirás a voz dos deuses

Quando rodares a chave da experiência acumulada dentro de ti

E entrares na estufa solar da intuição.

 

Viver-te-ás: escolherás certeiro a senda na floresta mais virgem

Deixando virgens as informações acumuladas dentro da inútil consciência.

 

Ouvirás a voz dos deuses murmurando livre no relâmpago que por dentro te incendeia,

Proveniente das fronteiras que tens para além de teu limite.

E ouvirás o mundo novo a acontecer por ti além.

Contigo sem ti e mais tu mesmo do que tu próprio és.

E serás tu apesar de ti, naquilo que, não o sendo, afinal já és, já que o vais acontecendo.

  

 

1303

Sentirás

 

Sentirás a voz dos deuses:

 

Logras teu melhor rasgo de intuição no que melhor conheces,

 

Porém, às vezes, contra toda a lógica.

 

Perguntas pela razão, a razão além de qualquer razão.

 

Descortinas a sensatez do irracional que te mora

 

E além da razão te dá razão na razão que não descobres.

 

Estranharás que esta ilógica razão seja a razão que previamente foi e que houveras já perdido da razão de que tens nota.

 

Sentirás a voz dos deuses na lógica ilógica da razão irracional

 

Que de fora te mora por dentro do mais dentro que em ti nem sequer descortinas.

 

Sentirás porque o adivinhas quando se revela.

 

E te revela.

 

E em ti revela o eco de além.

 

Sentirás, pois sentir-te-ás tu, porta-voz dos deuses.

 

 

1304

Silêncio

 

Falaste o primeiro dia e tua mulher ouviu.

 

Ouviste o segundo dia e tua mulher falou.

 

Falais ambos ao terceiro e ouvem-vos os vizinhos.

 

No diálogo de surdos já nem te ouvirás a ti, fechaste as janelas.

 

Não escutarás o silêncio dos deuses a bater à porta com a sombra fresca do plátano onde jamais repousarás.

 

 

1305

Doença

 

Sobreviverás à doença de ser homem.

 

Pensarás que ela nos mata ou nos deixa idiotas.

 

Afirmá-lo-ás porque irremediável idiota sobrevives.

 

Ai o apelo inefável da razão fugidia que te não larga do lusco-fusco além-fronteiras!

 

 

1306

Virá

 

Virá o dia em que as terras planas te serão demasiado compridas,

 

As ladeiras demasiado despenhadas das alturas,

 

Os obstáculos demasiado rudes,

 

Mas tu olhar-te-ás feliz por estares do lado certo: ainda por cima da terra!

 

Tão curta é tua vida para tão longo sonho,

 

Tão curta a vista para a lonjura inominável!

 

Quanto mistério para além que é teu aquém!

 

 

1307

Luz

 

Tantos que já viram a luz, tantos!

 

E tu, em meio à escuridão, que apenas vês a luz que está dentro do frigorífico!

 

Nem suspeitas mesmo do lucilante fulgor perdido na imensidão do cosmos,

 

Em busca do espelho insondável de teu espelho interior, para nele o encontrares alumbrado.

 

Para que te encontres algum dia.

 

 

1308

Ler

 

Aprenderás que ler não é mero passatempo, nem inocente nem inócuo.

 

Um livro na altura exacta pode mudar-te o rumo da vida.

 

Descobrirás que inventaste o livro para que ele te invente e reinvente indefinidamente.

 

Não o criaste, ele é que te cria, rasgando-te o porvir que borbota de tuas mãos.

 

Antes dele eras primo do orangotango, doravante és anjo de luz e trevas,

 

Amanhã o livro enxertar-te-á de órgãos divinos.

 

Tu ignora-los mas ele misteriosamente sabe-os, na abismal inconsciência do ignoto.

 

Faça-se a luz: e o livro fez-se!

 

E a luz anda-te crescendo, milenar, por dentro.

 

E, milenar, andas crescendo luz.

 

 

1309

Moralistas

 

Que te importam os moralistas? Evita as tentações evitáveis, sem te preocupares com evitá-las.

 

Preocupação é o teu desperdício: é o desperdício de ti, esboroado aos bocados pela vida fora.

 

À medida que fores ficando velho, as tentações passarão a evitar-te.

 

Para quê perderes-te antes do tempo? Deixa que o tempo te ganhe antes que te perca.

 

 

1310

Outubrino

 

Cheirarás Outubro das maçãs frescas, do mosto das uvas maduras,

 

O aroma das nozes agrestes de ventanias e chuvadas.

 

Beberás a lufada nostálgica a arder nas achas do pinho resinoso.

 

Saborearás todas as saudades de antanho e do porvir no corpo oloroso do presente.

 

Sentir-te-ás a caminho no corpo do tempo, impregnado do perfume de todas as vidas.

 

 

1311

Intenção

 

Descobrirás que o que conta são os factos, a cadeia das realidades enfeixadas.

 

E descobrirás que, afinal, não contam tanto assim.

 

O que mais que tudo conta é o que os leva a ter em conta.

 

Descobrirás que o que conta é a intenção que os vai gerando e gerindo. Tudo o mais é passageiro.

 

A perenidade mora no coração do homem: só aqui aflora a eternidade.

 

Descobrirás que apenas esta, ao fim e ao cabo, procuras, apenas nela repousas. Só que jamais a encontras...

 

 

1312

Progresso

 

Verás que o custo a pagar pelo progresso sem horizontes é que perdeste o jeito de amar.

 

Descrente de rumos, descrente de deuses, descobrirás a ironia distanciadora, o sarcasmo desertificante.

 

Tua solidão é tanta que te perderás abandonado nas mil areias da multidão!

 

Confessarás que precisas de horizonte para além dos horizontes, de amar para além dos amores.

 

Descobrirás que precisas inelutavelmente de Deus para além de todos os deuses: precisas dos outros, de ti nos outros, dos outros em ti - precisas de Nós! Deste Nós que jamais somos...

 

 

1313

Sentido

 

Se não crês em coisa alguma, coisa alguma tem sentido.

 

Se não afirmas um valor, nada algum valor terá.

 

Para ti tudo será possível e nada tem importância.

 

O bem e o mal serão fruto do capricho, serás arbitrariedade.

 

Em movimento e sem rumo, sendo agitação e nada mais, como te desvendarás, como te construirás?

 

Como poder ser? Como, sem ser?

 

 

1314

Centro

 

Quando colocas o centro da vida no além, fica-te a vida sem centro e não segue além.

 

Matas a vida onde começas o reino de Deus.

 

Quando enclausuras o além no centro da vida, matas a vida, porque te fica sem além.

 

Começaste a morrer quando aprisionaste o além no teu dogma, no teu movimento, na tua ideologia, na tua igreja, no teu líder, no teu papa...

 

Viverás quando descentrares a tua vida sempre além, no equilíbrio da permanente desequilibração, rumo ao desconhecido, rumo ao inesperado... Quando quebrares todas as seguranças.

 

E então jamais serás, já que irás sendo, irás sendo sempre mais, a embrenhar-te, ignaro e humilde, pelo infinito dentro...

 

 

1315

Convento

 

Fugias dantes para o convento por desacordo com os tormentos do mundo.

 

Fugias dantes para o deserto por desacordo com as alegrias do mundo.

 

Hoje não fugirás do mundo, que todas as vias te foram vedadas,

 

Não encontrarás lugar longe dos homens, longe da balbúrdia.

 

Hoje todas as fugas são a tua miragem do convento deserto.

 

Hoje e sempre a tua fuga é a tua queda no abismo traidor.

 

Sempre que foges, morres um pouco mais e nos matas.

 

- A ti e a nós nos condenas à prisão: ao isolamento.

 

 

1316

Esperança

 

Viverás de esperança, tua fonte de energia,

 

Senão não viverás de todo.

 

Na esperança gerarás a fé, inventarás todos os deuses.

 

E Deus desatará a criar-te à sua imagem e semelhança.

 

 

1317

Servirás

 

Servirás de novo desinteressado quando te sentires morrendo. E renascerás.

 

Servirás de novo e caminharás a sorrir à vida.

 

Servirás: então aprendes a alegria.

 

Aprenderás, descansado, a deixar as coisas com Deus.

 

 

1318

Matemática

 

Com a matemática lerás o mundo inteiro.

 

Com a matemática vais abrindo os portais do Universo.

 

Com a matemática irás interpretando os outros.

 

Porém, a ti, como ler-te em matemática quando a outrem te ligas?

 

Teu coração jamais é matemático: quando amas alguém sereis um par que é ímpar!

 

 

1319

Ansioso

 

Ficarás ansioso e mais ansioso, enquanto não reencontrares a matriz da serenidade.

 

Mergulharás na paisagem envolvente, a respirar as árvores e as ervas, a voar as flores e as abelhas.

 

Uma caminhada de vinte minutos restaurar-te-á vinte energias insuspeitadas.

 

Viverás sereno duas horas de esfusiante vida, sem te aperceberes de quanto deves ao gratuito milagre do quotidiano, só porque o deixaste entrar por ti dentro. Abandonadamente.

 

 

1320

Sorte

 

Acreditarás na sorte e não verás.

 

Jamais a sorte dá, empresta apenas.

  

Aproveitando o empréstimo com arte e suor, tu é que te darás a vida que teu esforço merecer.

 

Terás desta maneira de pagar à sorte, com juro dobrado, quanto a sorte te emprestou.

 

Se o não pagares, breve a sorte atolará na lama a tua ingratidão.

 

 

1321

Dinheiro

 

Verás quanto o dinheiro é traiçoeiro: se o gastares, não o guardas para o que der e vier, se o guardares não o gastas no que te aprouver.

 

É que a moeda é redonda, feita para deslizar.

 

É que a moeda é achatada, feita para se empilhar.

 

Será teu equilíbrio ou desequilíbrio a decidir se o dinheiro te equilibrará ou desequilibrará.

 

E nenhum critério é seguro, já que tu não és seguro. Nunca.

 

 

1322

Jóia

 

Poderás tornar-te jóia desde que te queiras polir.

 

Mas não poderás polir-te sem sofrer fricção.

 

A jóia que tens aí escondida continua aguardando permanentemente a tua decisão, para além de quanto decidas.

 

Serás sempre, inelutavelmente, uma jóia inacabada. Decidas o que decidires, estarás a caminho.

 

 

1323

Temer

 

Faz-te amar e não temer.

 

Não aumentas teu poder aumentando quem te tema.

 

Nem cresces, mas diminuis.

 

Quem por muitos é temido, a muitos teme.

 

Viverás o temor, em vez do amor.

 

Que importa uma vida de pé atrás?

 

Não vale a pena vivê-la: serás medo, não serás tu!

 

 

1324

Trabalho

 

Não clames o teu valor, antes labora em silêncio, trepa pelo que produzes.

 

Não te enaltecem compadrios, nem a compra das medalhas, nem dos postos eminentes:

 

Não vás por aqui, pois, se fores, mais no alto do pedestal todo o mundo verá uma besta sem cavaleiro.

 

Trabalha: apenas o trabalho exalta o homem que há num homem.

 

 

1325

Mansas

 

Procuras sempre águas mansas e queres apurar tuas artes,

 

Mas em breve a mansidão é apenas tua preguiça.

 

A perícia só se apura quando enfrentas a braveza.

 

Águas mansas não te moldam bom marujo.

 

E mesmo o bom marujo quantas vezes perece nas tempestades da vida! Que fará nas da Humanidade!

 

 

1326

Sábio

 

Sábio serás se buscares a verdade indefinidamente fugidia.

 

Não crismarás de verdade tua fantasia crédula.

 

A verdade em que ora crês será sempre uma mentira, urge mudá-la interminavelmente.

 

Serás sábio se, fundado, mudas de opinião. Apenas a crendice do tolo não muda.

 

Quanto mais sábio, mais incoerente a tua coerência.

 

Serás infiel à fidelidade para poderes ser fiel à verdade.

 

E a esta fidelidade jamais a alcançarás em plenitude:

 

Serás interminavelmente fiel apenas ao caminho.

 

 

1327

Espera

 

Teu problema é o da espera, de milhões de anos de espera, já que, esperando, desesperarás desde sempre.

 

Todavia, só a dura esperança da espera te poderá levar a termo.

 

E apenas ao esperares contra a espera vergarás o desespero:

 

Então serás caminho aberto a toda a viagem

 

E é provável que venhas a ser algum dia.

 

 

1328

Conversação

 

Saberás que numa conversa ninguém atende ao que alguém diz.

 

Saberás que todos tratam apenas de não perder de vista o que têm a dizer.

 

Descobrirás que és um monstro com duas orelhas que falam por uma boca de não ouvir.

 

Compreenderás porque é tão lenta a vida, porque a espera é tão violenta.

 

 

1329

Injurias

 

Verificarás quanto o injurias, quantas vezes chegas mesmo a esbofeteá-lo.

 

Desnorteias-te com tuas contradições afinal tão congruentes.

 

Viverás teu marido como o melhor profissional e o primeiro personagem do mundo.

 

Agride-lo porque o vês: se o não amaras, nem o verias.

 

Como teu amor desama! Como tanto desamor ama tanto!  Como, sendo um nada de ser, nos custa tanto morrer!

 

 

1330

Recusas

 

Recusas tanto a tantos! Recusas-te tanto!

 

Dependerás de todos, acolhidos ou repudiados, pois tudo no mundo é magro apoio de teu pé.

 

Cuidado! Àqueles de quem precisas nada recuses, senão perderás o pé na vida.

 

 

1331

Gritas

 

Corres entre a turba, gritas mais que os demais, assustando a sensatez.

 

Serás o menos atendido e nem o notas.

 

Embriagado na gritaria, inteiro te entregas ao regalo de linguajar.

 

Não comunicarás, não encontrarás ouvintes.

 

Sofrerás de isolamento na turbamulta.

 

A ti próprio infliges o castigo. E crês-te racional!

 

 

1332

Revolução

 

Descobrirás que a revolução não é um leito de rosas,

 

Mas que a escola da infelicidade apura a inventiva,

 

Desenvolve a energia que a acalmia entorpece.

 

Verás também que à superfície da revolução afloram os maus instintos, as más paixões e acções, os crimes à solta.

 

E a miséria acrescida é a morte do pobre, não lhe acorda o génio, a este que ficou sem tempo.

 

Sofre o mau e cresce em raiva. Sofre o bom e é o martírio.

 

Deste estrume apodrecido é que sorverás a seiva de qualquer primavera. No silêncio e humildemente.

 

 

1333

 

Contarás por séculos tua fé, abarcarás o tempo e o espaço,

 

Os ideais não ligarás aos dias nem às horas.

 

E quanto, pobre mortal, anotarás cada instante de tua fugaz passagem!

 

Saborearás a alegria, sofrerás a amargura, prisioneiro da contemporaneidade...

 

E como é tamanho o sonho para tamanha escassez!

 

 

1334

Governo

 

Verificarás que tudo passará e que o porvir será nosso.

 

O presente, porém, dizima-te mais que qualquer presente de qualquer era.

 

Deus continua reinando. Porém, não governa: o governo de teu hoje é apenas teu, para bem e para mal.

 

E nada nem ninguém poderá modificá-lo. Assim to impõe o Deus que reina.

 

 

1335

Arte

 

Não te consolarás com a arte do que sofres de injustiça e de mentira.

 

A arte viverá sem ti.

 

Soberana, imorredoira força da natureza, verás a arte sobrenadar para além de tuas ruínas.

 

Antes de seres artista, sê homem, que muito mais é o que em ti lamentas que o lamento da mudez das musas.

 

Trágico é que te emudeça o ser e que o sonho continue. Definitivamente sem ti. Definitivo.

 

 

1336

Divórcio

 

Descobrirás o mais estranho: há um divórcio entre a poesia e o poeta, entre a música e o compositor.

 

Verificarás que o que nelas há de grande é neles pequenez.

 

Perguntarás como a grandeza brota de tamanhas nulidades.

 

Arte é mais do que o artista, germina maior que ele, existe por cima, para além dele.

 

Nem revoluções, nem quedas de impérios, nem o fim das eras poderão nada contra.

 

Que poderás tu, senão tentar tornar-te obra de arte?

 

Que poderás tu senão falhar e voltar a não desistir, interminamente?

 

 

1337

Ancestral

 

Quando mais não puderes, aos infelizes oferta ainda a novíssima arte de outrora:

 

A ancestral doçura do poema.

 

Espreme-lhe a fruta melíflua, benfazeja, sobre as feridas da humanidade.

 

Sentirás, breve e discreto, o lenitivo. Tão frágil e tão invictamente resistente!

 

 

1338

Camponês

 

Aprenderás a sabedoria do camponês: metade é paciência infinita, metade é confiança no labor do tempo. De si, pouco esperando, tudo faz.

 

Quem sabe?  Daqui a alguns milhares de milhões de anos, talvez um dia, afinal, dês o fruto...

 

 

1339

Rude

 

Viverás a tristeza e poupar-te-ás à fome com excessos de fastio.

 

Trabalharás rude, tão rude que a fadiga te esmague.

 

Encontrarás aqui o remédio-limite da angústia.

 

Fertilizarás o ventre da vida que te irá parindo pequenas alegrias dia a dia. Irás vida fora cada vez mais por dentro da vida.

 

E talvez te encontres, quem sabe, talvez te encontres...

 

 

1340

Bem

 

Procurarás o bem nos bens e o bem não encontrarás.

 

Procurarás no que não tens e até o que tens perderás.

 

Tarde descobrirás que não há maior bem do que aquele que se tem.

 

Quando do doutrem desdenhas será só porque o não tenhas.

 

Quando vives do que tens é que o todo conténs e só então te sentes bem.

 

O bem nunca será um bem mas o bem de se dar bem com todo o mundo e ninguém.

 

 

1341

Amizade

 

Procurarás a amizade e grande a procurarás.

 

À força de ser grande, descobrirás que por vezes devém mal.

 

Amizade e amor demais devirão possessivos, exclusivistas: tolhem-te os membros, cortam-te as asas.

 

E tu que só por eles algum dia voarás aos céus!

 

 

1342

Temido

 

Não te tornarás temido, que os atemorizados detestam a quem temem.

 

Far-te-ão mais mal um dia que o que algum dia lhes provocarás.

 

Nem que o não vejas nunca, que o mal amado até cego ficará. E tu findas detestado.

 

Perderás o ser quando menos deres por isso. Os ódios aniquilar-te-ão a fogo lento.

 

Quando todos rastejarem a teus pés, a ilusão do pedestal a que trepaste cai aluída: és o réptil maior de teus amesquinhados répteis.

 

 

1343

Desprezam

 

Pelos jardins e caminhos, as flores silvestres, as silvas agrestes serão tuas almas cristãs.

 

Quantos as desprezam, frequentes, pelo que não têm de belo nem de bom!

 

Não te privarás de quanto é prestável e salutar nas amoras e margaridas-dos-prados

 

Que proliferam nos esconsos de cada ignorado com que te cruzas nos descaminhos da vida.

 

 

1344

Confessarás

 

Confessarás que o mundo não é justo nem razoável.

 

Prestarás mais atenção ao bom coração do que ao mau aspecto,

 

Mais à excelência do que à mediocridade da roupa.

 

Ou a ti te condenarás e por mais que corras por fora farás marcha atrás por dentro.

 

E jamais chegarás a lado nenhum, já que nunca chegarás a ti.

 

 

1345

Feio

 

Olharás em ti quanto há de feio, antes de olhares a feiura do mundo.

 

Outrem espicaçará uma rã, arrancará as patas à vespa, pregará vivo o morcego...

 

Tu ponderarás que se deveras aniquilar tudo o que é feio, não terias mais direito a viver que qualquer deles.

 

Só então principiarás a viver-te inteiro, rumo à vida inteira que há no mundo.

 

Talvez um dia aconteças quando o mundo acontecer:

 

Ambos sereis um só infinitamente a revelar-se.

 

 

1346

Gerar

 

Verão teus olhos por bem o que bom for, verão com piedade o que for mau.

 

Não compreenderás por que é que as belas cortejadas com todos são coquetes, tal se todos agradaram.

 

Se foras bela, apenas pretenderas parecer e ser amável perante aquele que hajas eleito.

 

E, por mais feia que foras, assim bela te farias.

 

Por ti principiarias a gerar vida aos vindoiros: de ti como tu já irão nascendo.

 

Embora ainda ninguém o entenda.

 

 

1347

Útil

 

Saberás quanto é bom ter o amor duma bela.

 

Descobrirás quanto é útil a amizade duma feia.

 

E quão mais bela fica quanto mais desinteressada.

 

E quão sublime, quando sem despeito nem rancor.

 

Lobrigarás os deuses a espreitar discretos por trás de seus olhos conformados.

 

 

1348

Mulher

 

Transmudarás o rapaz em homem, ó mulher, não por mudar de idade, nem de sonhos, nem de projectos, nem de competência.

 

Teu coração de mulher não verá direito, a não ser neste desvio:

 

Um jovem revestir-se-á de homem, súbito, quando o vires acarinhado por outra mulher.

 

Nesta fronteira tombarás sempre um pouco mais pequena: por aqui não crescerás nem germinarás o mundo.

 

Como teu coração é diminuto para o tamanho de teu destino!

 

 

1349

Desnorteia

 

Dirás que a beleza desnorteia as belas e a fealdade desola as feias.

 

Tornar-te-ás tola crendo levianamente agradar e não devirás sábia metendo medo com a feiura.

 

Equilibrarás tua passada na senda estreita entre os abismos

 

E jamais viverás segura de encontrar ao termo a quinta ubérrima dos sonhos de infância.

 

Mas procurarás, eterna procurarás o horizonte perdido sabe Deus quando, sabe Deus onde...

 

 

1350

Crer

 

Descobrirás tarde em demasia que não é quem crê que fará crer a todos.

 

Descobrirás que, quem duvida de tudo, é quem tudo leva a crer aos outros.

 

Não porque duvide: é que após duvidar ou devém seguro ou poderá duvidar de novo.

 

Encontrarás a liberdade da dúvida que permite a entrega a qualquer causa porque sempre a pode recusar quando não lhe encontre sabor.

 

Só então ganhas a energia de arrasar montanhas ou de criar mundos. Sem anular ninguém.

 

Na fé de que um dia encontrarás o que tanto procuras e tanto foge.

 

 

1351

Mão

 

Descortinarás a boa mão com que se vem ao mundo. Ou a tens ou a não tens: é de nascença.

 

De nada servirá estudares para artista se a marca de artista não te veio impressa quando irrompeste na vida.

 

No que fores destro, o coração far-te-á encontrar o conveniente e a escola treinar-te-á os voos de tuas asas.

 

É o teu dom dos deuses: valerá mais que qualquer fortuna na empresa da vida.

 

 

1352

Falsa

 

Suspeitarás que não há crença, por mais falsa, sem um fundo de verdade.

 

O bom cuidado, a limpeza física e mental, o labor consciencioso verás que têm virtude: pendem para o êxito.

 

A negligência é a demissão com que o farás piorar.

 

É nestas insignificâncias que germinarás teu tamanho em tua pequenez.

 

 

 

1353

Despeito

 

Medirás teu despeito quanto dura: se és homem, mais do que ele durará teu pesar; se és mulher, além deste irá perdurando.

 

Só te equilibrarás sendo dois, sem que um ao outro se anulem.

 

Só te equilibrarás quando em cada um estiverem ambos e lograrem a harmonia.

 

Descobrirás que um mais um não serão dois mas de novo outra vez um: um em que serás muito mais um.

 

Resumirás em ti o outro, todos os outros, sem deixares de ser tu: serás tu, ao invés, indefinidamente mais.

 

Começarás a ser deus, começarás a criar deus. Começarás a criar-te como deus.

 

 

1354

Cuidado

 

Rapaz de bom aspecto e com posses, ocupar-te-ás duma donzela.

 

Injuriarás com teu cuidado todas as demais.

 

Criticarão tua escolha e tua jovem, nenhuma despeita calará.

 

A malevolência da mulher é veloz e alcança longe.

 

Como cultivarás a flor no meio daninho? Como fecundarás um oásis na aridez deserta?

 

Buscarás os resquícios vagos da vida e deles irás talhando sonhos de vergéis que jamais brotam.

 

Sonhos onde jamais brotareis, apunhalados por intérminas injúrias silentes, abscônditas, implacáveis.

 

Só que tu persistirás para além, sempre para além, indefinidamente, infinitamente...

 

Apenas então poderás prevalecer. Algum dia. Algum dia.

 

 

1355

Infeliz

 

Não te ncontrarás infeliz como aguardaras.

 

Tamanha é a brandura de te saberes amado!

 

Tamanha a fé quando referve o amor, mesmo quando só cozinhe desgraças!

 

E maior ainda a desgraça quando as não cozinha, ao servir aperitivos para uma ceia de nunca mais.

 

Ai o antegosto do acepipe a roer o estômago do pedinte, de mão estendida à eterna porta fechada!

  

 

1356

Mundo

 

Verás que o mundo é assim.

 

Quando duas ou três pessoas perseguem outra, com todos mais irás lá intrometer-te, atirar-lhe-ás a tua pedra, criar-lhe-ás tua má fama.

 

Jamais descobrirás porquê.

 

Recusarás que é pelo prazer de humilhar quem não pode defender-se.

 

E, contudo, é a verdade que te envergonha confessar.

 

Não tens vergonha! Não tens vergonha!

 

 

1357

Ambíguo

 

Descobrirás que o Homem é ambíguo.

 

Que, na melhor das hipóteses, é capaz de tudo.

 

Que, na pior, não presta para nada.

 

Aceitarás que és isto inelutavelmente, sempre e em todas as conjunturas, e que nada há a fazer neste destino teu contraditório.

 

Mas optarás, se tiveres alguma lucidez, por estimular a primeira vertente da montanha e por ir diminuindo a segunda.

 

E ficarás alerta para te não despenhares dos píncaros.

 

Quando te desequilibras só te resta o lodo de ti próprio.

 

 

1358

Companheiro

 

Partilharás com teu companheiro muitos pontos de vista, ambos sabereis como a cidade deve ser governada,

 

Ambos sabereis como deve ser governado o país, para já não falar do mundo!

 

Ambos descrereis dos políticos, essa cambada de sabujos,

 

Ambos criticareis a comunicação social, essa mentira organizada de atrasadinhos mentais!

 

Ah! E, se fores homem, tereis desde sempre a solução para a selecção nacional de futebol que nos tornaria, infalível, campeões mundiais!

 

E, se fores mulher, desde sempre havereis encontrado a cura para todas as mazelas, mormente as incuráveis.

 

Que importa? No fim sereis mesmo companheiros, cada vez mais companheiros

 

E a verdade é que disto é que virá toda a salvação.

 

 

1359

Limões

 

Terás este mundo pejado de limões, tanto mais limões quanto mais desces as pernadas sociais.

 

Se não queres crescer azedo, o melhor é aprenderes a espremer as infelicidades

 

E a juntar uma pitada de açúcar de bom gosto ao sumo: saborosa tornarás a limonada.

 

 

1360

Oca

 

Sentirás a vida oca.

 

Cuidarás que precisas de depender de alguém. Tal, porém, não basta nunca.

 

Descobres que ainda mais requeres alguém que de ti dependa.

 

E assim sendo, ponte amarrada em ambos os extremos, já nada mais te parece oco.

 

Tua vida não é tua, tudo é no fundo a trança de que fazes parte.

 

Começas muito antes do ponto onde começas, findarás muito depois de teres findado.

 

Este é teu verdadeiro peso.

 

 

1361

Poder

 

Temerás os que ficam deslumbrados com o poder que têm nas mãos,

 

Descobrirás que isto é mais perigoso que uma droga.

 

E temerás o teu poder. Temer-te-ás.

 

Apenas então irás mudando poder em serviço.

 

Ao encontrares o coração dos outros é que irás descobrindo teu próprio coração: teu poder realmente poderoso.

 

 

1362

Sucesso

 

Verificas que no atletismo do sucesso quase todos se enganam nas provas.

 

Quase todos alinham nas pistas de velocidade quando o sucesso é uma maratona.

 

Andas a corrê-la há uns três milhões de anos e jamais adivinharás quando nem se vai acabar algum dia.

 

 

1363

Criança

 

Criança, não és feliz se nada tens a perguntar e para isso é que há pais.

  

Criança, até ao fim da vida tens sempre mais que perguntar, o problema é que não tens mais pais que te respondam.

 

Ou respondem, mas teu ouvido fica surdo quando as vozes se tornam inefáveis.

 

 

1364

Resistir

 

Poderás resistir à enfermidade,

 

Poderás resistir à inimizade,

 

Poderás resistir às tentações do que te compra e do que te vende,

 

Resistirás até a uma invasão armada.

 

Não poderás resistir a uma ideia que chegou na hora exacta.

 

 

1365

Acções

 

Zarparão tuas acções para o mar alto da vida, navios das rotas inexploradas.

 

Ignorarás se voltarão, ignorarás quando voltarão.

 

Ignorarás a carga com que porventura tornarão ao porto, se algum dia novas delas te chegarem.

 

 

1366

Pessimismo

 

Não crerás no pessimismo, pois nele crerás fiel.

 

Quando algo correr mal, correrás em frente e o mal então transporás.

 

Se creres que aí virá um furacão, o furacão virá mesmo e não há mais salvação.

 

Terás de crer muito mais na tua corrida diante dele, na tua corrida diante de ti.

 

 

1367

História

 

És apenas o que fores História.

 

A História, porém, é negaceadora:

 

Jamais adivinharás quando andas a lavrá-la.

 

Que muito mais te lavra ela.

 

E não dás por nada, mesmo quando é por ti além que ela lavra e arroteia o mundo.

  

 

1368

Contrabando

 

Descobrirás o contrabando do tempo,

 

Como, sábio, ao criar problemas, a outros põe termo.

 

Difícil é ser o tempo que és, tão prisioneiro de antanho vives para livre enfrentares o problema de hoje. 

 

Quanto mais o de amanhã!

 

 

1369

Sabedoria

 

Crerás na sabedoria quando transpõe impasses, portanto não és sábio.

 

Alguma sabedoria aí resta que adivinharás; não é, porém, autêntica.

 

Sabedoria sábia é a que te impede de cair onde irias precisar dela.

 

É a que jamais se vê. Trágico é que, por não vê-la, a não encontras quase nunca.

 

Por isso és apenas animal racional, não és animal sábio.

 

 

1370

Caracol

 

Persistirás, caracol, persistirás.

 

E apanhas o comboio, o avião, o foguetão...

 

E apanharás o porvir.

 

Qualquer dia, quem sabe, ainda te apanharás!

 

 

1371

Prova

 

A prova inteligente de que há vida inteligente no Universo é que jamais tentaram contactar-te.

 

Por isso não podes desistir: talvez um dia devenhas também inteligente.

 

Então serás digno.

 

 

1372

Demoras

 

Se demais demoras a decidir a vida,

 

Tarde demais descobres que a já decidiste.

 

E já não haverá remédio.

 

 

1373

Cuidado

 

Tomarás muito cuidado quando não souberes para onde ir:

 

Poderás nunca lá chegar...

 

Como irás até ti?

 

Vais ver que não chegas a casa, que não chegas. E nada te chegará, nada.

 

 

1374

Meta

 

Visualizar-te-ás cumprindo tua meta a transbordar de sonho antecipado.

 

Só os derrotados tremem dos fracassos que poderão vir amputá-los algum dia.

 

Os vencedores degustam as euforias da vitória vindoira.

 

Já terás ganho muitas vezes quando ganhares a primeira.

 

 

1375

Insucesso

 

Teu insucesso individual e laboral provém de teu agir autodestrutivo.

 

Quando pensas e actuas fora e contra o rumo de teus sonhos, aí te aniquilas.

 

Não encontras teu emprego dormindo, por mais que nele sonhes.

 

Não te encontras dormindo, embora te sonhes.

 

Sombra de tua sombra, esvais-te em sonho.

 

 

1376

Escrever

 

Há muitas eras decidiste escrever tua vida melhor.

 

Pesquisaste livros que te ensinaram truques de te escrever ao vivo.

 

Conversaste com o génio, sonhaste-te escritor vivido.

 

Andaste esquecendo o deveras importante: deixaste de escrever-te.

 

Deixaste de viver-te. Deixaste-te.

 

Como reencontrar-te ao acaso dos trilhos perdidos?

 

 

1377

Diferença

 

Revelarás a diferença entre o realizado e o falhado: não é o talento, é a persistência.

 

Quanto génio fulgurante que desiste!

 

O sucesso é haveres-te levantado uma vez a mais que os que falharam.

 

 

1378

Empenhamento

 

Realizarás teu sonho à custa do empenhamento das raízes.

 

Tua vitória requer riscos, com tua emoção a abrir caminho.

 

Terás de tentar o que jamais tentaste, desafiar o que jamais alguém desafiou.

 

Vencerás a vida por nem sempre jogares pelo seguro:

 

Tua segurança é a insegurança por medida.

 

 

1379

Vitória

 

Convencer-te-ás de que és talhado para a vitória.

 

Para apreciá-la e para procurá-la: tão saborosa é a busca como a plenitude.

 

Verás que teu destino é perseguir: as vitórias provisórias são parcas ilusões do que te é prometido no limite da intérmina caminhada.

 

O problema é se sobreviverás até lá chegar. E se lá chegarás.

 

 

1380

Frio

 

Se a vida te abandona ao frio, liga teu aquecimento: esforça-te!

 

Vais ver que teu fogo de campo vale a pena.

 

Ao arderes, aquecerás o mundo.

 

Um dia ainda viverás o fogo das origens.

 

Um dia ainda serás!

 

 

1381

Beleza

 

Fascinar-te-ás da beleza multiforme do cosmos infinito.

 

Fascinar-te-ás da beleza noctívaga à neblina do luar.

  

Maravilhas dos mil rostos do mar e da terra, inesgotáveis de surpresa e novidade.

 

Deslumbram-te os átomos e os iões, na imprevisível dança criadora dos mundos.

 

Descobrirás, por fim, que beleza radicalmente bela, só a beleza da vida:

 

- É a única que em ti se fascina com quanto é belo!

 

 

1382

Serve

 

Descobrirás que teu corpo te serve para viver,

 

Te serve para rir e chorar,

 

Te serve para odiar e amar.

 

Descobrirás que teu corpo te serve. E que serve.

 

Verás tarde que é para transportar teu cérebro. Com a ideia. O mais é acréscimo.

 

 

1383

Famoso

 

Serás famoso com um Prémio Nobel e não o sentirás.

 

Serás famoso com uma fortuna colossal e não o sentirás.

 

Serás famoso com teus romances no mundo inteiro e não o sentirás.

 

Serás famoso com teu sistema de filosofia e não o sentirás.

 

No dia em que alguém te aparece lembrando que era o da carteira ao teu lado na escola, aí sentir-te-ás famoso.

 

Só nesta humilde insignificância terás o tamanho da grandeza.

 

 

1384

Banho

 

Saborearás o banho de imersão a lavar a mente e o corpo.

 

Na imersão aqueces até à medula, anulas a dor, relaxas da mente aos pés.

 

Na imersão páras o dever de agir, comungas a raiz da vida, retornado ao útero materno.

 

És apenas o sabor da comunhão universal.

 

Encontraste as partes dispersas do Universo e fundiste-as.

 

E fundiste as partes díspares de ti-agora, és tu reencontrado num pouco de água e de tempo fugido ao relógio.

 

Uma migalha de eternidade.

 

 

1385

Lutarás

 

Lutarás e lutarás e continuarás lutando, mesmo quando tua vida é derrota acumulada.

 

Lutarás: assim não perdeste ainda.

 

Perderás apenas no instante em que desistires.

 

 

1386

Velhice

 

Não temerás a velhice, que ficarás mais e mais esperto.

 

Lê, pensa e cria a vida inteira, que acumulas sabedoria e mais devéns inteligente.

 

Serás mais lento, a memória trair-te-á ocasionalmente; melhora-te, porém, a qualidade.

 

Quanto mais mundo arrastas contigo, quanto mais vida pesas na balança, tanto mais moroso teu passo ponderado,

 

Mas também tanto mais fronteiro à eternidade perseguida.

 

 

1387

Defender-te-ás

 

Não te protegerás com a fuga infantil, com a recusa adolescente, com a agressão juvenil.

 

Defender-te-ás com humor maduro, altruísmo adulto, criatividade experiente.

 

Ante o inesperado, trocarás, gradual, tensão por distensão.

 

E a vida rirás com bonomia, que sério é não tomá-la demasiado a sério.

 

É tão de passagem que o resto nem vale a pena!

 

 

1388

Pessoa

 

Levarás muito tempo a tornar-te pessoa.

 

Quanto mais ele corre, mais único devirás.

 

Verás nítido o que pensas, do que gostas, do que não.

 

Descobrirás lento o que és.

 

O trato que os mais te dão lerás como tendo a ver com eles, não contigo.

 

Então, liberto, voarás ao sabor da liberdade,

 

Solitário na comunhõ universal, infinitamente solitário-solidário.

 

 

1389

Avô

 

Tornar-te-ás avô: a alegria de ter crianças sem  a dor de tê-las,

 

A festa de viver a vida em estado puro, sem custos nem lixeiras,

 

O mundo a alargar-se, a alargar-se ao infinito...

 

O mundo só te encolherá no isolamento, por isso o romperás com a tua solidão nos encontros saborosos.

 

E germinarás a árvore da Terra.

 

 

1390

Tempo

 

Mais velho, serás livre de talhar o tempo a teu bel-prazer, mas atenderás a que dispões de menos tempo.

 

Tornam-se-te as horas preciosas e tu, criterioso na forma como as empenhas.

 

E deste modo as alongas: quanto mais vitais e absorventes teus interesses, mais te eternizarás no tempo e pelos tempos fora.

 

 

1391

Elástico

 

O tempo de que disporás é tanto mais elástico quanto mais fores vivo.

 

As paixões que te afectam dilatá-lo-ão tanto mais quanto mais ferventes.

 

As paixões que provocas encurtam-no tanto que ele quase te estrangula.

 

Apenas a rotina é monotonamente cronometrada: é o teu cadáver antecipado, a acompanhar-te diariamente a viagem, ameaçador.

 

Até que um dia te mata de vez.

 

 

1392

Ideias

 

Apreciarás as boas ideias quanto são revigorantes.

 

Usarás as boas ideias quanto são duradoiras.

 

Procurá-las-ás, procurá-las-ás, procurá-las-ás: são terríveis de encontrar.

 

É o que te transforma a maravilha da vida na vida difícil que sempre é.

 

E é o que te maravilha.

 

 

1393

Portas

 

Quantas veredas se te fecharão na vida quando nela procuras abertas!

 

Terás espírito de iniciativa: para o acolher, há portas que se te abrirão. Sempre.

 

É que só vencerão resistências as primícias do porvir.

 

 

1394

Humor

 

Rirás o humor duma graça de vez em quando, mas não basta.

 

Rirás por tua sobrevivência, vencendo o desespero da vida.

 

Rirás de tuas mágoas até que não magoem tão sério.

 

Rirás de ti, para a sério te não tomares tanto assim.

 

Rirás a quebrar tensões e recolhes o ar tonificado dos eucaliptos bem dispostos.

 

Respiras riso: respirarás a vida.

 

 

1395

Deprimentes

 

Nos eventos deprimentes não lamentarás as derrapagens negativas,

 

Apreciarás as ninharias positivas.

 

Após teu dia mau reconhecerás minúsculas vitórias: teu poder de ultrapassar problemas.

 

Amanhã ultrapassar-te-ás.

 

Depois de amanhã, quem sabe, serás ultrapassagem.

 

Treinas-te para um dia poderes voar no salto final.

 

 

1396

Sentido

 

Terás sentido de humor: sentir que tens sentido.

 

Se não tiveres sentido de humor, não tens sentido nenhum.

 

Perdido o rumo, ficas perdido.

 

E, afinal, por tão pouco!

 

É sempre por um triz que não consegues ser Deus.

                             

 

1397

Conquistar

 

Não terás a ilusão de conquistar a vida.

 

Jamais conquistas uma montanha: momentaneamente trepado ao cume, logo os ventos te apagarão as pegadas.

 

Não terás ilusão: então é que poderás conquistar a vida algum dia.

 

Mas nunca saberás como nem quando, nem o que fará de ti. Serás um deus desconhecido.                      

 

                

1398

Valores

 

Viverás valores que te tragam alegria, que germinem felicidade, que desabrochem plenitude.

 

E acabarás por compreender que o valor genuíno é aquele por que te sacrificares quando preciso.

 

Por ele vais morrendo para viver: és contradição incarnada.

 

Como tarda a harmonia!

 

 

1399

Votarás

 

Votarás economia de mercado. Só para nós.

 

Votarás liberdade, direitos humanos, segurança. Só para nós.

 

Votarás interesses nacionais, cultura de cada povo. Só para nós.

 

E já perdeste tudo antes de o teres: um valor exclusivo é um anti-valor.

 

Apenas a universalidade te poderá salvar definitivamente. Tudo o mais serão mortes adiadas.

 

 

1400

Guerra

 

Sempre creste que o importante era ganhar uma guerra, em eras antigas.

 

Sempre creste que, ne eventualidade duma guerra, o que importaria era ganhá-la, na idade moderna.

 

Quanto mais tempo requeres, na actualidade, para descobrir que, definitivamente mais que ganhar a guerra, o que importa é ganhar a paz?

 

 

1401

Excelente

 

Buscarás a excelência, vigilante.

 

Não crerás na vulgata do populacho que vive de excelências equívocas.

 

Quando a mediania é dita excelente, é que a excelência deveio mediana.

 

Não sejas um batráquio a coaxar vaidade pelo pântano.                 

      

 

1402

Líder

 

Porque o chefe conduz e o líder inspira, não sejas chefe, sê líder.

  

Porque o chefe é autoridade e o líder, boa vontade, não sejas chefe, sê líder.

 

Porque o chefe é medo e o líder, amor, não sejas chefe, sê líder.

 

Porque o chefe diz "eu" e o líder, "nós", não sejas chefe, sê líder.

 

Porque o chefe destroi quem erra e o líder, o erro, não sejas chefe, sê líder.

 

Porque o chefe manda fazer e o líder faz, não sejas chefe, sê líder.

 

Porque o chefe quer o respeito que só o líder respira, para quê ser chefe se podes ser líder?