UM  IGNORADO  OLHAR 

 

 

 

 

                                         Primeira  Redondilha

 

                              PRIMEIRO  FALO  DE  AMOR  

 

 

 

 

 

 

 

       Escolha um número aleatório entre 1 e 150 inclusive.

 

  Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

1 – Um ignorado olhar

 

Primeiro falo de amor,

Depois falo do bom senso,

À reflexão me convenço

Para ao porvir dar valor.

 

De amor poema mais longo

Pede as normas da razão,

Aprofunda a reflexão

Da lonjura ouvindo o gongo.

 

De amor trilha irregular

Vai o sentido traçando

Rumo a um ignorado olhar.

 

No sonetos navegando,

A palavra, a ironizar,

Ri toda a festa em que eu ando.

 

 

                                                              2 - Primeiro falo de amor

 

                                                                Primeiro falo de amor

                                                                Numa quadra popular

                                                                E aqui vou, de meu vagar,

                                                                Em busca da luz do alvor.

 

                                                                É o amor que tem juízo

                                                                Em tudo a que dá valor,

                                                                Que ele é quem me vai supor

                                                                Sempre além de quanto viso.

 

                                                                Ele é primeiro a ternura,

                                                                Depois o pressentimento

                                                                De que há sempre mais fundura

 

                                                                Por detrás do sentimento.

                                                                Quem amo tem a lonjura

                                                                E o longe é o meu alimento.

 

 

 

3 - Beleza

 

Há uma beleza que mata,

Mas também restaura e cura

E ressuscita, inaugura

Quem a contempla e acata.

 

 

4 - Propriedade

 

Propriedade uma mulher

Não é nunca de ninguém

E o homem que tal quiser

Não sonha os sonhos que tem.

 

 

5 - Vencer

 

A maneira de vencer

É esquecer de registar

Os resultados sequer,

Quando alguém vão humilhar.

 

 

6 - Mais

 

A bondade importa mais

Que qualquer sabedoria

E ao saber destes sinais

Qualquer saber principia.

 

 

7 - Dança

 

Tem a dança tais matizes

Que entremostra o que convém:

Só quando somos felizes

Poderemos dançar bem.

 

 

8 - Marca

 

A beleza com porvir

Tem a estranha marca estética

Com que fascina, ao agir,

A atitude que for ética.

 

 

9 - Tarde

 

Filme do meio da tarde:

Quanta gente, a vida em vão,

Lume ateia que não arde

Sonhando a vida à traição!

 

 

10 - Casamento

 

O casamento, uma estrada

Entre montes e vulcões,

É uma parelha atrelada

Em berlinda de ilusões.

 

 

11 - Silenciosos

 

Os dramas silenciosos

Deles na pátria exilados

Não são menos tenebrosos

Que os gritados dos telhados.

 

 

12 - Sobras

 

Dói sempre receber sobras,

Dói, que parece de esmola

E na esmola aos podres dobras

Que houver dentro da sacola.

 

 

13 - Valha

 

Valha quenquer o que valha,

Há sempre alguma entidade

Para quem serve de palha

Ao cavalo da vaidade.

 

 

14 - Matreiro

 

O homem é bicho matreiro,

Mas que é que seria a vida

Sem tal bicho traiçoeiro

Que à mulher salga a comida?

 

 

15 - Sacrifícios

 

Um homem que quer mulher

E colher os benefícios

Tome a de seis mãos que houver

E que come sacrifícios.

 

 

16 - Pior

 

O pior é os que só medram

Com os outros mal de todo

E só de amigos se empedram

Que estendem a mão ao bodo.

 

 

17 - Dom

 

A riqueza que alguém sente

Interior que o invade

Vale bem mais que um presente:

- É o dom da afectividade.

 

 

18 - Deveras

 

Se quiser deveras ter

Altura profissional,

Bem realizado há-de ser

Antes no lar do casal.

 

 

19 - Equilíbrio

 

Para manter o equilíbrio,

À crítica a uma criança

Três louvores, sem ludíbrio,

Devem-se opor no que alcança.

 

 

20 - Erro

 

Um ero que é bem comum,

Que só vai trazer sarilho,

É o de tentar qualquer um

Adaptar o mundo ao filho.

 

 

21 - Pressionada

 

A criança pressionada

Depressa vai-se alertar

De que aos pais não há jornada

Que os vá jamais contentar.

 

 

22 - Puxar

 

Um filho dá-nos a mão,

A puxar mais para cima,

Olhos no alto da ilusão,

- Erguendo quem se lhe arrima!

 

 

23 - Pão

 

Não lhe faltas com o pão,

Mas o pão não chega a tudo.

O amor é que rega o chão

Que vai dar fruto graúdo.

 

 

24 - Peixe-aranha

 

Nem todo o peixe é sardinha,

Às vezes é peixe-aranha.

Se a mulher quer ser rainha,

Só se com ambos se amanha.

 

 

25 - Mar

 

O mar dizem que é mulher,

Que não há forças que o domem.

E senão, para que quer

Ficar lá com tanto homem?

 

 

26 - Campo

 

Teu campo é tua mulher:

Vai a teu campo, portanto,

Lavra-o como quem lhe quer

E filhos terás de encanto.

 

 

27 - Servir

 

Quanto mais admirar outrem e amar,

Tanto mais para mim irá fluir

Este amor que com outrem partilhar:

- É o melhor modo de me a  mim servir.

 

 

28 - Leveiros

 

Preferem moças os sérios,

Os mais sérios marinheiros:

- Vida incerta e de mistérios

Torna os sonhos tão leveiros!

 

 

29 - Afogo

 

Mais numa hora de jogo

Se descobre sobre alguém

Que num ano, se me afogo

Na conversa que ele tem.

 

 

30 - Vizinho

 

Anda na terra o diabo

Quando um vizinho o caminho

Percorrer de cabo a rabo

A engolir outro vizinho.

 

 

31 - Broca

 

Nem com uma broca pode

A gente desenroscar

A força do amor que acode

A um coração a sangrar.

 

 

32 - Traída

 

Em cada adulto que somos

De fugida, de fugida,

Mais que a saudade dos gnomos,

Há uma criança traída.

 

 

33 - Companhia

 

Quem muito fugir de si

Tarde ou nunca alcança um dia,

Qualquer que fora o alibi,

Grata alguma companhia.

 

 

34 - Egoísmos

 

Se dois egoísmos se aliam

Não é nunca um casamento:

Se duas linhas se enfiam

Na mesma agulha é um tormento.

 

 

35 - Mistura

 

Da afeição como do amor

Não queiras felicidade:

Vem sempre à mistura a dor

E esta é bem mais de metade.

 

 

36 - Escuro

 

Contra o escuro, eis a verdade:

Não poderei procurar

A minha felicidade

Outrem a sacrificar.

 

 

37 - Enganosa

 

Sempre em vão verei correr

Do mundo a enganosa via:

“Os outros irão sofrer

Para eu ter alegria.”

 

 

38 - Espécie

 

Nenhuma espécie de bem

Pode existir, como tal,

Em tudo o que me convém,

Que dos outros seja o mal.

 

 

39 - Inevitáveis

 

Indispensáveis as dores,

Inevitáveis os lutos,

Tudo é fruto dos amores,

Dos sonhos, os subprodutos.

 

 

40 - Demasiado

 

A mais terrível das sinas

A que um homem é votado

É a do amor a que o destinas:

- Deve amar demasiado.

 

 

41 - Comporta

 

Quando o amor nos bate à porta

Nada mais nos salvará:

Com prazer lhe abro a comporta,

Nem que a morte venha lá.

 

 

42 - Ridícula

 

Nem a mais forte paixão

Resiste a uma arma secreta:

Redonda morre no chão

Quando o ridículo a afecta.

 

 

43 - Recanto

 

Por mais humilde que seja

Não há como o nosso lar

Um recanto que nos beija

E onde respiro o luar.

 

 

44 - Insincero

 

Não há força que lhe acuda

Ao amor que ao vento dança:

É insincero o amor que muda

Quando encontra uma mudança.

 

 

45 - Longada

 

Quando o coração quiser

Já não vai querer mais nada

Do que a sociedade quer,

Só quer mesmo ir de longada.

 

 

46 - Recupera

 

O que deveras se dá

Jamais se então recupera

E quem se deu, depois já

Só por mão doutrem se espera.

 

 

47 - Jamais

 

Que é que importa a dor

Ou morrer sequer?

- Viver sem amor

Jamais é viver.

 

 

48 - Olhos

 

Olhos, janelas do mundo,

Colhem dele o apelo e a calma.

Respondem, se dele abundo,

Como meu espelho de alma.

 

 

49 - Casal

 

Um casal que se quer vivo

Nunca acaba de lutar:

É a paz a que não me esquivo

Onde aumento devagar.

 

 

50 - Filosofia

 

No fundo, a filosofia

É, para além e melhor

Que amor da sabedoria,

- Sabedoria do amor!

 

 

51- Casamento

 

O casamento de lado

Põe o casal protegido:

Tende um amigo casado

Um amigo a ser perdido.

 

 

52 - Fúnebre

 

Fúnebre, a um homem qualquer

Morre o mundo devagar.

Basta o olhar duma mulher,

Desata o mundo a girar.

 

 

53 - Alegria

 

Há sempre mais alegria

Em ceder eu por amor

Do que aquela que haveria

Em por orgulho me impor.

 

 

54 - Miudinha

 

Chove chuva miudinha

Num gotejar breve e fundo,

A mais velha e que acarinha

Canção de embalar do mundo.

 

 

55 - Memória

 

Memória de verdade

Não é saber de cor:

É a base da amizade

E a ruína do amor.

 

 

56 - Demasia

 

Quem é negligenciado

Vai comer em demasia:

Assim colmata um bocado

O afecto que não teria.

 

 

57 - Beijo

 

Beijo é a maneira de pôr

Dois tão juntos que não vão

Nada de errado supor

Do que de facto terão.

 

 

58 - Alicerce

 

Carácter é o alicerce

Em que à vida a casa encaixo:

A segurança me exerce

Das superfícies por baixo.

 

 

59 - Atilhos

 

O mais que um pai pelos filhos

Pode fazer e convém

Não são sermões nem atilhos,

É deles amar a mãe.

 

 

60 - Espelho

 

O espelho que apresentamos

Aos outros devia ser

Dos dois lados que o vejamos

Espelhado ante quenquer.

 

 

61 - Produto

 

 Homem sou, de sonhos vivo.

Se da guerra sou produto,

É de matar meu arquivo,

- E de amor, zero absoluto.

 

 

62 - Desejada

 

Dos mais mulher desejada

Devém, em breves instantes,

Valha embora pouco ou nada,

Bem mais preciosa que antes.

 

 

63 - Lágrima

 

Lágrima a fazer figura,

Lágrima duma alma inteira:

Lá, pérola de cultura,

Cá, pérola verdadeira.

 

 

64 - Vergonha

 

Todos teremos vergonha

De a palma levar o estranho

Num desgosto que suponha

Ser nosso em todo o tamanho.

 

 

65 - Enfarável

 

Cinco vezes desejável

Doutrem é a mulher de engano

Se a comparo ao enfarável

Alimento quotidiano.

 

 

66 - Nunca

 

“Nunca me abandones, nunca!”

“Nunca te abandonarei!”

…Que desânimo o chão junca

Dos curtos nuncas que sei!

 

 

67 - Cioso

 

O padre como o pastor

De Deus cioso é qualquer

Mais do que nós, por amor,

Somos de nossa mulher.

 

 

68 - Perfume

 

À meia-noite a paisagem

Tem um perfume de estrelas:

O céu cheira, na viagem,

Aos astros que me revelas.

 

 

69 - Vento

 

Por te amar, quanto tormento,

Que festa a me angustiar!

Quem tenta agarar o vento

Fica-lhe um punhado de ar.

 

 

70 - Fascina

 

A mulher fascina alguém

Sempre, num gesto, num rito,

Que sempre no olhar retém

Qualquer coisa do infinito.

 

 

71 - Campónia

 

Um amor sempre transforma

Por tudo quanto embeleza,

Para além de qualquer norma,

Uma campónia em princesa.

 

 

72 - Banjos

 

Por mais que trinem os banjos

No coração de quenquer,

Tarde ou cedo, sempre os anjos

Voltarão a ser mulher.

 

 

73 - Pérola

 

A mulher apaixonada

Inventou a reclusão,

Pérola a ser germinada

Do mar no escuro fundão.

 

 

74 - Voo

 

Pode amar de amor deveras,

Dos sonhos com todo o voo,

Quem não treme nas esperas

Porque a mulher já comprou?

 

 

75 - Afeição

 

Uma afeição verdadeira

Comoverá muito mais

Que a despesa que é parceira

Das bancarrotas que armais.

 

 

76 - Lírio

 

A eterna questão do lírio

É a de onde a raiz lhe acama,

Pois da beleza o martírio

É alimentar-se da lama.

 

 

77 - Emprestada

 

A Terra não foi herdada

De nossos antepassados,

Nós pedimo-la emprestada

Aos filhos por nós sonhados.

 

 

78 - Cinismo

 

Quando o cinismo ameaça

Vir tomar conta de nós,

Ver quanto a bondade abraça

Dá o conforto aos que andam sós.

 

 

79 - Ensejo

 

Quem toda a vida for belo

Não compreende o desejo

De quem não pode esquecê-lo

Por jamais ter tal ensejo.

 

 

80 - Falador

 

Entusiasmo, empatia

Mais a vontade de ouvir,

Qualquer um transformaria

Num falador com porvir.

 

 

81 - Promessas

 

Fazer e cumprir promessas,

Depósito de família,

Em impacto pede meças

À mais fincada vigília.

 

 

82 - Descontente

 

Nunca alguém tão descontente

Se mostra com semelhantes

Como quando fundamente

Consigo descontente antes.

 

 

83 - Tecto

 

Homem é razão e lógica,

Mulher, ternura e afecto:

Lei que não é demagógica

De duas águas tem tecto.

 

 

84 - Charneca

 

Tua mulher é a charneca,

A contradição que integras:

De flores por cima a beca,

Por baixo as pedras só pedras.

 

 

85 - Mistério

 

A energia do mistério

Da mulher que nunca tive

Me agarra com tal império

Que, mulher, sempre em ti vive.

 

 

86 - Virago

 

A virago não me atrai,

Antes mesmo a cortesã:

É que aquela tudo trai,

Esta oferta ainda a maçã.

 

 

87 - Loucura

 

Creio morrer de loucura

Antes de ter a mulher,

E de fadiga e de usura,

Quanta vez depois de a ter!

 

 

88 - Diferente

 

Nem igual, nem superior,

Nem inferior: diferente.

Homem-mulher: o valor

Vem de quanto os complemente.

 

 

89 - Sensações

 

Pelas letras outras teias

Traz a mulher aos serões:

Literatura de ideias,

Não, antes de sensações.

 

 

90 - Arruinado

 

A mulher fez o pecado

Com olhar terno e doçura,

Põe um homem arruinado

De tanto quanto se apura.

 

 

91 - Etiqueta

 

Quando uma afeição começa

A tender à indiferença,

A cordialidade tropeça

Na etiqueta mais intensa.

 

 

92 - Fresta

 

Canções são abrigos,

Fresta em velhos muros,

E amigos antigos

São os mais seguros.

 

 

93 - Janela

 

Desde que amo, a vida é bela,

A vida tem um motivo,

Abri, por fim, a janela:

- Desde que amo, sei que vivo!

 

 

94 - Depositar

 

Amar é depositar

A nossa felicidade

Na felicidade a dar

A quem amo de verdade.

 

 

95 - Segredo

 

A vida não é um degredo,

Requer de teu jeito a prova:

Critica o amigo em segredo

E sempre em público o louva.

 

 

96 - Perdão

 

Do frio o rigor

Requer um clarão:

Onde houver amor

Haverá perdão.

 

 

97 - Veludo

 

Minha paixão tudo

Aquilo em que toca

Pinta de veludo

Como a tua boca.

 

 

98 - Raio

 

Como o raio é sempre o amor:

Ninguém sabe o que o atraia

Nem dele onde é que o fervor

Vai cair antes que caia.

 

 

99 - Magia

 

Do primeiro amor magia

É que em tal tempo e lugar

Ninguém adivinharia

Que ele pode terminar.

 

 

100 - Partilha

 

Deixa que quem te é querido

Saiba quanto te é querida

A partilha que vivido

Tens por tê-lo em tua vida.

 

 

101 - Perfeita

 

Não há maneira, não há,

De ser uma mãe perfeita.

Mas boa mãe, vejam lã,

Há mil e uma sempre à espreita.

 

 

102 - Garante

 

Repousa, dorme bastante,

Guarda tempo a estar sozinho

E logo isto te garante

Que, alegre, atrairás carinho.

 

 

103 - Contacto

 

Quão mais físico contacto

Tanto menos agressiva

A criança cujo tacto

Da ternura a pôs cativa.

 

 

104 - Elogio

 

Quando ouvir um elogio

Sobre um amigo qualquer

Diga-lho com todo o ousio,

Não vá de tal se esquecer.

 

 

105 - Invés

 

Não tem nunca de fazer

Que gostem de si os mais,

Ao invés deve querer

É gostar deles tais quais.

 

 

106 - Meio

 

Para os filhos ajudar

A devir gente de bem,

O tempo em dobro é gastar,

Dinheiro em meio, também.

 

 

107 - Imensamente

 

Quando a amar imensamente,

Não digo o nome a ninguém:

Era largar entre a gente

Parte dela, aqui e além.

 

 

108 - Rui

 

Fui feito para amar, fui

Apenas na intimidade,

Senão o mistério rui

E a maravilha se evade.

 

 

109 - Delicioso

 

Delicioso é o mais vulgar,

Basta só que o escondamos:

O romance vai lavrar,

Na penumbra despontamos.

 

 

110 - Riso

 

O riso não é um começo

Nada mau para a amizade

E é o fim melhor que lhe peço

Dela para a eternidade.

 

 

111 - Indiferença

 

Quem gosta de toda a gente

Não gosta de muitos modos,

Antes sente indiferença,

Indiferença por todos.

 

 

112 - Suportar

 

Não suportar os parentes,

Não é rejeitar avós,

É naqueles ver presentes

Defeitos que houver em nós.

 

 

113 - Banal

 

As fidelidades tecem

O lado banal do amor

Mas as traições o que aquecem

É da tragédia o furor.

 

 

114 - Acaso

 

Pode um homem ser feliz

Com qualquer mulher de acaso

Se a não ama e lhe não diz

Que lhe traz da vida o vaso?

 

 

115 - Ídolo

 

Mulher que não tem fraqueza

Sofrerá de algum desdoiro:

Ter pés de barro é que preza

No ídolo o que valer oiro.

 

 

116 - Única

 

De cada vez que alguém ama

É a única em que ele amou:

Mude o amor ou mude a trama,

Sempre é singular o voo.

 

 

117 - Soezes

 

De homens umas fazem deuses

E eles vão abandoná-las.

Outras, brutos e soezes,

E enchem-nas eles de galas.

 

 

118 - Pendão

 

Nada, na mulher casada,

Supera a dedicação

E nunca o marido em nada

Repara de tal pendão!

 

 

119 - Sóis

 

Os filhos amam os pais,

Julgam-nos, tempos depois.

Raro perdoam os sóis

Que não dão calor jamais.

 

 

120 - Decepções

 

Casam eles de cansados,

Elas, porque curiosas

E depois, de ambos os lados,

Que decepções odiosas!

 

 

121 - Guião

 

Amor, não filosofia,

É a vera explicação

Deste mundo, não o guia

Doutro que não tem guião.

 

 

122 - Pregas

 

A mulher cuida que faz

Dum homem um ideal

E um falso ídolo é o que traz

Preso às pregas do avental.

 

 

123 - Esbanjar

 

Se alguém faz uma visita

É com o fim de esbanjar

Doutrem o tempo que habita,

- Para ao fim o preservar.

 

 

124 - Bravio

 

Um riso de rapariga

É inocente e tão bravio

Como dela a mente: é o fio

Da ilusão que prende e obriga.

 

 

125 - Achas

 

Minha mulher, os meus filhos,

achas onde o calor arde,

- Fogaréus a cujo brilho

Me salvo para mais tarde.

 

 

126 - Falsa

 

Um bebé não dorme à noite:

Fecha os olhos sempre à mansa

A levar-me a que eu pernoite

Crente em falsa segurança.

 

 

127 - Fortunas

 

O que os noivos preocupa

Dum, doutro são as fortunas?

Quem, porém, de amor se ocupa

É quem as goza oportunas.

 

 

128 - Precisar

 

Aquele que mete dó

É o inútil para ali…

Nunca ninguém fica só

Se alguém precisar de si.

 

 

129 - Recantos

 

Um homem que se apaixona

Descobre mil e um recantos

Dele próprio: vêm à tona

Os demónios dele e os santos.

 

 

130 - Infindo

 

Num amor o que é importante

É o infindo aqui ao pé,

É o sonho que aponta adiante,

- É tudo quanto não é!

 

 

131 - Confusão

 

Faz por conhecer teus pais:

Da vida na confusão,

Nunca, enquanto te distrais,

Sabes quando partirão…

 

 

132 - Adorável

 

Torna em comum o que houver

A relação agradável,

Das diferenças qualquer

Pode torná-la adorável.

 

 

133 - Sorriso

 

Linguagem universal

É aquele sorriso afável

Que no encontro, por igual,

Torna todo o mundo amável.

 

 

134 - Âmbito

 

O real, o imaginário

São dois mundos a se opor

Que se ligam, ao contrário,

No âmbito estranho do amor.

 

 

135 - Ventos

 

Há durante a vida eventos

A que os pais não podem ir:

Há ventos que dão tormentos

E acabam a destruir.

 

 

136 - Guerreiro

 

Ela quer o homem guerreiro

Ou então homem nenhum?

- Nem suspeita que o parceiro

Escraviza qualquer um.

 

 

137 - Envergonhado

 

Quando se ama alguém que é puro

Quem não fica envergonhado

Sonhando o perdido apuro

Que a ninguém volta a ser dado?

 

 

138 - Desfeito

 

Com os braços contra o peito

Sonha-la bem apertada?

Coitado do amor desfeito,

Sempre o que apertas é o nada!

 

 

139 - Resignação

 

O estranho de ser casado

Extinguir não é um vulcão,

É o tamanho do bocado

Que quer de resignação.

 

 

140 - Vislumbre

 

De que vale emancipar

Uma esposa, uma mulher,

Se um vislumbre nem tiver

De livre nem ser de andar?

 

 

141 - Intimidade

 

Mistério de intimidade

É, afinal, de afastamento:

Extrema proximidade

Tolhe a vista a todo o evento.

 

 

142 - Juntos

 

A deriva dos assuntos

Saudades de ti são antes:

Um doutro estamos tão juntos

Quando um doutro mais distantes!

 

 

143 - Punhado

 

Considerar os demais

E mais ser bem educado,

Mesmo é que investir reais

E colher de oiro um punhado.

 

 

144 - Rosto

 

Se do amor o rosto vires

Nunca o amor então verás,

Corres dele a vida atrás,

No sonho até o descobrires.

 

 

145 - Lágrimas

 

Quem as lágrimas alheias

A vida corre a enxugar,

Fica com as horas cheias,

Não tem tempo de chorar.

 

 

146 - Alibi

 

Quando não gostas de ti,

Não é de ti, não, somente,

Isso é apenas alibi:

- Não gostas de toda a gente!

 

 

147 - Primado

 

A moral universal

Dá o primado à mãe e ao filho:

É da espécie um ideal

A ser meu primeiro atilho.

 

 

148 - Desiguais

 

Todos os homens criados

São criados desiguais,

Que tais nos querem os fados…

- O resto é que vem dos pais!

 

 

149 - Borboletas

 

Às linhas curvas e rectas

Da vida julgamos culpas,

Garotas e borboletas

Não precisam de desculpas.

 

 

150 - Abominável

 

A tarefa abominável

Feita de amor por quem se ama

Dá sabor ao que é intragável,

Depura tudo o que inflama.