Segunda  Redondilha

 

 

 

DEPOIS  FALO  DO  BOM  SENSO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 151 e 279 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                   151 - Depois falo do bom senso

 

                                                                    Depois falo do bom senso

                                                                    Quando aquilo que senti

                                                                    Dita a norma que vivi,

                                                                    Mesmo se nela nem penso.

 

                                                                    Na quadra do dia-a-dia

                                                                    Enquadro parca experiência

                                                                    Mas garanto-me a evidência

                                                                    Que continuar queria.

 

                                                                    São pequenos utensílios

                                                                    Que importa ter sempre à mão,

                                                                    Pois precisarei de auxílios

 

                                                                    Que ao fim me libertarão

                                                                    E o bom senso é chão e guia:

                                                                    É dele que rompe o dia.

 

 

152 - Ses

 

Quantos ses ouves de ti!

Eu fico a pensar até:

- Os ses que de ti ouvi

Lograrão mudar o quê?

 

 

153 - Reparte

 

A maior parte

Quer dirigir

Mas não reparte

As culpas de ir.

                                                                   

 

154 - Descortinar

 

Se perde o tempo a lutar

Alguém contra um inimigo,

Nunca irá descortinar

Doutro maior o perigo.

 

 

155 - Seta

 

Uma vez pronunciada,

Nunca a palavra se tira,

Uma seta disparada

Para o arco não revira.

 

156 - Avisado

 

Dum homem que não conhece

Dele o próprio interior

Jamais o avisado esquece

De recear o pior.

 

 

157 - Jogo

 

Quando o jogo ao fim acaba

Não há classe alta nem baixa:

Peão e rei já ninguém gaba,

Voltam para a mesma caixa.

 

 

158 - Mal

 

Muito há quem se sinta mal

Porque seus actos fazer

Poderão aos mais sinal

Tal que o mais não queiram ver.

 

 

159 - Sombra

 

Não te dê a sombra receio:

Só te quer significar

Que algures, lá pelo meio,

Anda uma luz a brilhar.

 

 

160 - Consciência

 

A consciência é a voz discreta

Interior, que me diz

Que pode já vir na recta

A avaliação do que fiz.

 

 

161- Cós

 

Julgas tudo decifrar

Pelo metro de teu cós:

Nunca devemos julgar

Os outros, nunca, por nós.

 

 

162 - Álcool

 

Quando no vinho a dor poisas,

Repara no que convém:

O álcool apaga as coisas

Como as pessoas também.

 

 

163 - Pretensioso

 

Ao pretensioso acabas

A crista assim vergando alta:

- Fala-me do que te gabas,

Saberei o que te falta.

 

 

164 - Assentada

 

Eles dizem “não é nada!”,

A ver se alguém queda mudo,

E depois, duma assentada,

Querem mas é sempre tudo.

 

 

165 - Lama

 

Qualquer lama revolvida

Suja sempre toda a gente.

Não lhe mexas, que revida,

Suja-te a mão indecente.

 

 

166 - Testemunhas

 

Testemunhas imparciais

Quem as tem, onde é que estão?

Ou de defesa as tomais,

Ou serão de acusação…

 

 

167 - Pobre

 

No pobre quem mande

Há sempre que sobre

E sempre o mal grande

É culpa do pobre!

 

 

168 - Suor

 

Nem sempre a dor que haverá

O peito que sofre trai,

O peixe é o mar quem o dá

Mas é do suor que sai.

 

 

169 - Campo

 

Enquanto cantar, esqueço

De concentração o campo,

Sinto-me livre e começo

A vida a viver mais lampo.

 

 

170 - Tredo

 

O tempo é tredo ao lugar

Em que a sina no-lo deve:

- É sempre tardo em passar

Quando o desejamos breve.

 

 

171 - Queixas

 

Ao vento jogadas

São inutilmente

As queixas contadas

A quem as não sente.

 

 

172 - Roleta

 

O mar joga na roleta

Ou é um baralho de cartas:

Mais vale sorte repleta

Que sabedorias fartas.

 

 

173 - Peixe

 

Se do mar colhera peixe

Como acorda lá lembranças

Portugal talvez o deixe

Sem nenhumas abastanças.

 

 

174 - Crédulo

 

O crédulo tem prazer

Em crer em coisas estranhas

Sem jamais as simples ver

Que os demais vêem tamanhas.

 

 

175 - Vício

 

Sabes lá o que pode um vício!

Um viciado não mente,

Transforma-se num resquício

Que já nada vê nem sente.

 

 

176 - Estilhaçar

 

As mãos que parecem feitas

Para estilhaçar o mundo

Nem quebram, de tão afeitas,

A nossa dor um segundo.

 

 

177 - Harmonia

 

Nunca se alcança a harmonia,

- Muitos trilhos, mesma a rota -

Se todos, com euforia,

Tocarem a mesma nota.

 

 

178 - Desculpas

 

De desculpas um pedido

Não estraguemos sequer

Com o rasgão desmentido

Duma que demos qualquer.

 

 

179 - Curas

 

Do dia para as loucuras,

Uma boa gargalhada

E uma noite descansada

São mesmo as melhores curas.

 

 

180 - Libertar-se

 

A roupa tão pouco agrada

Que um dia vem que eu a esgarce:

Ninguém se liberta nada

Se não quiser libertar-se.

 

 

181 - Empequena

 

Portugal, país pequeno,

Empequena o que demandes:

Tanto nisto o jeito é pleno

Que pequenos torna os grandes.

 

 

182 - Atitude

 

Muitas vezes a atitude

Quanto à razão da doença

A curar tem mais virtude

Que um tratamento que a vença.

 

 

183 - Abaixo

 

Nem só o tiro, ao ribombar,

Avalanches solta em cacho:

Há espingardas que, a amear,

Deitam montanhas abaixo.

 

 

184 - Dispões

 

Nas coisas de que dispões

Atenta nas que te enrolem:

- Precisamos de emoções,

Não de que elas nos controlem.

 

 

185 - Remédio

 

Dissipar o mau humor

Tem um remédio preciso:

- Basta-te ao rosto propor

Mui simplesmente um sorriso.

 

 

186 - Decepção

 

É a vida que decepciona

Ou antes, por tua mão,

Todo o mal trazes à tona,

Transmuda-la em decepção?

 

 

187 - Vazia

 

Vida vazia:

Nico de amor,

Nico de dor…

- No fim: bom dia!…

 

 

188 - Trás

 

“Eu fiz-lhe sempre a vontade

Para me deixar em paz.”

- Agora, quem o persuade,

Quem lhe vai dar para trás?

 

 

189 - Semana

 

Uma semana em cadeia

Tempo demais sempre dura.

Se de liberdade cheia,

Curta demais se afigura.

 

 

190 - Magníficos

 

Magníficos nos extremos

Onde mais a sorte emana,

Da bondade é que vivemos

Persistente e mediana.

 

 

191 - Sitiados

 

Num cerco o inimigo os poços

Envenena aos sitiados.

Inimigos somos nossos

Hoje em festa envenenados.

 

 

192 - Primavera

 

A Primavera é sentir

Vontade de assobiar

Mesmo de pés a estrugir

Nas botas feitas lagar.

 

 

193 - Vela

 

Mata a Primavera mais

Com seiva que prolifera:

A mecha larga demais

Derrete a vela de cera.

 

 

194 - Discussão

 

Nunca te deixes levar

Para uma discussão,

Que perdido irás ficar…

- E por que hás-de ter razão?

 

 

195 - Videira

 

Crês em Deus, na feiticeira,

Em manchas lidas na loisa…

- Débil gavinha em videira,

Agarras-te a qualquer coisa!

 

 

196 - Fé

 

A fé será uma almofada

Confortável, nada custa.

Muitas vezes, sendo nada,

É mesmo uma coisa justa.

 

 

197 - Mentiroso

 

Mentiroso de nascença,

Quando algo diz verdadeiro,

Tanto exagera a sentença

Que de mentira tem cheiro.

 

 

198 - Triste

 

Há muito triste que existe

Da vida além dos senões.

O que nasceu para triste,

Nem que lhe cantem canções!

 

 

199 - Púcaros

 

Dos púcaros entre a boca

E a bocarra do guloso

Tem uma víbora a toca

Pronta ao bote venenoso.

 

 

200 - Guardiões

 

Os humanos guardiões,

Se protegem os arcanos,

Protegem como leões

Nossa terra dos humanos!

 

 

201 - Aponto

 

Não sou pessimista, não:

Aponto o mal onde exista

E, na minha opinião,

Isto é que é ser optimista.

 

 

202 - Oprimir

 

Jamais nenhuma nação

Livre poderá devir

Se outra não oprimir,

Em concreto e na intenção.

 

 

203 - Perfazem

 

Meio mais meio depois

Perfazem uma unidade.

Um erro mais um são dois,

Nunca são uma verdade.

 

 

204 - Ocos

 

Por dentro é por serem ocos

Que obedecem à vontade

Dos outros todos os loucos

que enchem a sociedade.

 

 

205 - Cicatrizes

 

Meu corpo de cicatrizes

Enche a vida, feito arquivo.

São mais que minhas raízes,

São a prova de que vivo.

 

 

206 - Ruínas

 

Pelas ruínas romanas

Lições aprendo a preceito:

Em vez de heranças humanas,

Trabalho legar bem feito.

 

 

207 - Deixa

 

Político que se queixa

Do que é a comunicação

É marujo cuja deixa

Se queixa do mar seu pão.

 

 

208 - Dói

 

Um nome que se não é

Dói tanto como nos doa

Não sermos pessoa até,

Que o nome é também pessoa.

 

 

209 - Esmorece

 

O tempo corre que corre

E a gente esquece que esquece,

Fica para trás e morre…

- Eis como tudo esmorece.

 

 

210 - Esconde

 

Quem muito esconde os intuitos,

A propósito de nada

Se teme de haverem muitos

Visto a manobra tramada.

 

 

211 - Acordado

 

Quantas vezes julgaremos

Haver sonhado e acordado

Quando afinal só vivemos

Aquele como este lado!

 

 

212 - Despeito

 

O despeito em nós afoga

Falso despeito altruísta:

Com virtudes doutrem joga

Mas nenhuma gera à vista.

 

 

213 - Perigo

 

Quem não conhece o perigo

Antes que lhe rasgue a pele,

Como irá pôr-se ao abrigo,

Como defender-se dele?

 

 

214 - Nudez

 

Pôr a nu a vida inteira

Torna a nudez menos casta?

Apenas nossa maneira

De a esconder a tal basta.

 

 

215 - Mergulho

 

Nunca serei o primeiro,

Já que mergulho no fundo,

E é o mais forte ou mais ligeiro

Que leva tudo no mundo.

 

 

216 - Gratidão

 

Gratidão é uma palavra

E as palavras são moeda

Que o doido sempre escalavra

Quando ao engano lhes ceda.

 

 

217 - Concita

 

Desde que um homem habita

As margens deste planeta

Quanto dinheiro concita

Magia a fingir secreta!

 

 

218 - Credulidade

 

Raramente uma pessoa

Agradece de verdade

A prova, no fundo boa,

De sua credulidade.

 

 

219 - Traficantes

 

Traficantes de mistérios

Não valem, somada a asneira,

Da ciência os impropérios:

Para mais, é verdadeira.

 

 

220 - Heróis

 

Os heróis que os livros trazem

Não são os heróis da fome,

Que estes a ninguém aprazem

E ninguém lhes sabe o nome.

 

 

221 - Dente

 

Se o povo quiser a paz

Não há soldados na guerra.

Então quem a guerra faz?

- Nos mais quem o dente ferra!

 

 

222 - Linha

 

Do comboio o povo é linha

Onde o trem da guerra corre.

Se a levantar, não caminha

Mais o trem e ninguém morre.

 

 

223 - Casinhas

 

“As casinhas japonesas,

Que amorosas, pequeninas!…”

- Colectivo um banho prezas

Se a estar sozinho te inclinas?!

 

 

224 - Brutalmente

 

Quem é brutalmente franco

Gosta da brutalidade

E a franqueza que lhe arranco

Menor é que tal verdade.

 

 

225 - Cínico

 

O dia em que alguém se torna

Cínico é o dia em que o movem

As cãs que ganhou à jorna,

Quando deixou de ser jovem.

 

 

226 - Perdidos

 

Sono, riqueza e saúde

Deveras apreciados,

Só quando for em virtude

Por perdidos de ser dados.

 

 

227 - Ginastica

 

A cura da depressão,

Como inverter a ansiedade,

Os exercícios o dão:

- Ginastica a tua idade!

 

 

228 - Piadas

 

Às piadas de advogados

Estes não acham piada

E, embora piadas, marcados,

Os mais não as acham nada.

 

 

229 - Curar

 

Curar as almas que pode

Mais que podem os sentidos?

E aos sentidos quem acode

Senão das almas gemidos?

 

 

230 - Disforme

 

Tornar-me velho, disforme,

Irei como quanto existe

E o meu retrato, inconforme,

Sempre jovem… Como é triste!

 

 

231 - Ouvinte

 

Quem busca esgotar um tema

Antes de entrar no seguinte,

Antes esgota, por lema,

Aquele que for ouvinte.

 

 

232 - Prateleira

 

O mundo na prateleira

Para ler descrições dele

Temos nós. Não há maneira

De gostar de ver-lhe a pele?

 

 

233 - Escravatura

 

Problemas de escravatura

Ninguém logra resolvê-los

Se dos escravos só cura,

Que só cura de entretê-los.

 

 

234 - Entrudo

 

O mundo joga ao entrudo

Sem se ver na mascarada:

Sabemos o preço a tudo

E nunca, o valor de nada.

 

 

235 - Inverdades

 

Na maré das inverdades

Vão-se evidências primárias

E únicas necessidades

São coisas desnecessárias.

 

 

236 - Resoluções

 

As boas resoluções

Tanto são tarde demais,

Cheque ao banco nos balcões

De contas que não há mais!

 

 

237 - Contas

 

As contas com o destino

Nunca ficam acabadas:

Pago, pago, em desatino,

E as culpas sempre eriçadas!

 

 

238 - Bastante

 

Quem tem idade bastante

Para mais saber da vida

É que não sabe, adiante,

Nada dela de seguida.

 

 

239 - Escolhos

 

Fechar para a vida os olhos

Para andar livre de escolhos

É tal cegar-se de início

Para andar num precipício.

 

 

240 - Reis

 

Todos nós nascemos reis

E a maior parte da gente,

Exilada e sem papéis,

Morre ao mundo indiferente.

 

 

241 - Coragem

 

É preciso ter coragem

Para seguir recto em frente

Quando, se troco a viagem,

Ninguém liga, indiferente.

 

 

242 - Proporções

 

O medo atinge por vezes

Proporções duma tal ordem

Que os corajosos, soezes,

A reles poeira mordem.

 

 

243 - Futilidade

 

Pragas de futilidade

Espreitam nossos diálogos,

Sons vazios da cidade

Em sucessivos catálogos.

 

 

244 - Lapso

 

A flor da vida é um pequeno

Lapso de tempo que apuro,

Um nada contudo pleno,

Tempo entre o verde e o maduro.

 

 

245 - Reféns

 

Ah, Verão, que poder tens

De tanto fazer sofrer

E de nós, mesmo reféns,

Gostarmos disto a valer!

 

 

246 - Funestas

 

Ver o lado divertido

Das coisas, as mais funestas,

É que ajuda a ter sentido

Se a vida diz que não prestas.

 

 

247 - Baloiço

 

A vida à velocidade

Da cadeira de baloiço,

Só na varanda da herdade

Onde os melros trinar oiço.

 

 

248 - Decepções

 

Todo o homem, dia a dia,

Carrega-se, aos tropeções,

De variada fantasia

Que apenas dá decepções.

 

 

249 - Rolha

 

Uma rolha de cortiça

É mesmo a infelicidade:

Não pode, quem ela enliça,

Afogá-la de verdade.

 

 

250 - Bonecos

 

Escrever sem se viver

É colher os frutos pecos:

Num palco vivo qualquer

Sem alma agitar bonecos.

 

 

251 - Monge

 

O clube, a igreja, o partido,

Nem de perto nem de longe

São teu ser nem teu sentido:

O hábito não faz o monge.

 

 

252 - Deserto

 

Sem música, sem dançar,

Toda a vida acaba perto:

Mal podemos respirar

Na secura do deserto.

 

 

253 - Embaraçoso

 

Nada mais embaraçoso

Do que ver alguém fazer

O que afirmo, imperioso,

Que era impossível de o ser.

 

 

254 - Honestidade

 

Ser honesto sem idade

É uma jóia que se engasta,

Até porque a honestidade

Não se gasta, não se gasta!

 

 

255 - Medida

 

A grandeza dum governo

Tem uma medida exacta:

Da felicidade o interno

Gozo que ao povo colmata.

 

 

256 - Ofensivo

 

Quem se ofende vê soezes

Trilhos que não trilha a par:

Ofensivo é o mais das vezes

Sinónimo de invulgar.

 

 

257 - Aldeia

 

Na terra um canto feliz,

Apenas pequena aldeia…

- E a festa de alguns que quis

Doutros a desgraça cheia!

 

 

258 - Partidas

 

Da caserna revividas

As boas recordações

Não são mais do que partidas

Pregadas aos figurões.

 

 

259 - Asneira

 

A pequena asneira, admito:

Os santinhos, oh, que horror,

E um patife, olha o maldito!

- No meio mora o sabor.

 

 

260 - Telhudo

 

Nem mesmo o mais santo em paz

Viver pode no seu ninho

Quando tal jamais apraz

Dele ao telhudo vizinho.

 

 

261 - Estalecas

 

Vê bem quem entra em teu giro

E compara as estalecas,

Que um bom cavalo de tiro

Convive mal com pilecas.

 

 

262 - Esquisito

 

Todos temos de aceitar

As coisas como elas são,

Se esquisito algo enjeitar

Nem chego a pôr pé no chão.

 

 

263 - Fronteiras

 

Por vária que seja a sorte

das fronteiras sociais,

- Um nascimento e uma morte

Tornam-nos todos iguais.

 

 

264 - Candura

 

É a candura, de evidência,

Valor e sem petulância,

Mas traz-me deficiência

Em fala de circunstância.

 

 

265 - Toureiro

 

Um toureiro de salão

Logrará sempre esquivar-se,

Finta o risco com disfarce,

Ponta alguma o joga ao chão.

 

 

266 - Pirilampo

 

Simples da vida é a verdade,

Corpo da terra nascido:

- Pirilampo, um instante arde,

Logo no escuro é sumido.

 

 

267 - Barro

 

Não tenho um deus a te dar,

Que a dar deus não tem ninguém,

Temos sempre em seu lugar

De barro imagens de alguém.

 

 

268 - Insinua

 

Uma explicação contenta:

Põe-nos em ordem a vida

E insinua a quem a inventa

Que ele é quem ordena a lida.

 

 

269 - Crise

 

A toda a religião

Hoje a crise se lhe aplica,

Ao sagrado, porém, não,

Sagrado que a justifica.

 

 

270 - Desgraçados

 

Nega o mundo aos desgraçados

Tudo, mas eles ainda,

Ante a vida desavinda,

Se apunhalam aos bocados.

 

 

271 - Maltês

 

A obrigação é moer

De pancada que lhe dou

O maltês que vem comer

Aquilo que não ganhou.

 

 

272 - Bordejar

 

Em política e no mar,

Quando o vento é traiçoeiro,

O que importa é bordejar

Até um bom porto, leveiro.

 

 

273 - Gruda

 

A ideia dum homem muda

Dum para o outro momento

Se interesse, enfim, o gruda

Ao lado em que sopra o vento.

 

 

274 - Cave

 

Um bom vinho não é um vinho,

Antes uma falsa chave

Que abre as portas, adivinho,

Aos segredos que há na cave.

 

 

275 - Viagem

 

Quão mais importa a mensagem

Menos tempo é requerido

Para cobrir a viagem

Duma boca até um ouvido.

 

 

276 - Tiros

 

Preconceitos sociais,

Instituições de vampiros,

Não são pessoas reais

Em quem possamos dar tiros.

 

 

277 - Esquivar

 

Quem se esquivar a um combate

Não é derrotado nele

Mas moralmente ele o abate:

Não arriscou nele a pele.

 

 

278 - Madura

 

Sabedoria madura,

Por muito que ao invés diga,

No fim de tudo o que apura

Parece mas é fadiga.

 

 

279 - Invocação

 

O melhor dum homem não

Invoques, pode-o não ter.

Convence-o na invocação

Do interesse que tiver.