Terceira  Redondilha

 

 

 

À  REFLEXÃO  ME  CONVENÇO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 280 e 415 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                280 - À reflexão me convenço

 

                                                                À reflexão me convenço

                                                                Perfurando mais além

                                                                Na quadra que nunca tem

                                                                A medida a que pertenço.

 

                                                                Entendo o que me convém

                                                                E cada etapa que venço

                                                                Registo no lume intenso

                                                                Que a fresta me abriu além.

 

                                                                E sempre mais longe irei,

                                                                Que nunca a minha pegada

                                                                Tem o tamanho da lei.

 

                                                                Na quadra o que cantarei

                                                                É uma eterna caminhada

                                                                A ver se algum dia sei.

 

 

 

281 - Misericórdia

 

Da guerra após o perigo

A mais difícil concórdia

É para com o inimigo

Revelar misericórdia.

 

 

282 - Forte

 

Aquele que a mão sustém

Quando golpear as feras

Podia mas não convém

- Eis quem é forte deveras.

 

 

283 - Irrazoáveis

 

Os homens irrazoáveis

Irrazoáveis mais são

Tanto mais se vulneráveis

Ante o honesto coração.

 

 

284 - Severa

 

A realidade pode

Ser muitíssimo severa:

Aos que a ignoram não acode,

Pune-os de toda a maneira.

 

 

285 - Lição

 

Julgo a vida, feito a feito,

Eis a lição das lições:

Nenhum homem é perfeito,

São-no apenas intenções.

 

 

286 - Retornam

 

As velhas culpas retornam

Porque encaixarão, normais,

Nalguns vectores que adornam

Conjunturas actuais.

 

 

287 - Si

 

Façamos o que fizermos,

Nada ocorre por si só,

Tudo influi em quaisquer termos

Em tudo o mais e sem dó.

 

 

288 - Suicida

 

O suicida busca a morte

E assim põe termo à desdita.

Do frustrado é igual a sorte,

Só que um dia ressuscita.

 

 

289 - Livro

 

Escrever um livro é mais

Que governar um império

E mais difícil: sinais

De quanto escrever é sério.

 

 

290 - Penas

 

Mortas as penas nos põem

As vidas onde mais falam.

E, se calam, pior: doem

Mais as penas que se calam.

 

 

291 - Liberdade

 

Liberdade ameia, ameia,

E breve os fumos se somem:

A liberdade é cadeia

Se falta o trabalho a um homem.

 

 

292 - Rancoroso

 

Ocorra quanto ocorrer,

Não te sintas rancoroso,

Que o rancor que te vier

Destrói-te, não te dá gozo.

 

 

293 - Más

 

As horas más nos convencem

Quão depressa tudo é vão,

Portanto, quando se vencem

Tornam-se de redenção.

 

 

294 - Fias

 

Só te fias de teus olhos?

Os mais sentidos irão

Definhando e os escolhos

Não te previnem do chão.

 

 

295 - Prova

 

Prova dum homem não é

Aquilo de que é capaz

Nem o que alguém dele crê:

- É o que de verdade faz!

 

 

296 - Poder

 

A matriz contra que luto

Não tem desculpa ou perdão:

- Todo o poder absoluto

É absoluta corrupção.

 

 

297 - Um

 

Repara neste sinal:

Como o espaço é apenas um,

Onde só reinar o mal

Não há bem em ponto algum.

 

 

298 - Lacunas

 

Dos deuses o pior deus,

Quando uns dos outros desunas,

É o que tapar erros meus,

Castrador deus das lacunas!

 

 

299 - Mítico

 

A ciência é perigosa

A quem não for autocrítico,

Que da verdade não goza

Quem só tem critério mítico.

 

 

300 - Lua

 

Que é que vemos realmente

Quando olhamos para a Lua?

- Sombras, cada qual te mente,

Cada qual à imagem tua.

 

 

301 - Prefiro

 

Prefiro a verdade dura

À fantasia calmante:

Na hora das contas, pura,

Ela é que é reconfortante.

 

 

302 - Placebo

 

Um placebo só funciona

Se o paciente acreditar:

- A esperança em nós se adona

Da bioquímica a mudar.

 

 

303 - Assim

 

Que é que importa perguntar

Por que as coisas são assim?

Ninguém sabe ou anda a par:

- São tais quais e até que enfim!

 

 

304 - Dúvida

 

Onde há certeza, há já morte,

Esta é que é sempre a verdade.

No inverso melhora a sorte:

Se há dúvida, há liberdade.

 

 

305 - Picos

 

A história ensina que os ricos

E poderosos roubar

Leva a que em mais altos picos

Mais lesões tenham lugar.

 

 

306 - Conquistas

 

O segredo das conquistas

Não é do incenso que somem,

É de corrermos nas pistas

Do querer que queira um homem.

 

 

307 - Talvez

 

Salto do nada ao talvez

E é quanto levo comigo:

É na fé que prendo os pés,

Para o mais não há postigo.

 

 

308 - Saber

 

Se a terra se vai,

Dinheiro também,

Daquele que cai

O saber é um bem.

 

 

309 - Nada

 

Tudo se esvai, com desdém,

Se aparta sem um tropeço…

- O fim da vida não tem

Nada em si. Como o começo!

 

 

310 - Recuperação

 

Uma recuperação

Depende, mais do que pensas,

Do que pensas da lesão

Depois de quaisquer sentenças.

 

 

311 - Escondido

 

No mundo, ao campo inimigo

Só escondendo guardo o senso:

Quando não penso o que digo

É que então digo o que penso.

 

 

312 - Acreditar

 

Quando alguém acreditar,

Nenhuma prova é precisa.

Se não crer, quanto eu provar

É uma bastarda pesquisa.

 

 

313 - Orações

 

Confio que Ele responde

A todas as orações.

Não é, porém, saber onde

Nem quais serão os guiões.

 

 

314 - Jogo

 

A vida parece um jogo,

Ora se perde, ora ganha,

E o ganho perde-se logo

Dela à derradeira apanha.

 

 

315 - Alerta

 

Entre presa e caçador,

Sempre a presa é mais esperta,

Que quem é mais perdedor

Mais arguto fica alerta.

 

 

316 - Obstáculo

 

Um obstáculo ao saber

Que intransponível deveio,

Aquilo deixou de ser,

De partida é um novo meio.

 

 

317 - Grandeza

 

De grandeza há quem não herde

Visão que a vida lhe alcança:

- Grande é o homem que não perde

O coração de criança.

 

 

318 - Dramática

 

Tensão dramática à vida

quem pretende acrescentar,

Basta um fim de prazo, à ida,

Em frente se agigantar.

 

 

319 - Secreto

 

O secreto é sempre ausente,

A voz fará muita falta:

Tudo fica diferente

Depois de dito em voz alta.

 

 

320 - Tolo

 

Ganhar dinheiro qualquer tolo o faz.

Conservar-lhe o valor requereria

Bem mais que daquilo ser capaz:

- Só com a mais sagaz sabedoria.

 

 

321 - Densidade

 

Da morte, durante a vida,

Tão abstracta é a densidade

Que acaba sendo delida,

Já nem é uma realidade.

 

 

322 - Demagogos

 

De todos os demagogos

É o programa lapidar

Com que mentem desafogos:

- Isto vai ter de mudar!

 

 

323 - Parada

 

Eu espero sempre tudo:

Vantagem de ir na parada,

- Em festa tudo transmudo

Só por não conhecer nada.

 

 

324 - Abortos

 

Os humanos outra cara

Revestem quando estão mortos:

A máscara que os mascara

Cai desta vida de abortos.

 

 

325 - Roupas

 

Segue a paz caminhos tortos

A mostrar do que é capaz:

Não vestir roupas de mortos

É uma das coisas que faz.

 

 

326 - Contradições

 

As contradições consomem

Da crença a rota dos céus:

- Como é que acercar-me aos homens

Me vai pôr longe de Deus?

 

 

327 - Pendem

 

Todos os homens de acção

Pendem à fatalidade,

Mas os pensadores, não:

Previdência é liberdade.

 

 

328 - Início

 

Pede mui pouco de início

E dá muito, de assentada:

Ao fim tens o benefício

De tudo ter sem dar nada.

 

 

329 - Poço

 

A verdade é condenada

A permanecer no poço:

Para sempre postergada,

Em todo o lado é um destroço.

 

 

330 - Mitos

 

Os mitos nunca acontecem

E jamais aconteceram.

Todavia, se os esquecem,

Logo existem tal qual eram.

 

 

331 - Irmãos

 

Amante, louco e poeta

São irmãos no imaginar,

Com toda a razão repleta

Do que lá não tem lugar.

 

 

332 - Incompreensível

 

A vertente do Universo

Mais decerto incompreensível

É que com ele converso

Tão de modo inteligível!

 

 

333 - Caudais

 

Preto e branco são iguais,

Já que são a mesma cor:

Divergem só nos caudais

De luz a que vão se expor.

 

 

334 - Liberdade

 

Uma fé na liberdade

Nada vai significar

Se só a nossa de verdade

Nos vier a entusiasmar.

 

 

335 - Medo

 

Da morte não tenho medo,

O que conta e sobrevive

Não é ter ou não ter credo,

É o modo como alguém vive.

 

 

336 - Fechado

 

Quando um livro está fechado

Que é que ocorre dentro dele?

- Vive um mundo em todo o lado

Escondido atrás da pele.

 

 

337 - Criaturas

 

As mentiras foram já

Criaturas de fantasia,

Só que hoje a máscara está

Num corpo que não cobria.

 

 

338 - Nome

 

Um nome que é verdadeiro

Torna cada ser total,

O falso mente, traiçoeiro,

E tudo torna irreal.

 

 

339 - Impossível

 

Faz o que queres, porém,

Vê lá bem o que é querer:

- Só se quer o nosso bem

Que é impossível de saber!

 

 

340 - Argúcia

 

Perante a perversa astúcia,

A rebuçada má fé,

- Que mais cega do que a argúcia

Da grandeza que as não vê?

 

 

341 - Dura

 

Seguro se encontra

O poder que alcança:

Lutar em vão contra

O que dura, cansa.

 

 

342 - Monturo

 

Não deixas de ser poeta,

Que um fraco, pelo seguro,

Manténs em tua dieta

Por rouxinóis do monturo.

 

 

343 - Ignorar

 

Ignorar não é virtude,

Ignorar não é pureza:

Quem com a vida se ilude

Em que aumenta de grandeza?

 

 

344 - Feridas

 

As feridas que vereis

Nos corpos talham a dor.

As feridas mais cruéis

Não afloram no exterior.

 

 

345 - Constância

 

Num mundo sempre em mudança

A constância significa

Muitas vezes, nesta dança,

Mudar a ideia que fica.

 

 

346 - Era

 

A norma de meu lugar,

A era de meu viver:

Começo por me espantar,

Acabo por compreender.

 

 

347 - Bebé

 

Quem da teórica ciência

Pergunta para que é

Pergunta, afinal, na essência,

Para que serve um bebé.

 

 

348 - Duvidar

 

Vontade de acreditar

Não é o que importa suprir,

desejo de duvidar

Urge bem mais descobrir.

 

 

349 - Testemunho

 

Nenhum testemunho chega

Um milagre a comprovar,

Só se ser falso lhe adrega

Mais milagre figurar.

 

 

350 - Mensagem

 

Se há uma mensagem do espaço,

Sobreviver é possível:

Se alguém transpôs o fracasso,

Tal por nós é repetível.

 

 

351 - Berço

 

Em redor do berço

Da ciência nova,

Se o teólogo verso,

Cai de vez na cova.

 

 

352 - Dependo

 

Crer ou não em Deus…

- Afinal dependo

Daquilo, em meus céus,

Que por Deus entendo.

 

 

353 - Inverso

 

À medida que aprendemos

Mais e mais sobre o Universo

Cada vez menos, no inverso,

Para Deus fazer retemos.

 

 

354 - Medo

 

O medo que nos segura,

Da vida enfrenta os caprichos;

Se em nós devier loucura,

Transforma os homens em bichos.

 

 

355 - Imperialismo

 

O imperialismo é cego.

Faltam casas? Falta pão?

Que suportem o carrego!

Porém, o lucro é que não…

 

 

356 - Diante

 

Ver o que nos anda à frente,

De nossos olhos diante,

Requer uma luta ingente

Com vigilância constante.

 

 

357 - Atear

 

Educação que se esgote,

É que ficou pela rama:

Não é nunca encher um pote

Mas atear uma chama.

 

 

358 - Contacto

 

O medo, quando me alcança,

Leva-me a ter fino tacto:

O medo mais a esperança

Têm pontos de contacto.

 

 

359 - Pergunta

 

Pergunta, não é batota

Perguntar, fazer o teste.

Só uma pergunta é idiota:

Aquela que não fizeste.

 

 

360 - Mente

 

O grande acontecimento

Do mundo ocorre na mente

E os grandes pecados mente

Quem os vê noutro elemento.

 

 

361 - Visível

 

Do mundo o maior mistério

É o mistério do invisível?

- Mistério só mesmo a sério

Do visível é credível!

 

 

362 - Rouba

 

Cada minuto que passa

Algo mais me rouba a mim.

Meu retrato nunca passa

E um ponto me ganha assim.

 

 

363 - Trágico

 

Por detrás do interessante

Tem de haver algo de trágico:

A alegre flor radiante

No estrume radica mágico.

 

 

364 - Extraviar

 

A vantagem da emoção

É de nos extraviar,

Como a da ciência, então,

É de à emoção não ligar.

 

 

365 - Açamos

 

O bom senso põe açamos,

Ninguém ouve à vida os berros.

O que nunca lamentamos

São os nossos próprios erros.

 

 

366 - Firme

 

Moderação é fatal,

Bastante é má refeição,

Gula, mero festival…

- Ninguém firme tem o chão!

 

 

367 - Velhice

 

A tragédia da velhice

Não é ser velha: comovem-

-Na a memória e a sandice

De um dia ter sido jovem.

 

 

368 - Trivial

 

Quem trivial fala da vida

É que dela teme o império.

Tão fatal ela o convida

Que a nem pode ler a sério.

 

 

369 - Enervem

 

É pena que nós na vida

As lições que nos enervem

Recebamos sem medida

Quando já de nada servem.

 

 

370 - Dever

 

O dever é o que esperamos

Doutrem com zelos extremos

Sem que nunca lhe exijamos

O que nós próprios fazemos!

 

 

371 - Esgotou

 

Homem que esgotou a vida

Não vê que é que ele repele:

A vida, de tão mentida,

É que o esgotou a ele.

 

 

372 - Linhas

 

A vida do homem requer

Linhas intelectuais,

A vida duma mulher,

As curvas emocionais.

 

 

373 - Provação

 

Uma amarga provação

É por vezes, ponderada,

Mudando brusca de tom,

Uma bênção disfarçada.

 

 

374 - Cobarde

 

Um homem nasce cobarde

E o cão que mais fero late

Dos colmilhos faz alarde

A ver se a quem teme abate.

 

 

375 - Corajoso

 

Sou deveras corajoso

Se me não deixo abater,

Olho o sol, rio com gozo:

- Riso é força de viver.

 

 

376 - Magicaram

 

À força de repetir

A mentira que inventaram,

A memória os vai trair:

- Crêem no que magicaram.

 

 

377 - Prémio

 

Ter o mais fácil em vista

O pior leva a supor:

- É que uma fácil conquista

Ao prémio tira o valor.

 

 

378 - Fidalgo

 

Quem entre o plebeu e o nobre

É o verdadeiro fidalgo:

Quem pobre enjeita por pobre

Ou o aceita se vale algo?

 

 

379 - Obituário

 

Aquilatar das pessoas

Pelo saldo pecuniário

É não vê-las más nem boas,

É pô-las num obituário.

 

 

380 - Aristocracia

 

Do berço a aristocracia

Dá proa, dá fingimento:

- A que o lugar merecia

É apenas a do talento.

 

 

381 - Pérfida

 

A mais pérfida ironia

É ver que o talento não

Se iguala jamais um dia

Ao tamanho da ambição.

 

 

382 - Cede

 

Aquele que sempre cede

Aos mais, acaba por não

Ter, naquilo a que procede,

Princípios próprios à mão.

 

 

383 - Contente

 

Se estar triste, porventura,

De nós não é dependente,

De nós depende, segura,

A ideia de estar contente.

 

 

384 - Preocupa-me

 

Preocupa-me a criança

No futuro que tiver

E nem vejo o que hoje alcança:

- Alguém já deverá ser!

 

 

385 - Sepultura

 

Levam para a sepultura

Os mortos dentro das mãos

Apenas a prenda pura

Do que deram aos irmãos.

 

 

386 - Escolho

 

Dentro de mim ninguém vê-me

Nos riscos que mal acolho:

Se a nau não singrar ao leme,

Irá singrar ao escolho!

 

 

387 - Chão

 

Um homem de coração

No lar dos grandes entrar

Não deve sem pôr no chão

Os sonhos que houver de amar.

 

 

388 - Livre

 

Ensinaram-me que o homem

Só pode em ordem viver.

Porém, se livre o não tomem,

Então nem vive sequer.

 

 

389 - Obstinado

 

Quem obstinado insistir

Em que deve haver um morto,

A vítima a perseguir

Deve ele ser, que anda torto.

 

 

390 - Gota

 

O que importa mais saber

É que de sangue uma gota

Vale mais do que o que quer

Dos papéis o monte e a cota.

 

 

391 - Patente

 

O saber importa mais

Do que a patente de mando

E do labor os sinais

Que de hierarcas o comando.

 

 

392 - Dolosos

 

Os loucos e os viciosos,

após quantos sacrificam,

Lamentam sofrer, dolosos,

O efeito do que praticam.

 

 

393 - Democráticos

 

Nos reinos mais democráticos,

A verdadeira questão:

- Ninguém vive, em termos práticos,

Acima da corrupção!

 

 

394 - Vazio

 

Tanto o antigo como o novo

Não são os anos que os medem.

Vazio donde os removo,

É o que dentro de mim cedem.

 

 

395 - Passagem

 

Fito-lhe os olhos e vê-me;

Vejo-os, mas além não entro:

Os olhos tapam, luz creme,

A passagem para dentro.

 

 

396 - Oblíqua

 

A palavra que se adensa

Enflora de cravo e mirto:

A palavra é uma presença

Sempre oblíqua dum espírito.

 

 

397 - Diálogo

 

Morre o diálogo no prólogo,

Da ilusão de quanto valho:

Um diálogo é um monólogo

Com divisão de trabalho.

 

 

398 - Grito

 

Se grito para me ouvir,

Não esquecer que aqui estou,

Algo me assusta a seguir:

Resposta espero e não dou.

 

 

399 - Doutrina

 

Difícil não é a doutrina,

Uma justificação,

Difícil da vida é a sina

De acordo ir com tal função.

 

 

400 - Podridões

 

Um corpo só é divino

Quando deus lá se revela.

aparte disto é cretino,

Só de podridões sequela.

 

 

401 - Falseia

 

Todo o nome é um sublinhado,

Destaca quanto nomeia,

Deixa então coisas de lado

E o todo assim nos falseia.

 

 

402 - Suportes

 

A força não é razão:

Os bois são deveras fortes

Mas bom senso não nos dão,

Não têm dele os suportes.

 

 

403 - Glória

 

Há quem pela glória o rumo

Da vida crerá capaz.

Ora, a glória nem é fumo,

É sombra que o fumo faz.

 

 

404 - Hereditariedade

 

A hereditariedade,

Quando nos mete nas calhas,

Da responsabilidade

Nos livra de nossas falhas.

 

 

405 - Carácter

 

O sucesso é temporário.

Após tudo feito e dito,

Fenece quanto for vário,

Só o carácter é meu fito.

 

 

406 - Regalo

 

O saber tem de mais belo,

Muito além de dar regalo,

Que a ninguém que logre tê-lo

Ninguém pode vir tirá-lo.

 

 

407 - Vingança

 

Falha uma vingança a meta

Se trilha a trilha da dor,

A vingança que é completa

Não imita um agressor.

 

 

408 - Pormenores

 

Mais atrás, mais adiante?…

- São pequenos pormenores

Se confrontados perante

Dentro de mim meus fulgores.

 

 

409 - Contrária 

 

Quem para escravo nasceu,

A liberdade que hauria,

Contrária ao vezo que é o seu,

Para ele é tirania.

 

 

410 - Escapa

 

Não é pessimista quem

Das horas tem a medida,

Pois na verdade ninguém

Escapa vivo da vida.

 

 

411 - Perigoso

 

Perigoso para o homem,

Só o próprio homem, portanto,

Sem inimigos  que o domem,

Que a si se dome entretanto.

 

 

412 - Blasfémia

 

O mais estranho dos crimes

Dos humanos inventado

Sem ter nada a que se arrime

É a blasfémia: que é sagrado?

 

 

413 - Gargalhadas

 

Teologia de alguém

É aquilo que às gargalhadas

faz estoirar outro, além,

Nas vias desencontradas.

 

 

414 - Mimalhamente

 

Os homens imaginar

Não conseguem deus maior

Que uma criança a mimar

Mimalhamente uma dor.

 

 

415 - Escolher

 

Podes escolher a paz

Ou então a liberdade,

Mas não creias que és capaz

De ambas juntar de verdade.