SEXTA  REDONDILHA

 

 

 

PEDE  AS  NORMAS  DA  RAZÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 630 e 726 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                630 - Pede as normas da razão

 

                                                                Pede as normas da razão

                                                                O poema que, passo a passo,

                                                                Intenta prender no laço

                                                                O abraço da mente ao chão.

 

                                                                Neste primeiro compasso

                                                                Recolho o saber mais vão,

                                                                Tantas vezes ilusão,

                                                                Com que meu cotio traço.

 

                                                                É da gleba um arroteio

                                                                A permitir sementeira

                                                                Que o futuro me garanta.

 

                                                                Do saber de base cheio,

                                                                Me semeio, leira a leira,

                                                                E há vida em mim que se implanta.

 

631 - Esgalhada

 

Nenhum homem é uma ilha,

Antes árvore esgalhada.

Quem de vez isto perfilha

Vê que tem de ser podada.

 

Então que vantagem tem

que seja por guerra ou fome,

Se à partida poda bem

Uma pílula que tome?

 

Não é uma questão de gosto,

Nem religião que crês:

- Religião é suposto

Signifique estupidez?

 

 

632 - Narrador

 

Era um velho narrador.

Seu estilo narrativo

Era como um condutor

A estacionar, pensativo,

 

Junto à berma do passeio

Em rua movimentada:

Arrancava e, com receio,

Logo a marcha atrás na estrada

 

Fazia mui cuidadoso,

Ia à frente e recuava,

Enquanto ao lado passava,

Velozmente e sonoroso,

O cordão doutras ideias

Tracejando ruas cheias.

 

 

633 - Sacode

 

Da culpa o detonador

sacode na luz do dia.

Fala, ri dele, vem pôr

Ante o mais o que doía.

 

Verás como, de repente,

Tanta culpa incontrolável

Se revela inconsequente

E a vida, bem mais saudável.

 

 

634 - Esconde

 

Quem de culpas é afectado

Mérito esconde e vitória.

Põe tua culpa de lado,

Reconhece meritória

 

Toda a atitude escorreita,

Reconhece que o que atinges

Não é calha tão estreita

Que a esmagar os mais te cinges.

 

 

O facto de ires viajar

Nunca aos mais pôs um travão,

Nunca impediu de o lugar

Tomar de onde quer que vão.

 

 

635 - Demente

 

Aquele que é inteligente

Simplifica o que é complexo,

Como aquele que é demente

Complicará, desconexo,

O que é simples, simplesmente.

 

 

636 - Mal

 

Se alguma coisa sai mal,

Quase sempre há remedeio:

Passo o vermelho sinal,

aprendo lá pelo meio,

Nego até que foi real…

 

Se perdi algo ou alguém

é que se acabou de vez:

Ora é a rapariga a quem

Não falou a timidez,

 

Ora o grupo musical

Que nunca cheguei a ver,

Ora a equipa principal

Que nem aplaudi sequer,

 

O professor na reforma

Cujas aulas bem queria,

O familiar que informa

Que afinal nem conhecia…

 

A lista é longa demais.

Longa e bem pouco consigo

Este lema que persigo

Da vida nos lamaçais,

Que dito de amigo a amigo:

- Vede lá se a encurtais!

 

 

637 - Janela

 

Por trás daquela janela

Ninguém descortina nada.

Não é o frio da geada

Que impede a luz de entrar nela.

A janela embaciada

É doutro frio a sequela:

- É o bafo duma vida já passada.

 

 

638 - Frio

 

O frio que não se extingue,

Não há fogo a o dissipar,

É aquele, para que vingue,

Que demora a acumular

Oitenta e nove anos ou mais

Da vida nos temporais.

 

 

639 - Apressados

 

Para os homens apressados

O tempo perde o sentido,

Correm só desesperados

E nunca chegam aos lados

Aonde buscam ter ido.

 

Afastam-se mais e mais

Do que querem atingir,

Quão mais correm, mais reais

Serão os desvios, tais

Que lhes nem resta aonde ir.

 

E, sendo gente concreta,

Devêm nisto tão drogados,

 Que já correm sem ter meta…

- Não há aposta que prometa

Em corcéis desenfreados!

 

 

640 - Devagar

 

Um homem e um escritor

Fazem-se todos os dias,

Devagar, pelo sabor,

E a chocar as fantasias.

 

Saltando contradições,

Sempre em busca de saídas,

Trepam degraus aos senões

Na escada de assalto às vidas.

 

 

641 - Contas

 

Pedimos contas à vida,

Quando a vida, ao fim de contas,

É que pede, desabrida,

Contas a nós, sem medida,

Da raiz até às pontas.

 

 

642 - Cobra

 

A vida é uma cobra às voltas.

Quem sabe, as voltas da vida,

Sempre de veneno envoltas,

Não nos livram de seguida?

 

Vida é corda embaraçada

Com nós que mal se precatam:

Ou se trepam de escalada

Ou prendem e não desatam.

 

 

643 - Primeiro

 

Não quero ficar artista,

Primeiro um homem me quero

Para que às nuvens resista

Da terra no sangue fero.

 

Volto-me aqui para o homem,

Não irei, descarrilado,

Mal fingir que me consomem

As suas chagas do lado.

 

Não olharei para mim

Senão enquanto retrato

Do princípio até ao fim

Dos desterros de que trato.

 

 

644 - Viciosa

 

Que uma mulher viciosa

Será o medo bem pior:

Agarra quem o desposa,

Vício mau mas que alguém goza

E mata tão mais quão for

A vida e o mundo maior

Que para além nele entrosa.

 

Que uma mulher viciosa

Será o medo bem pior…

 

 

645 - Unida

 

Quando a lei mais o dever

Uma apenas frente dão

Sagrada em religião,

Ninguém nunca então vai ser

Uma mente consciente

Dela mesma inteiramente:

 

- Será sempre um pouco menos

Que os marcos de seus terrenos:

 

Quanto mais estreitos são

Mais te prendem, coração.

 

 

646 - Miséria

 

Miséria humana evitável

Não tanto é da estupidez

Quão da ignorância infindável

De nosso próprio revés.

 

A luz da vela vacila,

Tremula a pequena mancha,

Cresce a escuridão tranquila:

Já o demónio se perfila

No mundo que se desmancha.

 

- Ora, enquanto ele se agita,

Que pode acalmar-me a grita?

 

 

647 - Fanáticos

 

Muito mais crimes e abusos

De crianças cometidos

São por fanáticos usos

 

Em nome de Deus vividos,

De Jesus, de Maomé,

Que por Satanás sustidos,

 

Por diabólica fé.

- Muitos são disto ofendidos,

Poucos logram vê-lo até!

 

Quem dele a fé põe no crivo

De ver se mata ou põe vivo?

 

 

648 - Tristes

 

Uma das lições mais tristes

Que a história nos ensinou

É a de que sempre resistes,

Se tempo longo escoou

 

Durante o qual enganado

Foste em tua boa fé,

Resistes a qualquer dado

Que a fraude mostre qual é.

 

Deixarás de te importar

Com a verdade, que dói

Ser levado a confessar

Como levado se foi.

 

Se demos a um charlatão

O poder sobre nós mesmos,

Nunca mais tenho em mim mão,

Nem que os mais faça em torresmos.

 

Assim as fraudes mais velhas

Têm tendência a persistir,

Mais as novas que nas gelhas

Daquelas cevam porvir.

 

 

649 - Parceira

 

Igualmente verdadeira

Em todo o lado que houver,

Apreciada parceira

Rebuscada por quenquer,

 

Independente de etnia,

De religião, de cultura,

De língua, de ideologia,

- A matemática dura,

 

De verdade aura primeira

Sempre para a Terra inteira.

 

 

650 - Pretextos

 

Os pretextos mudarão,

Fica o mesmo o resultado:

Concentrar numa só mão

Mais poder, mais elevado,

Suprimir da opinião

A divergência do lado.

 

Embora a prática prove

Os perigos deste rumo

E nunca ninguém aprove

De desgraças tal resumo,

Tal é o motor que nos move

- E o mais é dum sonho o fumo.

 

 

651 - Função

 

Não é função do Governo

Evitar que o cidadão

De erros caia num inferno.

Mas do cidadão função

É de ao Governo evitar

Que a vida inteira ande a errar.

 

 

652 - Usados

 

À força de tão usados,

Em objectos piedosos

Acabarão transmudados,

De serafins para gozos,

 

O Direito e as liberdades.

Não se vendem nem se mercam.

Estas são as qualidades:

- Que ou os usem ou os percam!

 

 

653 - Mistura

 

É mistura de estratégia

E carácter, o comando.

Se um faltar, que a pena régia

Caia naquela, que rege-a

O carácter, quando mando.

Se este faltar ou for parco,

Tudo tombará no charco.

 

 

654- Abismo

 

Um corpo sem memória, curioso

Há-de ser e, portanto, é disponível.

Corre à vontade a vasculhar o incrível,

A tentação do abismo perigoso.

 

A criança e a inocência

São o sonho e a falência.

 

- E somo-lo todos,

De todos os modos.

 

 

655 - Estátuas

 

As estátuas sempre são

Projecção além da morte,

Pétrea sacralização,

Bronze de eterno recorte

Mas que nunca tem a sorte

De um dedo mexer da mão.

 

- Termina ali da ilusão

Nosso incurável transporte.

 

 

656 - Vilão

 

“País de brandos costumes”

- Enganaram-nos em vão.

Se queres ver o vilão,

Não te iludas com perfumes

Que não passam de ilusão,

De vez ignora azedumes

E põe-lhe a vara na mão.

Então vês quem tem razão:

Em toda a parte, queixumes

Das vítimas pelo chão.

 

Vais ter de afiar os gumes

E ter a justiça à mão,

Sem de amor os tredos lumes

Que só te embaraçarão:

- Vais ver os baques que dão

No chão que deles estrumes!

 

 

657 - Neurasténico

 

Neurasténico antes seja

Espiritualmente vivo,

Que insuportável me veja,

Vitorioso recidivo,

Porém sem encontrar porto,

De espiritualmente morto.

 

 

658 - Planura

 

Hoje é dia de planura,

Sem terramotos, vulcões,

E amanhã tudo perdura

Como ontem, sem aleijões.

 

Cremos que as forças que um dia

Brutas a terra agitaram

Algo as adormeceria,

Para sempre se finaram.

 

- Que é que, porém, de repente,

Vem tão silenciosamente

Cutucar-me aqui no ombro

Como fantasma de assombro?…

 

 

659 - Pacífica

 

Só porque há gente pacífica

Dentro de casa que gosta

De se imaginar terrífica,

Que ser general aposta,

É que afinal sempre acaba

Um exército a existir:

Quando uma guerra desaba

É que há público a aplaudir.

 

Tal qualquer outro espectáculo,

Se o público for embora,

Encerramos o cenáculo,

Deitamos a guerra fora.

 

 

660 - Personalidade

 

Uma personalidade

De acordo com ela mesma

O adverso doma que a invade,

Só de fins próprios quer resma.

 

Devém forte por aquilo

Que a si nega ao persegui-lo.

 

E tanto mais forte fica

Quanto mais cinzel aplica.

 

 

661 - Tensões

 

Se caminhas dez minutos

Estimulas a energia.

Consegues ter por produtos

Findar tensões e a alegria

Que, lesta, pouco demora,

Durará mais duma hora.

 

 

662 - Convite

 

Se te enganaste de festa,

Se afinal não tens convite,

Se teu fato ali não presta,

Tudo leva a que se hesite,

 

Junto ao príncipe ficar

É melhor do que ao porteiro:

Excêntrico vai-te achar

Aquele como um parceiro;

 

Este, não, porque o teu jogo,

Por muito bem que o disfarces,

Perceberá desde logo,

- Logo faz que a veste esgarces.

 

 

663 - Rica

 

Não aprovarei a ideia

De que, quando nós rezamos

E a resposta não se ateia,

Deus ouviu que precisamos

E diz não à mão que ameia.

 

Sei lá bem o que Deus é

Para tal manter de pé!

 

Só vejo que, para mim,

Com oração melhor fica

A minha vida, no fim,

E devém muito mais rica:

- Achego-me a meu confim.

 

 

664 - Fardo

 

Um homem rico o que tem

Tem sempre no pensamento.

O fardo do pobre quem,

Rico, o pesa no tormento?

 

Rico que em mente o tiver

Tão raro é como a virtude

Que no inferno acaso houver:

É quem na rota se ilude.

 

 

665 - Senhora

 

Ser senhora, que tarefa

Mais solitária, mais triste!

Do humor nem a sinalefa

De leveza lhe subsiste…

 

Quão mais agradável era

Descair do altar de diva,

A coroa atirar de hera

E saborear estar viva!

 

E quantas, quantas se ufanam

Dos brilhos com que se enganam!

 

 

666 - Sucesso

 

Do sucesso material

Entre aqueles que desdenham,

Quem invoca por ideal

As pobrezas que se tenham

 

Fá-lo apenas como forma

De melhor justificar

Ter a preguiça por norma,

Com incompetência a par.

 

É uma raposa das uvas

A jurar: “tragar, não trago!”

Que, ao menor pingo das chuvas,

Atrás corre a ver do bago!

 

 

667 - Fueiro

 

Somos um povo guerreiro

E, mesmo em tempo de paz,

À sabrada ou a fueiro,

Qualquer cabeça capaz

 

Acutilamos ferozes

Pelas Universidades:

Não precisamos de algozes,

Bastam-nos as sumidades!

 

Nóa somos todos mortais.

Mesmo sabendo-o, porém,

Não deixa de nos demais

Imolar tanto desdém.

 

 

668 - Traça

 

Pertence de homens à raça

Que a dúvida nunca aflora,

De convívio de má traça,

Perigoso a qualquer hora.

 

A massa de bronze integra

Com que se pode contar

A desencadear, por regra,

Guerras sem pátria nem lar.

 

As catástrofes piores

Nunca lhes ensinam nada.

Serão sempre os heróis-mores,

No fim de cada jornada,

 

Orgulhosos por morrer,

(Ao invés do que é vivido)

Não dum sentido qualquer,

Em posição de sentido.

 

 

669 - Borboletas

 

Brinca a vida às borboletas,

Corre bem com dela as leis,

À margem das bem repletas

Com que a cubro de papéis,

 

Como quem atira arreios

Para o dorso dum corcel:

Corre bem pelos seus meios,

Por mim só lhe afloro a pele.

 

 

670 - Imbecil

 

Só mesmo quem é imbecil

Deveras acreditar

Pode que mais um ceitil

Vale um povo do que mil

Outros com que ele o compare.

 

 

671 - Exemplar

 

Pai de família exemplar

E vem parar a um bordel!

Deus e a carne, se calhar,

Cosmo e retrete a granel,

 

Imaginário e real,

O anjo e a besta no confronto…

- Um sonho que ao fim não vale

No concreto jamais pronto.

 

Somos a caça caçada,

A maçã que nunca mordo:

- Itinerário à chegada

Em perpétuo desacordo.

 

 

672 - Pequena

 

Os padres e os generais

A dúvida mais pequena

Não a sentirão jamais

Nem preocupações tais

Que o rumo se lhes condena.

 

Vida à larga e garantido

O porvir contra as marés,

Não há mais qualquer sentido

Em pensar, ficar transido

Se a terra tremer aos pés.

 

Um tem dele o catecismo,

O outro tem a militar

Lei de cujo solecismo

Já nenhum deles o abismo

Vai jamais descortinar.

 

Têm juventude eterna,

Grande consideração:

Um com Deus perene hiberna,

O outro colocação terna

Tem na alcova da Nação.

 

 

673 - Iscar

 

Se não for de andar à toa,

Não for de qualquer maneira,

Nunca a pesca será boa

Se iscar sem ver o que queira.

 

Se não pescar, não se queixe

Quem depois nada petisca,

Pois conforme for o peixe

Assim tem de ser a isca.

 

Preciso é ter mão na cana

Quando o peixe for matreiro,

Senão quem é que o engana,

Leva a picar no atoleiro?

 

 

674 - Jornalismo

 

O atolado em jornalismo,

No tremedal mergulhado,

Jamais trepa em montanhismo,

Desce aos lodos do valado.

 

Tem a precisão cruel

Duma vénia a quem despreza,

Brinda sorrisos de fel

E um inimigo embeleza,

 

Com as fétidas baixezas

Pactua, a sujar os dedos

Com moeda cujas ferezas

De seu agressor são credos.

 

O mal se habitua a ver

Como a deixá-lo passar,

Aprova-o tal qual quenquer,

Acaba-o a praticar.

 

 

Quando a tempo lhe não fuja,

Concessão a concessão

Tudo nele se enferruja,

Roda a tirante: é um pião!

 

 

675 - Cavalo

 

O cavalo branco e o preto

Puxam cá dentro de mim,

Um para a frente, em concreto,

Outro atrás, para meu fim.

 

Às cavaleiras dos dois,

Como me guio depois?

 

Pende do que tem mais força

O rumo para onde torça.

 

Tão pouco forte em tal nicho,

Serei homem, serei bicho?…

 

 

676 - Dogma

 

Nenhum dogma do passado

Vivido em tranquilidade

Fica ao presente adaptado

No meio da tempestade.

 

Hierarquia e ritual

A cidade não inova:

Sempre é visto como o mal

Pôr os do píncaro à prova.

 

Então é conservadora

A vida em comunidade.

Demora muito, demora

Chegar à maturidade.

 

 

677 - Definitiva

 

Se tivermos de aguardar

A prova definitiva

De que o clima a se alterar

Será uma coisa nociva,

 

Já não há tempo de agir:

Esperar para ver era

Imprudente num porvir

Absurdo duma outra era

 

 

Que só não nos causa mossa

Porque já não será nossa.

 

 

678 - Século

 

Foi só no século vinte

Que uma espécie adquiriu

Dom de mudar, por acinte,

A Terra que Deus nos deu.

 

Falta-nos, porém, saber:

- Para viver ou morrer?

 

 

679 - Gastámos

 

Meio século gastámos

E recursos nacionais

Para que ao termo sejamos

Vulneráveis mais e mais.

 

A busca aniquilação

Extensiva ao mundo inteiro

É de herança a danação

Daquele esforço cimeiro.

 

Em nome do patriotismo,

Segurança nacional!…

- E é o Homem, conforme o crismo,

Um animal racional!

 

 

680 - Mordacidade

 

A mulher não optaria,

Quando chegara ao poder,

Por violência crua e fria

Como o homem sói fazer.

 

Em vez de a guerra atear

Entre os povos, persuade

Ao ideal a apurar

Da humana fraternidade.

 

Trará bondade e ternura,

Nova sensibilidade,

Modelando quanto é dura

Da lei a mordacidade.

 

Então o princípio cego

Mergulhado em realidades

De homem-mulher vence o pego,

Novas vejo Humanidades.

 

 

681 - Sagacidade

 

Os que crêem por demais

Deles na sagacidade

Que então sofram os punhais

Da vida que lhes agrade!

 

Não atirem sobre os mais

No momento da verdade.

 

 

682 - Êxtase

 

Usar minha inteligência,

Se do modo apropriado,

Dá-me um prazer declarado,

Além de toda a ciência.

 

Sinto-me deveras bem

Quando o pensar é correcto:

Entender (parece) tem

Nele um êxtase secreto!

 

 

683 - Voraz

 

Qualquer animal voraz

De vez perdera o apetite

Se a comer perene o traz,

Com ou sem fome, o desquite.

 

A escola assim corta as asas

Às águias mais altaneiras:

Nas gaiolas destas casas

Bicam deveres, não leiras.

 

Em demasia a comida

Tal provoca indigestão

Que, para o resto da vida,

No saber só enjoos vão.

 

 

684 - Amazónica

 

Ante a mensagem dos astros

Somos a tribo amazónica

Cujos barcos não têm lastros,

Cujas antenas são mastros

E de vida cuja tónica

 

É o total isolamento

No veloz balão azul

Da Terra, nosso elemento.

Ninguém tem um instrumento

Que este isolamento anule.

 

E a tribo não se dá conta

Da enorme circulação

Internacional que monta

A rádio, por sua conta,

Bem como a televisão,

 

Teia infinda em seu redor.

Ficamos cegos e moucos

Nesta selva de temor.

E, se calhar, de clamor

Andarão os astros roucos.

 

 

685 - Espera

 

Talvez um tempo de espera

Seja uma boa medida:

Oportunidade mera

De nos autodestruirmos.

 

A Galáxia então convida,

Se à prova nós conseguirmos,

Afinal, sobreviver,

A juntar-nos a quenquer

Que ande na festa da vida.

 

Poderá não ser quimera…

Talvez um tempo de espera

Seja uma boa medida.

 

 

686 - Desistira

 

Quem temer que uma mensagem

Das estrelas confiança

Nos leve a perder em nós,

Que na rota da viagem

A iniciativa se cansa

Do já sabido indo após,

 

É como se um estudante

Desistira de ir à escola

Por livros e professores

Mais saber porem diante

Que a sabedoria tola

Que ele tem doutros mentores.

 

 

687 - Balas

 

Não mata um homem ninguém

Mesmo com balas nos olhos,

Nem mesmo matam escolhos

Com que a vida o só retém.

 

Só mata se mata mesmo!

Tudo o mais é pôr-se em guarda

Por razões quaisquer a esmo…

- Mas por que traz a espingarda?

 

 

688 - Hoje

 

Ontem é já do passado,

Amanhã é do futuro,

Hoje é o que anda a nosso lado

No gesto em que me inauguro.

 

Hoje é o que faz que me renda

Na pegada aqui assente:

É que hoje é sempre uma prenda,

Daí chamar-lhe presente!

 

 

689 - Provação

 

Apreciar o que temos,

Quando embora não é muito,

A provação que enfrentemos

Apaga ao fim do circuito.

 

E mesmo quando pensamos

Que estaremos sós no mundo,

Sem da esperança os reclamos,

Restará lá longe, ao fundo,

 

Que o que temos, mão amiga,

Se persistirmos a andar,

A estender-se a nós se obriga

Apenas para ajudar.

 

 

690 - Momento

 

Vive o presente, aprecia

O sorriso de teu filho,

Ajuda o amigo do dia

E dum bom livro à magia

Senta-te a beber o brilho.

 

Ser feliz em acrescento

É saborear o momento.

 

 

691 - Controlar

 

Ser feliz é controlar

Meus enormes objectivos

Com dividi-los, a par,

Por diários efectivos.

 

Escrever qualquer tratado

Será uma tarefa ingente,

Não, dia a dia, um bocado

Que se nem vê nem se sente.

 

Então a maior proeza,

Longe de atemorizar,

É uma festa que se preza

A me então felicitar.

 

 

692 - Habituação

 

O mundo que nos rodeia,

Pela habituação coberto,

De véus se encobre na teia

Que invisível mo franqueia

Porque demais fica perto.

 

Invisível não há nada

Tanto como um monumento

Na praça pública, à entrada,

Por onde vão de largada

As multidões, cento a cento.

 

Ninguém vê, ninguém repara,

Só quando o insólito houver

Que lá ponha marca rara.

- E será gritante e clara

A que ali prenda quenquer.

 

 

693 - Virtude

 

Sentimentos negativos

Matam a minha saúde.

Positivos têm virtude:

Potenciam, nada esquivos,

Poder regenerador

- Até dói menos a dor!

 

Aquele que for feliz

Controlará, cuidadoso,

O negativo que diz

Que a vida não lhe traz gozo.

 

 

694 - Companheiros

 

Aquele que tem amigos,

Um cônjuge ou companheiros

Melhor reage aos perigos,

Para as mortes tem abrigos

Que não tem o sem parceiros.

 

Nem a perda dum emprego,

Doença ou violação

Levam a tombar no pego

Quem a alguém tiver apego:

- Terá quem lhe estenda a mão.

 

 

695 - Estúpidos

 

Os estúpidos e feios

Levam o melhor do mundo:

À vontade e sem rodeios

Sentam-se, em bocejo imundo,

 

Nada sabem da vitória

Duma vida de alta cota,

É-lhes poupada a vanglória

De saberem da derrota.

 

Vivem sempre indiferentes,

Sem qualquer inquietação…

- Ignoram, deles ausentes,

O que é a discriminação.

 

Não há neles bem nem mal,

Vivem abaixo do nível,

No terra-a-terra animal,

O que aqui for exequível.

 

Quanto ao mais, ponto final!

 

 

696 - Travessas

 

O novo quer ser fiel,

Não o consegue, porém.

Se o velho quer-se infiel,

Já o não consegue também.

 

- Como as crianças travessas

Sempre a vida anda às avessas.

 

 

697 - Doentia

 

Qualquer coisa doentia

Na moderna simpatia

Mora para com a dor.

Devia simpatizar-se

Com vivermos sem disfarce,

Com a alegria e a cor.

 

Quanto menos se falar

Das chagas que a vida tem

Tanto melhor, quando a par

Fazemos o que convém

Para o chagado curar.

E preveni-lo também:

Não venha o futuro dá-lo

Numa fenda ou intervalo

Que escapar à previsão

De quem ama um mundo são.

 

 

698 - Ensejo

 

O desejo de paz cresce

Ao diminuir a esperança,

Até que ao fim aparece,

Perante um brutal ensejo,

Mais forte, com mais pujança

Que de viver o desejo.

 

 

699 - Vaivém

 

Um momento nos é dado

No desenrolar da vida,

Das ondas entre o vaivém,

Em que o fundo é vislumbrado:

- Guardemos bem a medida

Que entre os tufões nos sustém!

 

…Ou perderemos o pé,

Sem qualquer crença nem fé.

 

 

700 - Doutrem

 

Poderei também falhar

Se ao modo doutrem fizer.

Porém, sinto, ao reparar,

Que vi sempre, se calhar,

Que não era de o fazer.

 

Não era a melhor maneira

Nem de ser mais eficaz,

Nem de ter-me à minha beira:

Dois erros num só cabaz,

Quando um basta para asneira.

 

 

701 - Farra

 

Os idosos mais felizes

São os que ainda têm garra,

Que não desistem da farra

Da vida em quaisquer matizes.

 

Mesmo a leitura diária

Do jornal pode servir,

Irritando contra a vária

Malvadez de ali ferir.

 

Importa a luta que aceita

Enfrentar as malhas cegas,

Que a velhice não foi feita

Para gente que é piegas.

 

 

702 - Preparado

 

Esteja bem preparado

Para o que der e vier:

Não pode ser planeado

Quanto venha a acontecer.

 

Para o que puder surgir

Nos importa prevenir,

 

Senão seremos bastante

Magoados adiante.

 

Pois aprender a esperar

Aquilo que é inesperado,

Vantagem é assegurar,

Pela certa, de meu lado.

 

 

703 - Lotaria

 

Há quem despenda dinheiro

Como quem a lotaria

Venceu no mês derradeiro

De vida que lhe cabia.

- Depois, olha, quem diria,

Lá se foi o travesseiro…

 

 

704 - Enviado

 

- Vê o sofrimento, a desgraça

Que o mundo inteiro angustia:

Por que não, à dor que grassa,

Ajuda o Céu não envia?

 

- Mas fi-lo: mandei-te a ti!

Cada qual é um enviado

A curar o frenesi,

Toda a vida, em todo o lado.

 

Como é que, tão distraído,

Não reparas no sentido?!

 

 

705 - Milionário

 

No limite, o milionário

Prime apenas o botão

E o dinheiro, em rio vário,

Cachoa imenso no chão.

 

Sem alegria, prazer,

Sem repouso, luz nem ar,

Todo eléctrico há-de ser

O antro onde ele asfixiar.

 

Amontoará riquezas

Sem lhes ver traços vitais:

Pode ter todas as presas,

Que as não gozará jamais!

 

 

706 - Côdea

 

Será pobreza, e depois?

Tal se não valera mais

A côdea rilhada aos sóis,

À porta dos vendavais

De quem livre solta as asas,

Mais do que a lagosta fina

Na prisão daquelas casas

Que nem cura a medicina!

 

Será pobreza, e depois?

- Há na vida alguma sina

Que lhe dê dois arrebóis?

 

 

707 - Torres

 

Um homem consome a vida

A erigir torres de fumo,

Atira de mira erguida

A caça que não tem rumo,

 

Queima a casa, esbanja a mesa,

Deixa os campos de pousio,

Das culturas larga a empresa,

A balouçar por um fio,

Até cortar para trás

As pontes da realidade:

Prefere a sombra que faz

À presa que à mão ter há-de.

 

Então se priva de tudo,

A castigar-se, jucundo,

A impedir-se, surdo e mudo,

De permanecer no mundo:

 

Dos outros fica no meio

Para ficar mais a sós.

- Cava, cava à vida o seio

E o pó junta ao fim aos pós.

 

 

708 - Colheita

 

é assim tão grande a desfeita

De a ceifeira estar pintada

Duma cor que não te agrada

Que se te perde a colheita?

 

Afinal que é que é visado:

O que tens por tua meta

Ou antes o que acometa

Tua ferida do lado?

 

Quem nada contra a corrente

Sabendo que há-de atingir

Muito mais seguramente

A margem deixando-se ir?

 

 

709 - Frágil

 

É requerida a prisão

Para ver a liberdade?

Da guerra fossar no chão

Para a paz ter qualidade?

 

Precisamos da doença

A ver se ninguém se ilude

E que de vez se convença

Da valia da saúde?

 

Vemos como naturais

E ignoramos facilmente

Do cotio os bens reais:

- Que frágil vivo o presente!

 

 

710 - Granel

 

Rasgaste-me os meus poemas.

Eram folhas de papel,

De ilusões dúzias de lemas

Ali postos a granel.

 

Seria bem idiota

Ficar nelas a pensar,

A realidade é que anota

O que fica no lugar.

 

O que é mesmo indestrutível

É a carne deste Universo

E jamais será credível

Plantá-la dentro dum verso.

 

 

711 - Murta

 

Numa vida curta,

Natureza hostil,

Sou ramo de murta

Ridículo e vil.

 

A infelicidade

Tem compensação:

É rir de verdade

Desta condição.

 

Com algum bom senso,

Feitas bem as contas,

Pode um ganho imenso

Vir das leis mais tontas:

 

Toda esta questão,

Fintadas as penas,

É terreno chão,

Coisas bem pequenas!

 

 

712 - Aguça

 

Ausência aguça o desejo:

Desligo a televisão

E ao terceiro dia vejo

Que um livro leio ao serão,

 

Ou falo com a família,

Convidei algum vizinho,

Se calhar faço vigília

A escutar um passarinho…

 

 

Ausência aguça o desejo,

Não do haja abandonado,

Mas do que perdera o ensejo

Por tê-lo posto de lado.

 

 

713 - Peixe

 

Quando um peixe dás a um homem,

Dás-lhe comer para um dia.

 

Ensina-lhe a pescaria,

Que no barco as horas somem

E ele, sentado, aprecia

A cerveja, a refrescar,

À espera… E os cardumes comem

O engodo que lhes lançar:

- Tem, dia a dia, o jantar.

 

 

714 - Teimosa

 

Estúpida, a vida

Nunca foi à escola.

Teimosa, valida

Do ignorante a lida

Que o saber imola

À realidade.

 

E assim a verdade

Nunca se nos cola

A uma ideia tida.

O vero saber

É o de apenas ser.

 

 

715 - Tecto

 

Não sei se vou conseguir

Que sobre minha cabeça

Não venha o céu a cair.

antes, porém, que aconteça,

Não me ponho aqui de lado:

- Ergo por cima um telhado!

 

 

716 - Vinho

 

O velho mostra-se raro,

Sangue velho é velho vinho:

Quanto mais velho, mais caro,

Melhor sabor lhe adivinho.

 

Não espuma mas aquece

O saber do que apetece.

 

 

717 - Universidades

 

Bibliotecas, livrarias,

São as universidades

Onde todos têm as vias,

Dum escol às minorias,

Para entrar sem mais enfados

Do palco em quaisquer estrados!

 

 

718 - Investigador

 

O investigador são todos:

Quem passa uma vida inteira

Ante uma porta fechada

Sempre apenas com bons modos,

Sem que, de qualquer maneira,

A venha, duma assentada,

Abrir, uma vez que o queira,

Nem que resulte arrombada

Como fruto duma asneira?

 

 

719 - Caprichosa

 

Como a vida é caprichosa!

E nós, títeres que somos,

Não somos livres de amar

Mais que a onda fragorosa

Será de erguer-se em assomos

E se desfazer no mar.

 

Como lidarmos, bonecos,

Com os fios que em nós bolem,

Sem sermos meros tarecos,

Trapos que as vidas enrolem?

 

 

720 - Filho

 

Um, filho de milionário,

Nasce alheio desde o berço

Aos infortúnios da sorte.

Outro é a boca do fadário

Nascido do lado adverso,

Que uma boca a mais é a morte.

 

Um nasce conde ou marquês

E terá de toda a gente

Toda a consideração.

Outro nasce ali resvés

Do prumo que em si consente,

Senão nem se regue do chão.

 

Instruir-se e viajar

É o destino do bem nado,

A roubar o inteligente

Que nasceu sem ter um lar

Mas por vezes mais dotado

Que aquele naturalmente.

 

Da natureza a injustiça

Não podemos evitar.

Porém, a da humanidade,

Só por proveito ou preguiça!

- Quem dela murchar a par

Como não se persuade?

 

 

721 - Concludente

 

Não há prova concludente

De vida depois da morte

Nem há prova do contrário.

Não tarda, ficas ciente

Da verdade: é fatal sorte.

- Preocupas-te?! É fadário…

Tem juízo e toma norte!

 

 

722 - Macho

 

Todo o macho pacifista

Sempre é uma contradição,

Iça ao mastro falsa pista.

Se o vento virar tufão,

A bandeira que desata

Será logo a do pirata!

 

 

723 - Inevitável

 

Quando o inevitável surge

Importa ter a coragem

De matar, que o tempo urge,

Mesmo o meu cão de viagem.

 

E jamais convém fugir:

Não mudo nisto o teor

Do problema que surgir,

- Torno-o apenas pior.

 

 

724 - Chacal

 

É melhor ser chacal vivo

Do que ser um leão morto.

Mas com que eu mais me motivo,

Para olhar sem olhar torto,

É que o que é melhor deveras

É ser mesmo um leão vivo:

Não perde tempo de esperas

Nem terá ficha de arquivo.

 

 

725 - Irrevogáveis

 

Decisões irrevogáveis

Quando tens fadigo ou fome?

Olha que os inadiáveis

Levam sempre a que se tome

 

Aquilo que se não quer!

Pensa primeiro, repensa,

E tanto mais a valer

Quão mais a barreira é intensa.

 

 

726 - Escuras

 

Tuas armas, tuas roupas

Coloca-as onde encontrar

As possas quando às escuras

For então de as procurar.

É que da vida assim poupas

Muitas, muitas mordeduras.