NONA  REDONDILHA

 

 

 

DE  AMOR  TRILHA  IRREGULAR

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 907 e 999 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                907 - De amor trilha irregular

 

                                                                De amor trilha irregular

                                                                Trilha o verso insatisfeito,

                                                                Em preito

                                                                A quanto é inseguro amar.

 

                                                                É, porém, no insatisfeito

                                                                Pé que anda a deambular

                                                                Que, ao azar,

                                                                Me tomo, afinal, a peito.

 

                                                                Tomo nota

                                                                Das margens, das altitudes,

                                                                Tiro a cota.

 

                                                                É um poema de virtudes

                                                                Em que o sonho não se embota

                                                                Aquele em que, amor, me iludes.

 

 

908 - Protege

 

A idade não nos protege

Do amor.

Mas a lei que nos rege

Tem este pendor:

A estranha verdade

É que o amor

Protege da idade!

 

 

909 - Importa

 

O que importa ter à mão

No mundo, não nos esqueça,

- Começa no coração,

Não na cabeça!

 

 

910 - Casa

 

Quem não casa pelo que quer e sonha

Mas pelo que socialmente é,

Então que se deponha

Do amor abandonado ao pé,

Porque vai

Não ser:

Se muito enrica,

A verdade é que cai,

Nem sequer

Fica.

 

E se crê

Que isto é que o vai tornar feliz

Não há fé

Que o salve da podridão da raiz.

 

O amor é gratuito.

O dinheiro

Custa muito:

- Mata o servo dele por inteiro!

 

 

911 - Sempre

 

Sempre juntos e para sempre separados,

Sei o que é ser dia e noite.

Somos o alvor de sóis mal nados

Até ao crepúsculo em que a morte nos acoite.

 

Um sem o outro não podemos existir,

Nem ao mesmo tempo os dois.

E é sempre este o modo de ir

Depois.

 

No amor que nos convida

Como em tudo o mais na vida.

 

 

912 - Redor

 

Levamos uma vida inteira a aprender

A ficar sentados olhando o mundo em redor:

Só velho pode quenquer

Ser capaz de sentar-se lado a lado,

Sem nada dizer, ao brando calor,

E sentir-se realizado

E contente.

 

Quem é novo é impaciente,

Interrompe o silêncio.

Que desperdício!

O silêncio é puro e santo:

Incense-o,

Pare o bulício!

 

Ele é que nos une aqui no canto:

Só quem se sentir à vontade com os mais

Consegue ficar sentado,

Lado a lado,

Sem falar nem por sinais.

 

E eis o paradoxo mais estranho:

- Esta é a comunicação de maior ganho!

 

 

913 - Companhia

 

Ninguém pode suportar

Um caminho qualquer

Se tiver

Por companhia quem nunca lhe ganhar

Afeição,

Ou de quem nunca souber

Conquistar

O coração.

 

A pior condenação

Na estrada

É a da solidão

Acompanhada.

Aqui não há caminhada,

Não!

Apenas, em surda revolta,

Intérminos, fatigados passos em volta

Da prisão.

 

 

914 - Sós

 

Vivemos sós,

Mais acompanhados do que cremos:

Quanta gente mora dentro de nós,

Quantas faces nos olhos de mosca com que vemos!

 

 

915 - Arma

 

Chego-me ao amor,

Embora sempre em vão,

Com teimosia que não desarma,

Como um caçador

Que vai à caça ao leão

- Sem arma!

 

 

916 - Esculpida

 

A mulher finda esculpida

Pela mão que lhe tocar,

Que a afagar enternecida.

 

O amor

Melhor sabe e mais moldar

Do que o maior escultor.

 

 

917 - Sociedade

 

O homem de sociedade

Em pleno apenas se realiza

Se qualquer individualidade

Que primeiro visa

A não puder, a seguir,

De vez trair.

 

Não posso ter o coração

Ao lado de minha gente

E as pantufas no serão

Do inimigo ali em frente.

 

 

918 - Sonho

 

O amor é um sonho sem medida,

Um sonho sem valor.

Mas quem não sonha encontra na vida

Algum sabor?

 

 

919 - Fossa

 

Para não tombares na fossa,

Cria amigos,

Que pão de homem não se adoça

Sem perigos.

Olha os abrigos, os abrigos!

E nunca ligues à troça

Que mascara os inimigos.

Cultiva os trigos

Na roça

E deixa aos pardais os figos.

O mais endossa

- Mas cuida de teus amigos!

 

 

920 - Espiritualidade

 

O que é espiritualidade?

Séculos a falar dela,

A descrevê-la,

A professar fé nela.

Porém sempre, na verdade,

Foi uma ligação abstracta,

Em que se crê intelectualmente,

Para evitar o mal que nos maltrata

Em lugar do bem que se tente.

 

Quando os outros amamos,

É tudo diferente.

Fico activo,

Vivo, vivo, vivo!

A vida evolui e por ela circulamos

E, em todos os ramos,

Devém tudo positivo.

 

Para quê o conceito,

A palavra,

Se pelos actos é que tomo a peito

A lavra?

 

 

921 - Flores

 

Não é o ciclo eterno

Das dores:

As crianças morrem no Inverno

Porque são flores.

 

 

922 - Aleijões

 

Quem vê caras,

Não vê corações,

- Tornam-se as virtudes raras,

Só ressaltam aleijões.

Quando às vezes basta um pouco de intimidade…

E de nobreza quanta raridade!

 

 

923 - Esvazia

 

Enquanto se esvazia

Dando o seio ao bebé que ampara,

A mãe repara

Que nasce. Como o dia!

 

 

924 - Castigado

 

“Quem o merecer

Deverá ser castigado!”

- Que importa a quem grita um castigo, sequer,

Quando o merecer, por seu lado?

 

Só que ele, porém,

No próprio juízo,

Jamais merece o castigo de ninguém,

- Fica o aviso.

 

É sempre contra quem mora ao lado

Que alguém berra o postulado.

 

 

925 - Filigrana

 

Das manhãs a filigrana

Orvalhada de luar

No tédio toda se fana,

Cotio de falta de ar,

 

Não fora a soalheira relva dos anos

De antanho, distantes,

Que vivem, infantis, com os arcanos

Encantados da ternura que houve dantes

 

Dentro de nós:

- De antigamente com o calor,

Eco de parentes e de avós,

Toda a banalidade respira logo amor.

 

 

926 - Horror

 

Todo o horror é provocado,

Em parte,

Pela tendência de presumirmos que determinado

Indivíduo é naturalmente mau:

Pomo-lo aparte,

Controlado a varapau.

 

Não logra ninguém acreditar

Que outrem pode agir como age

Sem intrinsecamente não prestar.

Então o coage,

Hostilizando-o,

A se desumanizar.

 

O medo entre todos aumentando,

Traz ao de cima

O que de pior houver em quem vitima.

 

 

927 - Indesejável

 

Por mais indesejável

Que seja doutrem o comportamento

Temos de compreender que o mais viável

 

Caminho para o despertar

Busca deveras a todo o momento.

…Como nós, aliás, do vagar, do vagar

Com o tormento,

Por azar!

 

 

928 - Sensato

 

Quem o rapaz ensina a ser sensato,

Da sensatez que a rapariga sabe?

Não o desejo de correr mundo ao desbarato,

Onde o sonho jamais cabe,

Antes a felicidade surpreender

No que perto dele

Estiver,

Ali mesmo à flor da pele

Sem o dar a perceber.

 

Quem lhe há-de ensinar,

Quem,

O lugar

Discreto

Onde germina a cecém

Debaixo do mesmo tecto?

 

 

929 - Piolhos

 

Enquanto o homem trata da imortalidade

Do corpo e da alma,

A mulher trata dos piolhos.

Qual a via da verdade,

Quem da vitória leva a palma

Sobre os escolhos?

 

Continuamos todos a morrer,

Embora cada vez mais tarde.

Ninguém logra definitivo compreender

Onde é que o fogo arde.

E nossas vidas com ambos apenas

Deixam, lentas, de ser tão pequenas.

 

 

930 - Vontade

 

Não compreendo a vontade de Deus

Mais que meus filhos a minha:

Confiam-se-me, nada incréus,

Certos de que os acarinha

Meu amor.

 

Prontos sempre a acreditar

Que saberei do que ninguém melhor

Deles qual o lugar,

Para eles o que for bom.

 

E é como devemos encarar

De Deus a questão:

- Mora aqui, nunca nos abandona sós

E, acima de tudo, olha por nós.

 

 

931 - Alturas

 

Que estranha a fé do homem

Tão certo de ver a Deus nas alturas

Que nem vislumbra as solitárias criaturas

Que ao lado as misérias consomem!

 

Que Deus é esse

Que nos esquece?!

 

Quem é que pode crer

Num mero pretexto para não nos ver?!

 

 

932 - Imperceptível

 

Vislumbro na jovem esposa

Da natureza a sensibilidade misteriosa

Que, mesmo cedendo ao arrebatamento

Do homem sedento,

Aparte se mantém

Com um imperceptível sorriso de desdém.

 

Dos campos e bosques o sorriso indefinido,

Noite e dia soalheiro e enluarado,

Das árvores e regatos o gemido

Indiferente e delicado,

Da flor

O suave e vibrante odor,

Das rochas e do canto das aves

Os murmúrios graves

À luz do sol e das estrelas,

- Nenhum pede licença nem nos liga

Quando a ser parte se obriga

Das belas

Miríades de prendas que nos cabe em sorte

Fruir do nascimento à morte.

 

 

933 - Velas

 

Nas zonas equatoriais as velas

Murcham à míngua de vento,

Dia a dia diminuindo, por mor delas,

As probabilidades de salvamento.

 

Tal do casamento

As sequelas

Quando a ilusão do intento

Se vai esvaindo nas querelas.

 

Sem amanhã,

Nenhum sol alvorece

Pela noite vã.

 

A pouco e pouco tudo esmorece,

A promessa de alvor em cada manhã

Fenece.

 

Não é dos tubarões

Que matam no mar,

É das desilusões,

As desilusões que matam devagar.

 

 

934 - Repleto

 

Artista completo

Ninguém poderá ser

Sem de amor ficar repleto,

Sem ter amado a valer.

 

 

935 - Avassaladora

 

Avassaladora revolução

Do primeiro amor:

De mim a ti a submissão,

Voluntária escravidão,

Incônscia renúncia de me impor

Em absoluto,

Em prol da união

Total e duradoira.

Em prol do produto

Que, de tão elevado, oira,

Quando nele me precipito:

- Em prol do infinito!

 

De que no peito trago

Indelével o grito

Com que me rasgo e afago.

 

No qual te medito,

No qual te suscito,

Perante que me apago

E a ti me debito,

Até que por tua mão me trago

No rumo prescrito.

 

O infinito,

Tão submerso nas poeiras

Das vielas e das jeiras!…

 

 

936 - Vigília

 

Nem clube, nem partido,

Nem religião, nem família…

- Com eles no sentido,

Mantém-te em vigília.

 

Com teus gestos pacatos

Poda os sarmentos secos das ramadas,

Que há macacos e velhacos

Em todas as camadas.

 

Antes da pertença de grupo

Mora a virtude e a verdade:

Quando alguém apupo,

É bom que não apupe a minha identidade.

 

 

937 - Rigor

 

Consiste, em rigor, viver

Em os mais aborrecer.

 

Há sempre alguém para quem

Sou um malandro que não vale um vintém.

 

E há quem creia que é sinal

Dum elevadíssimo ideal.

 

O contrário seria, na verdade,

Renunciar a qualquer personalidade.

 

- E eis como, no desgoverno,

Uns aos outros garantimos o inferno.

 

 

938 - Separação

 

Bastam uns dias de separação

E volta a florescer

Quanto a vida em comum rojou no chão:

O que desgasta, destrói, desbota

O repetido passo que houver

Na rota.

 

E vem o corpo, depois,

Lembrar que cada um são sempre dois.

 

 

939 - Inconsistente

 

Pode o Homem morrer à minha frente

E eu não sentir nada.

Piedade e simpatia, certamente,

Mas a dor que sobrenada,

Se ele a sente

E dela não me fere a espada,

É uma sombra que mente,

Inconsistente,

Na minha berma da estrada.

 

A um metro de mim o mundo se afunda

E a angústia gritante

Que o inunda

Corre-me diante

Tão ignota, tão infecunda,

Como se nada fora doravante.

 

É o que gera a tragédia da humanidade:

Por isto progredir é lento,

Regredir é à velocidade

Do pensamento.

 

A lonjura

Entre viver e pensar

É que nos entrava e nos futura

A distância do lugar.

 

 

940 - Divertimos

 

Abre a porta,

Que a vida é curta e o senão

É que ninguém se importa

Se nos divertimos ou não!

 

 

941 - Minto

 

Bem sei que minto:

Ninguém pode nada por ninguém,

Pressinto.

A cada qual dele a sorte,

A cada qual dele a morte,

- Dele a solidão também.

 

Uno é o mundo:

Porém, as pontes

Entre os horizontes,

No fundo,

Ou ruíram

Ou jamais se construíram.

 

Entre mim e as fronteiras

Erguem-se fatais os montes

De que se não trepam as ladeiras.

 

 

942 - Infelicidade

 

A infelicidade, primeiro,

É jamais nos podermos tornar um,

Nós que tanto nos atraímos.

Não apenas pelo dinheiro,

Nem por segurança contra o medo comum,

- Antes da fraternidade ao tentar os cimos.

 

A infelicidade, segundo,

É que devemos deixar-nos perpetuamente,

Dia a dia e a cada hora do mundo,

Areia a escorrer entre os dedos,

Por mais preciosa que se apresente,

Impossível de segurar contra os degredos.

Há sempre um que morre,

Pingadamente,

De instante a instante,

Outro que corre e escorre

Sempre um pouco mais adiante…

 

E, enquanto fica,

Como o sangue o salpica,

Como o silvado que o prende

Pica,

Como a infelicidade ofende!

 

 

 

943 - Sobressalto

 

Muito tempo se morre antes

Do sobressalto final.

Temos de aguardar, constantes,

A separação total

 

Dum amor que já morreu,

Antes de nos importar

Outro que nos traga céu

A cobrir daquele o algar.

 

É o paradoxo do amor:

Mesmo morto ainda vive

E de nós tanto é senhor

Que a vida inteira cative.

 

 

944 - Mal-entendido

 

Estreito-a nos meus braços.

Ela treme e aperta-se contra mim.

Seguro-a: dois pedaços

Que um do outro nada sabem,

Mal compreendem o que têm de afim,

E, apesar disto, até que acabem,

Retiram um conforto fugitivo e desmedido

Deste eterno mal-entendido.

 

 

945 - Partirei

 

Partirei leve,

Sem demora,

Serei breve

Agora.

 

Que fadiga,

Que cansaço,

Como tanto abraço

Me fatiga!

 

Todos os meses

Escorrem um pouco esvaziados

De adeuses,

Em tristeza e expectativa germinados.

 

Todos os meses

Esqueço

Um pouco mais os reveses

Que mereço.

 

De mim partirei atrás

Finalmente em paz.

 

 

946 - Ebulição

 

Para quê breve destino em meu proveito

Querer extrair desta imensa ebulição?

Pôr as balizas de minha duração,

Minha pobre mente

Sem jeito

Ingenuamente crente

Tomar a peito

Como metro do que não tem medição?

 

Perdido farrapo

Um instante no mundo,

Nem de trapo

Imundo

Servirei, mesmo quando me reparto

Pelo cósmico trabalho de parto!

 

Tal, porém, é o amor:

O lugar mais elevado

Rumo às pálidas estrelas,

No horizonte o precário fulgor

Do encontro entre céu e mar cavado,

As procelas

Da tentativo do mortal para o imortal

Sempre vãmente perseguida

E caída.

 

O amor é tal

que só no infinito acende a chama,

Só na infinitude vê o sinal

Que lhe serve de fanal,

Que o proclama,

Que o inflama,

Que para além da fronteira o chama

Final!

 

 

947 - Ladrão

 

Amado um ladrão

Por uma mulher honesta,

Ou muda em honesto então

Ou ladra vai tornar esta.

 

 

948 - Aldeia

 

Somos esta pequena aldeia

De cem famílias

Toda cheia

De quezílias.

 

Sessenta e cinco das famílias dela

São analfabetas,

Mas brilha sempre, para todas, uma estrela,

Nas noites pretas.

 

Noventa e sete não falam português,

Noventa não falam inglês.

 

Setenta não têm água em casa,

Oitenta não têm qualquer elemento

Que de avião, num golpe de asa,

Planara ao vento.

 

Sete famílias são donas

De sessenta por cento das terras.

De tudo são tão mandonas

Que pelos vales e serras

Oitenta por cento da energia

É o que o grupo consome dia a dia.

Sem recurso a qualquer bruxo

São quem goza todo o luxo.

 

Sessenta famílias

Da terra em dez por cento

Moram, dormem e fazem vigílias

E uma só tem um portento:

Alguém que finalmente entrou na área

Da educação universitária!

 

Ar, água e clima,

Radiação solar,

Tudo na aldeia anda a piorar.

quem anima

Esta aldeia em vias de se apagar?

 

Será que não há vector nenhum

De nossa responsabilidade comum?

 

 

949 - Escalracho

 

Eis o lema a que se arrima

O escalracho:

Bajula o que está por cima,

Pisa quem está por baixo,

 

Aos parentes prioridade

Arranja nas coisas todas;

Para os mais há liberdade,

Procede segundo as modas.

 

Questão

Não é saber o que é que eu acho,

Mas quando é que o escalracho

Domina ou não.

 

E onde, e onde:

Porque o problema é que muitas vezes

O vilão se esconde

Por trás dos gestos mais corteses.

 

 

950 - Família

 

Quando alguém perde a família,

Perde tudo.

Família se tem, contudo,

Que o ama e por ele faz vigília,

 

Que ao lado lhe fica, fiel,

Não importa o que perder:

Ele há-de ser,

Por quanto dali o impele,

 

No fim, para além de toda a dor,

Um vencedor.

 

 

951 - Alegria

 

Grato vos fico cada dia

Por me garantirdes o lugar

Desta infinita alegria

De vos alegrar.

 

 

952 - Tapete

 

Com hipócritas ser sincero,

Humilde com poltrões arrogantes,

Leal com farsantes,

Com oportunistas manter o que quero,

Eis o gesto que se não repete:

Serei pisado como um tapete.

 

Oferecer a outra face

É ir até ao limite

Para que outrem me fite

E me enlace.

Não para quem se desquite

E da lista me trace.

 

Para que o lugar me não vague

Destes ante cada figurão,

Apenas o azorrague

Do templo contra o vendilhão!

 

 

953 - Modos

 

Tenha modos!

Contudo,

Vá contra todos e contra tudo

Pelo bem de todos!

 

 

954 - Servimos

 

Servimos nossas ambições,

Nossos interesses e manias,

Nosso amor próprio - nossos aleijões!

E proclamamos todos os dias

Que vos servimos a vós, à Pátria, à Humanidade…

 

- E o pior é que acreditamos que é verdade!

 

 

955 - Secura

 

De desejar pior do que e tortura

É a dor de não desejar mais:

A mulher em que saciámos apenas a secura

Mata em nós sementes

Que não voam ao sabor dos vendavais.

 

O donjuanismo que fermentes,

Um devaneio a sonhar

Qualquer,

Não leva a vida a amar,

Leva a vida a morrer.

 

 

956 - Desfolha

 

O vento desfolha a roseira

E chora após por tê-la desfolhado:

Pobre namorado

Que no amor não joga a vida inteira!

 

 

957 - Trilho

 

Para um homem qualquer

Sempre um trilho há dos céus:

- É através da mulher

Que vê Deus.

 

 

958 - Confira

 

Por mim, não rezando dos mais os terços

(E talvez o inverso também o confira),

- À mulher que cria versos

Prefiro a que os inspira.

 

 

959 - Murmuração

 

Crer na murmuração,

Mais que indecente,

É dar pérfida interpretação

Ao gesto inocente.

 

Quem se une

Nesta via?

Que é que reúne

O que apenas separaria?

 

Que riqueza alguém

Juntaria

Despojando-se dum último vintém?

 

 

960 - Sepulto

 

Pouco importa que um amor

Fique sepulto,

Um amor que ninguém proclama:

Um fogo oculto

Revela-o tanto o calor

Como a chama!

 

 

961 - Violeta

 

Quem se baixa a colher a humilde violeta

Quando à mão tem a rosa deslumbrante?

Quem, senão o poeta

Que um pouco vê mais adiante?

Que a mais humilde flor

O aroma mais doce

Crê que espalha em redor

Por onde quer que o mundo for,

A quenquer que o endosse?

 

Quem gritaria

O alerta,

Acolhendo o mais banal dia-a-dia

De porta aberta?

 

 

962 - Acariciaram

 

Nossas vidas se encontraram

Por um instante

E logo as almas se acariciaram

Adiante.

Destino cativo

De quanto é vivo.

 

 

963 - Terso

 

Se improviso o que inauguro

Nunca tenho o braço terso.

Os caminhos do futuro

Talha-os o berço.

 

 

964 - Ensejos

 

As palavras dão-te ensejos

De rumos com que te acalmas:

As cartas, bem mais que os beijos,

Juntam almas.

 

 

965 - Coerência

 

A fidelidade

Retém, na vida emotiva,

O que, na intelectualidade,

A coerência cativa.

 

Para o vulgo que fidelidade e coerência ainda preza,

São, todavia, confissão de fraqueza:

Demite-se cada qual e nada mais

Da festa nos arraiais.

 

Para quem as despreza,

Pior:

Demitem-se os fiéis e os coerentes da beleza

E sabem lá o que é o amor!

 

Tais incréus, porém, têm falta de clareza:

De quanto se despojariam,

Não fora recearem

Que os mais o despojo apanhariam

Para se banquetearem!

 

E é nesta baixeza

Que perdem os píncaros da beleza!

 

 

966 - Amo-a

 

Amo-a e, portanto,

Ela é todas as heroínas

Do mundo numa apenas.

Tem o encanto

Das ravinas

Que, de longinquamente infinitas,

São ante ela tão pequenas!

 

É mais que uma só pessoa:

São todas juntas atadas nas guitas

De todos os piões da infância que perdi.

Amo-a: descobri

Que vivo nos cumes,

Que tenho de fazer ciúmes

A todo o mundo Romeu

Que não sou eu.

 

Amo-a e vivo neste permanente alarme

De a fazer amar-me.

 

A verdade

É que ela é o princípio e fim

De toda a genialidade

Que houver em mim.

 

Amada,

Tu és tudo, deveras tudo,

E a desgraça

É que eu não sou nada.

 

Um nada mudo

E desnudo

Que passa…

 

 

967 - Grilheta

 

Paixões sobre cuja origem

Me enganei

São as que mais duras me impingem

Delas a lei.

 

Libertar-me da grilheta

É desvendar-lhes a teia

Secreta

Que me enleia.

 

O saber

E a liberdade

São a cara e a coroa de eu ser

Eu em verdade.

 

 

968 - Vulgo

 

O vulgo aguarda que a vida

Lhe desvende o segredo.

Para uns poucos de eleitos a cortina é erguida

Das obras de arte pelo dedo.

 

Mais raramente ainda,

Por uma personalidade rica e densa

Em que a vida toma a forma de obra de arte:

Poesia duma voz profunda e linda,

Música duma ternura intensa,

Pintura dum gesto que do mundo fica aparte…

 

Entretanto, quem revela a maravilha

Ignora

Este oceano infinito

Que nele mora:

Ali se vê como irrelevante ilha

À espera de que alguém

Lhe ouça também

O solitário grito.

 

E, sem mediação,

Para si continua enjeitado sem casa,

Opaco e negro tição

Que nenhum sopro abrasa.

 

 

969 - Ela

 

Ela logra dar alma,

Ela,

Aos que sem alma viveram,

Gerar beleza e calma

Nas vidas sem porta nem janela

Que sórdidas e feias devieram,

Despe-as do egoísmo,

Emprestando-lhes lágrimas para dores

Que delas não são o abismo

De horrores,

Ela

É digna de toda a adoração,

É digna de qualquer vergel fecundo

E bem mais que ele se revela,

É digna da adoração do mundo.

 

Ela,

No mistério subtil que detém

Germina ignota uma parcela

Do Além.

 

 

970 - Paixão

 

A paixão que não sinto

Poderei representar,

Mas como me minto

A que me queimar?

 

 

971 - Imbele

 

Ao vencido adora a mulher

Que a ela se encosta,

Imbele.

Ao vencedor, porém, mais quer:

Tanto gosta

Que ela é quem se encosta a ele.

 

 

972 - Derradeiro

 

O que um homem sempre quer

É ser o primeiro amor

Duma mulher:

A vaidade o faz correr.

 

A mulher outro fim se irá propor:

Para o homem que alcance,

O que pretende é ser

O derradeiro romance.

 

 

973 - Desvendar

 

A força da mulher

É de a psicologia

A não poder explicar.

Um homem pode ser.

A mulher jamais o poderia,

Que quem só logramos admirar

Confunde, com a magia,

Qualquer pretensão de o desvendar.

 

Quando muito, ergo a ponta do véu

- E vislumbro o céu!

 

 

974 - Véu

 

É tão difícil o véu

Levantar do coração

Como tocar no céu

Com a mão.

 

 

975 - Guinchar

 

Teu filho leva a melhor

Após berrar e guinchar?

- Vai supor,

Se calhar,

Que pode atingir o que quiser

Se aos mais termo à paciência der.

 

Quando adulto,

Ou se tornará um estulto

Ou, para público pavor,

Será com toda a gente um ditador.

 

- Quem tem a primeira responsabilidade

Duma vida

Inteira de marginalidade

Descomedida?

 

 

976 - Vão

 

Penses o que pensares,

Pensarás sempre em vão

Enquanto não reparares

Que a mente não é nunca o coração.

 

 

977 - Promessas

 

Conquisto por lisonjas, por presentes,

E conquisto por promessas.

Estas custam menos que os precedentes

E, quanto ao valor, pedem meças,

Porque valem muito mais.

 

O que a promessa alcança

E nenhuma outra via, jamais:

- Dá esperança!

 

E, em resumo, toda a vida

É uma esperança indefinidamente traída.

 

 

978 - Estarrecer

 

Uns vivem, outros morrem,

E alguns deixam de viver.

Permanentemente

São estes que nos ocorrem

Porque é o que é de estarrecer:

São a marca diferente!

 

Não são nem deixam de ser:

Como com tal conviver?

 

 

979 - Entrementes

 

Que quer dizer ter um filho?

Ou ter mesmo uma mulher?

Ninguém tem nem um cadilho

Sequer!

 

Tudo é gratuito,

Fortuito,

Até que um dia Alguém venha a acontecer.

 

Entrementes,

Somos apenas sementes.

Muito embora convencidas:

- Senão, quem aguentaria estas vidas?

 

 

980 - Expectativa

 

À dolorosa expectativa de te esperar

A vida

Inteira,

Irremediável já se vem juntar

O desânimo da despedida

Derradeira.

 

Íntegra pureza, íntegra beleza?…

- Qualquer hora boa

Por trás sempre à toa

Nos despreza!

 

 

981 - Estufa

 

É de estufa uma flor:

Quanto mais alta a patente,

Maior

Dela o amor.

 

Evidentemente,

Quando fores um general,

Desmaiará diante de tal.

 

Crerás, porém, que é diante de ti:

Daí

O engano

 

E, do eternamente falso alibi,

O eternamente falso dano

que a cada qual

Esvaziará, fatal,

De si.

 

O brio

Da patente

É a promoção do humanamente

Vazio.

 

 

982 - Adiafa

 

Conhecer uma mulher

A quem um homem pertence,

Um filho ter

Que meu olhar ergue e convence,

 

Cultivar em qualquer parte

Uma casita discreta

Onde o lar todo se aparte

Em adiafa secreta,

 

O refúgio derradeiro,

- Isto é que é vida!

 

Da guerra é o que sentimos no atoleiro,

Como dela a final medida,

Traído sonho primeiro…

 

Ao sonho, porém, na paz,

Que é que cada qual lhe faz?

 

 

983 - Demasiado

 

Demasiado nova para ti,

Demasiado velho para ela?…

Teu alibi

Uma verdade

Revela

Ausente:

- Importante é apenas a idade

Que se sente!

 

A realidade

Pessoal

Não tem outra identidade,

Para bem ou para mal.

 

 

984 - Bem-educado

 

Um homem bem-educado

Não expõe aquela que ama à humilhação

De lhe dar a entender não haver acreditado

Dela nas mentiras do coração.

 

Passa, breve, de lado,

E aguarda a chuva da monção:

O que houver cultivado

Acabará dando os frutos da estação.

 

 

985 - Adiando

 

A sabedoria da mulher,

Adiando, adiando o regalo…

- Adiar o prazer

Vai aumentá-lo!

 

 

986 - Magnífico

 

Visitar

Todo e qualquer

Magnífico lugar

Com a mulher

Que é tudo para quenquer

Que melhor pode o mundo ofertar?

 

É o mais perfeito.

 

Para a amada,

Porém,

Pode ser a maior punhada

No peito

Que alguém

Que a ama

A vida inteira lhe trama.

 

- Tão sem jeito

A vida nos acama!

 

 

987 - Loucamente

 

Ama-a loucamente

E este é que é o problema.

Amá-la ajuizadamente…

- Quem resolve tal dilema?

 

Isto, porém,

É que libertaria o refém.

 

Mas seria o fim

Da Humanidade e de mim.

 

 

988 - Força

 

A paixão

É uma força da natureza a cumprir-se.

Que venha a reduzir-se

A desejo carnal

Só prova que o homem não

Quer outro fanal

Para levar mais longe, em desatino,

Dele o destino.

Vem por acréscimo tudo o mais

Que no homem vejais.

 

 

989 - Iridescente

 

É o mar

Qualquer relação humana:

Toda à superfície plana,

Basta um pouco aprofundar

E são monstros, precipícios,

Cardumes de benefícios,

Tubarões a amedrontar…

 

E lá do fundo mais fundo

Onde só o escuro pasce

Nasce

Um mundo:

Borbulhando iridescente

Borbota eterno um vulcão

Discreta, discretamente,

- Nosso humano coração.

 

 

990 - Estúpido

 

Fico espantado

Do excesso de mim,

Comigo aterrado

De minha abundância, enfim.

 

A palavra é um mistério,

Estúpido ruído

Em que o espírito a sério

Mora escondido.

 

A palavra ouvida

Aterra,

Que nos ferra

Em brasa acendida,

Uma vez mordida.

 

Apenas a aguento

Se com alguém

A tento

Aguentar também.

 

E, quando falo só,

Não me oiço,

Retoiço, apenas retoiço

No meio do pó.

 

 

991 - Rala

 

A palavra da fala,

Que deserto

De vida mais rala!

 

Surge um homem desperto,

Desata a inventá-la

E recria tudo:

Dá nome às pedras e às estrelas…

 

E quanto era mudo

Principia a relatar as sequelas

De belezas e desgraças

Das pegadas, das vias

E das traças

De todos os dias Nas praças

Onde as vidas permanente avias.

 

E eis como principias,

 

A palavra da fala,

Que estranha, que estranha cabala!

 

 

992 - Difícil

 

Como é difícil falar!

Palavras são requeridas

E da palavra o horizonte

É sempre lançar

Uma ponte

Entre vidas.

 

 

993 - Barco

 

Um amor ninguém o inventa,

Ou existe ou não existe

E é só.

Quem com tal se não contenta

E tenta

Quanto o conquiste,

Mete dó

E desiste.

 

Um saber que ainda não tenho

Eu poderei conquistá-lo,

É uma ciência de ganho.

Uma afeição,

Não!

 

Abalo

A conquistar a mulher:

Posso lograr-lhe o regalo,

Não o amor que eu lhe tiver.

 

Poderei, sim, cultivá-lo,

Mas antes terá de ser.

 

E sobre tal condição

Não terei de todo mão.

 

No barco soltar o pano

Poderei,

Mas é um engano

Se nem de barco nenhum sei.

 

 

994 - Conflito

 

Apenas o conflito

Gera a criação.

Não tem, porém, de haver nenhum grito:

- Basta que o conflito seja dentro dum coração.

 

 

995 - Devorada

 

A fadiga, o esgotamento

Da mãe

Devorada pelos filhos,

Viva e a cada momento,

Não pede a ninguém

Que a admire nem a louve:

Quem a entenda

É que lhe aprouve,

Só que alguém a compreenda,

Mais nada.

 

Para tudo o mais

Anda por demais

Cansada.

 

 

Para não agravar o mal,

Ponto final.

 

 

996 - Cepa

 

Os irmãos, rebentos da mesma cepa,

Embora unidos pela raiz

Nunca são da cabeleira a mesma repa

Quando um ao outro se traduz e diz.

 

Tolhido de pudores,

Este é o menos eloquente dos amores.

 

Por trás do silêncio, porém,

Quem suspeitaria a força que por norma tem?

 

É que a seiva discreta, hesitante,

Trepa, afinal, até o galho mais distante.

 

 

997 - Candeeiro

 

Candeeiro de cozinha:

Estrela no céu do lar

A alumiar

A toda a hora

Trilhos de quem caminha

Vida fora.

 

 

998 - Monstros

 

O determinismo cego da intérmina cadeia

De monstros que devoram ou são devorados…

Quem quebrá-lo ameia

Senão o amor dos auto-sacrificados?

 

A cadeia continua.

Em vez, porém, do charco, aponta a lua.

 

 

999 - Jugo

 

Presos ao jugo,

Os bois rasgam a terra

E enquanto a subjugo

Me libertam a messe que nela encerra.

 

Tal qual num casamento

De filhos a procriação,

O aumento

De rendimento,

Do coração

O linimento,

O aprofundamento

Da paixão

- Das ternuras no evento

Que semeiam de rebentos de amor

O terror

Da solidão.

 

Tal qual q compra de fazenda

Aos ócios a impor emenda

Com o trabalho produtivo

Que qualquer lar mantém vivo.

 

Ou de negócios viagem

que, ao impor-me disciplina,

O benefício combina

Do lucro, no fim da triagem.

 

Ou a perseguição

Ordenada e ardilosa

Do ladrão,

Do crime organizado

Que violento contra nós se entrosa:

- O esforço combinado

Em jugo apertado

A terra liberta das ervas daninhas,

Da cultura e da paz semeia as vinhas.

 

Meus bois ao jugo

Não são verdugo:

São o custo da messe

Que virente me apetece.