DÉCIMA SEGUNDA
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NOS SONETOS NAVEGANDO
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1241 - Nos sonetos navegando
Nos sonetos navegando
Rumarei ao Pólo Norte
Onde irei fazer a corte
Dos astros a todo o bando.
Voarei pelo Equador
Tomarei banho no mar,
Nas selvas irei a par
Das cachoeiras ao fragor.
Aqui amo,
Além descubro,
Inauguro depois um horizonte…
Ramo a ramo,
Ante o infinito a nudez minha encubro
E para a infinidade ergo uma ponte.
1242 - Frémitos |
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Como as árvores se enxugam |
Dos frémitos da invernia, |
Como os vendavais se estugam |
A despi-las cada dia! |
|
Tremelicam tenras folhas, |
Pelos ramos as primeiras, |
Quais pardais, por entre as molhas, |
Deslumbrados nas canseiras. |
|
Só lhes faltará cantar |
Por gorjeios e trinados. |
Cantam verduras pelo ar |
Verde por todos os lados. |
|
É nesta orquestra de cor |
Que bebo o cósmico amor. |
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1243 - Compromissos |
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Um homem tem compromissos |
Consigo e com o futuro, |
Nenhum escapa aos enguiços: |
Morto embora, ali perduro, |
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Nenhum de nós faltará. |
Os homens de hoje nenhum |
Dinheiro os prolongará, |
Mas o que for cada um. |
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Em acto é que eu manifesto |
Todo o peso que terei, |
Valho o que valer meu gesto, |
Não oiros que acumulei. |
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Para o bem ou para o mal |
Nós é que somos sinal. |
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1244 - Circunferência |
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Era a circunferência a que faltava |
Um gomo para a roda ser perfeita. |
Então em todo o lado o procurava, |
Que a falta lhe doía, tal maleita. |
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Mas, por ser incompleta, a volta atreita |
A rolar vagarosa sempre andava, |
Pelo que ia admirando a giesta, a feita, |
As minhocas e o sol, do vale a cava… |
|
Até que um dia encontra o encaixe certo. |
Incorpora-o, feliz, e roda logo, |
Vertiginosa o longe haurindo perto. |
|
Tão depressa, porém, nem vê a paisagem… |
Jogo então fora o gomo deste jogo: |
- Gostoso devagar sigo viagem. |
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1245 - Ausência |
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Na vida, a ausência de Deus |
Os homens não libertou |
De nenhum dos ópios seus |
Nem a escravidão matou, |
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Nem semeia em terra os céus, |
Ninguém mais feliz tornou: |
Parte a fé, ficamos réus |
Da inquietação que ficou. |
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Ido terá Deus embora. |
Muito embora tenha ido, |
Não chegou a nossa hora |
E o dilema do sentido |
|
Da existência permanece |
E a toda a hora aparece. |
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1246 - Vontade |
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Que vontade de viver |
Com gestos dos mais graúdos |
E com feitos façanhudos! |
|
E este medo de morrer |
A trocar-ma, sem eu ver, |
Numa vida por miúdos. |
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Haverá morte pior |
Do que a vida de quem tem |
Pela morte um tal pavor |
Que a troca por um vintém? |
|
Vida morrendo aos bocados |
Será vida ou só contém |
Morte por todos os lados? |
- Um homem sempre é um refém! |
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1247 - Absolutas |
|
Podemos desejar verdades absolutas, |
Podemos pretender tê-las mesmo atingido, |
Fanáticos ou crentes num qualquer sentido |
Que um vislumbre de luz lampeje em nossas grutas. |
|
Pois certo nada há, nem as mais diminutas |
Nem as mais comprovadas verdades que haurido |
Haja através do tempo decorrido |
Desde que, humano sendo, em torno monto escutas. |
Nem puras matemáticas ao fim são certas, |
Pois que dos pressupostos ficam dependentes |
E eu tranco-lhes as portas ou tenho-as abertas. |
|
As certezas, ao termo, disto decorrentes, |
As únicas que as mentes nos mantêm despertas, |
São certezas de dúbio ser tudo entrementes. |
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1248 - Encontro |
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O encontro da ciência com a natureza |
Desperta reverência com algum temor, |
Compreender celebra esta fusão de amor |
Com da imensidão cósmica a frugal beleza. |
|
O acúmulo mundial de saber e sageza |
Ao longo das idades, do histórico alvor |
Ao pináculo humano de que hoje é senhor, |
Longe não andará de atingir, com certeza, |
|
Aquela meta-mente que nos fundiria |
Para além das fronteiras e das linguagens |
Cantando o universal, única melodia |
|
Eufónica a se ouvir em todas as paragens. |
E, se num todo o espaço o saber alumia, |
As gerações fundiu nas planetárias viagens. |
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1249 - Espiritualidade |
|
Espiritualidade era toda a ciência |
E uma fonte lustral de espiritualidade, |
Que a mente, material não será de verdade |
E a ideia uma sinapse não é de evidência. |
|
Quando nosso lugar vemos na imensidade |
Dos anos-luz, dos séculos na decorrência, |
A beleza da vida toma tal cadência |
Que é exaltação e júbilo sobre humildade. |
|
É tão espiritual como nas emoções |
Que a grande arte em nós toca na literatura, |
Na música ou pintura, quando são vulcões |
|
Que em nós rasgam janelas a olhar para a altura. |
Espiritualidade e ciência, ambas de costas, |
Ambas será perder em tudo quanto gostas. |
|
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1250 - Cuidados |
|
Os parentais cuidados prestados aos novos |
Serão a garantia de manter linhagem. |
Parentes sorrirão à criança em rodagem, |
Devolve esta o sorriso e gera então nos covos |
|
Tentáculos que enlaçam, retraçam a imagem |
Que germina fecunda em recônditos ovos, |
Novos laços atando onde nascem renovos. |
E todos nós sabemos: somos tal focagem. |
|
Mal a criança vê, vai reconhecer rostos, |
Bem antes de entender como qualquer actua, |
Cada qual fotografa, foca-o de olhos postos |
|
E só muito mais tarde vai descer à rua. |
Porém, quando descemos, levamos impressa |
A cara eternamente dentro da cabeça. |
|
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1251 - Alívio |
|
Ah, que alívio que seria |
Se a dúvida ser pudera |
Abolida desta via |
Finalmente! Quem dera! |
|
Livres do pesado fardo |
De nos ocupar de nós |
Nunca mais picava o cardo |
Que nos atara os ilhós. |
|
Se de mim vou-me ocupar, |
Preocupar-me irei também, |
Com razão, não por azar, |
|
Com o sentido que tem, |
No porvir a conquistar, |
Só comigo contar bem. |
|
|
1252 - Alucinação |
|
Quando toda a gente sabe |
Que os deuses descem à Terra, |
Na alucinação já cabe |
Deles a mole que aterra: |
|
Se os deuses são da família, |
Se forem fadas, duendes, |
Se espíritos em vigília… |
- São tais fendas as que fendes. |
|
Porém, quando os velhos mitos |
Desaparecem, então, |
De extraterrestres conflitos |
|
Devém a alucinação. |
- Continuam nossos gritos |
A guiar-nos pela mão. |
|
|
1253 - Dragão |
|
“Um dragão na garagem minha vive lá!” |
- Assevera com tão real seriedade |
Que logo correremos a ver-lhe a verdade. |
Perguntas ao vazio: “onde é que o dragão ‘stá?” |
|
“É invisível” - confessa - “mas anda acolá!” |
“Enfarinha-lhe o chão!” “Só que flutuar ele há-de!” |
“Pois com o infra-vermelho que o fogo lhe invade |
Podê-lo-ei detectar!” “O fogo esfriará…” |
|
“E se um jacto de tinta sobre ele lançar?” |
“Esqueci de informar que ele é mesmo incorpóreo!” |
- E quando, assim por diante, nada comprovar, |
Do deus tendo o vazio dentro do cibório, |
|
Comprovarei ao menos que é urgente arranjar |
A mente de quem tomba em tão louco avatar. |
|
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1254 - Absolutamente |
|
Se absolutamente certo |
Fico em minha convicção, |
Os outros errados vão |
A palmilhar o deserto. |
|
Se o bem é que me motiva, |
Os demais irão por mal; |
Deus em mim tem voz activa, |
Dela, noutrem, nem sinal! |
|
E se for perversidade |
Questionar uma doutrina |
E se crer e obedecer |
|
Dela é a missão de verdade, |
- A caça às bruxas é a sina |
Até disto o homem morrer. |
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1255 - Tabuada |
|
Não há ciência nacional |
Nem nacional tabuada. |
A religião, por igual, |
Quer-se universalizada. |
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|
Mas a questão com que cismo |
E que não tem solução |
É a desta religião, |
Esta do nacionalismo! |
|
Entre o facto e o valor |
Não há nem nunca haverá |
Nenhum paralelo a pôr. |
E é bom vê-lo desde já! |
|
Há nações, mas tal verdade |
Tem valor de eternidade?! |
|
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1256 - Tirano |
|
É provável encontrar |
Miséria, tortura e crime |
Onde o tirano reinar |
Sem controlo que o encime. |
|
Democrático regime |
É aquele que, em seu lugar, |
Convívio tente sublime, |
Do rei cada qual a par. |
|
Aquele tem muito mais, |
Este aqui tem muito menos |
Do mal traços e sinais. |
|
Só porque há direitos plenos |
De uns trocar pelos rivais |
E outros, não, por mais pequenos. |
|
|
1257 - Silenciar |
|
Silenciar opinião |
Ao fim é sempre um pecado. |
Se for boa, a ocasião |
De aprender ficou de lado. |
Se for má, compreensão |
De nosso ponto de vista |
Muito mais aprofundado |
Contra quanto lhe resista |
É o que então terá lugar. |
E nem o nosso argumento |
Ao fim irei vislumbrar, |
Sem vida escoado ao vento, |
Pálido e sem mais vigor, |
Mera lembrança de cor. |
|
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1258 - Diferentes |
|
As coisas que nós vemos como belas |
Poderão ser deveras diferentes, |
Que as vertentes efectivas lá presentes |
São iguais, lobrigadas nas sequelas. |
|
Quando o belo saltar, então aquelas |
Coisas em que saltou, luminescentes, |
Devêm nítidas, de cor ingentes, |
Vibram de forças em globais procelas. |
|
Na paisagem do mundo, tal no amor, |
As coisas, como a amada iridescente, |
Ressaltam com o fogo do estupor |
|
Perante a opacidade evanescente |
Do resto que dormir-lhes em redor: |
- O belo cria um mundo transcendente. |
|
|
1259 - Tudo |
|
Compreendo que tudo faz parte de mim, |
Sentado aqui no cume da montanha a olhar |
As paisagens que vão para todo o lugar, |
Sinto meu corpo físico no meu confim: |
|
Não é senão cabeça doutro corpo, enfim, |
Afinal bem mais vasto até que meu olhar, |
Porque para além vai do que logro alcançar, |
Lobriga-se o Universo em mim até ao fim. |
|
Não me começa a vida em minha concepção |
Nem no meu nascimento no planeta errante. |
Muitíssimo antes tudo afinal principiara, |
|
Do início de mim próprio com a formação, |
Meu corpo mais real, tão mais que o deste instante, |
Meu corpo de Universo a olhar por minha cara. |
|
|
1260 - Admiro |
|
Quando admiro a beleza e a singularidade |
Das infinitas coisas que dão corpo ao mundo |
Dele acolho a energia que me toca o fundo |
E desde o fundo me abre para a eternidade. |
|
Então, quando acolá me deixo fascinar |
E a estese atinge o nível da paixão de amor, |
O meu coração arde como se o fulgor |
Em mim eu recolhera do rosto que amar. |
|
Então, como ao gratuito amor todo me entrego |
Sem dele pretender negociar a troca |
Nem paga, que a não há de quanto de vez lego, |
|
assim, gratuito e leve, dou-me e desemboca |
A vida a relançar a mágica energia |
Para o Universo inteiro como quem o cria. |
|
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1261 - Entranhar |
|
Obrigar-se a amar |
Ninguém poderia, |
Porém deixaria |
De amor se entranhar. |
|
Isto ocorreria |
Se sintonizar |
O que recordar |
Do amor que houve um dia. |
|
Nele ao se embrenhar, |
Breve sentiria |
Como outrora, a par. |
|
Como por magia |
Flutua pelo ar, |
Nasce dele o dia. |
|
|
1262 - História |
|
Se olhas para tua vida |
Como quem olha uma história, |
Desde o nascimento à glória |
Da gesta daí vivida, |
|
Verás que tua memória |
Te retraça na corrida |
Tentativas de quem lida |
Por triar oiro da escória. |
|
Intuito de resolver |
Aquele magno problema |
Legado pelos teus pais: |
|
Como o passo que se der |
Há-de trilhar certo o lema |
Que de Além nos faz sinais. |
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1263 - Problema |
|
O problema-mor da vida |
Não é o de encontrar respostas. |
O problema é o das apostas |
Com as quais cada qual lida. |
|
É que não faltam propostas |
De trilhos a qualquer ida |
|
O que falta, de seguida, |
É saber do que é que gostas. |
|
Quando a reflexão tu juntas |
Às pegadas que vais dando, |
Em breve o que mais assuntas |
|
Não é ver por onde ou quando, |
É ter certas as perguntas |
Do que andas ao fim visando. |
|
|
1264 - Sonhos |
|
Os sonhos nos contam algo |
Relativo a nossas vidas: |
Os degraus que jamais galgo |
Nas vigílias empreendidas. |
|
Mas nem só sonhos nos guiam: |
O pensamento contado |
Bem como o sonho acordado |
Igualmente nos enviam |
|
No rumo às verdes colinas |
Que eu nem sequer sei que havia |
Nas vertentes das más sinas |
Onde ébrio me entorpecia. |
|
A dormir ou acordado, |
Sonho é meu mapa encantado. |
|
|
1265 - Cruzar |
|
Quando alguém se cruzar pelo nosso caminho |
Trará sempre mensagem que nos transmitir, |
Pois encontros fortuitos não vão existir, |
Por pouco recatado que nos seja o ninho. |
|
A maneira, porém, como eu lhes adivinho |
O sentido aos encontros é que decidir |
Há-de se eu estiver à medida de ouvir |
Ou não uma proposta sem a qual definho. |
|
Se uma conversa tenho com alguém que cruza |
Por este meu caminho e não capto a mensagem |
Relativa às perguntas a que a sorte escusa |
|
Teima em manter-me cego durante a viagem, |
Isto não quer dizer que acolá não exista, |
Mas que, por distraído, eu a perdi de vista. |
|
|
1266 - Apreço |
|
Quando te dou apreço inovo-te a energia, |
Além a reforçando mais que normalmente. |
Então facilidade como a dum vidente |
Em ver tua verdade tens como teu guia. |
|
Quando além a transmites, fica pura e fria, |
A penetrar o ouvinte tão clarividente |
Que uma revelação lhe parece, fremente, |
O que de ti discorre como por magia. |
|
Melhor verá teu eu e bem mais elevado, |
Apreciá-lo mais é o que lhe ocorre então, |
Mais nele se concentra, quase altar sagrado. |
|
E, quando dois ou mais entre si tal padrão |
De reforço viril então compartilharem, |
Rumam à infinidade que em comum sonharem. |
|
|
1267 - Bastante |
|
Não sei quem serão estes, se falar pudera |
Com eles o bastante, porém, descobria |
A verdade que cada para nós teria, |
A parte da resposta à mágica quimera. |
|
Porque deveras todos são mensagem vera |
Que se cruza comigo, ao acaso do dia. |
Se tal assim não fora, cada qual havia |
Seguido outro caminho que o fado lhe dera. |
|
Aqui quem estiver é porque significa |
O peso que tiver na teia do Universo, |
Por muito que me cegue o que em nada ao fim fica, |
|
Porque eu a interpretá-lo é que nunca ando terso. |
Por aqui tanta gente nunca foi em vão: |
Quer dizer que estará por alguma razão. |
|
|
1268 - Desdém |
|
Quando não gosto de alguém |
Ou me sinto ameaçado |
Tendo a pôr-me então centrado |
Num aspecto de desdém |
|
Que me irrita ou não convém. |
Belo não vislumbro lado, |
Nenhum estímulo é dado, |
Antes lho tiro também. |
|
Então ele, de repente, |
Sente-se algo menos belo, |
Sem ter pé já no presente. |
|
Assim é que mutuamente |
Nos envelhece este apelo |
Tão veloz, tão velozmente! |
|
|
1269 - Primeira |
|
Quando dois se encontrarem pela vez primeira, |
Começarão por ver cada qual a atitude |
Um do outro, a medir-lhe a boa ou má saúde, |
A manipulação negando ao que se abeira. |
|
Uma vez acertada a contenção cimeira, |
Partilham consciente a vida em magnitude, |
Até se revelarem, quando nada ilude, |
Mutuamente a mensagem que ambos emparceira. |
|
Depois, cada qual torna à vida quotidiana |
Mas o encontro ambos já modificou deveras, |
A um ponto de tal ordem que dali dimana |
|
Toda uma nova vida em mais altas esferas. |
Daqui partindo, vão o mundo inteiro erguer |
Como fora não pode do encontro quenquer. |
|
|
1270 - Saberei? |
|
Donde venho, pouco sei, |
Para onde vou, sei lá! |
Sei apenas (Saberei?) |
Este aqui do que sou cá! |
|
Não há mais nada, não há |
Que uns aos outros, mesma grei, |
Termo-nos, enquanto dá |
O tempo de nossa lei. |
|
Não temos outro conforto, |
Já que não sabemos nada |
Do que é vivo e do que é morto |
|
Do que dar a mão na estrada, |
Quebrar qualquer alibi |
De estar deveras aqui. |
|
|
1271 - Traço |
|
Se cada vez é mais certo |
Que não há nada seguro, |
Sem apoio a vida auguro, |
Só da dúvida ando perto. |
|
Então aprender é urgente |
A mudar em alegria |
Cada momento presente, |
Transmudando noite em dia. |
|
A solidão e a loucura, |
A marca do pessimismo, |
Quotidiana inaugura |
Leve traço de optimismo: |
|
- O vazio mudo à mão |
Numa boa boa ocasião. |
|
|
1272 - Círculo |
|
Pegada na pegada, em círculo fechado, |
Caminhamos a vida a repetir pessoas, |
Locais e situações, as críticas e as loas, |
Montando a identidade, bocado a bocado, |
|
Sinais de cada grupo, cada qual buscado |
No forno comunal onde cozem as broas, |
A identificação do local onde boas |
Memórias nos ocorrem do caminho andado. |
|
Identificação é também segurança. |
Por tal nos repetimos com a persistência |
De quem ao repetir-se crê que ao fim se alcança. |
|
Sinais do grupo tomam constante existência |
Na construção da fala, nos tiques de humor: |
- Não somos nunca mais que o círculo do amor. |
|
|
1273 - Molde |
|
A priori sou eu, como sujeito, |
Com o poder de capturar o objecto. |
E depois, quando o molde tomo a peito, |
É que lhe sigo a linha do trajecto. |
|
De dentro de mim saio a procurá-lo, |
Capturo-o no desvio perseguido, |
A mim retorno enfim, com o regalo |
Do caçador que chega bem sortido. |
|
Vejo sempre um objecto a mim alheio |
Em vias de integrá-lo em meus modelos, |
Que só então fará parte de meu seio. |
|
Sou eu que, activo, lhe retraço os elos. |
Ele, porém, como de tal deveio, |
Foge-me sempre em rumos paralelos. |
|
|
1274 - Imensa |
|
Sentiu vontade imensa de beijá-la, |
A mão lhe aperta já, desorientado, |
Estrepitoso a rua desce ao lado, |
Dá meia volta e para casa abala. |
|
Tumultuam-lhe ideias em cabala |
Ao longo dos caminhos. Encantado, |
Nuvens pisando, vai polarizado |
De poema em recital vestindo a gala. |
|
Tantos milhões que o mesmo já trilharam |
E a todos sempre apareceu tão novo |
E tal se fora único o encetaram! |
|
Para a felicidade destinado, |
Vida nova gerando sempre em ovo, |
Assim bendito o amor nos há fadado. |
|
|
1275 - Felicidade |
|
A felicidade |
É um estado de alma. |
Não depende, calma, |
Senão da verdade |
|
De íntimos sinais |
De paz e alegria. |
Os bens materiais |
Não têm tal magia. |
|
Por isso é que o rico |
Quanto mais existe |
Tão mais verifico |
Que fica mais triste. |
|
Vai morrer assim: |
Trocou meio e fim. |
|
|
1276 - Sabugueiro |
|
Não há melhor razão para alguém preferir |
Aquele sabugueiro, sem mesmo elegância, |
Que a de lhe despertar as memórias de infância, |
Dos tempos de sonhar que não voltam a vir. |
|
Não é nada de novo na vida a surdir, |
Na vida que nos fala da presente instância |
Nas formas e na cor, sem vislumbrar mais ânsia |
Do que a dum amanhã seguro garantir. |
|
Mas na nossa existência foi o sabugueiro |
Fiel e rumoroso o eterno companheiro |
De alegrias e angústias nessa infância esquiva, |
|
Quando ela ainda não era apenas a memória |
Mas o encanto a fluir com esplendor e glória, |
- Explosão do infinito numa vida viva. |
|
|
1277 - Natalícias |
Perfume quente das comidas natalícias |
A nos preparar brando esta prisão suave |
Que eterna venha dar ao primitivo e grave |
Companheirismo o que perdeu já das primícias, |
|
Entre os membros da família |
A saudar o sol nos rostos |
Humanos, de cujos gostos |
Permanecera em vigília… |
|
Enquanto lá fora a neve |
E o vento da tempestade |
Nos fecham a porta breve. |
|
Um com outro em irmandade, |
Como a reclusão é leve, |
Como é imensa a liberdade! |
|
|
1278 - Insepulto |
|
O espírito pouco culto, |
Confinado e limitado |
Ao preconceito insepulto |
De quem no ovo foi gorado, |
|
De estreitezas sempre inulto, |
Na infelicidade nado, |
Em seu imo mais oculto |
Tenderá, por todo o lado, |
|
A repetir as pegadas, |
De modo que ao fim do ano |
Estará tal qual no início, |
|
Como as máquinas ligadas |
A girar no desengano |
Da mesma volta por vício. |
|
|
1279 - Arrasta |
|
Se o que sentimos arrasta |
Até os outros esmagar, |
Não podemos evitar |
De num ponto gritar basta! |
|
Doutra maneira a traição |
Como qualquer crueldade, |
O reino da iniquidade, |
Teriam absolvição. |
|
Se um compromisso não prende, |
Se o passado é de esquecer, |
Que é que ofende e não ofende, |
Onde é que fica o dever? |
|
Inclinação de momento? |
- Nem que eu fora folha ao vento! |
|
|
1280 - Balizada |
|
Começamos, por fim , a perceber |
Que do corpo a saúde é balizada |
Pelos jogos mentais que a madrugada |
Ou crepúsculo vejam em quenquer. |
|
O médico é o perito que nos grada |
A leiva da doença que entender. |
O paciente recebe o que lhe der, |
Mas a magia antiga programada |
|
Que passivo o dispunha a colocar-se |
Doravante é o que tem de superar-se, |
A atitude íntima devém crucial: |
|
A esperança tal como o medo cura, |
Menoscaba certeira a sepultura, |
Tudo provém de como encaro o mal. |
|
|
1281 - Clínica |
|
A opinião clínica terá de ser |
Ponderada e medida com cuidado, |
Que idolatria médica é um pecado |
Que o público comete com quenquer. |
|
Já soube disto o médico e qualquer |
Há cem anos pintava demasiado |
Optimista ao paciente o quadro dado, |
Levando-o a cooperar para vencer. |
|
Depois, porém, o entendimento ético |
Científica impôs a avaliação |
Como um direito de qualquer paciente: |
|
assim matou em todos nós a poética |
Força de crer na nossa salvação |
E desde então nos suga lentamente. |
|
|
1282 - Cofre |
|
Quem namora vai sofrer. |
Quem “anda” apenas não sofre: |
Se competir é viver, |
Do amor vou lesar meu cofre. |
|
De vez fujo ao sofrimento, |
Como se pudera um sonho |
Existir sem pagamento |
Na vida de que disponho. |
|
Um bebé cresce, em concreto, |
Quando cresce para alguém |
Porque existe um mar de afecto |
Com toda a dor que contém. |
|
Grande, de aumento em aumento, |
Só com dor de crescimento. |
|
|
1283 - Quente |
|
Ter ao lado um corpo quente |
Mais o apoio para a vida… |
Um homem, frequentemente, |
Acorda com medo à lida, |
Com receio de falhar, |
Mesmo só de fraquejar, |
Deixar de ser um herói |
Do drama que a vida dói. |
|
Nesses momentos estende |
A mão, toca na mulher, |
Abraça-a, terno se rende |
Ao morno odor que tiver |
|
- E desperta as alvoradas |
Com as forças renovadas. |
|
|
1284 - Manco |
|
“Ainda não reparara |
Como teus olhos castanhos |
São bonitos!” - em tamanhos |
Cultos o marido andara |
|
A sacrificar-se em ara |
Que só perante os amanhos |
Da morte as perdas e ganhos |
Fazem que tal confessara. |
|
Vejam o que é ser casada |
Toda a vida com um santo! |
Ou lhe a fé corre enganada |
|
Ou de santidade é manco: |
- Que amor é que não sentia |
Aquilo de que vivia? |
|
|
1285 - Prefere |
|
A mulher |
Ser casada com um santo |
Prefere |
Que nunca lhe reparou no encanto |
|
Do que com um pecador |
Que ternurento lhe confessara |
Amor |
Mais a toda a outra mulher |
Que uma rua lhe cruzara |
Qualquer. |
|
A sério, porém, |
O que ela preferiria |
Era mesmo um santo que também |
A via. |
|
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1286 - Baldadamente |
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É sofrer dobradamente |
Antes de tempo afligir, |
Não sofras baldadamente, |
Basta o mal quando surgir. |
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Chorar depois do mal feto |
Em vez de o remediar |
Incorrer é no defeito |
De quem nunca vai mudar |
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Depressa nem devagar. |
E vai sofrer, deste jeito, |
O mal a multiplicar. |
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Então, de ambas as maneiras, |
Qualquer que seja o conceito, |
Já de nenhum bem te abeiras. |
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1287 - Boto |
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A paixão da juventude |
Ao futuro ruma ignoto, |
Sem do cálculo a virtude |
E de pensamento boto. |
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Esta crença no futuro |
De milagres carregado |
Tem a força que procuro |
A me arrancar do valado. |
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Tem a força sedutora, |
Porventura irresistível, |
Que vem delir-me a demora, |
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Mentindo próximo o extremo: |
- Jovem é crer exequível |
O desafio supremo. |
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1288 - Século |
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Como um século qualquer |
Este pode ser mudado |
No século que se quer, |
Só, porém, nalgum bocado, |
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Num ou noutro pormenor, |
Nunca, pois, do chão ao tecto, |
Já que ninguém tem valor |
De mudá-lo por completo. |
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E quem tentar o impossível |
No possível ficará, |
Que nada mais é vivível. |
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Só que indo para acolá, |
Já daqui nem é visível, |
Vive já o lado de lá. |
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1289 - Após-guerra |
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Como é triste pertencer |
À geração do após-guerra! |
O que, porém, mais aterra |
É verificar quenquer, |
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Desde que temos memória, |
Que isto é cada geração |
Sempre desde a pré-história |
Sem lograr uma excepção. |
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Somos os sobreviventes |
Sempre, sempre impenitentes. |
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Á inteligência trepar, |
Só mesmo bem devagar, |
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Por maior que seja a perca |
Que nos cerca, que nos cerca! |
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1290 - Modelador |
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Crer que um pai modelador |
É do carácter dos filhos |
Sem da rua ver o ardor, |
É não contar os atilhos, |
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Nem quanto ofuscam os brilhos |
Que enfeita, fora o rumor, |
Quanto ali são pecadilhos |
O que dentro gera horror. |
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Uma personalidade |
E o carácter que tiver |
Provêm da liberdade |
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Que fruir ali quenquer |
Mais do traço de verdade |
Que um lar nela transpuser. |
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1291 - Lodacentas |
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A vida corre ao acaso |
Entre margens lodacentas, |
Mudando de curso a prazo, |
Terras a embeber sedentas, |
|
Ou mergulhando discreta, |
Subterrânea fluidez, |
Para borbotar directa |
Adiante, noutra tez. |
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E nenhuma força humana, |
Perdida entre sorte e azar |
Se pode opor ao que emana. |
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Tudo, pois, é resolvido |
Fora do que eu alcançar, |
Haja-o ou não haja crido. |
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1292 - Monstruoso |
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No que o tempo é monstruoso |
É que o sábio-mor acaba |
Trocado pelo bichoso |
Dum zé-ninguém que se baba |
|
Só porque às células deste |
A vida nova as reveste. |
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E, quando a um mais velho mira, |
Mais obstáculo vê nele |
Do que um exemplo a que adira: |
Quer é ver como o atropele. |
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É nesta sorte canina |
Que mais joga nossa sina. |
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E nem raiva nem despeito |
Nos mudarão nosso jeito. |
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1293 - Dinheiro |
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Para mandar os filhos correr mundo há pais |
Que têm o dinheiro: porém, mal formados |
Os filhos, afinal, lhes crescem transtornados, |
Como se de tais pais filhos não foram mais. |
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De milhares de contos em casas reais |
Vivem quejandos pais com os filhos mimados |
E dão carros aos filhos, despreocupados, |
- Mas algo não resulta de soluções tais. |
|
Tantas perguntas, tantas, sobre que fazer! |
E afinal é tão simples como quanto é grande: |
Pois que se preocupem o suficiente |
|
Para tempo gastar com os filhos que houver, |
Dar-lhes atenção terna em quanto ela comande: |
- De si dar o melhor é o mais caro presente. |
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1294 - Auto-estima |
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Para poder crescer desde a raiz |
A criança precisa de auto-estima. |
E o que a semente desta lhe sublima |
É sem medida ter amor feliz. |
|
Mas incondicional, porém, não diz |
Ausência de limites: quem amima |
Em estabelecer regras se arrima |
Para mostrar quão vale o seu petiz. |
|
Criança abandonada ao deus-dará, |
Com mil brinquedos e de bolsa cheia, |
No sem-limite é desprezada já. |
|
Se teu filho os limites ultrapassa, |
A punição lhe impõe, ao acto ameia. |
E a ele, não, que ele não é desgraça. |
|
|
1295 - Quando |
|
Quando os botões importam mais do que a camisa, |
Quando o perfume vale mais do que a pessoa, |
Quando a aparência mais que o íntimo apregoa, |
Quando por fundamento a ninharia visa, |
|
De vista perderemos quanto é coisa boa, |
Enfronhados em nadas, o todo desliza, |
O que for importante já ninguém divisa, |
Envernizados fora, podres dentro à toa. |
|
Gastamos energias no superficial, |
Não nos apercebendo do que é essencial. |
Ora, o superficial apenas é importante |
|
Quando é berma florida que bordeja a estrada, |
Quando o essencial completa, de instante em ins-tante, |
Que a berma sem caminho nunca será nada. |
|
|
1296 - Terra |
|
Terra aberta, estendida, que ninguém alcança, |
Boa para a façanha, o esforço, a liberdade, |
Toda horizontes largos como uma esperança, |
Toda caminho incerto como uma vontade, |
|
Terra que te levantas cada aurora muda, |
Como basta olhar bem e lançar-me em teus braços, |
Como então toda a freima em sonho se transmuda, |
Como o que me deslaça então me cria laços! |
|
É planura e montanha, são rios e vales, |
São os mares e as praias, ondas e marés, |
Nevoeiros e neblinas - sombras onde iguales |
|
A incerteza do certo das crenças e fés. |
Da infinidade o seio quanto mais propales, |
Pôr-me o infindo à mão mais te destina o que és. |
|
|
1297 - Trinado |
|
Não é só dela a beleza, |
Ela mora em toda a parte: |
No trinado da represa |
Que o tordo em redor reparte, |
|
Na poça de água com arte |
Que um colar de ervagem preza, |
No palmar fundo que acarte |
Diáfana a luz a que reza, |
Na tarde que doce cai, |
Dourada e silenciosa… |
- Mas dar-se conta não vai |
|
A donzela de tal coisa, |
Não fora ao luzir da estrela |
O amor lhe abrir a janela. |
|
|
1298 - Lausperene |
|
O drama das terras tristes |
Onde é uma coisa solene |
Para a cama, em lausperene, |
Ir lento, por entre chistes, |
|
Ao cabo de cada dia |
Sem obras tão desdobrado |
Que mais não conta, em porfia, |
De esperança descontado, |
|
Que um dia a menos de espera, |
De sonhar, um dia a menos… |
Mas murmuram, de era em era: |
“Amanhã é um outro dia!” |
|
- E este, como por magia, |
Promete novos acenos. |
|
|
1299 - Extremos |
|
O amor sem esperança quando inspira a vida |
E aqui põe o princípio de afectos extremos |
Enobrece atitudes quão mais as queremos |
No intuito de atingir a perfeição devida. |
|
Intérmino caminho que digno convida |
A se tronar quenquer de quenquer que amemos, |
Sacrifícios secretos mil que devotemos |
A adorá-lo de longe, a vista mal erguida, |
|
É tudo imolação do amor-próprio, em eco, |
Nem cólera ou orgulho no terreno peco |
Germinarão jamais contra o amor amado. |
|
Dar-lhe quanto pedir, do próprio em detrimento, |
Ter o rosto virado dele ao firmamento, |
- A um tal amor quem tudo não terá perdoado? |
|
|
1300 - Velada |
|
Como é possível alguém |
Com tanta esperança diante |
Aborrecer-se também? |
|
- Quando crê-la não garante |
Ou quando lhe não convém, |
De velada o desencante. |
|
A esperança desvelada |
Tem de ser, dia após dia, |
Apontando o fim da estrada. |
|
E mais mesmo importaria: |
Mostrar em cada pegada |
Como o fim já principia. |
|
Doutro modo, na jornada, |
Qualquer descoroçoaria. |
|
|
1301 - Humana |
|
Vida humana é ritual, |
são práticas animais, |
É razão fundamental |
Mais ritos subliminais. |
|
Dum lado, conhecimento, |
Dum outro, religião, |
É de prosa, num momento, |
A poesia do chão. |
|
Feita de factos e sonho, |
De arte e de matéria-prima, |
Homem sou se me disponho |
|
Do animal a pôr-me em cima. |
Mas a meus pés não me oponho, |
Trepo com eles acima. |
|
|
1302 - Humanos |
|
Quer nós queiramos, quer não, |
Os humanos, nós, |
Jamais vivemos sós |
Deste mundo na prisão. |
|
Andamos ligados, mão na mão, |
Desde os pais até os avós |
E os nós |
Atam-nos da espécie a cada irmão. |
As pegadas do carreiro |
Levam-nos às plantas e animais |
Do mundo inteiro. |
|
As vidas não são vidas separadas: |
Ou não são vidas jamais |
Ou serão interligadas. |
|
|
1303 - Passo |
|
Depois de milhões de anos preso à terra |
Dei um passo |
No espaço |
E doravante já nenhum dragão me aterra. |
|
O fogo do dragão |
Sou eu |
Que o espalho no céu: |
- Tenho-o à mão. |
|
Perdi o medo: |
Matei o credo |
No inefável segredo. |
|
A questão é: |
- Não serei doravante, de mim ao pé, |
Um risco maior de que nem dou fé? |
|
|
1304 - Dilemas |
|
Cada geração |
Dela acredita que os problemas |
Únicos e fatais dilemas |
Serão. |
|
Todavia, a lição |
Dos teoremas |
É que cada uma, fintando os temas, |
Sobreviveu sempre às que a antecederão. |
|
A galinha que a cabeça arrima |
Contra o céu, |
Com medo de que lhe caia em cima, |
|
Não será disto por virtude |
Que continua, em pleno escarcéu, |
Viva e de boa saúde! |
|
|
1305 - Truque |
|
O truque é escolher |
As ansiedades correctas. |
As metas |
Que houver |
|
São, algures entre os não-te-rales |
E os alarmistas, |
As conquistas |
Com que as dúvidas regales. |
|
As fronteiras |
Não são leiras |
A seguir. |
|
Entre os extremos |
É que lemos |
O porvir. |
|
|
1306 - Nunca |
|
Tudo aquilo com que me preocupei |
Nunca me ocorreu. |
Todo o mal que me feriu |
Veio-me donde nem sei! |
|
Com a prevenção |
Como sei que não me iludo, |
Contudo, |
Senão |
|
Porque as coisas são o que são |
E nunca tal seriam, |
Não fora prevenir-me enquanto agiam? |
|
O senão |
É que há-de haver sempre um além |
Que jamais é como convém. |
|
|
1307 - Tribo |
|
A tribo dos cientistas |
Nem pensou nas consequências |
De longo prazo às conquistas |
Dadas dela às evidências. |
|
Poderes devastadores |
Nas mãos de quem lhes dá mais, |
Dos países aos senhores, |
Sejam lá quem for os tais. |
|
É frequente em demasia |
A irresponsabilidade |
Desta sábia minoria. |
|
Do que operam não é o mal: |
Não lhes falta integridade, |
Falta a bússola moral. |
|
|
1308 - Abuso |
|
Quando há um abuso dum lado |
Logo o outro retalia, |
Ambos de orgulho lesado, |
Só rectidão anuncia |
|
Cada qual de seu traslado: |
Noutrem vê perversão fria, |
De si nunca vê o pecado |
Nem a dor que causaria. |
|
Dum lado e doutro os honestos, |
Vendo eminente o perigo, |
Querem tal rectificar. |
|
Os duros, porém, cabrestos |
Lhes atam: ter inimigo |
Entroniza-os num altar! |
|
|
1309 - Pérolas |
|
Pobres em bens e não em pensamentos, |
Com pérolas há vidas aos milhares: |
Um e mais outro, são lindos momentos |
Reunidos num fio singulares. |
|
Fio subtil e forte, quer vagares |
De quem aos grãos de areia varrimentos |
Para os lados fará: são tais colares |
De vivências catadas enfiamentos. |
|
Alguns não vêem pérolas na areia, |
Dos dias só terão força bastante |
Para limpar dos grãos uma mancheia |
|
Que um colar duma volta mal garante. |
Quem o colar quiser, mas bem comprido, |
Nas pérolas da vida põe sentido. |
|
|
1310 - Paixões |
|
Nada mais estranhável que as paixões humanas |
E tanto as dos adultos quanto as das crianças. |
Quem dança um musical acaso entende as danças? |
E quem o não dançar apercebe-lhe as ganas? |
|
Há quem arrisque a vida dos bosques nas franças, |
Quem arruine um amor dos foguetes às canas, |
Quem dê termo à saúde nas mesas mais lhanas |
Ou afogue nos copos as tristezas mansas… |
|
Ninguém nem eles próprios logram explicar |
Porquê tanto correr, tanto se emaranhar, |
|
Porque se convenceram de que são felizes |
Se num lugar diverso enterraram raízes. |
|
Mas, sejam o que forem os demais senões, |
Quantos os indivíduos, tantas as paixões. |
|
|
1311 - Repete-se |
|
Quem conhece tudo |
Não lhe importa nada, |
Repete-se, mudo, |
A cada jornada. |
|
Tudo é vago de sentido, |
Dia, noite, Primavera, |
No ponto donde há partido |
Tudo torna ao nada que era. |
|
Tudo quanto nasceu tem de morrer, |
Tudo se anula, o bem tal como o mal, |
Tolo e sábio, bonito e feio, quer |
|
O queiramos ou não, ao fim tudo é vazio, |
Nada, em última instância, por fim é real… |
- E que importa? Afinal, é tudo o mesmo rio! |
|
|
1312 - Mentira |
|
Dá poder sobre os homens a mentira |
Porque os homens revivem as ideias |
E orientadas podem ser as teias |
Das trilhas onde o passo lhes delira. |
|
Este poder a tanto, tanto monta |
Que apenas ele, para muitos, conta. |
|
Somos o espezinhado formigueiro |
Disperso em loucos rumos, tudo à tonta, |
Que a pata da mentira e do dinheiro |
Só o desnorte dos sonhos nos aponta. |
|
Sou levado a comprar e não preciso, |
A odiar o que ignoro sem juízo… |
|
E acabo, dócil, sempre a duvidar |
Daquilo que, afinal, me irá salvar. |
|
|
1313 - Desejo |
|
Para descobrir caminhos, |
Só de desejo em desejo. |
Se os não atar de carinhos, |
Meus trilhos jamais os vejo. |
|
Não basta mesmo querer |
Simplesmente abandonar |
Um lugar |
Qualquer. |
|
Para outro querer ir |
É preciso |
A seguir. |
|
E seguir o guizo |
Do desejo onde ele bulir |
Que é a música de ganhar juízo. |
|
|
1314 - Desmembra |
|
Só podes ter desejos se te lembra |
Teu mundo, |
Não pode ser fecundo |
Quem se desmembra. |
|
Não queres ficar avelhentado, |
Crês lutar pelo seguro, |
Quem, porém, não tem passado, |
Também não tem futuro. |
|
Segura firme a trança |
Que perenemente entrança |
Cada tempo, cada lugar, |
|
Que a mudança |
apenas não alcança |
Quem de morto não pode mais mudar. |
|
|
1315 - Mentira |
|
Vivo aqui rodeado de mentira: |
“O seu cheque já foi para o correio”, |
“Sou membro do Governo, pois confira, |
Vim aqui ajudá-lo no seu meio.” |
|
“Só temos cá mais dois em armazém”, |
“É tão alto! Que importam mais três quilos?”, |
“Fizeste-o?! quem diria, quem? Ninguém!”, |
“Mais de quarenta?! Quero os teus sigilos!”, |
|
“Está delicioso, não se fira, |
Não consigo comer, não sobrevivo!” |
- Todos comemos como quem delira |
|
De engano a dose de que ao fim derivo. |
Vivo tão rodeado de mentira |
Que chega a ser mentira até que vivo. |
|
|
1316 - Bambu |
|
O bambu chinês é o milagre familiar: |
Plantada a semente emocional, |
Brotam rebentos novos em todo o lugar, |
Cada vez mais, até à altura ideal. |
|
O crescimento mais incrível, porém, |
Ocorre debaixo do solo, |
Onde uma estrutura de raízes devém |
O suporte que a Humanidade toma ao colo. |
|
Então, um mero bambu |
Quarenta metros pode vir a atingir: |
Poderei ser eu, poderás ser tu. |
|
No imediato a sementeira traz rebentos. |
A prazo, a seguir, |
É a surpresa de todos os inventos. |
|
|
1317 - Esteios |
|
Técnicos da perfeição |
Sentem-se mal nos recreios, |
A disciplina e o refrão |
Seus únicos são esteios. |
|
Na desorientação, |
A técnica da alegria |
É o que não aprenderão: |
Nunca a regra a mediria. |
|
E uma civilização, |
Estre ambas espartilhada |
Tem de dizer sim e não |
Aos rumos de cada estrada. |
|
No termo, o nosso destino |
Pende de como os combino. |
|
|
1318 - Nobre |
|
Que é que a uma senhora nobre |
Fará que é sempre senhora |
Nem que deviera pobre |
A imprevista qualquer hora? |
|
Que é que a uma senhora pobre |
Fará que é jamais senhora |
Nem que um esplendor de nobre |
A revista a toda a hora? |
|
Que é que faz tão diferente |
Quem apenas sempre e só |
Um rebolão é de pó |
|
Por acaso feito gente? |
Por que diverge o que é igual |
Se de tal nem há sinal? |
|
|
1319 - Brilhantismo |
|
Nem sempre o valor moral |
Acompanha o brilhantismo |
Mundano, intelectual. |
E onde maior é o abismo |
|
É onde nem há sinal |
De moral mas onde há um sismo |
De brilhos, a ofuscar mal |
Do mais o extremo nudismo. |
|
São estes os pressurosos |
Em torno de reis e chafes, |
Auréola dos poderosos |
|
Que os merecidos tabefes |
Não lhes dando. correctores, |
Os tornam nossos senhores. |
|
|
1320 - Propaganda |
|
A propaganda sempre andou orientada |
Visando dois estratos que ela estreita abraça: |
O povo que o valor tem do número - a massa; |
A intelectualidade que se arvora, grada, |
|
Da massa em dirigente e a qualidade traça. |
Sôfregos de lisonja, acorrem à chamada |
Os intelectuais de destaques à caça, |
Maiormente os semi que buscam nomeada. |
|
Estes serão cuja migalha de talento, |
Numa desenfreada procura de aumento, |
Inferiores os torna a quem não tem nenhum. |
|
Em nome do talento que ainda não têm |
Emprestam-se à manobra que ao longe convém |
E sempre aquém acabam sem mais ganho algum. |
|
|
1321 - Convenções |
|
Firme a comunidade sobre convenções, |
Firmada a vida inteira em relacionamentos |
Talhados de miragens como de ilusões, |
Entronizado o mundo em mil e um fingimentos, |
|
No altar da imprescindível, sagrada mentira, |
Se alguém for o que for sem mais qualquer disfarce, |
O nu traje menor, por belo que se aufira, |
Não será sempre um sonho que afinal se esgarce? |
|
Não será, bem no fundo, mais que perturbante |
O estendal da verdade sempre perigoso, |
Da desordem mentor quase anarquizante? |
|
Quanto nele for ético e for positivo |
Se perde nas angústias de ser temeroso |
Quanto das mais desordens devém destrutivo. |
|
|
1322 - Caviloso |
|
Um homem esclarecido, |
Sapiente, escrupuloso, |
Não encontras, caviloso, |
De senso destituído |
|
Acerca do desdenhoso |
Saber comum garantido |
Ao mais néscio, denegrido, |
Dos homens ao mais faltoso? |
|
E quem é que nunca viu |
Cega aos defeitos dum filho |
A mulher mais penetrante |
|
No mais que a vida lhe deu? |
- Tanto nos ata o cadilho |
Ao que em nós for importante |
|
|
1323 - Avesso |
|
Que beleza encontramos completa, perfeita? |
Nem sempre nossos olhos vislumbram o avesso |
Terrível, empoeirado, que por trás, espesso, |
Da superfície bela permanente espreita. |
|
Assim, o nosso amor é uma ilusão atreita |
A trair: tanto mais amo quão mais esqueço |
E mais cego andarei quanto a qualquer tropeço. |
Até que ao real um dia a vista colho afeita |
|
E nosso amor esfria quando mais preciso |
Fora arder e queimar para nos redimir. |
Incapaz se revela em ver outra beleza |
|
Além da que primeiro ali vira impreciso, |
Como da imperfeição que veio a descobrir: |
- Que visão nos faltou que salve o que em nós reza? |
|
|
1324 - Vantagens |
|
Não, na perfeição não creio, |
Pelo menos entre nós, animais humanos. |
E receio |
Que certas imperfeições e desenganos |
|
Quanto maiores, maiores vantagens. |
O amor duma mulher, |
Por quantas paisagens |
De compaixão e consolo contiver, |
|
Pode preferir o defeituoso |
Se ele a souber |
Interessar e comover. |
|
E este amor chega a ser tão fabuloso |
Que redimir logra um dia |
O homem que se perdia. |
|
|
1325 - Representáramos |
|
Porque uma das razões maiores de vivermos |
Tal se representáramos aqui comédias, |
Cada vez mais em estreitezas indo médias |
Que ao invés bem podíamos repor em termos, |
|
De nossa dignidade cada vez mais ermos, |
Mais e mais enredados nestas teias nédia |
De exterioridades, mentiras, tragédias, |
Mais e mais presumidos sem jamais nos vermos, |
|
- É que ninguém acata ouvir as tais verdades |
Que interesses lhe ferem tal como as vaidades, |
Nem sequer dele a parte nos erros de todos. |
|
Ninguém principiar quer nele mesmo o esforço |
De buscar melhoria, da humildade o escorço |
Que dos demais exige por todos os modos! |
|
|
1326 - Percursos |
|
O mundo está cheio |
De falas, discursos |
Que as covas e os veios |
Tapam dos percursos, |
|
Escondem abismos. |
E onde estão as obras, |
Os corações, diz-mos, |
Em que te recobras? |
|
Quem é tão sincero, |
Quem é tão ardente |
Que nele inicia |
|
O que dele espero? |
Quem é tão decente |
Que se torne a via? |
|
|
1327 - Futura |
|
Chama a ciência loucura |
Ao que ignora ou não entende. |
Quando o conhece, futura |
que é natural o que aprende. |
|
Volta costas ao mistério. |
as mais das vezes, então, |
Embora um serviço sério, |
A ciência que faz, senão |
|
Escamotear o real |
À custa das aparências? |
É que sempre o principal |
Mora atrás das evidências. |
|
Presta-nos muitos serviços |
- Mas embruxa-nos de enguiços! |
|
|
1328 - Trezentas |
|
As trezentas mulheres que em vão procurei, |
Todas tão incapazes da felicidade |
Seriam de me dar com toda a qualidade |
Que ali busquei um dia, que nunca encontrei? |
|
Não! Não, coitadas delas, eu é que incapaz |
Sempre fui de a sentir inteira e nobremente. |
É que o namorador cuja mão inclemente |
A virgindade cresta, desfolha e desfaz |
|
É sempre, afinal, quem não ama e nunca amou. |
Como um vendaval corre num campo de lírios, |
Não de voluptuoso em libertino voo, |
|
Antes o amor-perfeito buscando fatal, |
Assim o andei buscando perdido em delírios, |
- E afinal escondido mora em cada qual. |
|
|
1329 - Enigma |
|
Eis este mundo enorme que existe de mim |
Independente, humano ser que sou, que fica |
Perante nós enigma eterno a que se aplica, |
Em minúscula parte, uma inspecção sem fim, |
|
Já que acessível ei-lo a nosso pensamento. |
Deste mundo igualmente uma contemplação |
Acena-nos, discreta, igual libertação. |
Para tal paraíso a via a mais contento |
|
Menor é que a que enfia ao trilho religioso, |
Mas digna de confiança a ciência se mostrou: |
Não se arrepende alguém, se dela entregue ao gozo. |
|
Se em meu imo reparo, outrem - vejo - não sou, |
Nem seu imo em mim vivo nem nele me entroso: |
Como então viveria o do Cosmo em que vou? |
|
|
1330 - Construtiva |
|
Na ciência mais é construtiva |
A crítica vigorosa |
Do que ousa |
Noutra empresa humana, por mais viva. |
|
A ciência tem padrões |
Em que acordam praticantes |
Em todo o mundo: antes |
A prova que os sermões. |
|
Visa a crítica encorajar, |
Ao invés de suprimir, |
Novas ideias. |
|
Quem sobrevive a um mar |
De dúvidas tem porvir, |
Há-de estar certo, nem que seja a meias. |
|
|
1331 - Raridade |
|
Se a vida inteligente é raridade, |
Se ausente for doutros locais do espaço, |
Se após a busca que extensiva faço |
Com todos os recursos, for verdade |
|
Que únicos somos nesta soledade, |
O mais provável para tal regaço |
Vazio deste Cosmo sem abraço |
É que se auto-destrói a sociedade, |
|
Por norma, antes de ter evoluído |
O bastante a implantar qualquer sistema |
Que um mundo irmão houvera conhecido. |
|
- Qual deve ser então o nosso lema: |
Coesos construtores de sentido, |
Ou da morte global a ponta extrema? |
|
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1332 - Clâmide |
|
Ao poder mais alto, |
Cume da pirâmide, |
Revisto-o da clâmide |
Do Deus que me falto. |
|
Podia ter dado |
Outro qualquer nome: |
Mistério que some, |
O Abismo do fado, |
|
Luz, Escuridão, |
A Matéria, o Ser, |
Silêncio, Palavra… |
|
- A Esperança não |
Descobre sequer |
Que trilha ao fim lavra. |
|
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1333 - Anuncia |
|
Quando uma religião |
Anuncia o fim do mundo |
E à não-verificação |
Faz o juízo profundo: |
|
“Ele acabou. Vós, porém, |
Se não reparais em tal, |
Vosso é o problema e contém |
Dos ímpios claro o sinal!”, |
|
Se os crentes lá continuam |
Ante a desonestidade |
Com que tais seitas actuam, |
|
Ou doidos são de verdade |
Ou o vazio que acuam |
Deles é a profundidade. |
|
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1334 - Sozinho |
|
Sozinho, ninguém |
Nada fará bem. |
|
Importa-lhe ouvir, |
Saber dialogar |
Para, após, medir |
O acerto a operar. |
|
Parece ir sozinho, |
Mas dentro da pele |
Caminha um caminho |
Que não é só dele. |
|
Não é quem já vi, |
Ele hoje é demais: |
Por dentro de si |
Vão todos os mais. |
|
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1335 - Incentiva |
|
Quando estamos com problemas, |
Desiste o amigo dos planos, |
Das conquistas de meus lemas |
Se alegra e jamais dos danos. |
|
Um amigo me incentiva |
A realizar meus sonhos, |
Dá conselhos, não se esquiva |
Se meus nãos forem medonhos. |
|
Continua a respeitar-nos |
E sempre a gostar de nós. |
É quem permite apanhar-nos |
Das estilhas já sem voz |
|
A que os encontrões da vida |
Nos reduzem de seguida. |
|
|
1336 - Abençoa |
|
Com um amigo podemos |
Ser nós próprios e tais quais. |
A maravilha que lemos |
Na amizade, além do mais, |
|
É que ela nos abençoa |
Pelo facto de nós sermos |
Quem somos, assim à toa, |
Sem mais condições nem termos. |
|
Aquele que tem amigos |
É mais feliz e saudável, |
Escapa breve aos perigos, |
Viver mais lhe é mais provável. |
|
Ainda por cima é barato: |
Custa o gozo dum bom trato! |
|
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1337 - Atafulho |
|
Na luta pela existência |
Quero ter algo que dure: |
Atafulho a inteligência |
De quanto saber apure |
|
Naquela tola esperança |
De conservar o lugar. |
Mal um ideal me alcança |
Corro logo a me informar. |
|
Ora, a mente do informado |
É uma alfurja do medonho, |
Loja de quinquilharia |
De monstros cheia e pecado. |
E o preço que a cada aponho |
Jamais compra a luz do dia. |
|
|
1338 - Mutilados |
|
De nós os mais corajosos |
Deles próprios têm medo. |
Mutilados, andrajosos, |
Somos punidos bem cedo |
Das recusas mais precoces. |
Cada impulso estrangulado |
Envenena-nos as posses |
Com pensamento enviesado, |
Onde teima em germinar |
Todo o sonho que morreu |
Porque não teve lugar |
E ei-lo negro como breu. |
Cara fica a amputação: |
- Sou por dentro um aleijão. |
|
|
1339 - Palavra |
|
A música emociona, até perturba. |
Todavia, não sendo articulada, |
Não é do novo mundo uma largada, |
Antes um novo caos para a turba. |
|
A palavra terrível que conturba, |
Clara, cruel e nítida morada, |
Ninguém fugir-lhe pode a uma chamada, |
Tal a magia com que atroz nos turba. |
|
Capaz parece de dar forma às coisas, |
Terá música própria para o informe, |
Alaúde vibrante em que o repoisas. |
|
Simples palavras e que força enorme! |
Mero sopro de sons correndo as lavras, |
Que real existe mais do que as palavras? |
|
|
1340 - Frescura |
|
Uma nova expressão de arte, |
Frescura de olhar a vida, |
Como acaso sugerida |
Por quem sempre esteve aparte, |
|
Penumbra da selva ignota, |
Sopro invisível nos prados, |
De repente com traslados |
Numa paleta que anota, |
|
- Revelam a maravilha |
A quem a busca encantado. |
Formas simples e modelos |
|
A que o requinte perfilha |
Dalém vislumbram o lado: |
- E Além ato os tornozelos! |
|
|
1341 - Esquisita |
|
A mulher da moda |
Nunca nos excita, |
Por mais esquisita |
ue aconteça toda. |
|
Está confinada |
A certo contexto, |
Não desperta o sexto |
Sentido de nada. |
|
Onde mora o encanto |
Que ma transfigura? |
Prevejo-lhe o pranto, |
O chapéu que augure… |
|
- Leva tudo a sério |
Menos o mistério. |
|
|
1342 - Cavaqueiam |
|
De manhã passeiam |
Sorrisos conformes, |
Depois cavaqueiam |
Temas com que dormes: |
|
- Óbvias, é evidente. |
Uma actriz, porém, |
Sempre é diferente |
E tal nos convém. |
|
É da diferença |
Que vem a surpresa |
Que nos desafia. |
|
- Por que é que
a sentença |
Que a vida mais
preza |
Falha dia a dia? |
|
|
1343 - Poupado |
|
A razão porque gostamos |
Dos outros
pensar tão bem |
É do medo que
sintamos |
De nós, acaso, também. |
|
Tenho-me por generoso |
Por creditar no vizinho |
As virtudes que
dão gozo, |
No fim, dentro
de meu ninho. |
|
O elogio do banqueiro |
Não é só por
mor da conta, |
Digo bem do bandoleiro |
A ver se a mim
não me aponta… |
|
- Se espero ao
fim ser poupado, |
Digo bem por
todo o lado. |
|
|
1344 - Confissão |
|
Quando me censuro |
Então mais ninguém |
O direito tem |
De o tentar
mais puro. |
|
É uma confissão |
E um padre jamais |
Me absolverá mais |
Num qualquer perdão. |
|
Descarrego a carga |
Que há na consciência |
E a palavra amarga, |
|
Sofrida a veemência, |
Deixa-me leveiro |
No dia primeiro. |
|
|
1345 - Privilégio |
|
Quem ficar enamorado |
Começa por se enganar |
A si mas, por outro
lado, |
Nos outros vai acabar. |
|
Chama-lhe o
mundo romance. |
Porém, a grande paixão |
Raro tem algum alcance |
No mundo que
houver à mão. |
|
Quando muito, é privilégio |
De quem o
prémio tem régio |
De viver de ociosidade |
|
E comete o sacrilégio |
De nem ver o
povo egrégio |
Que é quem ama
de verdade. |
|
|
1346 - Pedido |
|
Noutro tempo as ensinaram |
A não compreender nada. |
Do velho
sistema a entrada |
É das coisas
que goraram |
|
Na mulher sempre enganada. |
Quantas vias
que a ajudaram |
A não perceber!
Que erraram |
Vemos hoje na letrada. |
|
Hoje compreendem tudo, |
Marca de modernidade: |
A mulher tem conteúdo. |
|
Resta um último pedido: |
Quando é que
ela, de verdade, |
Compreenderá o marido? |
|
|
1347 - Fraqueza |
|
Ama um homem a
mulher |
Conhecendo-lhe a fraqueza, |
O desvario que
a lesa, |
A imperfeição que tiver. |
|
Ama-a mais do
que a quenquer, |
Não porque o
mal nela preza, |
Não porque ama o
que despreza, |
Nem porque o
perfeito quer, |
|
Mas porque é
sempre o imperfeito |
Que mais nos
requer amor. |
É quando ferido
o peito |
|
Pela própria ou
doutrem mão |
Que o preito
presta o fervor |
De vir curar a
lesão. |
|
|
1348 - Pélago |
|
Um homem, ao
nascer, tomba às cegas num sonho |
Como se caíra
ao mar. |
Se então se
debater, inexperto, ao calhar, |
Afogar-se irá, medonho. |
|
O que importa,
inadiável, é se abandonar |
Ao pélago a que
me oponho, |
Ao destrutivo evento
que jamais suponho |
Me pudera sustentar. |
|
Arranjo que o
mar profundo |
Ternurento me sustenha, |
Incrível a
flutuar entre as ondas, jucundo. |
|
- Eis como pode quenquer, |
Antes que a
morte lhe advenha, |
Como pode chega
um dia a vir a ser. |
|
|
1349 - Plaino |
|
O grande plaino
onde erram os homens por entre |
Os túmulos e os
barrancos |
Desolado
mantém-se com os versos mancos |
Da poesia que
ali entre. |
|
E a luz
crepuscular que impalpável os bancos |
Em nossa fadiga adentre |
Jamais em nós
logrou que o fulgor se concentre, |
Sempre à sombra
mantidos dos ais nos arrancos. |
|
Sempre com o
centro à sombra, |
Nas orlas a claridade, |
Onde me
repousar não vou ter uma alfombra. |
|
Enrodilhado em tais tramas, |
Quer ou não
isto me agrade, |
Serei sempre
uma ausência de abismos em chamas. |
|
|
1350 - Ocasiões |
|
Quantas
ocasiões, triste, deixei passar? |
Quantos sonhos perdi! |
E como alguns tão
belos se antolham em si, |
Se houveram tido lugar! |
|
Sabe quantos
alguém, quantos em mim, em ti? |
Nem eu logro adivinhar |
Talvez os
miradoiros donde ver o mar |
Ao lado do que
vivi. |
|
Todos temos um
ou dois |
Destes sonhos que depois |
Não vimos,
distraídos, como efectivar. |
|
Eis, pois, a
grande desgraça |
Que nos perene ultrapassa |
Por jamais nos
lograrmos nós ultrapassar. |
|
|
1351 - Vagabundeamos |
|
Sobre a face da
Terra vagabundeamos |
Aos milhares e milhares, |
De nomes
ilustres ou de obscuros ares, |
As glórias que respeitamos |
|
A ganhar
algures: o dinheiro dos mares, |
A côdea que nós
comamos, |
O pedestal de
barro que ludibriamos… |
Depois, o
retorno aos lares |
|
É para apresentar contas: |
Voltamos para enfrentar |
O louvor dos
parentes, acaso as afrontas… |
|
E para gozar a
alegria, |
Paz enfim respirar, |
A consciência
limpa como o dia. |
|
|
1352 - Pequenina |
|
A planta mais pequenina |
Tira a força e
a vida |
Dum cantinho
que a convida |
E a que ela se
inclina. |
|
A terra assim
nos destina, |
Plantas que decida |
Aptas manter
para a lida, |
Apesar de, fina, |
|
Qualquer haste se quebrar. |
Aqui me enraízo, |
Homem que na terra |
|
A fé vai,
crente, buscar: |
No fundo, o juízo |
Vem donde se enterra. |
|
|
1353 - Última |
|
A última
palavra não foi dita, |
Provavelmente nunca mais será, |
Que ultimar não
pertence a quanto cá |
A dita nos promete
na desdita. |
|
Não é verdade
que o que a vida dá, |
Demasiado curta
em sua fita, |
O tempo não
empresta que medita |
A frase
inacabada que não há? |
|
Bem queríamos
nós findar a frase! |
Porém, o nosso
intuito permanente |
Choca eterno no
termo que se atrase. |
|
Se a derradeira
letra um dia apraze, |
Abalarei, ao
meditá-la, quente, |
Os Céus, a
ponto que os de Terra abrase. |
|
|
1354 - Estúpido |
|
Mais proveitoso e seguro |
Será não ter ilusões |
E respeitável, auguro, |
Mas estúpido em senões. |
|
No nosso tempo
mais puro |
Sentimos os abanões |
Da vida intensa
que apuro |
Na luz que
explode em vulcões |
|
Por vezes dum
mero choque |
De vagas futilidades, |
Tão surpreendente ao toque |
|
Como a faísca
que a pedra |
Fria acende nas vaidades |
Do que efémero
em mim medra. |
|
|
1355 - Impulso |
|
Era para obedecer |
A uma voz interior, |
A um vago
impulso do ser, |
A um porvir a
se propor, |
|
Que aqui vemos
no escaler |
A perseguir o
sol-pôr, |
Para além do
que qualquer |
Pudera, ao partir, supor. |
|
Toda a aventura começa |
Muito antes dum atrevido |
Gesto ignoto
que a atravessa. |
|
E o roteiro perseguido |
Rasga a pegada travessa |
Além no desconhecido. |
|
|
1356 - Mirífica |
|
Era uma oportunidade |
E porventura magnífica, |
Que qualquer
uma é mirífica |
Quando fora de verdade, |
|
De verdade científica. |
Porém, o que persuade, |
No-la torna tão
terrífica, |
É que o que
dela nos há-de |
|
Vir a beneficiar, |
Do que os
homens fazem pende. |
As ocasiões mais belas, |
|
Muito mais do
que ao azar, |
São, no que
delas se entende, |
O que um homem
fizer delas. |
|
|
1357 - Resto |
|
No resto do mundo |
Ninguém haveria |
Que requeira um dia |
O coração fundo, |
|
Nem de alma a
magia, |
O pulso fecundo, |
A mão de que
inundo |
qualquer fantasia. |
|
Destino comum, |
Contudo terrível |
Para qualquer um. |
|
Dizê-lo, que horror |
De fado temível, |
Seja de quem for! |
|
|
1358 - Corrida |
|
Não é a própria
humanidade, |
Dela na cega corrida, |
Por um sonho perseguida |
de grandeza e potestade? |
|
E não é por
toda a vida, |
Em plena voracidade, |
Arrastada à crueldade |
De que se quer
redimida? |
|
É uma devoção demais, |
é da verdade a
procura |
Dogmática dos sinais |
|
Que no fim nos
inaugura, |
Não uma pegada
a mais, |
Mas a geral sepultura. |
|
|
1359 - Asas |
|
Eu tenho vivido, tenho, |
E também você, também, |
Fale embora tal
se nem |
De gente
houvera o tamanho. |
|
Tal se fora
mesmo alguém |
Que de asas
teria o ganho |
Para gerir seu amanho |
Da lama sem ver
vintém. |
|
A lama existe, porém, |
E as asas não
tenho, não, |
E nem tu nem
ninguém tem. |
|
Como viver sem
no chão |
Me enterrar inteiro além, |
Semear-me em
meu torrão? |
|
|
1360 - Sinistra |
|
A vaidade prega |
À nossa memória |
A sinistra e cega |
Partida da glória. |
|
Quando ela me entrega |
Louros de vitória, |
Mais deveras chega |
Oca de vanglória. |
|
A paixão sincera, |
Por mais folhas
de hera |
Que redija em textos, |
|
Meros são pretextos: |
Ela apenas preza |
Continuar acesa. |
|
|
1361 - Equilíbrio |
|
A melhor coisa
da vida |
Não é coisa,
não senhor: |
Falo de saúde, amor, |
Amizade, um lar
em lida. |
|
E, se família e
carreira |
Não equilibro, cuidoso, |
Vai o peso, pesaroso, |
Pesar mais para
a canseira. |
|
No curto prazo,
vai bem, |
No longo,
porém, não vai: |
Sempre um novo
emprego vem, |
|
Mas refazer novo pai, |
Novos filhos, nova mãe…? |
- Mais vida, à
rifa, não sai! |
|
|
1362 - Cemitério |
|
Respeito votado ao morto |
Não é de ir ao
cemitério. |
É cuidar neste mistério |
Dum amor que
perde o porto |
|
E que magoa,
dói, pensa, |
Com reverência e orgulho, |
De alguém sofre
falta imensa |
Do vazio no mergulho. |
|
Significa isto respeito: |
Um coração magoado |
A doer fundo no
peito |
Como uma chaga
do lado. |
|
Tudo o mais é
fantasia |
Que o público ludibria. |
|
|
1363 - Rebentos |
|
Para meu pai
era bom |
E já me não
basta a mim. |
E, se em mim perde
o condão, |
Já te nem
serve, por fim. |
|
A meta que for
a tua, |
Para teu filho
não chega |
E em teu neto
nem actua, |
Depois já
ninguém lhe pega. |
|
Catapulta teus rebentos |
Acima da linha
de água, |
Instrui-os,
visa os intentos |
Que além vão de
tua frágua. |
|
Um dia agradecerão |
A largada do balão. |
|
|
1364 - Pulhítico |
|
O pulhítico usa
o povo |
Como cavalo de arena, |
Monta-o em cada
corcovo, |
Para as multidões acena… |
|
E a máquina partidária |
Lubrifica em sujeição: |
O de baixo
é-lhe a primária |
Escadaria do chão. |
|
Mas na voz é um
democrata |
Sempre ao
serviço dos mais |
Que em sacrifícios desata |
As velas aos vendavais. |
|
- E ai de quem
se não precata |
Em ler por trás
dos sinais! |
|
|
1365 - Estupenda |
|
Não faz nenhum
bem pensar |
Que qualquer
coisa é estupenda |
Para depois se chegar |
Da desilusão à emenda. |
|
Ninguém para a
frente andar |
Pode se não encarar |
Os factos. |
|
Onde é que
chegar se espera |
Se apenas com a
quimera |
Há pactos? |
|
A queda do sonho |
É desmedida: |
Em medonho |
Pesadelo torna a vida. |
|
|
1366 - Singelo |
|
Há os que têm
que dizer, |
Não sabem como
fazê-lo. |
Há os que o bem
sabem fazer |
E nem um pensar
singelo! |
|
Quando um homem
é fluente |
É que o mesmo
terá dito |
Tanta vez a
tanta gente |
Que já lhe há
perdido o fito. |
|
Falar significativo |
É o que tem de
elaborar-se |
A partir de algo
que é vivo, |
A ler por trás
do disfarce, |
|
Sem nunca ver claramente |
Que contornos
tem em frente. |
|
|
1367 - Despedida |
|
Quando o bom é
castigado |
E o malvado
fica impune, |
Virtude é posta
de lado |
E a honestidade desune, |
|
Escarninha, com desprezo, |
Se a beleza é
conspurcada |
- A vida que
tanto prezo |
Que de vez vá
desterrada! |
|
Como aceitar esta vida |
Tão podre como
aquilo é? |
Como não, se,
de seguida, |
Me quero manter
de pé? |
|
- Ou então é a
despedida |
De tudo o que é
minha lida. |
|
|
1368 - Inquietação |
|
Um homem tem e
sempre mais terá |
A inquietação
das rotas a correr |
Quão mais
cultura e afinamento houver, |
Compreensão da
lei dalém do que há. |
|
Pela maior e
mais complexa já |
Força interior
que lhe permite ver |
Dele os
caminhos que devera ter, |
Surpreende os
muros que lhe ergueram cá. |
|
Para quem sabe
qual é seu caminho |
De que lhe
serve por um outro ir, |
Se este não rompe
a raia que adivinho? |
|
Daqui o
estagnamento, esta apatia |
Da juventude
que, a aguardar porvir, |
Lonjuras de
ideais nervosa espia. |
|
|
1369 - Ignoto |
|
Não te direi o
meu nome: |
Mensagem que
vem do ignoto |
É aquela que tem
renome. |
Colho um termo
e logo anoto |
|
A boca donde
ele vem, |
Registo dela o limite: |
O termo fica refém |
Da matriz, sem
mais desquite. |
|
Se vem do desconhecido, |
O invisível é o
melhor |
Meio de lhe dar
sentido: |
|
Só a palavra
tem valor. |
Este alvo então
quando olhar |
Tudo lhe dou
que é de dar. |
|
|
1370 - Trilam |
|
Trilam os
pardais ao sol |
A explicar a alegria, |
A mais simples
que há no rol: |
Do ser saltar a
fasquia. |
|
Meu Deus, como
a vida é bela, |
Como a terra
vibra alegre! |
Quem entende esta sequela |
Donde vem, que
força a regre? |
|
Quem o misterioso indício |
Me revela? |
Quem do escuro precipício |
Me atropela? |
Quem acende no resquício |
Minha estrela? |
|
|
1371 - Teia |
|
Um nome, teia invisível, |
Irreal prisão de sons, |
O incrível torna credível, |
Dá ser ao que o
nunca tem, |
No lusco-fusco
dos tons |
Cria até o que
jamais vem. |
|
Absurda invenção do homem, |
Planto de nada
a palavra, |
Logo as sombras
se consomem, |
Brota um fumo
aqui, além, |
A chama do
incêndio lavra |
- Em breve o
real advém. |
|
A palavra é
como o amor: |
Tem um poder criador. |
|
|
1372 - Falésia |
|
Realizei meu projecto, |
Esgotei minha energia: |
Logo me
encontro sem tecto, |
Nu de qualquer fantasia. |
|
Irrompi de muito longe, |
Percorro todo o caminho: |
No cume agora
sou monge |
Definitivo e sozinho. |
|
Só que da
falésia ao alto, |
A infinitude do mar, |
Do espaço que
ainda falto |
Logo me vem visitar. |
|
Sei que será
sempre assim: |
Nunca mais haverá fim. |
|
|
1373 - Abarrotado |
|
Sozinho aqui estou, sozinho |
E abarrotado de mim. |
Valeu a pena o
caminho? |
Ver um Universo vim, |
|
Matei curiosidades, |
A vida, a
morte, que graça! |
Os astros, que enormidades! |
E o tempo que
nos enlaça… |
|
Vim saber como
isto era |
E meu corpo conheci, |
Alguém nele me metera |
E nunca mais o
despi, |
|
Como o pêlo dum
cão sou |
Com a cor com
que aqui vou. |
|
|
1374 - Vacila |
|
Vacila a humana razão |
Ante a
imensidão da força |
Que força à destruição, |
Preço a que a
razão hoje orça. |
|
Temos forças infernais |
Dentro em nós tão
mal contidas |
Que ameaçam como jamais |
O homem como as
demais vidas. |
|
Fogem de medo assustadas |
Artes e letras vazias, |
Minam-se esterilizadas |
Destras ideologias. |
|
É o mundo desintegrado |
- E eu sem ver
qual o bom lado! |
|
|
1375 - Vagabundos |
|
Verás os vagabundos caminheiros |
Num mundo
apenas farto de falência |
Que os
precipícios beira com dormências, |
Daqueles sem os
mais rumos inteiros. |
|
Eles encarnam o
melhor, parceiros |
De aspirações profundas, evidências |
Do que nos
homens de hoje são ausências |
De caminhos aos
cumes sobranceiros. |
|
Eles não
desertaram da natura, |
Humildes a
beleza lhe acolhendo, |
Rigores e
mercês que ela nos jura. |
|
Ébrios de espaço,
querem apertar |
A mão amiga
além do diferendo, |
Do longe hospitaleiro partilhar. |
|
|
1376 - Errante |
|
Homem por
excelência, bom e mau, |
O errante
vagabundo, fruste embora, |
Obscuro reconhece e revigora |
Mensagens do que,
enfim, é nosso tao: |
|
Um mundo em que
o trabalho já não fora |
Maldição constrangida a varapau, |
E o homem não
trocara, em nenhum grau, |
Liberdade em
conforto, por penhora. |
|
A aventura
reside na perene |
Duma fraternidade sã procura, |
Onde qualquer
roteiro fique indemne. |
|
Todas as vias
de enricar abertas, |
Espiritualmente então se apura |
O sonho de
partir às descobertas. |
|
|
1377 - Murmúrio |
|
És livre de arrastar
pelo mundo um coração |
Que para o
mundo não criei, |
És livre de
procurar na terra uma ração |
Que não te destinei, |
De querer matar
a fome |
Que nada poderá saciar: |
Todas as
criaturas, o Universo inteiro, nada a con-some… |
Atrás, porém,
duns e doutros correrás sem parar. |
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Saberia bem
fugir ao isolamento, |
De asas
inconscientes à solta… |
Não te iludas,
a todo o momento |
O criarei,
perene, à tua volta. |
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- Aí, no
murmúrio da solidão, |
É que te obrigarei
à criação. |
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1378 - Prospector |
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És mesmo o
prospector de oiro, |
Os montes
corres de mula, |
Ferramentas do tesoiro |
Tua mão nela acumula. |
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Se a mula
caminhar leve, |
Percorre vasta extensão, |
Vai talvez descobrir breve |
Para ti de oiro
um filão. |
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Se demais for carregada, |
Cansa-se,
põe-te em jejum, |
Não te irá
descobrir nada, |
Não chegam a
lado algum. |
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- É bom disto
te lembrares |
Sempre quando discursares. |
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1379 - Bizantino |
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Todo o amor é
bizantino, |
Com aromas orientais, |
Que no juízo
dos mais |
Mais não são
que desatino. |
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Não é coisa que
alguém veja, |
Anda no ar que
se respira |
E alucina a
quem delira |
Como droga sertaneja. |
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Quando um
perfume tew dou, |
Dou-te um sinal
do outro lado, |
Dou-te o
horizonte do voo |
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Pela ternura visado. |
Somos aqui de verdade, |
- Há um
cheirinho a eternidade! |