DÉCIMA TERCEIRA
REDONDILHA
A PALAVRA, A
IRONIZAR
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um número aleatório entre 1380 e 1511 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1380 - A palavra, a ironizar
A palavra, a ironizar
Dispara flechas certeiras,
A pretensão das asneiras
Repondo no seu lugar.
Com ironia ou sarcasmo
Varre cada verso o lixo
De toda a fruta com bicho
Que à vista nos tolhe o pasmo.
No terreno enviesado
Solto o gado
Bravio do verso indomável.
Talvez no prado
Que a vida houver arroteado
Do pasto germine algo de admirável.
1381 - Funcionário |
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Num país que é
já maduro |
Funcionário público é, |
No dicionário mais puro, |
Dono do público até! |
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1382 - Lavado |
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Se há sol e um dia lavado |
De chuvas após dois dias, |
Fim de semana há findado |
E em segunda-feira o lias. |
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1383 - Criança |
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Ser criança é uma conquista |
Que um adulto nunca alcança? |
- Na cadeira do dentista |
Quenquer volta a ser criança! |
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1384 - Culto |
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Ama seca é adolescente |
Que tem de fazer de adulto |
Para o adulto, impenitente, |
Do adolescente ir ao culto. |
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1385 - Fax |
Faz é aquele mecanismo |
Com que qualquer alimária |
Do trabalho cava o abismo |
Sobre s tua secretária. |
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1386 - Perfeccionista |
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Perfeccionista é quenquer |
Que a música só
aprecia |
De Tchaikovsky, se souber |
Como é que o
nome se lia. |
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1387 - Criança |
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A criança é uma
pessoa |
Que não quer um
guardanapo |
Para seu gelado
à toa |
Logo enfiar
para o papo. |
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1388 - Emagrecer |
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Emagrecer é viver, |
Após além ter gorduras, |
Viver como outro qualquer |
Mas para aquém
das costuras. |
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1389 - Economia |
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Economia é uma forma |
De gastar nosso dinheiro |
Sem nos
divertir, por norma, |
Nada com este roteiro. |
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1390 - Sótão |
|
O sótão será um
lugar |
Para lá guardar
o traste |
Até que fora o
deitar |
Fique decente que baste. |
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1391 - Minutos |
|
Quando um homem
diz: “querida, |
Já só faltam
dois minutos |
Para o futebol findar”, |
Usa de tempo a
medida |
Mesma que a
mulher que, argutos, |
Nos promete dois minutos |
Para logo se aprontar. |
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1392 - Ventas |
|
Desprezo dum homem pobre |
Às ventas bem atirado |
De quem no
dinheiro sobre |
- É milagre em
qualquer lado! |
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1393 - Juventude |
|
Será uma idade
de asneira, |
De atropelo e desalinho: |
Juventude é bebedeira, |
Mas bebedeira sem vinho. |
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1394 - Sílabas |
|
Ele arvora-se
de conde |
E ela tanto de
condessa |
Que as sílabas
batem onde |
Baterão com a cabeça: |
Prega, cada
qual mais lesta, |
Deles o nome na
testa. |
|
E o senhor
conde, afinal, |
Mas que cómico jogral! |
|
E a condessa,
por seu lado, |
Ai, Jesus, que
mau olhado! |
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1395 - Rato |
|
Rói-me o tempo,
beijo a beijo, |
Como um rato a
petiscar |
Roubado naco de queijo: |
Sou comido até findar. |
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1396 - Júri |
|
Um júri é uma
forma conhecida |
E a mais prestigiada |
De a injustiça cometida |
Ficar de vez lavada! |
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1397 - Casa |
|
Quando um homem casa, |
Toma o nome
dele a mulher, |
Quando o testamento apraza, |
Toma o nome
dela o que tiver. |
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1398 - Sarilho |
|
São precisas tantas malas, |
Tanto
porta-bagagem no tejadilho |
Quando pretendes que abalas |
De todo este sarilho! |
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1399 - Aldeia |
|
Sob árvores de Natal |
Cresce ao acaso
uma aldeia… |
“Falta à rua principal |
- Diz alguém - uma assembleia |
Que o caos
urbano, tal |
Como aqui à
volta o vês, |
Como aqui devém geral, |
Pela lei trave
de vez, |
De vez a ver se
o cerceia!” |
|
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1400 - Parceiro |
|
O Natal é uma
estação |
Em que acabam
sem dinheiro |
As pessoas para não |
Acabarem sem parceiro. |
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1401 - Contabilista |
|
“Meu contabilista vale |
Cada escudo que
me cobra |
Pelo tempo que
me poupa: |
Poupou-me já,
por sinal, |
Este ano que
agora dobra, |
Ter de
cadastrado a roupa |
Da prisão cinco
a dez anos |
Que arcariam meus enganos!” |
|
|
1402 - Milhão |
|
Se um milhão de
mãos houver |
A trabalhar para nós, |
A má coisa que
tiver |
A hipótese num milhão |
De vir a
ocorrer, após |
Ir-nos-á saltar
do chão |
Decerto mais
que uma vez: |
Uma por ano ou
por mês! |
|
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1403 - Violência |
|
Nem com
revoltas nem prantos |
Se nos troca
esta evidência: |
Têm um hábito
os santos |
- De morrer à violência! |
|
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1404 - Aberto |
|
Manter o espírito aberto |
Tem da virtude
o condão. |
- Não tão aberto, decerto, |
Que o cérebro
caia ao chão! |
|
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1405 - Nome |
|
A política consiste |
Em inventar novo nome |
Para a
instituição que viste |
Que um ódio
velho consome. |
1406 - Diabo |
|
Poderá sempre o diabo |
Ir citando as Escrituras |
Para a bem
levar a cabo |
As intenções mais perjuras. |
|
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1407 - Cativo |
|
No limite, sou cativo, |
Mesmo quando
mais me exorto: |
- Mais vale estúpido vivo |
Do que inteligente morto. |
|
|
1408 - Astrónoma |
|
- Quer ser
astrónoma a menina? |
Que pena! |
Não pode, é
dela a sina, |
Não tem
qualidades para a cena… |
|
- Como é que o
podemos saber? |
- Porque nunca
foi astrónoma qualquer mulher! |
|
|
1409 - Sela |
|
Com objectiva verdade, |
A ciência, nas apostas, |
Provou que esta Humanidade |
Não nasceu com
sela às costas. |
|
E mais, que uns
tantos punhados |
Que não trepam
sem escoras, |
Sendo privilegiados, |
Não nascem de
bota e esporas. |
|
|
1410 - Laranja |
|
“A laranja,
bola de oiro, |
Veste a laranjeira-fada…” |
- Vem do
mercador o agoiro |
E a lenda é
logo comprada. |
|
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1411 - Cavar |
|
Cavar é pior
que tudo: |
É o mesmo que
abrir a cova |
Para o homem abelhudo |
Morrer se tal
vida prova. |
1412 - Estreme |
|
Pensa um optimista estreme: |
Melhor mundo é
o desta idade. |
O que um
pessimista teme |
É que isto seja
verdade! |
|
|
1413 - Avalanche |
|
Por mais que
nos mais se enganche, |
Olhe onde pende
o seu dado: |
Cada floco da avalanche |
Se declara não culpado… |
|
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1414 - Charme |
|
Poderei safar-me |
Por quinze minutos |
Apenas com charme. |
É bom que após
me arme |
Com alguns produtos |
- Ou que coisa alguma |
Eu não saiba,
em suma! |
É que o ignorante |
Sempre vence, impante, |
O enorme fastio |
De quem for vazio. |
|
|
1415 - Convencidas |
|
Nas pessoas convencidas |
O que afinal há
de bom |
É que das
demais, perdidas, |
Não falam. É de
bom tom! |
|
|
1416 - Nunca |
|
Como se educam crianças |
Toda a gente
sabe bem, |
Sabem modos mil
de tranças, |
- Mas nunca
aqueles que as têm! |
|
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1417 - Perder |
|
Não há tempo
(ou é infecundo) |
Para dedicar a amigos |
E há todo o
tempo do mundo |
A perder com inimigos! |
|
1418 - Paciente |
|
Ao psiquiatra, o paciente: |
“Não, não ando perturbado |
Com más ideias
na mente, |
Ando mesmo deliciado!” |
|
Afinal, qual a sentença: |
quem, ao fim ,
será doente, |
Onde é que mora
a doença, |
No médico ou no
paciente? |
|
|
1419 - Candidato |
|
Desconcertantes questões |
Hoje em dia
tomo a peito: |
- Que é feito
das soluções |
Quando um
candidato é eleito? |
|
|
1420 - Decote |
|
Decote a tudo arejar, |
Neblinas nem há sequer… |
- Deseja mesmo anunciar |
Quem ao fim não
quer vender? |
|
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1421 - Dobre |
|
Todo o desejo
de alguém |
É que alguém
lhe dobre o amor, |
Não dando ele
nem vintém |
Do que lhe
devera apor. |
|
|
1422 - Dente |
|
Vais achar toda
a comida |
Requeimada, a quebrar dente, |
E é toda afinal
devida |
À tua boca doente. |
|
|
1423 - Anedotas |
|
As anedotas, que são, |
Além do riso cordial, |
Senão a compensação |
Da impotência social? |
|
|
1424 - Turista |
|
Senhor turista, |
Corra para cá, |
Já, já, já, |
E aprecie a vista: |
- Visite Portugal enquanto há! |
|
|
1425 - Cadilhos |
|
Revoluções sempre cegam |
E o pior de
seus cadilhos |
Afirmar não é o
que negam, |
É matar os
próprios filhos. |
|
|
1426 - Farmácia |
|
Da farmácia
todo o ar |
Parece mesmo dizer: |
- Quer leve ou
deixe ficar, |
Terá sempre de morrer! |
|
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1427 - Azedam |
|
O leite e a
amabilidade |
É difícil conservá-los: |
Se azedam,
mesmo a metade, |
Como amargam longe abalos! |
|
|
1428 - Sumptuário |
|
De vestido sumptuário, |
Parece ela, o
gesto raro, |
Peça de mobiliário |
Forrada de cetim caro! |
|
|
1429 - Bêbado |
|
Aquele bêbado somos |
Que crê que
bebem demais |
Quantos de
ébrio têm assomos. |
- Ele, não, não
é dos tais! |
|
|
1430 - Influência |
|
A mulher sobre
o marido |
Sempre exerce uma influência: |
Ou para o que
houver querido, |
- Ou o invés,
dela na ausência! |
|
|
1431 - Regalo |
|
Os jovens, de
boa fé, |
Crêem que a
vida é um regalo. |
Sabem lá o que
é andar a pé! |
Sempre andaram a cavalo… |
|
|
1432 - Estupidez |
|
Para alguém
poder vir a conseguir |
Uma dose
integral de estupidez, |
Nada como na
mente lhe impingir |
Questões
irrelevantes vez a vez. |
|
Assim é que a
escola |
Bem tradicional |
A todos imola, |
Tudo fica igual. |
|
Não gritem que enguiça, |
Dado que, afinal, |
Ela faz justiça, |
O metro é o
normal. |
|
Até porque a asneira, |
Se normalizada, |
Fica mesmo à beira |
De devir sagrada! |
|
|
1433 - Cura |
|
A cura da humanidade |
Requer aquele olhar |
De recordar |
Que eterna mocidade |
Pretendo talhar
de minha vida. |
A cura é perseguida |
Quando prefiguro |
Um novo tipo de
futuro |
Que nos entusiasme, |
Tornados todos
nós gérmenes de deuses. |
A inspiração
Que me pasme |
É que põe fim
aos reveses |
E nos leva a
sentir bem. |
De facto, ninguém |
Ficará são |
Por ver mais televisão! |
|
|
1434 - Par |
|
O que mais hoje
nos trava |
É que o sonho
não comanda: |
Dantes, um par namorava, |
- Hoje, anda! |
|
|
1435 - Tablóide |
|
Não oiça, não veja |
Nem de ninguém
diga mal… |
- E no tablóide
o trabalho que almeja |
Não arranja por igual! |
|
|
1436 - Sortudo |
|
No casamento o
que adoro, |
Que de mim faz
um sortudo, |
(E dizer-lho,
quanto o ignoro!) |
- É como ela
pensa em tudo… |
|
|
1437 - Cão |
|
Põe a cabeça em
meu colo, |
Abana a cauda,
de olhar |
Meigo para mim: arrolo |
Que um mimo
fica a esperar. |
|
Nenhum sábio professor |
Alguma vez me explicou |
Que uma vida
bem melhor |
Poderia ter, se vou |
Pedir um pouco
de amor |
Quando precisado estou. |
|
- Afinal, um mero cão |
É que me vem
dar lição! |
|
|
1438 - Bebé |
|
Um bebé, como é
bonito! |
Tão meigo, tão ternurento |
Que nos dá o
gosto esquisito |
De o comer cada
momento! |
|
Quando cresce, que embirrento, |
Impertinente é volvido! |
- A tal ponto
que lamento |
Não o haverem
lá comido… |
|
|
1439 - Integridade |
|
A integridade
tomada a peito |
É virtude admirável |
De quem a
bruteza da vida acossa… |
|
…E uma
companheira de leito |
Irrespirável |
De tão insossa! |
|
|
1440 - Antepassados |
|
Remotos antepassados |
Tremiam pelas cavernas |
Do trovão apavorados |
E das faíscas paternas. |
|
Mais tarde é o
temor da espada, |
Salteador, epidemia, |
Ou, de Deus excomungada, |
De a vida
perder um dia. |
|
Hoje, não, o
que apavora |
É a mera
palavra escrita: |
Uma nota que demora |
Desde o banco à
minha cripta, |
|
Até um mero passaporte, |
Bilhete de identidade… |
Dantes se
enfrentava a morte |
Com o pau que
mais agrade: |
|
Morreu o romano
à espada, |
O medievo, com
a peste… |
- Nós morremos da lombada |
Dum papel que
já nem preste! |
|
|
1441 - Dedução |
|
É na altura de
pagar |
Impostos que se darão |
As provas com
que testar |
Teu poder de dedução. |
|
|
1442 - Acepipe |
|
Há lá dieta que
se visse |
Em petiscos apurados: |
Acepipe é sanduíche |
Cortada em vinte bocados! |
|
|
1443 - Emblemática |
|
O cão é a
fidelidade. |
A emblemática sequela |
Da humanidade |
- É que lhe põe
uma trela! |
|
|
1444 - Bandidos |
|
Fez-nos homens
a miséria. |
A corrida aos
bens vendidos |
Tornou-se hoje
coisa séria: |
Transforma-nos em bandidos! |
|
|
1445 - Morto |
|
Um morto era
uma pessoa, |
Deixa dor, saudade, mística… |
- Dois milhões
mortos à toa |
São apenas estatística. |
|
|
1446 - Tentações |
|
Não mostres
inteiro o novo |
A uma mulher,
que então ela |
Tentações não
choca em ovo |
E assim vais
poder mantê-la, |
À custa de expectativa, |
Sempre em nova tentativa |
De algum dia desvendar |
O que em ti
tiver lugar. |
|
|
1447 - Vaticínio |
|
Abreviar uma existência |
Antolha-se um assassínio, |
Mas dum bife
uma excelência |
Escapa a tal vaticínio: |
|
Mataram um animal |
Para o comer a
retalho… |
- O paradoxo é
o sinal |
Das conclusões
por que valho. |
|
|
1448 - Velho |
|
Velho que já
não existe |
Larga atrás terra enlutada |
Verdadeiramente triste… |
…Deveras aliviada! |
|
|
1449 - Desdoiro |
|
Não há nada de
mais santo |
Ou mais sagrado
que o oiro: |
Olha o amor ali
a um canto, |
Pago à vista.
Que desdoiro! |
|
|
1450 - Ciranda |
|
Quem dum para o
outro lado |
Ciranda sem mais parar |
Nunca mais fica apegado |
A parte alguma
ou lugar. |
|
Ora, os grandes
só protegem |
Aqueles que rivalizam |
Com mobiliário que elegem |
Para os dias
que balizam, |
|
Os que se sabem
tornar |
Um recurso indispensável, |
Tal divã onde assentar |
Deles o rabo infindável. |
|
|
1451 - Sofrimento |
|
Em alta roda ninguém |
Se importa com
a desgraça |
Ou sofrimento de alguém. |
|
Tudo e palavra
que passa, |
Dor a fingir
que se tem: |
- Gente e dor,
tudo é fumaça! |
|
|
1452 - Desprezo |
|
Um homem é desprezado, |
Mas o desprezo cimeiro, |
Se o despreza
de atacado, |
Não lhe
despreza o dinheiro. |
|
|
1453 - Cavalo |
|
Não é só na
Roma antiga |
Que um cavalo é
senador: |
É todo o dia
que briga |
O poder contra
o valor. |
|
O poder é poder
puro |
Quando ele impuser somente, |
Jogando o
esperto ao monturo, |
A coroação do demente. |
|
Por isso as cavalgaduras |
São quem mais
em nós comanda: |
As sagradas ditaduras |
Aos coices
contra quem anda. |
|
|
1454 - Suspiro |
|
Um suspiro duma fêmea |
Transtorna-lhes as ideias: |
E a política
ei-la gémea |
Das areias. |
|
Uma saia mais acima |
Ou mais abaixo talvez, |
E o Governo não
se arrima, |
Cai-lhe aos pés! |
|
Fantasias de mulher |
Comandam nosso destino, |
O dum Estado qualquer… |
- E é mui fino! |
|
Eles vão de
leira em leira |
Em demanda dum sorriso: |
Como não farão
a asneira |
Que diviso?! |
|
São então estas pessoas |
Que o fado
talham aos povos: |
Como ter ninhadas boas |
De tais ovos?! |
|
|
1455 - Extraterrestres |
|
De extraterrestres ciência |
Não é, não, vir
atacar-nos, |
É um pouco de
paciência: |
- Acabamos, à evidência, |
Nós próprios a
aniquilar-nos! |
|
|
1456 - Compense |
|
Não imagines sequer |
Que a cultura
não compense: |
- Que bom é
para o poder |
Que o povo, o
povo não pense! |
|
|
1457 - Tinteiro |
|
O burocrata o
que tem |
É que não vê
por inteiro: |
Não vê nada
para além |
Do gargalo do tinteiro. |
|
|
1458 - Burro |
|
O mau e o bom
senso empurro |
Buscando o que
me repoisa: |
Basta alguém
ser meio burro |
Para dar por
muita coisa! |
|
|
1459 - Diferente |
|
Quem queira ser diferente |
Há muito em
qualquer lugar, |
Mas ninguém, é
ponto assente, |
Deseja, porém, mudar. |
|
|
1460 - Chapéu |
|
Se a parede
alta demais |
Vem-te empecer
na corrida, |
Teu chapéu
joga-lhe atrás: |
- Tens de
trepá-la em seguida! |
|
|
1461 - Alvaiade |
|
Ambição como vaidade |
São móbeis de governantes |
Que os pincelam
do alvaiade |
De ideais apaixonantes. |
|
|
1462 - Passadeira |
|
O povo os
conhece a todos, |
Os da discreta sujeira: |
Deles foi, de
muitos modos, |
Sempre a gasta passadeira. |
|
|
1463 - Degrau |
|
“Caro correligionário, |
Camarada, meu irmão…” |
- Com tal discurso falsário |
Sou-lhe o
degrau da ambição! |
|
|
1464 - Desculparmos |
|
Um mau exemplo
de cima, |
Que bom para desculparmos |
De nossos
vícios o clima |
E na abjecção continuarmos! |
|
|
1465 - Generosidade |
|
Generosidade fácil |
É perdoar a traição |
A uma mulher, à
mais grácil, |
- Que minha não
seja, não! |
|
|
1466 - Adúlteras |
|
Às adúlteras perdoo, |
A todas, à rafainha, |
Não lhes vou
tolher o voo… |
- A todas,
menos à minha! |
|
|
1467 - Velhice |
|
A velhice é um
preconceito: |
Seria hoje mais moço |
Não fora ao
hábito afeito |
De os anos
contar que endosso… |
1468 - Subestimando |
|
Nunca alguém perdeu dinheiro |
Subestimando o intelecto |
Do público seu parceiro |
E tão mais quão
mais selecto! |
|
|
1469 - Civilizado |
|
Tu és um civilizado |
E ter civilização, |
Por mor de
qualquer pecado, |
Tira a alegria
a um cristão! |
|
|
1470 - Consumo |
|
O destino do homem |
É de ter vindo |
E de ir indo,
indo, indo, |
Até que todos
se somem… |
|
Mas na
sociedade de consumo, |
Em vez de vir |
E de ir indo, |
O homem, em resumo, |
Nas ânsias de consumir, |
Vai-se, ao
invés, consumindo. |
|
|
1471 - Jornalista |
|
O mau jornalista informa |
Mas não sabe da
verdade. |
O bom
jornalista, em norma, |
Diz só do que o
persuade. |
|
O manipulador, então, |
Sabe tudo e só
trai parte: |
Pagam-lhe, de
baixa mão, |
De saber calar
o aparte. |
|
|
1472 - Avaliza |
|
Consciência e cobardia |
São o mesmo no
real |
Quando aquela esta avaliza, |
Marca feita comercial. |
|
|
1473 - Americana |
|
A mulher americana |
Vive lá num paraíso. |
E é por isto
que a magana |
Lhe foge, sem
dar aviso, |
Que sempre de
Éden se engana |
No americano improviso. |
|
|
1474 - Complexos |
|
Não chega a ser
uma crítica, |
São complexos
que nos aram: |
Em arte como em
política |
Sempre os avós
mal andaram! |
|
|
1475 - Nobres |
|
Quando a estupidez alguém |
Pratica de que
é capaz |
Sempre alega
que é, porém, |
Por razões
nobres que o faz. |
|
|
1476 - Obras-primas |
|
As mulheres sempre inspiram |
De obras-primas
o desejo |
E sempre após
nos retiram |
De as
realizarmos o ensejo. |
|
|
1477 - Mediocridade |
|
Dar nas vistas
vai criar |
O inimigo de verdade, |
Para alguém ser popular |
Só sendo mediocridade. |
|
|
1478 - Inatraentemente |
|
O pior duma mulher |
É que me quer
sempre bom |
Mas, se eu for
bom, não me quer. |
|
Mau topar-me é
seu condão |
Para inatraentemente |
Bom me largar,
no desvão, |
|
Quando após
seguir em frente. |
E mau terei de
tornar-me |
Se outra buscar
ter presente… |
|
É do mal, não
meu, o charme! |
- Mas, afinal,
que é que sente |
A mulher que
jura amar-me? |
|
|
1479 - Tragédias |
|
Tem apenas no
mundo a persegui-lo |
Duas tragédias quenquer. |
Uma é não
lograr o que quer, |
Outra é consegui-lo. |
|
Esta, em média, |
Muito pior
há-de ser: |
- É uma verdadeira tragédia! |
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Nunca dá o que
prometeu |
E, uma vez finda, |
Fecha a janela
sobre qualquer ainda. |
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E por cima
chamam-lhe céu |
Os mais, |
Da inveja
presos aos sinais! |
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Conseguir um sonho |
É medonho, medonho, medonho! |
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1480 - Cínico |
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Se sabe p preço
de tudo, |
Não sabe o
valor de nada: |
O cínico é, sobretudo, |
Quem de costas
vai na estrada. |
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1481 - Infringir |
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Para os homens
feito o mundo, |
A mulher tem
dele o gozo: |
De quão mais
tabus o inundo |
Mais infringir é gostoso! |
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1482 - Tambor |
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Inteligência da séria |
É humana em
tudo o que for. |
Do analfabeto a miséria |
É que ali toca
tambor! |
1483 - Fina |
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O jantar da
fina gente |
De esta gala
ter faz gala: |
Nunca escuta o inteligente, |
O estúpido nunca fala! |
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1484 - Seguro |
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Sempre andando
lado a lado, |
Ou de costas,
mais seguro, |
O santo tem um
passado, |
O pecador, um futuro. |
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1485 - Argumento |
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Quem se deixa convencer |
Por um
argumento é quem |
Nem mente terá sequer, |
Como, parece, convém. |
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É o que num
homem explica |
O que a mulher
não entende |
E o que uma
mulher complica |
E o marido surpreende. |
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Como eles não apreciam |
Coisa alguma
que elas prezam, |
Elas fora rezariam |
As devoções que
os não lesam. |
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No requinte deste engano, |
Quanto então mais animal |
Mais é finamente humano |
O perfil de
cada qual. |
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1486 - Execrável |
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Ter um marido admirável, |
Deveras irrepreensível, |
Que coisa mais execrável |
E que destino terrível! |
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Não há o mínimo
elemento |
Que excite em o
conhecer. |
Que esposa é
que tal tormento |
Uma vida há-de
sofrer? |
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1487 - Banalidade |
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Melhor efeito na vida |
Do que uma banalidade |
Não há, que
mostra a medida |
Da mundial fraternidade. |
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1488 - Préstimo |
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Os bons
conselhos os passo |
Sempre, lesto,
para os mais. |
Préstimo outro
não lhes traço: |
- A nós não
servem jamais! |
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1489 - Banidos |
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Tanto nos ilude
o azar |
Que por nós
somos banidos: |
Deus, quando quer castigar, |
Atende os nossos pedidos. |
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1490 - Sacrifício |
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É o sacrifício
um penhor |
Que a lei devia
punir: |
É desmoralizador, |
Não daquele que
o aplica, |
Mas daquele, sem porvir, |
Pelo qual se sacrifica. |
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Todo o sacrifício feito, |
E não importa o
valor, |
Leva a que este
fique atreito |
A devir sempre pior. |
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1491 - Árduo |
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Não fazer nada |
É um árduo trabalho. |
E há muito
quem, na jornada, |
De rumos falho, |
Se não importe
de trabalhar arduamente |
Desde que não
tenha de ser atingido, |
À frente, |
Nenhum objectivo definido. |
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1492 - Argumentos |
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Os argumentos detesto, |
São vulgares, indecentes: |
Ainda provam
que não presto, |
Que às vezes
são convincentes! |
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1493 - Milagre |
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Todo o bebé é
um milagre. |
Mas há tantos,
tantos, tantos |
Que um não há
sequer que eu sagre: |
- Há lá
milagres nem santos! |
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1494 - Embalsama |
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A papelada é o
fluído |
Que o burocrata embalsama, |
A aparentar o vivido |
Onde à vida
apaga a chama. |
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1495 - Atarefado |
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Parecer atarefado |
É um gabinete atolado |
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A qualquer hora
do dia. |
A secretária devia |
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A meio de algum
projecto |
Simulá-lo já completo. |
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Em monte os
papéis estão, |
Em desorganização! |
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Mais uma calculadora |
E óculos ali de
fora… |
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- Se por norma
isto repete, |
Fora de seu gabinete |
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Aumenta seguramente |
O tempo de
andar ausente! |
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1496 - Contra |
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A revolução avança, |
Por fatalista fadário, |
Contra quem
mais quer mudança: |
- Contra o revolucionário! |
1497 - Íntima |
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Íntima roupa é
a sapiência: |
Todos devemos vesti-la |
E também (é de
evidência) |
Ninguém deverá exibi-la. |
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1498 - Memória |
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Muitos que a
boa memória |
Gabam, lembram as medidas |
Que de vez
trariam glória |
…Quando por nós esquecidas! |
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1499 - Moca |
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Era uma vez |
Um camponês. |
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Depois veio o
homem da moca |
E, à mocada,
roubou-lhe a toca. |
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Então, o
direito de propriedade |
Preservou-lhe a imunidade, |
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Consagrou a preguiça |
Chamando-lhe justiça, |
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Baptizou a violência |
De previdência… |
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- E aqui andamos, |
Empoleirados nos ramos, |
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A fazer pouco
dos macacos |
Por uns aos
outros catarem pulgas nos sovacos. |
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1500 - Culpado |
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Se não é condenado |
Por ter sido culpado, |
É culpado |
Por ter sido condenado! |
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Creio na justiça |
Por ser um bom
cidadão. |
Se ela se enliça |
Na preguiça |
E tudo enguiça, |
Dir-me-ão |
Quem sou eu,
mero borrão |
Entre as linhas
do processo, |
Para ver de tal
o avesso? |
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Da injustiça, aliás, |
Sempre a
justiça vem atrás: |
Se neste mundo
bradar aos céus |
No outro, sem remissão, |
Restará Deus |
Par ao que não
tiver perdão. |
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Portanto, ponto final: |
Deixem-me
dormir a sesta, |
Que desta |
Já me safei
menos mal! |
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1501 - Imprevidência |
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É tudo tão inquietante, |
Até por não
inquietar ninguém! |
A imprevidência do governante |
É legal, como convém, |
E a dos povos é
infinita… |
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- Quem vale a
tanta desdita? |
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1502 - Reformas |
|
O Governo quer reformas, |
Portanto, não as propõe: |
A política tem normas |
Que o vulgo
jamais supõe. |
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Reforma que for tentada |
É logo comprometida: |
Deveras tê-la implantada, |
Só no sonho ao
ser vivida. |
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O político sincero |
Que a reforma
quer deveras |
Remete-a
sempre, em desespero, |
Para outras eras! |
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1503 - Virtudes |
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Duas ao Estado aplico |
Virtudes a que
se dobre: |
O respeito pelo rico, |
O desprezo pelo pobre! |
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1504 - Quartos |
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Sofre três
quartos da vida |
Para ao quarto descansar? |
- Morre, em
norma, de seguida, |
Sem ver onde ia
parar. |
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1505 - Assassino |
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Há sempre na
nossa aldeia |
Um assassino que reza |
Antes do crime
que ameia: |
- Crê que é
Deus que assim o preza! |
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1506 - Burrocrata |
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O burrocrata |
Não serve a vida, |
Empata-a |
E, solto a toda
a brida, |
De repente |
Ainda o vemos presidente! |
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1507 - Mulitar |
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Mulitar usa o poder |
Para noutrem cavalgar |
E à Pátria
fá-la saber |
Que é dele o
grande muar. |
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Porém, é sempre
em virtude |
Da valoração mais pura, |
De ideais que
nunca ilude, |
Que a torna cavalgadura. |
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E quem isto denuncia, |
Se sob as patas
lhe cai, |
Não vê mais a
luz do dia… |
- Diz ele que é
ser bom pai! |
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1508 - Firme |
|
Para ter opinião firme |
Sobre um assunto qualquer |
Basta só nada saber |
Acerca de quanto afirme. |
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E ter a facilidade |
De quem é superficial |
E convicto, como tal, |
De que detém a
verdade. |
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1509 - Elefante |
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Um elefante na selva |
Anda livre; na cidade |
Tem de ter
dono, que a relva |
Não cresce pelo alvaiade. |
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Tal é, pois,
nossa desgraça: |
Continuamos elefantes, |
Porém, hoje,
aqui na praça, |
Não é nada o
que era dantes. |
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Mesmo até para comer |
Há uma regra a
obedecer. |
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Quem não
obedece à regra |
Já na vida não
se integra. |
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Que vai ser
deste elefante |
Que sou dentro
e tenho diante? |
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Gritarão que
isto é progresso… |
- Mas, ao fim,
quem mede o preço? |
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1510 - Esterco |
|
Há coisas
limpas que só |
De chegarem aos
teus beiços |
Ficam tão
porcas de pó |
Que de esterco
são tropeços. |
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1511 - Linchado |
|
Todo o falso cartomante |
É sempre ao fim
tolerado. |
Vidente a
sério, no instante |
É de certeza linchado! |