DÉCIMA  TERCEIRA  REDONDILHA

 

 

 

A  PALAVRA,  A  IRONIZAR

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 1380 e 1511 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                1380 - A palavra, a ironizar

 

                                                                A palavra, a ironizar

                                                                Dispara flechas certeiras,

                                                                A pretensão das asneiras

                                                                Repondo no seu lugar.

 

                                                                Com ironia ou sarcasmo

                                                                Varre cada verso o lixo

                                                                De toda a fruta com bicho

                                                                Que à vista nos tolhe o pasmo.

 

                                                                No terreno enviesado

                                                                Solto o gado

                                                                Bravio do verso indomável.

 

                                                                Talvez no prado

                                                                Que a vida houver arroteado

                                                                Do pasto germine algo de admirável.

 

1381 - Funcionário

 

Num país que é já maduro

Funcionário público é,

No dicionário mais puro,

Dono do público até!

 

 

1382 - Lavado

 

Se há sol e um dia lavado

De chuvas após dois dias,

Fim de semana há findado

E em segunda-feira o lias.

 

 

1383 - Criança

 

Ser criança é uma conquista

Que um adulto nunca alcança?

- Na cadeira do dentista

Quenquer volta a ser criança!

 

 

1384 - Culto

 

Ama seca é adolescente

Que tem de fazer de adulto

Para o adulto, impenitente,

Do adolescente ir ao culto.

 

 

1385 - Fax

Faz é aquele mecanismo

Com que qualquer alimária

Do trabalho cava o abismo

Sobre s tua secretária.

 

 

1386 - Perfeccionista

 

Perfeccionista é quenquer

Que a música só aprecia

De Tchaikovsky, se souber

Como é que o nome se lia.

 

 

1387 - Criança

 

A criança é uma pessoa

Que não quer um guardanapo

Para seu gelado à toa

Logo enfiar para o papo.

 

 

1388 - Emagrecer

 

Emagrecer é viver,

Após além ter gorduras,

Viver como outro qualquer

Mas para aquém das costuras.

 

 

1389 - Economia

 

Economia é uma forma

De gastar nosso dinheiro

Sem nos divertir, por norma,

Nada com este roteiro.

 

 

1390 - Sótão

 

O sótão será um lugar

Para lá guardar o traste

Até que fora o deitar

Fique decente que baste.

 

 

1391 - Minutos

 

Quando um homem diz: “querida,

Já só faltam dois minutos

Para o futebol findar”,

Usa de tempo a medida

Mesma que a mulher que, argutos,

Nos promete dois minutos

Para logo se aprontar.

 

 

1392 - Ventas

 

Desprezo dum homem pobre

Às ventas bem atirado

De quem no dinheiro sobre

- É milagre em qualquer lado!

 

 

1393 - Juventude

 

Será uma idade de asneira,

De atropelo e desalinho:

Juventude é bebedeira,

Mas bebedeira sem vinho.

 

 

1394 - Sílabas

 

Ele arvora-se de conde

E ela tanto de condessa

Que as sílabas batem onde

Baterão com a cabeça:

Prega, cada qual mais lesta,

Deles o nome na testa.

 

E o senhor conde, afinal,

Mas que cómico jogral!

 

E a condessa, por seu lado,

Ai, Jesus, que mau olhado!

 

 

1395 - Rato

 

Rói-me o tempo, beijo a beijo,

Como um rato a petiscar

Roubado naco de queijo:

Sou comido até findar.

 

 

1396 - Júri

 

Um júri é uma forma conhecida

E a mais prestigiada

De a injustiça cometida

Ficar de vez lavada!

 

 

1397 - Casa

 

Quando um homem casa,

Toma o nome dele a mulher,

Quando o testamento apraza,

Toma o nome dela o que tiver.

 

 

1398 - Sarilho

 

São precisas tantas malas,

Tanto porta-bagagem no tejadilho

Quando pretendes que abalas

De todo este sarilho!

 

 

1399 - Aldeia

 

Sob árvores de Natal

Cresce ao acaso uma aldeia…

“Falta à rua principal

- Diz alguém - uma assembleia

Que o caos urbano, tal

Como aqui à volta o vês,

Como aqui devém geral,

Pela lei trave de vez,

De vez a ver se o cerceia!”

 

 

1400 - Parceiro

 

O Natal é uma estação

Em que acabam sem dinheiro

As pessoas para não

Acabarem sem parceiro.

 

 

1401 - Contabilista

 

“Meu contabilista vale

Cada escudo que me cobra

Pelo tempo que me poupa:

Poupou-me já, por sinal,

Este ano que agora dobra,

Ter de cadastrado a roupa

Da prisão cinco a dez anos

Que arcariam meus enganos!”

 

 

1402 - Milhão

 

Se um milhão de mãos houver

A trabalhar para nós,

A má coisa que tiver

A hipótese num milhão

De vir a ocorrer, após

Ir-nos-á saltar do chão

Decerto mais que uma vez:

Uma por ano ou por mês!

 

 

1403 - Violência

 

Nem com revoltas nem prantos

Se nos troca esta evidência:

Têm um hábito os santos

- De morrer à violência!

 

 

1404 - Aberto

 

Manter o espírito aberto

Tem da virtude o condão.

- Não tão aberto, decerto,

Que o cérebro caia ao chão!

 

 

1405 - Nome

 

A política consiste

Em inventar novo nome

Para a instituição que viste

Que um ódio velho consome.

 

 

1406 - Diabo

 

Poderá sempre o diabo

Ir citando as Escrituras

Para a bem levar a cabo

As intenções mais perjuras.

 

 

1407 - Cativo

 

No limite, sou cativo,

Mesmo quando mais me exorto:

- Mais vale estúpido vivo

Do que inteligente morto.

 

 

1408 - Astrónoma

 

- Quer ser astrónoma a menina?

Que pena!

Não pode, é dela a sina,

Não tem qualidades para a cena…

 

- Como é que o podemos saber?

- Porque nunca foi astrónoma qualquer mulher!

 

 

1409 - Sela

 

Com objectiva verdade,

A ciência, nas apostas,

Provou que esta Humanidade

Não nasceu com sela às costas.

 

E mais, que uns tantos punhados

Que não trepam sem escoras,

Sendo privilegiados,

Não nascem de bota e esporas.

 

 

1410 - Laranja

 

“A laranja, bola de oiro,

Veste a laranjeira-fada…”

- Vem do mercador o agoiro

E a lenda é logo comprada.

 

 

1411 - Cavar

 

Cavar é pior que tudo:

É o mesmo que abrir a cova

Para o homem abelhudo

Morrer se tal vida prova.

 

 

1412 - Estreme

 

Pensa um optimista estreme:

Melhor mundo é o desta idade.

O que um pessimista teme

É que isto seja verdade!

 

 

1413 - Avalanche

 

Por mais que nos mais se enganche,

Olhe onde pende o seu dado:

Cada floco da avalanche

Se declara não culpado…

 

 

1414 - Charme

 

Poderei safar-me

Por quinze minutos

Apenas com charme.

É bom que após me arme

Com alguns produtos

- Ou que coisa alguma

Eu não saiba, em suma!

É que o ignorante

Sempre vence, impante,

O enorme fastio

De quem for vazio.

 

 

1415 - Convencidas

 

Nas pessoas convencidas

O que afinal há de bom

É que das demais, perdidas,

Não falam. É de bom tom!

 

 

1416 - Nunca

 

Como se educam crianças

Toda a gente sabe bem,

Sabem modos mil de tranças,

- Mas nunca aqueles que as têm!

 

 

1417 - Perder

 

Não há tempo (ou é infecundo)

Para dedicar a amigos

E há todo o tempo do mundo

A perder com inimigos!

 

 

1418 - Paciente

 

Ao psiquiatra, o paciente:

“Não, não ando perturbado

Com más ideias na mente,

Ando mesmo deliciado!”

 

Afinal, qual a sentença:

quem, ao fim , será doente,

Onde é que mora a doença,

No médico ou no paciente?

 

 

1419 - Candidato

 

Desconcertantes questões

Hoje em dia tomo a peito:

- Que é feito das soluções

Quando um candidato é eleito?

 

 

1420 - Decote

 

Decote a tudo arejar,

Neblinas nem há sequer…

- Deseja mesmo anunciar

Quem ao fim não quer vender?

 

 

1421 - Dobre

 

Todo o desejo de alguém

É que alguém lhe dobre o amor,

Não dando ele nem vintém

Do que lhe devera apor.

 

 

1422 - Dente

 

Vais achar toda a comida

Requeimada, a quebrar dente,

E é toda afinal devida

À tua boca doente.

 

 

1423 - Anedotas

 

As anedotas, que são,

Além do riso cordial,

Senão a compensação

Da impotência social?

 

 

1424 - Turista

 

Senhor turista,

Corra para cá,

Já, já, já,

E aprecie a vista:

- Visite Portugal enquanto há!

 

 

1425 - Cadilhos

 

Revoluções sempre cegam

E o pior de seus cadilhos

Afirmar não é o que negam,

É matar os próprios filhos.

 

 

1426 - Farmácia

 

Da farmácia todo o ar

Parece mesmo dizer:

- Quer leve ou deixe ficar,

Terá sempre de morrer!

 

 

1427 - Azedam

 

O leite e a amabilidade

É difícil conservá-los:

Se azedam, mesmo a metade,

Como amargam longe abalos!

 

 

1428 - Sumptuário

 

De vestido sumptuário,

Parece ela, o gesto raro,

Peça de mobiliário

Forrada de cetim caro!

 

 

1429 - Bêbado

 

Aquele bêbado somos

Que crê que bebem demais

Quantos de ébrio têm assomos.

- Ele, não, não é dos tais!

 

 

1430 - Influência

 

A mulher sobre o marido

Sempre exerce uma influência:

Ou para o que houver querido,

- Ou o invés, dela na ausência!

 

 

1431 - Regalo

 

Os jovens, de boa fé,

Crêem que a vida é um regalo.

Sabem lá o que é andar a pé!

Sempre andaram a cavalo…

 

 

1432 - Estupidez

 

Para alguém poder vir a conseguir

Uma dose integral de estupidez,

Nada como na mente lhe impingir

Questões irrelevantes vez a vez.

 

Assim é que a escola

Bem tradicional

A todos imola,

Tudo fica igual.

 

Não gritem que enguiça,

Dado que, afinal,

Ela faz justiça,

O metro é o normal.

 

Até porque a asneira,

Se normalizada,

Fica mesmo à beira

De devir sagrada!

 

 

1433 - Cura

 

A cura da humanidade

Requer aquele olhar

De recordar

Que eterna mocidade

Pretendo talhar de minha vida.

A cura é perseguida

Quando prefiguro

Um novo tipo de futuro

Que nos entusiasme,

Tornados todos nós gérmenes de deuses.

A inspiração Que me pasme

É que põe fim aos reveses

E nos leva a sentir bem.

De facto, ninguém

Ficará são

Por ver mais televisão!

 

 

1434 - Par

 

O que mais hoje nos trava

É que o sonho não comanda:

Dantes, um par namorava,

- Hoje, anda!

 

 

1435 - Tablóide

 

Não oiça, não veja

Nem de ninguém diga mal…

- E no tablóide o trabalho que almeja

Não arranja por igual!

 

 

1436 - Sortudo

 

No casamento o que adoro,

Que de mim faz um sortudo,

(E dizer-lho, quanto o ignoro!)

- É como ela pensa em tudo…

 

 

1437 - Cão

 

Põe a cabeça em meu colo,

Abana a cauda, de olhar

Meigo para mim: arrolo

Que um mimo fica a esperar.

 

Nenhum sábio professor

Alguma vez me explicou

Que uma vida bem melhor

Poderia ter, se vou

Pedir um pouco de amor

Quando precisado estou.

 

- Afinal, um mero cão

É que me vem dar lição!

 

 

1438 - Bebé

 

Um bebé, como é bonito!

Tão meigo, tão ternurento

Que nos dá o gosto esquisito

De o comer cada momento!

 

Quando cresce, que embirrento,

Impertinente é volvido!

- A tal ponto que lamento

Não o haverem lá comido…

 

 

1439 - Integridade

 

A integridade tomada a peito

É virtude admirável

De quem a bruteza da vida acossa…

 

…E uma companheira de leito

Irrespirável

De tão insossa!

 

 

1440 - Antepassados

 

Remotos antepassados

Tremiam pelas cavernas

Do trovão apavorados

E das faíscas paternas.

 

Mais tarde é o temor da espada,

Salteador, epidemia,

Ou, de Deus excomungada,

De a vida perder um dia.

 

Hoje, não, o que apavora

É a mera palavra escrita:

Uma nota que demora

Desde o banco à minha cripta,

 

Até um mero passaporte,

Bilhete de identidade…

Dantes se enfrentava a morte

Com o pau que mais agrade:

 

Morreu o romano à espada,

O medievo, com a peste…

- Nós morremos da lombada

Dum papel que já nem preste!

 

 

1441 - Dedução

 

É na altura de pagar

Impostos que se darão

As provas com que testar

Teu poder de dedução.

 

 

1442 - Acepipe

 

Há lá dieta que se visse

Em petiscos apurados:

Acepipe é sanduíche

Cortada em vinte bocados!

 

 

1443 - Emblemática

 

O cão é a fidelidade.

A emblemática sequela

Da humanidade

- É que lhe põe uma trela!

 

 

1444 - Bandidos

 

Fez-nos homens a miséria.

A corrida aos bens vendidos

Tornou-se hoje coisa séria:

Transforma-nos em bandidos!

 

 

1445 - Morto

 

Um morto era uma pessoa,

Deixa dor, saudade, mística…

- Dois milhões mortos à toa

São apenas estatística.

 

 

1446 - Tentações

 

Não mostres inteiro o novo

A uma mulher, que então ela

Tentações não choca em ovo

E assim vais poder mantê-la,

À custa de expectativa,

Sempre em nova tentativa

De algum dia desvendar

O que em ti tiver lugar.

 

 

1447 - Vaticínio

 

Abreviar uma existência

Antolha-se um assassínio,

Mas dum bife uma excelência

Escapa a tal vaticínio:

 

Mataram um animal

Para o comer a retalho…

- O paradoxo é o sinal

Das conclusões por que valho.

 

 

1448 - Velho

 

Velho que já não existe

Larga atrás terra enlutada

Verdadeiramente triste…

…Deveras aliviada!

 

 

1449 - Desdoiro

 

Não há nada de mais santo

Ou mais sagrado que o oiro:

Olha o amor ali a um canto,

Pago à vista. Que desdoiro!

 

 

1450 - Ciranda

 

Quem dum para o outro lado

Ciranda sem mais parar

Nunca mais fica apegado

A parte alguma ou lugar.

 

Ora, os grandes só protegem

Aqueles que rivalizam

Com mobiliário que elegem

Para os dias que balizam,

 

Os que se sabem tornar

Um recurso indispensável,

Tal divã onde assentar

Deles o rabo infindável.

 

 

1451 - Sofrimento

 

Em alta roda ninguém

Se importa com a desgraça

Ou sofrimento de alguém.

 

Tudo e palavra que passa,

Dor a fingir que se tem:

- Gente e dor, tudo é fumaça!

 

 

1452 - Desprezo

 

Um homem é desprezado,

Mas o desprezo cimeiro,

Se o despreza de atacado,

Não lhe despreza o dinheiro.

 

 

1453 - Cavalo

 

Não é só na Roma antiga

Que um cavalo é senador:

É todo o dia que briga

O poder contra o valor.

 

O poder é poder puro

Quando ele impuser somente,

Jogando o esperto ao monturo,

A coroação do demente.

 

Por isso as cavalgaduras

São quem mais em nós comanda:

As sagradas ditaduras

Aos coices contra quem anda.

 

 

1454 - Suspiro

 

Um suspiro duma fêmea

Transtorna-lhes as ideias:

E a política ei-la gémea

Das areias.

 

Uma saia mais acima

Ou mais abaixo talvez,

E o Governo não se arrima,

Cai-lhe aos pés!

 

Fantasias de mulher

Comandam nosso destino,

O dum Estado qualquer…

- E é mui fino!

 

Eles vão de leira em leira

Em demanda dum sorriso:

Como não farão a asneira

Que diviso?!

 

São então estas pessoas

Que o fado talham aos povos:

Como ter ninhadas boas

De tais ovos?!

 

 

1455 - Extraterrestres

 

De extraterrestres ciência

Não é, não, vir atacar-nos,

É um pouco de paciência:

- Acabamos, à evidência,

Nós próprios a aniquilar-nos!

 

 

1456 - Compense

 

Não imagines sequer

Que a cultura não compense:

- Que bom é para o poder

Que o povo, o povo não pense!

 

 

1457 - Tinteiro

 

O burocrata o que tem

É que não vê por inteiro:

Não vê nada para além

Do gargalo do tinteiro.

 

 

1458 - Burro

 

O mau e o bom senso empurro

Buscando o que me repoisa:

Basta alguém ser meio burro

Para dar por muita coisa!

 

 

1459 - Diferente

 

Quem queira ser diferente

Há muito em qualquer lugar,

Mas ninguém, é ponto assente,

Deseja, porém, mudar.

 

 

1460 - Chapéu

 

Se a parede alta demais

Vem-te empecer na corrida,

Teu chapéu joga-lhe atrás:

- Tens de trepá-la em seguida!

 

 

1461 - Alvaiade

 

Ambição como vaidade

São móbeis de governantes

Que os pincelam do alvaiade

De ideais apaixonantes.

 

 

1462 - Passadeira

 

O povo os conhece a todos,

Os da discreta sujeira:

Deles foi, de muitos modos,

Sempre a gasta passadeira.

 

 

1463 - Degrau

 

“Caro correligionário,

Camarada, meu irmão…”

- Com tal discurso falsário

Sou-lhe o degrau da ambição!

 

 

1464 - Desculparmos

 

Um mau exemplo de cima,

Que bom para desculparmos

De nossos vícios o clima

E na abjecção continuarmos!

 

 

1465 - Generosidade

 

Generosidade fácil

É perdoar a traição

A uma mulher, à mais grácil,

- Que minha não seja, não!

 

 

1466 - Adúlteras

 

Às adúlteras perdoo,

A todas, à rafainha,

Não lhes vou tolher o voo…

- A todas, menos à minha!

 

 

1467 - Velhice

 

A velhice é um preconceito:

Seria hoje mais moço

Não fora ao hábito afeito

De os anos contar que endosso…

 

 

1468 - Subestimando

 

Nunca alguém perdeu dinheiro

Subestimando o intelecto

Do público seu parceiro

E tão mais quão mais selecto!

 

 

1469 - Civilizado

 

Tu és um civilizado

E ter civilização,

Por mor de qualquer pecado,

Tira a alegria a um cristão!

 

 

1470 - Consumo

 

O destino do homem

É de ter vindo

E de ir indo, indo, indo,

Até que todos se somem…

 

Mas na sociedade de consumo,

Em vez de vir

E de ir indo,

O homem, em resumo,

Nas ânsias de consumir,

Vai-se, ao invés, consumindo.

 

 

1471 - Jornalista

 

O mau jornalista informa

Mas não sabe da verdade.

O bom jornalista, em norma,

Diz só do que o persuade.

 

O manipulador, então,

Sabe tudo e só trai parte:

Pagam-lhe, de baixa mão,

De saber calar o aparte.

 

 

1472 - Avaliza

 

Consciência e cobardia

São o mesmo no real

Quando aquela esta avaliza,

Marca feita comercial.

 

 

1473 - Americana

 

A mulher americana

Vive lá num paraíso.

E é por isto que a magana

Lhe foge, sem dar aviso,

Que sempre de Éden se engana

No americano improviso.

 

 

1474 - Complexos

 

Não chega a ser uma crítica,

São complexos que nos aram:

Em arte como em política

Sempre os avós mal andaram!

 

 

1475 - Nobres

 

Quando a estupidez alguém

Pratica de que é capaz

Sempre alega que é, porém,

Por razões nobres que o faz.

 

 

1476 - Obras-primas

 

As mulheres sempre inspiram

De obras-primas o desejo

E sempre após nos retiram

De as realizarmos o ensejo.

 

 

1477 - Mediocridade

 

Dar nas vistas vai criar

O inimigo de verdade,

Para alguém ser popular

Só sendo mediocridade.

 

 

1478 - Inatraentemente

 

O pior duma mulher

É que me quer sempre bom

Mas, se eu for bom, não me quer.

 

Mau topar-me é seu condão

Para inatraentemente

Bom me largar, no desvão,

 

Quando após seguir em frente.

E mau terei de tornar-me

Se outra buscar ter presente…

 

É do mal, não meu, o charme!

- Mas, afinal, que é que sente

A mulher que jura amar-me?

 

 

1479 - Tragédias

 

Tem apenas no mundo a persegui-lo

Duas tragédias quenquer.

Uma é não lograr o que quer,

Outra é consegui-lo.

 

Esta, em média,

Muito pior há-de ser:

- É uma verdadeira tragédia!

 

Nunca dá o que prometeu

E, uma vez finda,

Fecha a janela sobre qualquer ainda.

 

E por cima chamam-lhe céu

Os mais,

Da inveja presos aos sinais!

 

Conseguir um sonho

É medonho, medonho, medonho!

 

 

1480 - Cínico

 

Se sabe p preço de tudo,

Não sabe o valor de nada:

O cínico é, sobretudo,

Quem de costas vai na estrada.

 

 

1481 - Infringir

 

Para os homens feito o mundo,

A mulher tem dele o gozo:

De quão mais tabus o inundo

Mais infringir é gostoso!

 

 

1482 - Tambor

 

Inteligência da séria

É humana em tudo o que for.

Do analfabeto a miséria

É que ali toca tambor!

 

 

1483 - Fina

 

O jantar da fina gente

De esta gala ter faz gala:

Nunca escuta o inteligente,

O estúpido nunca fala!

 

 

1484 - Seguro

 

Sempre andando lado a lado,

Ou de costas, mais seguro,

O santo tem um passado,

O pecador, um futuro.

 

 

1485 - Argumento

 

Quem se deixa convencer

Por um argumento é quem

Nem mente terá sequer,

Como, parece, convém.

 

É o que num homem explica

O que a mulher não entende

E o que uma mulher complica

E o marido surpreende.

 

Como eles não apreciam

Coisa alguma que elas prezam,

Elas fora rezariam

As devoções que os não lesam.

 

No requinte deste engano,

Quanto então mais animal

Mais é finamente humano

O perfil de cada qual.

 

 

1486 - Execrável

 

Ter um marido admirável,

Deveras irrepreensível,

Que coisa mais execrável

E que destino terrível!

 

Não há o mínimo elemento

Que excite em o conhecer.

Que esposa é que tal tormento

Uma vida há-de sofrer?

 

 

1487 - Banalidade

 

Melhor efeito na vida

Do que uma banalidade

Não há, que mostra a medida

Da mundial fraternidade.

 

 

1488 - Préstimo

 

Os bons conselhos os passo

Sempre, lesto, para os mais.

Préstimo outro não lhes traço:

- A nós não servem jamais!

 

 

1489 - Banidos

 

Tanto nos ilude o azar

Que por nós somos banidos:

Deus, quando quer castigar,

Atende os nossos pedidos.

 

 

1490 - Sacrifício

 

É o sacrifício um penhor

Que a lei devia punir:

É desmoralizador,

Não daquele que o aplica,

Mas daquele, sem porvir,

Pelo qual se sacrifica.

 

Todo o sacrifício feito,

E não importa o valor,

Leva a que este fique atreito

A devir sempre pior.

 

 

1491 - Árduo

 

Não fazer nada

É um árduo trabalho.

E há muito quem, na jornada,

De rumos falho,

Se não importe de trabalhar arduamente

Desde que não tenha de ser atingido,

À frente,

Nenhum objectivo definido.

 

 

1492 - Argumentos

 

Os argumentos detesto,

São vulgares, indecentes:

Ainda provam que não presto,

Que às vezes são convincentes!

 

 

1493 - Milagre

 

Todo o bebé é um milagre.

Mas há tantos, tantos, tantos

Que um não há sequer que eu sagre:

- Há lá milagres nem santos!

 

 

1494 - Embalsama

 

A papelada é o fluído

Que o burocrata embalsama,

A aparentar o vivido

Onde à vida apaga a chama.

 

 

1495 - Atarefado

 

Parecer atarefado

É um gabinete atolado

 

A qualquer hora do dia.

A secretária devia

 

A meio de algum projecto

Simulá-lo já completo.

 

Em monte os papéis estão,

Em desorganização!

 

Mais uma calculadora

E óculos ali de fora…

 

- Se por norma isto repete,

Fora de seu gabinete

 

Aumenta seguramente

O tempo de andar ausente!

 

 

1496 - Contra

 

A revolução avança,

Por fatalista fadário,

Contra quem mais quer mudança:

- Contra o revolucionário!

 

 

1497 - Íntima

 

Íntima roupa é a sapiência:

Todos devemos vesti-la

E também (é de evidência)

Ninguém deverá exibi-la.

 

 

1498 - Memória

 

Muitos que a boa memória

Gabam, lembram as medidas

Que de vez trariam glória

…Quando por nós esquecidas!

 

 

1499 - Moca

 

Era uma vez

Um camponês.

 

Depois veio o homem da moca

E, à mocada, roubou-lhe a toca.

 

Então, o direito de propriedade

Preservou-lhe a imunidade,

 

Consagrou a preguiça

Chamando-lhe justiça,

 

Baptizou a violência

De previdência…

 

- E aqui andamos,

Empoleirados nos ramos,

 

A fazer pouco dos macacos

Por uns aos outros catarem pulgas nos sovacos.

 

 

1500 - Culpado

 

Se não é condenado

Por ter sido culpado,

É culpado

Por ter sido condenado!

 

Creio na justiça

Por ser um bom cidadão.

Se ela se enliça

Na preguiça

E tudo enguiça,

Dir-me-ão

Quem sou eu, mero borrão

Entre as linhas do processo,

Para ver de tal o avesso?

 

Da injustiça, aliás,

Sempre a justiça vem atrás:

Se neste mundo bradar aos céus

No outro, sem remissão,

Restará Deus

Par ao que não tiver perdão.

 

Portanto, ponto final:

Deixem-me dormir a sesta,

Que desta

Já me safei menos mal!

 

 

1501 - Imprevidência

 

É tudo tão inquietante,

Até por não inquietar ninguém!

A imprevidência do governante

É legal, como convém,

E a dos povos é infinita…

 

- Quem vale a tanta desdita?

 

 

1502 - Reformas

 

O Governo quer reformas,

Portanto, não as propõe:

A política tem normas

Que o vulgo jamais supõe.

 

Reforma que for tentada

É logo comprometida:

Deveras tê-la implantada,

Só no sonho ao ser vivida.

 

O político sincero

Que a reforma quer deveras

Remete-a sempre, em desespero,

Para outras eras!

 

 

1503 - Virtudes

 

Duas ao Estado aplico

Virtudes a que se dobre:

O respeito pelo rico,

O desprezo pelo pobre!

 

 

1504 - Quartos

 

Sofre três quartos da vida

Para ao quarto descansar?

- Morre, em norma, de seguida,

Sem ver onde ia parar.

 

 

1505 - Assassino

 

Há sempre na nossa aldeia

Um assassino que reza

Antes do crime que ameia:

- Crê que é Deus que assim o preza!

 

 

1506 - Burrocrata

 

O burrocrata

Não serve a vida,

Empata-a

E, solto a toda a brida,

De repente

Ainda o vemos presidente!

 

 

1507 - Mulitar

 

Mulitar usa o poder

Para noutrem cavalgar

E à Pátria fá-la saber

Que é dele o grande muar.

 

Porém, é sempre em virtude

Da valoração mais pura,

De ideais que nunca ilude,

Que a torna cavalgadura.

 

E quem isto denuncia,

Se sob as patas lhe cai,

Não vê mais a luz do dia…

- Diz ele que é ser bom pai!

 

 

1508 - Firme

 

Para ter opinião firme

Sobre um assunto qualquer

Basta só nada saber

Acerca de quanto afirme.

 

E ter a facilidade

De quem é superficial

E convicto, como tal,

De que detém a verdade.

 

 

1509 - Elefante

 

Um elefante na selva

Anda livre; na cidade

Tem de ter dono, que a relva

Não cresce pelo alvaiade.

 

Tal é, pois, nossa desgraça:

Continuamos elefantes,

Porém, hoje, aqui na praça,

Não é nada o que era dantes.

 

Mesmo até para comer

Há uma regra a obedecer.

 

Quem não obedece à regra

Já na vida não se integra.

 

Que vai ser deste elefante

Que sou dentro e tenho diante?

 

Gritarão que isto é progresso…

- Mas, ao fim, quem mede o preço?

 

 

1510 - Esterco

 

Há coisas limpas que só

De chegarem aos teus beiços

Ficam tão porcas de pó

Que de esterco são tropeços.

 

 

1511 - Linchado

 

Todo o falso cartomante

É sempre ao fim tolerado.

Vidente a sério, no instante

É de certeza linchado!