DÉCIMA  QUARTA  REDONDILHA

 

 

 

RI  TODA  A  FESTA  EM  QU  EU  ANDO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 1512 e 1643 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                1512 - Ri toda a festa em que eu ando

 

                                                                Ri toda a festa em que eu ando

                                                                Do bom humor que permeia

De alegria o que semeia

A vida de vez em quando

 

O inesperado estonteia,

                                                                O imprevisto, disparando,

                                                                Solta o verso imaginando

                                                                Os disparates com veia.

 

                                                                O riso

                                                                Castiga

                                                                Com brandura e sem ferir.

 

                                                                Ao siso

                                                                Obriga:

                                                                Obriga-nos os portais a abrir.

1513 - História

 

Reparo, entre professores,

Que História não hão falado:

- Será que é já, meus senhores,

Uma história do passado?

 

 

1514 - Camelo

 

Pode um camelo operar

Vários dias sem beber

E um diplomata, beber

Vários mais sem trabalhar.

 

 

1515 - Montra

 

Vi de automóveis a montra:

Que veículos bonitos!

- São os maiores que encontra,

Duram vidas, os malditos!

 

Só mais tarde percebi,

De facto ante os argumentos,

Que as vidas que ali lhe ouvi,

Eram as dos pagamentos!

 

 

1516 - Cofre

 

“Como é que arrombou o cofre?”

- Pergunta o juiz ao réu.

“Que importa?!” - lhe respondeu -

“Crê no diabo, no enxofre?!

O senhor é bom rapaz,

De fazer o mesmo que eu

Nunca seria capaz!”

 

 

1517 - Janela

 

Diz o patrão à empregada,

Vendo-a passar todo o turno

Duma forma que o alerta:

- De janela escancarada?!

- Lá em casa também durmo

Sempre de janela aberta!

 

 

1518 - Peles

 

Damas que parais perante

Montras de lojas de peles,

Olhai bem para diante

Sem qualquer inveja reles,

Não deis suspiros nem ais,

- Que os vidros embaciais!

 

 

1519 - Biscoitos

 

Nossos biscoitos não têm

Corantes, nem conservantes,

Nem as gorduras também,

Nem açúcar como dantes.

 

Não serão portanto àqueles

Que se vendiam iguais.

E é porque pomos mais neles

Que, portanto, custam mais!

 

 

1520 - Cuida

 

Pobre cuida ser feliz

Se algum dia enriquecer.

Rico cuida feliz ser

Se se livrar de raiz

Das úlceras que tiver!

 

 

1521 - Críticas

 

- O último livro dele

É mesmo maravilhoso!

- Não és tu quem o repele,

De achá-lo tão asqueroso?!

- Claro, mas era devido

Às críticas não ter lido!

 

 

1522 -   Leitura

 

- Que tem aí para ler?

- Leitura leve ou pesada?…

- Tanto faz: a que tiver

Vai no carro ser levada!

 

 

1523 - Vertebral

 

Coluna vertebral, rima

De ossinhos antes e após:

Assenta a cabeça em cima,

Em baixo assentamos nós!

 

 

1524 - Cama

 

Às vezes ligeiro engano

Já nos transmuda o destino:

- Se levantar for humano,

Ficar na cama é divino!

 

 

1525 - Cura

 

O tempo, que cura tudo,

Mesmo a morte que se vinga,

Já não nos cura amiúdo

Uma torneira que pinga!

 

 

1526 - Calor

 

Se três quartos do calor

Do corpo pela cabeça

Se esvaem, irei supor,

Para que não arrefeça,

 

Que a agasalho muito bem

E vou patinar no gelo,

Quente como me convém,

Todavia nu em pêlo!

 

 

1527 - Conhecimentos

 

Tudo são conhecimentos

Para alguém trepar na vida:

Os da escola, por fermentos;

Os da cunha, por medida.

 

 

1528 - Escuridão

 

Vão o Valente e o Medroso

A cruzar a escuridão

No pinheiral borrascoso.

O Valente ri, gozão,

 

Do tremor do companheiro.

“Anda daí, que, senão,

Fica a moça sem parceiro,

Que, antes, morres do papão!”

 

Eis, porém, que, de repente,

Lhes rebenta no caminho

Uma fera, mesmo em frente.

Esquecido do vizinho,

 

Trepa a uma árvore o Valente.

Finge o Medroso, no chão,

Que está morto, pois pressente

A fera a correr em vão.

 

Cheira-o ela e corre adiante.

“Que te disse o bicho, artolas?”

“Não te fies” - diz, cantante,

O Medroso - “em gabarolas!”

 

 

1529 - Semana

 

Pergunta a criança aos pais:

“Por quê” - que inocência emana! -

“Dias de semana há mais

Do que há de fim-de-semana?”

 

 

1530 - Cabelo

 

- Tenho algum cabelo branco?

- E por que houveras de tê-lo?

- Dos cuidados que me arranco…

- Cuidados com quê?! Sê franco!…

- Com o branco meu cabelo!

 

 

1531 - Rio

 

“Um rio” - diz a criança,

Após a lição da escola -

“É um curso de água que alcança

Ser permanente e rebola

Das montanhas para a foz.”

“E onde desagua após?”

Hesita breve às primeiras,

Dispara então: ”nas torneiras!”

 

 

1532 - Gordo

 

Do gordo a mulher

Prazer duplo irá fruir:

- O que com ele tiver

E o de quando ele de cima lhe sair!

 

 

1533 - Filha

 

Minha filha me escreveu:

“Mostrei a Ursa Maior

Aqui a um amigo meu,

Mais a Órion que há no céu,

Como a ti te vi expor.”

 

Na resposta lhe escrevi:

“Saí com a tua mãe,

A Ursa Maior eu vi,

Não a Órion. Percebi:

Só de madrugada vem…

 

Quem é (tua mãe insiste)

O amigo com quem saíste?”

 

 

1534 - Moedas

 

Entre duas moedas

Hoje utilizadas,

Câmbio do grotesco,

Há relações ledas,

Quase parentesco:

- Ambas são cunhadas!…

Não há mais quezília,

É tudo em família…

 

 

1535 - Segunda

 

Segunda mais popular

Opção da mulher solteira

É um soldado cativar.

- Um civil era a primeira!

 

 

1536 - Assentada

 

Aquele que diz

“Não digo mais nada”

Diz sempre. Desdiz-

-Se logo de assentada!

 

 

1537 - Estrada

 

“Amigo, esta estrada aqui

Para onde é que ela vai?”

- Pergunta, hesitando em si,

Um peão, soprando um ai.

 

“Esta estrada não vai, não,”

- Lhe retorque em voz bem alta,

Agastado, o abegão -

“Que faz por cá muita falta!”

 

 

1538 - Castrá-lo

 

“Vai ser preciso castrá-lo”

- Diz o médico entendido -

“O sexo formou-lhe um calo,

A espinha tem-lhe ofendido.

Daqui vem a dor que obceca

Dessa horrível enxaqueca.”

 

Acabada a operação,

Oprimido e já castrado,

Vai o doente em questão

Comprar fato renovado

Onde tiram-lhe os tamanhos

Sem perdas, a olho, ou ganhos.

 

Quando miram a cintura,

“É tamanho trinta e seis”

- Dizem de forma segura.

“Uso trinta e quatro!” - eis

Que grita então o doente,

Orgulhoso, finalmente.

 

“Não é possível!” - comenta

Muito atento, o vendedor.

“Tal aperto o que fomenta

Contra a espinha acaba em dor

E a pressão da dor obceca

Numa horrível enxaqueca!”

 

 

1539 - Cadeia

 

Por muito que me doa

O inferno que isto é por cá,

A cadeia tem sempre uma coisa boa:

- É maravilhoso sair de lá!

 

 

1540 - Deserto

 

Neste deserto escaldante

Duma Europa em construção

O português viajante

Morre já de insolação.

 

Água pede a quem passar.

- Desculpe, não é bravata,

Não tenho água, pode olhar,

Mas não quer uma gravata?!

 

O viajante cambaleia,

Pede o mesmo do seguinte.

- O que tenho é uma mancheia

De gravatas de requinte…

 

Chega, por fim, a um hotel,

Já quase a desfalecer:

- Água, por favor - diz ele -

Uma gotinha sequer!

 

- Não posso, caro senhor,

Por muito que a sede o abata,

Deixar-lhe o pé dentro pôr:

Ninguém entra sem gravata!

 

 

1541 - Alternativa

 

- Que será que quer dizer,

Pai, o termo “alternativa”?

- Vamos isso resolver

De forma imaginativa.

 

Pensa que és grande e que queres

Principiar um negócio.

Se uma galinha obtiveres,

Ovos terás e, sem ócio,

 

Logo às dúzias nascem pintos,

Montas aviários, és rico,

Corres carros nos recintos…

- Mas, afinal, em que fico

 

Quanto ao que é uma alternativa?

- Isso mesmo é o que te explico:

Pensa que uma maré viva

Nela afoga cada bico,

 

Porque as parvas das galinhas

Nunca aprendem a nadar…

Ficas pobre como vinhas,

Nem sequer tens onde olhar.

 

- Mas “alternativa”, pai,

Que é que é de tais desacatos?!

- Uma alternativa vai

Ser, filho, criares patos.

 

 

1542 - Cirurgiões

 

Quatro cirurgiões comparam

Entre eles apontamentos.

- Contabilistas? aparam

Bem a dor, que numeraram

Todos dentro os elementos.

 

- Bibliotecários eu creio

Mais ligeiros de operar.

Quando os abrimos ao meio,

Segundo o alfabeto o seio

Por ordem vou encontrar.

 

- Cá por mim, os engenheiros

É que compreendem bem.

Nunca estranham quando, inteiros,

No final vêem, arteiros,

Que sobram partes também.

 

- Eu prefiro os advogados.

Nunca têm coração,

De espinha, nem uns bocados,

Nem de tripas, negregados

Que são naquilo que são.

 

E, depois, são os primeiros

Entre os mais inumeráveis

Em que, por trinta dinheiros,

As cabeças e os traseiros

São sempre intercambiáveis!

 

 

1543 - Torneiras

 

Eu ignoro o rio, a fonte

Porque as nascentes primeiras

Nos fugiram do horizonte:

- A água nasce das torneiras!

 

 

1544 - Recém-nada

 

Zélia se queres chamar

Tua filha recém-nada

E se a mãe quer, em lugar,

Nádia chamar-lhe de entrada,

 

Para logo haver acordo

Diz que sim e toma ao colo

A bebé do desacordo.

Então prepara teu golo:

 

Chama-lhe Naná mui terno.

Quando a mãe te perguntar:

“Mudaste o Verão no Inverno,

Que queres significar?”

 

“A primeira namorada”

- Lhe responde convencido -

“Era de Nádia chamada

E eu dizia-lhe ao ouvido

 

Naná: coisa de criança!”

Zélia fica logo a filha,

Logo este nome ela alcança,

Sem debate nem partilha,

 

Nem que nunca, em tua vida,

Hajas sequer conhecido

Nenhuma Nádia querida

Que fundamente o ocorrido.

 

 

1545 - Ópera

 

Quando um homem a facada

Leva nas costas e não

Sangra e canta uma balada…

- É ópera, pois então!

 

 

1546 - Hipócrita

 

O hipócrita um livro escreve

O ateísmo a exaltar,

- Depois reza para breve

Lho venderem no lugar!

 

 

1547 - Chefe

 

O chefe chega atrasado

Quando nós chegamos cedo;

Quando me atraso um bocado,

Cedo vem gritar-me o credo.

 

 

1548 - Altar

 

“Quem na pequenina casa

Sobre o altar de nossa igreja

Mora?” - a professora apraza

A turma a ver o que almeja.

 

Todos “Jesus!” lhe respondem.

Mas um dos mais desalinha-se:

“Como é que cabe e o escondem,

Professora? É que Ele aninha-se?”

 

 

1549 - Véspera

 

- Quando lhe peço um trabalho,

É sempre amanhã que o traz!

- Mas, patrão, poupe-me ao ralho:

É que sempre, quando eu calho,

É de véspera que o faz!

 

 

1550 - Crescendo

 

Os filhos crescendo estão

Se deixam de perguntar

Donde vieram e não

Contam para onde vão,

Mesmo que seja a pagar!

 

 

1551 - Martelo

 

Liberdade de expressão

Nunca foi um bem tão belo

Como quando em seu dedão

Bate alguém com um martelo.

 

 

1552 - Desejo

 

- Se um desejo puderas formular,

Que desejarias?

- Um milhão de contos em minhas mãos vazias!

- Tu?! De idealista com tal ar?!

 

- Idealismo tenho eu até bastar:

Desejá-lo não esperarias

De quem jamais o contratou a dias.

Dinheiro é que me falta, para meu azar!

 

 

1553 - Pulga

 

Um homem crê que bem julga

E nem julga o que lhe dói.

A mulher avista a pulga

Onde o homem, nem um boi!

 

 

1554 - Paranóico

 

Um bocado paranóico

Hoje em dia quem não cresça

É porque não anda, estóico,

Lá muito bom da cabeça.

 

 

1555 - Cirurgião

 

Por que é que um cirurgião

Se mascarará durante

O correr da operação?

 

É que ao ir para diante,

Se lhe mal correr tal acto,

Manter pode o anonimato!

 

 

1556 - Ovação

 

Ao belo conversador

A feminina ovação

Primeiro é para o orador,

Só depois para a oração.

 

 

1557 - Dança

 

Ante uma sala que dança

Quão precisa é a piedade

Por quem tanto pula e cansa

Sem qualquer utilidade!

 

 

1558 - Governam

 

São os homens que governam,

Porém, não faz mal nenhum,

Porque elas, se eles adernam,

Os governam um a um.

 

 

1559 - Conduto

 

Homem de bom apetite

Conduto outro nem requer

Que o fumo que olor agite

Das chaminés a cozer.

 

 

1560 - Vaca

 

Para muitos, a ciência

É como deusa altaneira.

Para outros, a evidência

É que é uma vaca leiteira.

 

 

1561 - Argumenta

 

Argumenta S. Tomás

Que Deus, sendo omnipotente,

Outro Deus Ele não faz,

Suicidar-se, é evidente,

Não pode, não é capaz,

Homem sem alma, se o tente,

E por muito contumaz,

Não pode gerar tal ente,

Nem um triângulo traz

Cuja soma interna invente

De ângulos, um doutro atrás,

Que não iguale, ao presente,

Cento e oitenta graus de paz…

 

Mas no século passado,

Numa superfície curva,

Matemáticos logrado

Hão tal feito. E nada turva

Memória de feitos seus

Isto de nem serem Deus!

 

Que estranho este Omnipotente

A quem uma longa lista

De coisas se não consente,

Não da parte duns homólogos

Deuses que alguém haja em vista,

Mas por ordem dos teólogos!

 

Há paciência que resista?!

 

 

1562 - Homérica

 

Dizer civilização

O mesmo é dizer que América,

Fachada de construção

Em que a empresa é toda homérica.

 

Erguem os olhos aos céus

Arregalados e tolos:

Andam com arranha-céus

Sempre dentro dos miolos!

 

 

1563 - Corredor

 

Corredor de cá nem quer

Ver que metros lhe faltaram:

- Hoje não vou mais correr,

Meus fones avariaram!

 

 

1564 - Simulando

 

O filho comenta ao pai,

Fundo simulando um ai:

- Indicador económico

É que ainda é terça-feira

E da semanada o cómico

É que a já gastei inteira!

 

 

1565 - Advogado

 

Um advogado o que sente

Bem no íntimo o dia inteiro:

Um homem é um inocente

Até ficar sem dinheiro.

 

 

1566 - Tele-comando

 

Controlo bem eficaz

De toda a natalidade

O tele-comando o traz

Que à TV nos persuade.

 

 

1567 - Refém

 

De refém um tribunal

Atulhado de advogados

Os terroristas tomaram:

- Ou nos dão inteiro aval

Ou, de hora a hora, jogados

Estes que aqui abancaram

Serão para o vosso meio.

E quando o mundo ficar

De advogados todo cheio

Veremos quem vai ganhar!

 

 

1568 - Casal

 

Um homem e uma mulher,

Um casal muito atraente,

Num restaurante qualquer

À meia-luz jantam quente.

 

O empregado, de repente,

O homem viu deslizar

Para baixo, lentamente,

Até de vez se apagar.

 

“Desculpe, minha senhora,

Mas creio que seu marido

Caiu debaixo da mesa…”

 

“Não!” - responde sem demora -

“Marido é o que além erguido

Foi pedir a luz acesa!”

 

 

1569 - Empregados

 

Não há nada,

Sejam embora grandes os cuidados,

Que melhore mais uma piada:

- Contá-la aos empregados!

 

 

1570 - Cadilhos

 

Problema de envelhecer,

Liberto enfim de cadilhos,

É que ouvir terei de ter

Conselhos de nossos filhos.

 

 

1571 - Descobrir

 

O problema de quem não tem

Nada para referir

É o tempo que toma sempre a alguém

Até tal vir a descobrir.

 

 

1572 - Falado

 

Pior do que ser falado

Uma só coisa há-de haver

No mundo, por todo o lado:

- É não o ser!

 

 

1573 - Inacreditável

 

No que toca a acreditar,

Acreditar é viável

Se da proposta constar

Algo de inacreditável!

 

 

1574 - Gravata

 

Com um fraque e uma gravata

Qualquer um pode ganhar

De civilizado a prata,

- Até o político alvar!

 

 

1575 - Defeito

 

Se um homem fora perfeito,

Nunca a mulher o amaria,

Que o ama pelo defeito,

Senão como perdoaria?

Aliás, se o não amara

Pelo defeito que tem,

Nunca um homem se casara,

Infeliz como ninguém.

 

Às vezes, celibatário

Fica após haver casado?

- É que um solteiro honorário

Dela a gozar tem andado…

 

 

1576 - Feia

 

Homem que prega moral

É um hipócrita, alardeia.

A mulher que faz igual

Invariavelmente é feia!

 

 

1577 - Tradição

 

Da América a juventude

É antiga já tradição:

- Há três séculos que ilude,

De ingénua, a imaginação!

 

 

1578 - Romance

 

Com vinte anos de romance,

É uma ruína a mulher,

Casamento que os alcance

É um monumento qualquer!

 

 

1579 - Evento

 

Ser feliz no casamento

Pode o homem que o sonhou.

…Das mulheres pende o evento

Com quem ele não casou!

 

 

1580 - Bolos

 

Isto é que nos dá cuidados:

O mundo é feito por tolos

Para que os ajuizados

Dele merendem os bolos!

 

 

1581 - Penedos

 

Para a esposa, quais segredos!

Descobre-os todos, fatal.

- Só não descobre os penedos

Da evidência mais banal.

 

 

1582 - Acenos

 

Jamais encontrei ninguém

Que mais fale e diga menos:

De orador público tem

A veia mais os acenos!

 

 

1583 - Ansioso

 

esperarei aqui,

Neste ansioso lugar,

A vida inteira por si…

…Se muito não demorar!

 

 

1584 - Electricidade

 

Quando a nova descoberta,

Como da electricidade,

Ocorre, a questão desperta:

“Para que serve, em verdade?”

 

A resposta, em boa fé,

Sempre esta foi a quenquer:

“Para que serve um bebé

Acabado de nascer?”

 

E ao político, depois,

Outra que lhe aponta a caixa:

“A que serve?! Para vós

Breve lhe aplicardes taxa!”

 

 

1585 - Namoro

 

O namoro é aquecimento

Dos atletas quando logra

Jogar logo ao casamento…

- Só que árbitro aqui é a sogra!

 

 

1586 - Dotado

 

Difícil de imaginar,

Do mundo nesta comédia,

É dotado, se calhar,

Não ser eu mais do que a média.

 

 

1587 - Astrólogo

 

Os economistas são

Quem na terra plantou Deus

Para o astrólogo aos incréus

Parecer, afinal, bom.

 

 

1588 - Consultor

 

Um consultor conjugal

Há-de cem modos saber

De amar. Porém, por sinal,

Nem conhece uma mulher.

 

 

1589 - Chacota

 

Verdadeiro patriota

É aquele que leva a multa

E ri feliz, sem chacota,

Que a lei opera e resulta!

 

 

1590 - Estacionamento

 

Ali, no estacionamento

De hotel, os carros, contentes,

Alinham o luzimento

Rindo em fiada de dentes.

 

 

1591 - Demande

 

Era uma casa tão grande

Que, às nove horas na cozinha,

Quem a sala então demande

São onze que aqui já tinha!

 

 

1592 - Rico

 

Era tão rico, tão rico

Que até tinha uma lambreta

Com motorista de quico

Emproado na fardeta!

 

 

1593 - Vende

 

A resposta delicada

O enfurecimento afasta,

Mas não quem vende na entrada

Contra que, afinal, se agasta.

 

 

1594 - Atrapalho

 

O problema de chegar

Sempre a horas ao trabalho

É que o dia vai ficar

Tão longo que é um atrapalho!

 

 

1595 - Hipotermia

 

“Eu morri de hipotermia.”

“Eu, acredites ou não,

A vergonha que sentia

Atacou-me o coração.

 

É que de minha mulher

Desconfiei: a desoras,

tratei de a surpreender

E afinal, passadas horas,

 

Após tudo procurar

Com denodo científico,

Nada encontrei.” “Se calhar,

Se visses o frigorífico,

 

Estaríamos agora

Ambos bem vivos lá fora!”

 

 

1596 - Berbequim

 

“Quero um berbequim sem fio.”

“É a centésima figura

Que hoje em conta já desfio,

Tudo ao mesmo, que fastio!

- Isso nunca tem procura!

Quem é que pode arriscar

A tal ter cá no lugar?”

 

 

1597 - Revistas

 

As revistas de beleza

São o mais seguro meio

Para aquele que se preza

Se sentir deveras feio!

 

 

1598 - Gasolina

 

“Mas qual depressa demais!?

Se não corro, minha sina,

Veja do carro os sinais,

- É ficar sem gasolina…”

 

 

1599 - Assaz

 

- O noivo de tua irmã

Será mesmo rico assaz?

- Não, já que, cada manhã,

Meu pai diz: “pobre rapaz!”

 

 

1600 - Gordura

 

Dinheiro como gordura,

Ambos abundam, porém,

Colocam sempre a fartura

Num lugar que não convém.

 

 

1601 - Pêlos

 

Os padres sempre aos padres arrancaram

Em todos os concílios os cabelos

E o que ao fim deliberaram

É “infalível”, infalível como os pêlos!

 

Ainda dizem que não há milagres!

Nem é preciso procurá-los:

- Se a contá-los aqui te consagres,

Até na ponta dos dedos crescerão os calos!

 

 

1602 - Prova

 

A melhor prova

É aquela que não existe:

Não se aprova nem reprova

Aquilo que nunca viste…

 

Qual refute ou não refute:

- Nem sequer se discute!…

Ris-te?

- Pois olha que não tem chiste!

 

 

1603 - Aviso

 

Os antigos egípcios adoravam

Os crocodilos que os devoravam,

Hoje os homens adoram e propagam

Os automóveis que os esmagam.

 

É o progresso.

Diverge o conteúdo, igual é o processo.

 

Fica o aviso:

Que frágil, que difícil é ganhar juízo!

 

 

1604 - Imbecis

 

Quando o rei dos imbecis

Resolve ser um vaidoso,

A vaidade dá-lhe esquis,

Salta quanto é montanhoso.

 

 

1605 - Criança

 

De ser criança deixar,

Muitas vezes o que alcança

Não é de adulto um lugar,

- Foi que fez-se uma criança!

 

 

1606 - Retrete

 

Toda a gente lá tem de ir,

A guerra é como a retrete

E uns tantos se irão servir

Dela como dum bufete!

 

 

1607 - Vigarista

 

O que fere um vigarista

É que um vigarista adregue

De ter tal partida em vista

Que tal partida lhe pregue.

 

 

1608 - Riso

 

O riso é o único dom

Que foi concedido ao homem

Sem haver repartição

Por animais que o retomem.

 

Prova que temos juízo:

- É só riso, riso, riso!…

 

 

1609 - Mastigar

 

Mais pelas nossas cabeças

Pensamos logo os eventos

Da TV sem estas peças

De mastigar pensamentos.

 

 

1610 - Fenda

 

- Vês aquela fenda ali?

O meu guia de montanha

Caiu nela. Percebi:

Quem lá cai, jamais se apanha!

 

- E contas-me tal desgraça

Com tal naturalidade?!

- Era velho, tinha traça

E folhas, já só metade…

 

 

1611 - Postergados

 

Quem é inteligente ajuda

A dormirmos sossegados:

Inventa o porquê que acuda

Quando somos postergados!

 

 

1612 - Calhaus

 

Escolho aqui no quintal

Meia dúzia de calhaus,

Meto um ferro, em pedestal,

Numa peanha de paus.

 

Compro um teorizador

Que embrulhe em mil teorias

Dos calhaus todo o teor,

Formas, relevos e vias.

 

E eis como uma simples pedra

Escultura primorosa

Devém e por dentro medra:

- Vale mil contos de prosa!

 

 

1613 - Mentirosos

 

Mentirosos inteligentes

Pormenores dão.

Se um pouco mais sapientes,

Não!

 

 

1614 - Marido

 

Marido é quem gostaria

De tanto se divertir

Quanto a mulher cada dia

Cuida que é dele a estadia

Quando a negócios tem de ir.

 

 

1615 - Certeira

 

Quando o choque nos percorre,

Uma resposta certeira

É aquela que nos ocorre

Mais tarde e depois da asneira.

 

 

1616 - Hospital

 

O hospital é aquele sítio

Em que te acordam à noite

Para uma injecção de lítio

Que a dormir então se afoite!

 

 

1617 - Paciência

 

“Mas quando é que se organizam?

Ontem a carta me tiram.

Hoje, então, logo o que visam

É a carta que me extorquiram

Fazer-me parar p’ra ver…

É de a paciência perder!

O pobre automobilista

Que direitos tem na lista?!”

 

 

1618 - Mente

 

Mente é coisa poderosa:

Principia a trabalhar

Quando nasce quem a goza,

Para nunca mais parar…

 

Não parar até o momento

Em que nós nos levantamos

Para falar (que tormento!)

A um público que enfrentamos!

 

 

1619 - Sistemas

 

Dois sistemas nos regulam,

O legal e o da etiqueta.

Naquele as leis se acumulam,

De regras este o completa.

 

De uns aos outros nos matarmos

O legal nos vem salvar

E não nos amalucarmos

A etiqueta quer tentar.

 

O mais estranho do intento

É que o tempo vai passando

E a má-criação, em aumento:

- Somos loucos desde quando?

 

 

1620 - Piadas

 

Se queres que alguém se ria,

Fresco, de tuas piadas,

Diz quanto ele humor desfia

Criterioso e às abadas!

 

 

1621 - Identidade

 

Se o cartão de identidade

Perdes ao fazer cem anos,

Tens logo a  boa vontade

Do empregado dos arcanos:

 

- Não há identificação?

É só duas testemunhas

De infância que andem à mão.

Se uns dez anos mais lhes punhas,

Então é uma perfeição!

Vai por elas, que, entretanto,

Novo cartão cá te planto!

 

 

1622 - Precisa

 

“Nada tenho que vestir”

- Diz a mulher, indecisa.

Nada “de novo” é de ouvir,

Se ela fora mais precisa.

 

“Que vestir não tenho nada”,

Quando é o homem a dizer,

É “nada limpo” à chegada

Que convém compreender.

 

 

1623 - Património

 

Criança que adorável for,

De património mundial da raça humana

Tem valor.

Criança, porém,

Malcriada, que nos dana,

-  Pertence dela à mãe,

Sacana!

 

 

1624 - Aprendiz

 

O aprendiz

A quem observar e perguntar

O patrão recomenda, diz:

- Cá estou observando em meu lugar

E, dentre pergunta tanta,

Eis o que importa: quando se janta?

 

 

1625 - Mindinho

 

Um homem e uma mulher

Vivem mundos diferentes.

Ambos presentes

Ante um orador qualquer,

Repara aquele na falta

Do mindinho na mão alta

Com que turba ele interpele.

 

“Reparou” - diz a uma ouvinte -

“Na mão dele?”

“Pois! Disse que era casado”

- Responde ela com acinte -

“E a aliança

Não lha vejo em nenhum lado.

Tanta aldrabice cansa!”

 

 

1626 - Pequenino

 

Gosto de ser pequenino,

Há mais tempo de brincar…

Ser o mais novo, declino:

- Não há nunca em quem mandar!

 

 

1627 - Enliço

 

- Entrado na empresa há um ano,

Você foi da portaria,

Mas, reformado o decano,

Logo a vendedor subia

E, um mês depois, a gerente

E hoje é vice-presidente.

Ora, vou-me retirar,

Quero deixar-lhe o lugar.

Presidente então vai ser,

Bem como administrador.

que é que me tem a dizer

Ao que acabo de propor?

 

- Obrigado, para já…

- Para já?! apenas isso?!

- Tem razão, desculpe o enliço…

Muito obrigado, papá!

 

 

1628 - Sinfonia-mor

 

Que é que um administrador,

Tendo em vista a economia,

Faz da sinfonia-mor

Que Schubert não findaria?

 

- Por quê doze violinos

Se todos tocam o mesmo?

Reduzam tais desatinos!

E oboés, todos a esmo

Sem ter nada que fazer?!

O trabalho, por igual,

Todos devem empreender:

Tanta pausa, para quê?!

Não vêem que é mau sinal?!

Falta equidade, eis o que é…

E depois aquelas trompas

Repetem temas das cordas.

Redundâncias se interrompas

Vê quanto em poupança acordas:

Vinte minutos menor

Tal concerto então vais pôr.

Para quê dois andamentos?

Schubert mete mesmo dó!

Acabavam-lhe os tormentos:

Bastaria ter um só!

 

A concluir e por junto,

Schubert o tempo teria,

Se atendera a tal assunto,

De acabar a sinfonia!

 

 

1629 - Seguinte

 

Quando uma pessoa morre

Durante o sono, o requinte

É não ver que isto lhe ocorre

- Até à manhã seguinte?

 

 

1630 - Foto

 

“Quando a foto lhe tiraram

(Para tudo bem assente

Ficar no auto que lavraram)

Você estava presente?”

 

 

1631 - Confusão

 

“Foi você ou seu irmão,

O mais novo, lá da terra,

Que em meio da confusão

Morreu a tiro na guerra?”

 

 

1632 - Frisa

 

“Então” - frisa o advogado,

Arrebatado no voo -

“Ao vê-lo ali tu de lado,

Foi que ele então te matou?”

 

 

1633 - Embora

 

“O senhor esteve lá

Até mesmo àquela hora,

Ao exacto instante já

Em que foi por fim embora?”

 

 

1634 - Presídio

 

Pergunta o juiz ao réu,

Intrigado, no presídio:

“Quantas vezes cometeu

Durante a vida suicídio?”

 

 

1635 - Alguma

 

“Pelos filhos sendo as brigas,

Quantos rapazes são eles?”

“Nenhum!” “E então raparigas,

Existe alguma além deles?”

 

 

1636 - Cave

 

“Descem à cave as escadas.

Não será que elas, porém,

Satisfeitas as entradas,

Das caves sobem também?”

 

 

1637 - Findou

 

“Meu primeiro casamento

Por morte é que terminou.”

“E por morte ou passamento

De quem é que ele findou?”

 

 

1638 - Ocasião

 

“Então como era o ladrão?”

“Mediano, a barba a tremer…”

“Reparou, na ocasião,

Se era homem ou mulher?”

 

 

1639 - Autópsias

 

“Quantas autópsias, doutor,

Perdido dentre as retortas,

Quantas foram, por favor,

Que fez em pessoas mortas?”

 

 

1640 - Magicou

 

“A que horas autopsiou?”

“Oito e trinta.” “E estava morto?”

“Não, que ele até magicou

Se aquilo era o meu desporto!”

 

 

1641 - Conferiu

 

“Conferiu a pulsação,

A tensão arterial,

Também a respiração?”

“Não!” “E da morte o sinal

Como pode estar seguro?”

“Porque o encéfalo no muro

Ficara lá de estendal.”

“Mesmo assim não poderia

Por acaso ainda estar vivo?”

“Só se fora advocacia

Que, dum modo um tanto esquivo,

O morto ande a praticar

Aí por algum lugar…”

 

 

1642 - Funcional

 

A ilusão é funcional:

Dum filho o que julga a mãe,

Que ele é belo, genial,

É o que a impedirá também

De matar qualquer aborto

Que nasceu já mais que morto.

 

 

1643 – Elefante

 

Qualquer elefante é um rato

Fabricado na medida,

Garantida por contrato,

Pelo Governo exigida.