DÉCIMA QUARTA
REDONDILHA
RI TODA A
FESTA EM QU EU ANDO
Escolha um número aleatório entre
1512 e 1643 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1512 - Ri toda a festa em que eu ando
Ri toda a festa em que eu ando
Do bom humor que permeia
De alegria o que semeia
A vida de vez em quando
O inesperado estonteia,
O imprevisto, disparando,
Solta o verso imaginando
Os disparates com veia.
O riso
Castiga
Com brandura e sem ferir.
Ao siso
Obriga:
Obriga-nos os portais a abrir.
1513 - História |
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Reparo, entre professores, |
Que História não hão falado: |
- Será que é já, meus senhores, |
Uma história do passado? |
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1514 - Camelo |
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Pode um camelo operar |
Vários dias sem beber |
E um diplomata, beber |
Vários mais sem trabalhar. |
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1515 - Montra |
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Vi de automóveis a montra: |
Que veículos bonitos! |
- São os maiores que encontra, |
Duram vidas, os malditos! |
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Só mais tarde percebi, |
De facto ante os argumentos, |
Que as vidas que ali lhe ouvi, |
Eram as dos pagamentos! |
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1516 - Cofre |
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“Como é que arrombou o cofre?” |
- Pergunta o juiz ao réu. |
“Que importa?!” - lhe respondeu - |
“Crê no diabo, no enxofre?! |
O senhor é bom rapaz, |
De fazer o mesmo que eu |
Nunca seria capaz!” |
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1517 - Janela |
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Diz o patrão à empregada, |
Vendo-a passar todo o turno |
Duma forma que o alerta: |
- De janela escancarada?! |
- Lá em casa também durmo |
Sempre de janela aberta! |
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1518 - Peles |
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Damas que parais perante |
Montras de lojas de peles, |
Olhai bem para diante |
Sem qualquer inveja reles, |
Não deis suspiros nem ais, |
- Que os vidros embaciais! |
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1519 - Biscoitos |
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Nossos biscoitos não têm |
Corantes, nem conservantes, |
Nem as gorduras também, |
Nem açúcar como dantes. |
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Não serão portanto àqueles |
Que se vendiam iguais. |
E é porque pomos mais neles |
Que, portanto, custam mais! |
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1520 - Cuida |
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Pobre cuida ser feliz |
Se algum dia enriquecer. |
Rico cuida feliz ser |
Se se livrar de raiz |
Das úlceras que tiver! |
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1521 - Críticas |
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- O último livro dele |
É mesmo maravilhoso! |
- Não és tu quem o repele, |
De achá-lo tão asqueroso?! |
- Claro, mas era devido |
Às críticas não ter lido! |
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1522 - Leitura |
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- Que tem aí para ler? |
- Leitura leve ou pesada?… |
- Tanto faz: a que tiver |
Vai no carro ser levada! |
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1523 - Vertebral |
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Coluna vertebral, rima |
De ossinhos antes e após: |
Assenta a cabeça em cima, |
Em baixo assentamos nós! |
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1524 - Cama |
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Às vezes ligeiro engano |
Já nos transmuda o destino: |
- Se levantar for humano, |
Ficar na cama é divino! |
1525 - Cura |
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O tempo, que cura tudo, |
Mesmo a morte que se vinga, |
Já não nos cura amiúdo |
Uma torneira que pinga! |
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1526 - Calor |
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Se três quartos do calor |
Do corpo pela cabeça |
Se esvaem, irei supor, |
Para que não arrefeça, |
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Que a agasalho muito bem |
E vou patinar no gelo, |
Quente como me convém, |
Todavia nu em pêlo! |
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1527 - Conhecimentos |
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Tudo são conhecimentos |
Para alguém trepar na vida: |
Os da escola, por fermentos; |
Os da cunha, por medida. |
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1528 - Escuridão |
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Vão o Valente e o Medroso |
A cruzar a escuridão |
No pinheiral borrascoso. |
O Valente ri, gozão, |
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Do tremor do companheiro. |
“Anda daí, que, senão, |
Fica a moça sem parceiro, |
Que, antes, morres do papão!” |
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Eis, porém, que, de repente, |
Lhes rebenta no caminho |
Uma fera, mesmo em frente. |
Esquecido do vizinho, |
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Trepa a uma árvore o Valente. |
Finge o Medroso, no chão, |
Que está morto, pois pressente |
A fera a correr em vão. |
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Cheira-o ela e corre adiante. |
“Que te disse o bicho, artolas?” |
“Não te fies” - diz, cantante, |
O Medroso - “em gabarolas!” |
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1529 - Semana |
|
Pergunta a criança aos pais: |
“Por quê” - que inocência emana! - |
“Dias de semana há mais |
Do que há de fim-de-semana?” |
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1530 - Cabelo |
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- Tenho algum cabelo branco? |
- E por que houveras de tê-lo? |
- Dos cuidados que me arranco… |
- Cuidados com quê?! Sê franco!… |
- Com o branco meu cabelo! |
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1531 - Rio |
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“Um rio” - diz a criança, |
Após a lição da escola - |
“É um curso de água que alcança |
Ser permanente e rebola |
Das montanhas para a foz.” |
“E onde desagua após?” |
Hesita breve às primeiras, |
Dispara então: ”nas torneiras!” |
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1532 - Gordo |
|
Do gordo a mulher |
Prazer duplo irá fruir: |
- O que com ele tiver |
E o de quando ele de cima lhe sair! |
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1533 - Filha |
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Minha filha me escreveu: |
“Mostrei a Ursa Maior |
Aqui a um amigo meu, |
Mais a Órion que há no céu, |
Como a ti te vi expor.” |
|
Na resposta lhe escrevi: |
“Saí com a tua mãe, |
A Ursa Maior eu vi, |
Não a Órion. Percebi: |
Só de madrugada vem… |
|
Quem é (tua mãe insiste) |
O amigo com quem saíste?” |
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1534 - Moedas |
|
Entre duas moedas |
Hoje utilizadas, |
Câmbio do grotesco, |
Há relações ledas, |
Quase parentesco: |
- Ambas são cunhadas!… |
Não há mais quezília, |
É tudo em família… |
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1535 - Segunda |
|
Segunda mais popular |
Opção da mulher solteira |
É um soldado cativar. |
- Um civil era a primeira! |
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1536 - Assentada |
|
Aquele que diz |
“Não digo mais nada” |
Diz sempre. Desdiz- |
-Se logo de assentada! |
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1537 - Estrada |
|
“Amigo, esta estrada aqui |
Para onde é que ela vai?” |
- Pergunta, hesitando em si, |
Um peão, soprando um ai. |
|
“Esta estrada não vai, não,” |
- Lhe retorque em voz bem alta, |
Agastado, o abegão - |
“Que faz por cá muita falta!” |
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1538 - Castrá-lo |
|
“Vai ser preciso castrá-lo” |
- Diz o médico entendido - |
“O sexo formou-lhe um calo, |
A espinha tem-lhe ofendido. |
Daqui vem a dor que obceca |
Dessa horrível enxaqueca.” |
|
Acabada a operação, |
Oprimido e já castrado, |
Vai o doente em questão |
Comprar fato renovado |
Onde tiram-lhe os tamanhos |
Sem perdas, a olho, ou ganhos. |
|
Quando miram a cintura, |
“É tamanho trinta e seis” |
- Dizem de forma segura. |
“Uso trinta e quatro!” - eis |
Que grita então o doente, |
Orgulhoso, finalmente. |
|
“Não é possível!” - comenta |
Muito atento, o vendedor. |
“Tal aperto o que fomenta |
Contra a espinha acaba em dor |
E a pressão da dor obceca |
Numa horrível enxaqueca!” |
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1539 - Cadeia |
|
Por muito que me doa |
O inferno que isto é por cá, |
A cadeia tem sempre uma coisa boa: |
- É maravilhoso sair de lá! |
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1540 - Deserto |
|
Neste deserto escaldante |
Duma Europa em construção |
O português viajante |
Morre já de insolação. |
|
Água pede a quem passar. |
- Desculpe, não é bravata, |
Não tenho água, pode olhar, |
Mas não quer uma gravata?! |
|
O viajante cambaleia, |
Pede o mesmo do seguinte. |
- O que tenho é uma mancheia |
De gravatas de requinte… |
|
Chega, por fim, a um hotel, |
Já quase a desfalecer: |
- Água, por favor - diz ele - |
Uma gotinha sequer! |
|
- Não posso, caro senhor, |
Por muito que a sede o abata, |
Deixar-lhe o pé dentro pôr: |
Ninguém entra sem gravata! |
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1541 - Alternativa |
|
- Que será que quer dizer, |
Pai, o termo “alternativa”? |
- Vamos isso resolver |
De forma imaginativa. |
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Pensa que és grande e que queres |
Principiar um negócio. |
Se uma galinha obtiveres, |
Ovos terás e, sem ócio, |
|
Logo às dúzias nascem pintos, |
Montas aviários, és rico, |
Corres carros nos recintos… |
- Mas, afinal, em que fico |
|
Quanto ao que é uma alternativa? |
- Isso mesmo é o que te explico: |
Pensa que uma maré viva |
Nela afoga cada bico, |
|
Porque as parvas das galinhas |
Nunca aprendem a nadar… |
Ficas pobre como vinhas, |
Nem sequer tens onde olhar. |
|
- Mas “alternativa”, pai, |
Que é que é de tais desacatos?! |
- Uma alternativa vai |
Ser, filho, criares patos. |
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1542 - Cirurgiões |
|
Quatro cirurgiões comparam |
Entre eles apontamentos. |
- Contabilistas? aparam |
Bem a dor, que numeraram |
Todos dentro os elementos. |
|
- Bibliotecários eu creio |
Mais ligeiros de operar. |
Quando os abrimos ao meio, |
Segundo o alfabeto o seio |
Por ordem vou encontrar. |
|
- Cá por mim, os engenheiros |
É que compreendem bem. |
Nunca estranham quando, inteiros, |
No final vêem, arteiros, |
Que sobram partes também. |
|
- Eu prefiro os advogados. |
Nunca têm coração, |
De espinha, nem uns bocados, |
Nem de tripas, negregados |
Que são naquilo que são. |
|
E, depois, são os primeiros |
Entre os mais inumeráveis |
Em que, por trinta dinheiros, |
As cabeças e os traseiros |
São sempre intercambiáveis! |
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1543 - Torneiras |
|
Eu ignoro o rio, a fonte |
Porque as nascentes primeiras |
Nos fugiram do horizonte: |
- A água nasce das torneiras! |
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1544 - Recém-nada |
|
Zélia se queres chamar |
Tua filha recém-nada |
E se a mãe quer, em lugar, |
Nádia chamar-lhe de entrada, |
|
Para logo haver acordo |
Diz que sim e toma ao colo |
A bebé do desacordo. |
Então prepara teu golo: |
|
Chama-lhe Naná mui terno. |
Quando a mãe te perguntar: |
“Mudaste o Verão no Inverno, |
Que queres significar?” |
|
“A primeira namorada” |
- Lhe responde convencido - |
“Era de Nádia chamada |
E eu dizia-lhe ao ouvido |
|
Naná: coisa de criança!” |
Zélia fica logo a filha, |
Logo este nome ela alcança, |
Sem debate nem partilha, |
|
Nem que nunca, em tua vida, |
Hajas sequer conhecido |
Nenhuma Nádia querida |
Que fundamente o ocorrido. |
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1545 - Ópera |
|
Quando um homem a facada |
Leva nas costas e não |
Sangra e canta uma balada… |
- É ópera, pois então! |
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1546 - Hipócrita |
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O hipócrita um livro escreve |
O ateísmo a exaltar, |
- Depois reza para breve |
Lho venderem no lugar! |
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1547 - Chefe |
|
O chefe chega atrasado |
Quando nós chegamos cedo; |
Quando me atraso um bocado, |
Cedo vem gritar-me o credo. |
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1548 - Altar |
|
“Quem na pequenina casa |
Sobre o altar de nossa igreja |
Mora?” - a professora apraza |
A turma a ver o que almeja. |
|
Todos “Jesus!” lhe respondem. |
Mas um dos mais desalinha-se: |
“Como é que cabe e o escondem, |
Professora? É que Ele aninha-se?” |
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1549 - Véspera |
|
- Quando lhe peço um trabalho, |
É sempre amanhã que o traz! |
- Mas, patrão, poupe-me ao ralho: |
É que sempre, quando eu calho, |
É de véspera que o faz! |
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1550 - Crescendo |
|
Os filhos crescendo estão |
Se deixam de perguntar |
Donde vieram e não |
Contam para onde vão, |
Mesmo que seja a pagar! |
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1551 - Martelo |
|
Liberdade de expressão |
Nunca foi um bem tão belo |
Como quando em seu dedão |
Bate alguém com um martelo. |
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1552 - Desejo |
|
- Se um desejo puderas formular, |
Que desejarias? |
- Um milhão de contos em minhas mãos
vazias! |
- Tu?! De idealista com tal ar?! |
|
- Idealismo tenho eu até bastar: |
Desejá-lo não esperarias |
De quem jamais o contratou a dias. |
Dinheiro é que me falta, para meu azar! |
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1553 - Pulga |
|
Um homem crê que bem julga |
E nem julga o que lhe dói. |
A mulher avista a pulga |
Onde o homem, nem um boi! |
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1554 - Paranóico |
|
Um bocado paranóico |
Hoje em dia quem não cresça |
É porque não anda, estóico, |
Lá muito bom da cabeça. |
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1555 - Cirurgião |
|
Por que é que um cirurgião |
Se mascarará durante |
O correr da operação? |
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É que ao ir para diante, |
Se lhe mal correr tal acto, |
Manter pode o anonimato! |
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1556 - Ovação |
|
Ao belo conversador |
A feminina ovação |
Primeiro é para o orador, |
Só depois para a oração. |
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1557 - Dança |
|
Ante uma sala que dança |
Quão precisa é a piedade |
Por quem tanto pula e cansa |
Sem qualquer utilidade! |
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1558 - Governam |
|
São os homens que governam, |
Porém, não faz mal nenhum, |
Porque elas, se eles adernam, |
Os governam um a um. |
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1559 - Conduto |
|
Homem de bom apetite |
Conduto outro nem requer |
Que o fumo que olor agite |
Das chaminés a cozer. |
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1560 - Vaca |
|
Para muitos, a ciência |
É como deusa altaneira. |
Para outros, a evidência |
É que é uma vaca leiteira. |
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1561 - Argumenta |
|
Argumenta S. Tomás |
Que Deus, sendo omnipotente, |
Outro Deus Ele não faz, |
Suicidar-se, é evidente, |
Não pode, não é capaz, |
Homem sem alma, se o tente, |
E por muito contumaz, |
Não pode gerar tal ente, |
Nem um triângulo traz |
Cuja soma interna invente |
De ângulos, um doutro atrás, |
Que não iguale, ao presente, |
Cento e oitenta graus de paz… |
|
Mas no século passado, |
Numa superfície curva, |
Matemáticos logrado |
Hão tal feito. E nada turva |
Memória de feitos seus |
Isto de nem serem Deus! |
|
Que estranho este Omnipotente |
A quem uma longa lista |
De coisas se não consente, |
Não da parte duns homólogos |
Deuses que alguém haja em vista, |
Mas por ordem dos teólogos! |
|
Há paciência que resista?! |
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1562 - Homérica |
|
Dizer civilização |
O mesmo é dizer que América, |
Fachada de construção |
Em que a empresa é toda homérica. |
|
Erguem os olhos aos céus |
Arregalados e tolos: |
Andam com arranha-céus |
Sempre dentro dos miolos! |
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1563 - Corredor |
|
Corredor de cá nem quer |
Ver que metros lhe faltaram: |
- Hoje não vou mais correr, |
Meus fones avariaram! |
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1564 - Simulando |
|
O filho comenta ao pai, |
Fundo simulando um ai: |
- Indicador económico |
É que ainda é terça-feira |
E da semanada o cómico |
É que a já gastei inteira! |
|
1565 - Advogado |
|
Um advogado o que sente |
Bem no íntimo o dia inteiro: |
Um homem é um inocente |
Até ficar sem dinheiro. |
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1566 - Tele-comando |
|
Controlo bem eficaz |
De toda a natalidade |
O tele-comando o traz |
Que à TV nos persuade. |
|
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1567 - Refém |
|
De refém um tribunal |
Atulhado de advogados |
Os terroristas tomaram: |
- Ou nos dão inteiro aval |
Ou, de hora a hora, jogados |
Estes que aqui abancaram |
Serão para o vosso meio. |
E quando o mundo ficar |
De advogados todo cheio |
Veremos quem vai ganhar! |
|
|
1568 - Casal |
|
Um homem e uma mulher, |
Um casal muito atraente, |
Num restaurante qualquer |
À meia-luz jantam quente. |
|
O empregado, de repente, |
O homem viu deslizar |
Para baixo, lentamente, |
Até de vez se apagar. |
|
“Desculpe, minha senhora, |
Mas creio que seu marido |
Caiu debaixo da mesa…” |
|
“Não!” - responde sem demora - |
“Marido é o que além erguido |
Foi pedir a luz acesa!” |
|
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1569 - Empregados |
|
Não há nada, |
Sejam embora grandes os cuidados, |
Que melhore mais uma piada: |
- Contá-la aos empregados! |
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1570 - Cadilhos |
|
Problema de envelhecer, |
Liberto enfim de cadilhos, |
É que ouvir terei de ter |
Conselhos de nossos filhos. |
|
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1571 - Descobrir |
|
O problema de quem não tem |
Nada para referir |
É o tempo que toma sempre a alguém |
Até tal vir a descobrir. |
|
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1572 - Falado |
|
Pior do que ser falado |
Uma só coisa há-de haver |
No mundo, por todo o lado: |
- É não o ser! |
|
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1573 - Inacreditável |
|
No que toca a acreditar, |
Acreditar é viável |
Se da proposta constar |
Algo de inacreditável! |
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1574 - Gravata |
|
Com um fraque e uma gravata |
Qualquer um pode ganhar |
De civilizado a prata, |
- Até o político alvar! |
|
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1575 - Defeito |
|
Se um homem fora perfeito, |
Nunca a mulher o amaria, |
Que o ama pelo defeito, |
Senão como perdoaria? |
Aliás, se o não amara |
Pelo defeito que tem, |
Nunca um homem se casara, |
Infeliz como ninguém. |
|
Às vezes, celibatário |
Fica após haver casado? |
- É que um solteiro honorário |
Dela a gozar tem andado… |
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1576 - Feia |
|
Homem que prega moral |
É um hipócrita, alardeia. |
A mulher que faz igual |
Invariavelmente é feia! |
|
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1577 - Tradição |
|
Da América a juventude |
É antiga já tradição: |
- Há três séculos que ilude, |
De ingénua, a imaginação! |
|
|
1578 - Romance |
|
Com vinte anos de romance, |
É uma ruína a mulher, |
Casamento que os alcance |
É um monumento qualquer! |
|
|
1579 - Evento |
|
Ser feliz no casamento |
Pode o homem que o sonhou. |
…Das mulheres pende o evento |
Com quem ele não casou! |
|
|
1580 - Bolos |
|
Isto é que nos dá cuidados: |
O mundo é feito por tolos |
Para que os ajuizados |
Dele merendem os bolos! |
|
|
1581 - Penedos |
|
Para a esposa, quais segredos! |
Descobre-os todos, fatal. |
- Só não descobre os penedos |
Da evidência mais banal. |
|
|
1582 - Acenos |
|
Jamais encontrei ninguém |
Que mais fale e diga menos: |
De orador público tem |
A veia mais os acenos! |
|
|
1583 - Ansioso |
|
esperarei aqui, |
Neste ansioso lugar, |
A vida inteira por si… |
…Se muito não demorar! |
|
|
1584 - Electricidade |
|
Quando a nova descoberta, |
Como da electricidade, |
Ocorre, a questão desperta: |
“Para que serve, em verdade?” |
|
A resposta, em boa fé, |
Sempre esta foi a quenquer: |
“Para que serve um bebé |
Acabado de nascer?” |
|
E ao político, depois, |
Outra que lhe aponta a caixa: |
“A que serve?! Para vós |
Breve lhe aplicardes taxa!” |
|
|
1585 - Namoro |
|
O namoro é aquecimento |
Dos atletas quando logra |
Jogar logo ao casamento… |
- Só que árbitro aqui é a sogra! |
|
|
1586 - Dotado |
|
Difícil de imaginar, |
Do mundo nesta comédia, |
É dotado, se calhar, |
Não ser eu mais do que a média. |
|
|
1587 - Astrólogo |
|
Os economistas são |
Quem na terra plantou Deus |
Para o astrólogo aos incréus |
Parecer, afinal, bom. |
|
|
1588 - Consultor |
|
Um consultor conjugal |
Há-de cem modos saber |
De amar. Porém, por sinal, |
Nem conhece uma mulher. |
|
|
1589 - Chacota |
|
Verdadeiro patriota |
É aquele que leva a multa |
E ri feliz, sem chacota, |
Que a lei opera e resulta! |
|
|
1590 - Estacionamento |
|
Ali, no estacionamento |
De hotel, os carros, contentes, |
Alinham o luzimento |
Rindo em fiada de dentes. |
|
|
1591 - Demande |
|
Era uma casa tão grande |
Que, às nove horas na cozinha, |
Quem a sala então demande |
São onze que aqui já tinha! |
|
|
1592 - Rico |
|
Era tão rico, tão rico |
Que até tinha uma lambreta |
Com motorista de quico |
Emproado na fardeta! |
|
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1593 - Vende |
|
A resposta delicada |
O enfurecimento afasta, |
Mas não quem vende na entrada |
Contra que, afinal, se agasta. |
|
|
1594 - Atrapalho |
|
O problema de chegar |
Sempre a horas ao trabalho |
É que o dia vai ficar |
Tão longo que é um atrapalho! |
|
|
1595 - Hipotermia |
|
“Eu morri de hipotermia.” |
“Eu, acredites ou não, |
A vergonha que sentia |
Atacou-me o coração. |
|
É que de minha mulher |
Desconfiei: a desoras, |
tratei de a surpreender |
E afinal, passadas horas, |
|
Após tudo procurar |
Com denodo científico, |
Nada encontrei.” “Se calhar, |
Se visses o frigorífico, |
|
Estaríamos agora |
Ambos bem vivos lá fora!” |
|
|
1596 - Berbequim |
|
“Quero um berbequim sem fio.” |
“É a centésima figura |
Que hoje em conta já desfio, |
Tudo ao mesmo, que fastio! |
- Isso nunca tem procura! |
Quem é que pode arriscar |
A tal ter cá no lugar?” |
1597 - Revistas |
|
As revistas de beleza |
São o mais seguro meio |
Para aquele que se preza |
Se sentir deveras feio! |
|
|
1598 - Gasolina |
|
“Mas qual depressa demais!? |
Se não corro, minha sina, |
Veja do carro os sinais, |
- É ficar sem gasolina…” |
|
|
1599 - Assaz |
|
- O noivo de tua irmã |
Será mesmo rico assaz? |
- Não, já que, cada manhã, |
Meu pai diz: “pobre rapaz!” |
|
|
1600 - Gordura |
|
Dinheiro como gordura, |
Ambos abundam, porém, |
Colocam sempre a fartura |
Num lugar que não convém. |
|
|
1601 - Pêlos |
|
Os padres sempre aos padres arrancaram |
Em todos os concílios os cabelos |
E o que ao fim deliberaram |
É “infalível”, infalível como os pêlos! |
|
Ainda dizem que não há milagres! |
Nem é preciso procurá-los: |
- Se a contá-los aqui te consagres, |
Até na ponta dos dedos crescerão os
calos! |
|
|
1602 - Prova |
|
A melhor prova |
É aquela que não existe: |
Não se aprova nem reprova |
Aquilo que nunca viste… |
|
Qual refute ou não refute: |
- Nem sequer se discute!… |
Ris-te? |
- Pois olha que não tem chiste! |
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1603 - Aviso |
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Os antigos egípcios adoravam |
Os crocodilos que os devoravam, |
Hoje os homens adoram e propagam |
Os automóveis que os esmagam. |
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É o progresso. |
Diverge o conteúdo, igual é o processo. |
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Fica o aviso: |
Que frágil, que difícil é ganhar juízo! |
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1604 - Imbecis |
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Quando o rei dos imbecis |
Resolve ser um vaidoso, |
A vaidade dá-lhe esquis, |
Salta quanto é montanhoso. |
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1605 - Criança |
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De ser criança deixar, |
Muitas vezes o que alcança |
Não é de adulto um lugar, |
- Foi que fez-se uma criança! |
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1606 - Retrete |
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Toda a gente lá tem de ir, |
A guerra é como a retrete |
E uns tantos se irão servir |
Dela como dum bufete! |
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1607 - Vigarista |
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O que fere um vigarista |
É que um vigarista adregue |
De ter tal partida em vista |
Que tal partida lhe pregue. |
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1608 - Riso |
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O riso é o único dom |
Que foi concedido ao homem |
Sem haver repartição |
Por animais que o retomem. |
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Prova que temos juízo: |
- É só riso, riso, riso!… |
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1609 - Mastigar |
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Mais pelas nossas cabeças |
Pensamos logo os eventos |
Da TV sem estas peças |
De mastigar pensamentos. |
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1610 - Fenda |
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- Vês aquela fenda ali? |
O meu guia de montanha |
Caiu nela. Percebi: |
Quem lá cai, jamais se apanha! |
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- E contas-me tal desgraça |
Com tal naturalidade?! |
- Era velho, tinha traça |
E folhas, já só metade… |
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1611 - Postergados |
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Quem é inteligente ajuda |
A dormirmos sossegados: |
Inventa o porquê que acuda |
Quando somos postergados! |
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1612 - Calhaus |
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Escolho aqui no quintal |
Meia dúzia de calhaus, |
Meto um ferro, em pedestal, |
Numa peanha de paus. |
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Compro um teorizador |
Que embrulhe em mil teorias |
Dos calhaus todo o teor, |
Formas, relevos e vias. |
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E eis como uma simples pedra |
Escultura primorosa |
Devém e por dentro medra: |
- Vale mil contos de prosa! |
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1613 - Mentirosos |
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Mentirosos inteligentes |
Pormenores dão. |
Se um pouco mais sapientes, |
Não! |
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1614 - Marido |
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Marido é quem gostaria |
De tanto se divertir |
Quanto a mulher cada dia |
Cuida que é dele a estadia |
Quando a negócios tem de ir. |
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1615 - Certeira |
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Quando o choque nos percorre, |
Uma resposta certeira |
É aquela que nos ocorre |
Mais tarde e depois da asneira. |
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1616 - Hospital |
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O hospital é aquele sítio |
Em que te acordam à noite |
Para uma injecção de lítio |
Que a dormir então se afoite! |
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1617 - Paciência |
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“Mas quando é que se organizam? |
Ontem a carta me tiram. |
Hoje, então, logo o que visam |
É a carta que me extorquiram |
Fazer-me parar p’ra ver… |
É de a paciência perder! |
O pobre automobilista |
Que direitos tem na lista?!” |
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1618 - Mente |
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Mente é coisa poderosa: |
Principia a trabalhar |
Quando nasce quem a goza, |
Para nunca mais parar… |
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Não parar até o momento |
Em que nós nos levantamos |
Para falar (que tormento!) |
A um público que enfrentamos! |
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1619 - Sistemas |
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Dois sistemas nos regulam, |
O legal e o da etiqueta. |
Naquele as leis se acumulam, |
De regras este o completa. |
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De uns aos outros nos matarmos |
O legal nos vem salvar |
E não nos amalucarmos |
A etiqueta quer tentar. |
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O mais estranho do intento |
É que o tempo vai passando |
E a má-criação, em aumento: |
- Somos loucos desde quando? |
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1620 - Piadas |
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Se queres que alguém se ria, |
Fresco, de tuas piadas, |
Diz quanto ele humor desfia |
Criterioso e às abadas! |
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1621 - Identidade |
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Se o cartão de identidade |
Perdes ao fazer cem anos, |
Tens logo a boa vontade |
Do empregado dos arcanos: |
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- Não há identificação? |
É só duas testemunhas |
De infância que andem à mão. |
Se uns dez anos mais lhes punhas, |
Então é uma perfeição! |
Vai por elas, que, entretanto, |
Novo cartão cá te planto! |
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1622 - Precisa |
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“Nada tenho que vestir” |
- Diz a mulher, indecisa. |
Nada “de novo” é de ouvir, |
Se ela fora mais precisa. |
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“Que vestir não tenho nada”, |
Quando é o homem a dizer, |
É “nada limpo” à chegada |
Que convém compreender. |
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1623 - Património |
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Criança que adorável for, |
De património mundial da raça humana |
Tem valor. |
Criança, porém, |
Malcriada, que nos dana, |
- Pertence dela à mãe, |
Sacana! |
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1624 - Aprendiz |
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O aprendiz |
A quem observar e perguntar |
O patrão
recomenda, diz: |
- Cá estou observando em meu lugar |
E, dentre pergunta tanta, |
Eis o que importa: quando se janta? |
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1625 - Mindinho |
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Um homem e uma mulher |
Vivem mundos diferentes. |
Ambos presentes |
Ante um orador qualquer, |
Repara aquele na falta |
Do mindinho na mão alta |
Com que turba ele interpele. |
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“Reparou” - diz a uma ouvinte - |
“Na mão dele?” |
“Pois! Disse que era casado” |
- Responde ela com acinte - |
“E a aliança |
Não lha vejo em nenhum lado. |
Tanta aldrabice cansa!” |
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1626 - Pequenino |
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Gosto de ser pequenino, |
Há mais tempo de brincar… |
Ser o mais novo, declino: |
- Não há nunca em quem mandar! |
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1627 - Enliço |
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- Entrado na empresa há um ano, |
Você foi da portaria, |
Mas, reformado o decano, |
Logo a vendedor subia |
E, um mês depois, a gerente |
E hoje é vice-presidente. |
Ora, vou-me retirar, |
Quero deixar-lhe o lugar. |
Presidente então vai ser, |
Bem como administrador. |
que é que me tem a dizer |
Ao que acabo de propor? |
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- Obrigado, para já… |
- Para já?! apenas isso?! |
- Tem razão, desculpe o enliço… |
Muito obrigado, papá! |
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1628 - Sinfonia-mor |
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Que é que um administrador, |
Tendo em vista a economia, |
Faz da sinfonia-mor |
Que Schubert não findaria? |
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- Por quê doze violinos |
Se todos tocam o mesmo? |
Reduzam tais desatinos! |
E oboés, todos a esmo |
Sem ter nada que fazer?! |
O trabalho, por igual, |
Todos devem empreender: |
Tanta pausa, para quê?! |
Não vêem que é mau sinal?! |
Falta equidade, eis o que é… |
E depois aquelas trompas |
Repetem temas das cordas. |
Redundâncias se interrompas |
Vê quanto em poupança acordas: |
Vinte minutos menor |
Tal concerto então vais pôr. |
Para quê dois andamentos? |
Schubert mete mesmo dó! |
Acabavam-lhe os tormentos: |
Bastaria ter um só! |
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A concluir e por junto, |
Schubert o tempo teria, |
Se atendera a tal assunto, |
De acabar a sinfonia! |
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1629 - Seguinte |
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Quando uma pessoa morre |
Durante o sono, o requinte |
É não ver que isto lhe ocorre |
- Até à manhã seguinte? |
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1630 - Foto |
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“Quando a foto lhe tiraram |
(Para tudo bem assente |
Ficar no auto que lavraram) |
Você estava presente?” |
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1631 - Confusão |
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“Foi você ou seu irmão, |
O mais novo, lá da terra, |
Que em meio da confusão |
Morreu a tiro na guerra?” |
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1632 - Frisa |
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“Então” - frisa o advogado, |
Arrebatado no voo - |
“Ao vê-lo ali tu de lado, |
Foi que ele então te matou?” |
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1633 - Embora |
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“O senhor esteve lá |
Até mesmo àquela hora, |
Ao exacto instante já |
Em que foi por fim embora?” |
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1634 - Presídio |
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Pergunta o juiz ao réu, |
Intrigado, no presídio: |
“Quantas vezes cometeu |
Durante a vida suicídio?” |
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1635 - Alguma |
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“Pelos filhos sendo as brigas, |
Quantos rapazes são eles?” |
“Nenhum!” “E então raparigas, |
Existe alguma além deles?” |
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1636 - Cave |
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“Descem à cave as escadas. |
Não será que elas, porém, |
Satisfeitas as entradas, |
Das caves sobem também?” |
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1637 - Findou |
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“Meu primeiro casamento |
Por morte é que terminou.” |
“E por morte ou passamento |
De quem é que ele findou?” |
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1638 - Ocasião |
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“Então como era o ladrão?” |
“Mediano, a barba a tremer…” |
“Reparou, na ocasião, |
Se era homem ou mulher?” |
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1639 - Autópsias |
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“Quantas autópsias, doutor, |
Perdido dentre as retortas, |
Quantas foram, por favor, |
Que fez em pessoas mortas?” |
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1640 - Magicou |
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“A que horas autopsiou?” |
“Oito e trinta.” “E estava morto?” |
“Não, que ele até magicou |
Se aquilo era o meu desporto!” |
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1641 - Conferiu |
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“Conferiu a pulsação, |
A tensão arterial, |
Também a respiração?” |
“Não!” “E da morte o sinal |
Como pode estar seguro?” |
“Porque o encéfalo no muro |
Ficara lá de estendal.” |
“Mesmo assim não poderia |
Por acaso ainda estar vivo?” |
“Só se fora advocacia |
Que, dum modo um tanto esquivo, |
O morto ande a praticar |
Aí por algum lugar…” |
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1642 - Funcional |
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A ilusão é funcional: |
Dum filho o que julga a mãe, |
Que ele é belo, genial, |
É o que a impedirá também |
De matar qualquer aborto |
Que nasceu já mais que morto. |
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1643 – Elefante |
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Qualquer elefante é um rato |
Fabricado na medida, |
Garantida por contrato, |
Pelo Governo exigida. |