PRIMEIRO  TROVÁRIO

 

 

 

                PRIMEIRO GERMINA O AMOR, POEMA REGULAR

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 1 e 124, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 


 

                                                1 - A Mansão da Infinidade

 

                                                Primeiro germina o Amor, poema regular,

                                                Desemboca na Utopia, em todo o sonho,

                                                Normativo logo após se há-de tornar

                                                Com aquilo que define a caminhar.

                                                E, poema irregular, de Amor disponho

 

                                                Pela Utopia além verrumando,

                                                Regras a definir,

                                                O Ser que entendo a perseguir.

                                                Depois, a quadra regular de Amor e Sonho laçando,

                                               

                                                Atinjo a norma de fermentar o que desvendo,

                                                Até que toco a irregular quadra de utopia e afectos

                                                Culminando a regra a ordenar o que compreendo.

 

                                                Aqui chegados, sonetos e trovários são projectos

                                                Que agasalham da ironia e bom-humor os tectos.

 

 

                                                2 – Primeiro germina o Amor, poema regular

 

                                                Primeiro germina o Amor, poema regular,

                                                Em verso bem medido e bem rimado.

                                                A raiz aqui vou soletrar,

                                                Nas pegadas que alinhar,

                                                Do que nos destina o fado.

 

                                                Tanto pelo amor-paixão

                                                Como pelo fraterno ou parental

                                                Ou da humanidade universal

                                                Caminharei, raso ao chão.

 

                                                Contudo, de olhar ao alto,

                                                Explorando no afecto

                                                O trampolim do salto.

 

                                                Algum dia no infindo o projecto

                                                Culminará o trajecto.

 

 


 

 

 

 

 

 


 

 

3 – Sabor

 

Na máquina de café

Ajunto o sabor dos povos

De Moçambique à Guiné,

De Angola trago renovos,

De Timor à Arábia até,

Em lotes de sabor novos.

 

O fruto das lavras ponho

Todo inteiro a se abraçar

E das fazendas disponho,

A machamba e a roça a par,

O alegre povo, o tristonho,

Juntos tudo a perfumar.

 

Pode o mundo fazer guerra,

Que o sabor de tudo enlaço.

Nós cá somos terra a terra

E preferimos o abraço

Ao dente que tudo ferra,

Que a festa prende no laço.

 

Nós enlaçamos o mundo

E, nele nos enlaçando,

Damos o abraço profundo

Que juntos nos prende, quando

De amor tudo é tão jucundo

Que o mundo acaba inundando.

 

 

4 – Poetas

 

Dum amor toda a fervura

Os poetas transmudaram

Numa infinita impostura:

 

As rimas deles colaram

De palavras duas bocas

Que as vidas mal decalcaram.

 

Sempre o amor que em nossas tocas

Os fados nos destinaram

Menos belo e que o que evocas.

 

Os degraus para o infinito,

Que lonjura em nosso grito!

 

 

5 – Mudar

 

É o amor o derradeiro

Meio de mudar os seres,

Mesmo cheios por inteiro

De ódio quando os acolheres.

 

Se exprimires este amor

Em contínuo, sem enfado,

Tocá-los-ás do fervor,

Tarde ou cedo, a teu agrado.

 

 

6 – Angústias

 

Para angústias combater

É preocupar-se menos

Consigo que com os mais.

Alguém ao deveras ver

Ruins dos outros os terrenos

Maus os seus não vê jamais.

 

Quando os outros ajudamos,

Nossa confiança aumenta,

Nossa angústia diminui,

Desde que francos sejamos.

Paga a mais quando se tenta

Só do mal que em nós influi

 

Nos livrarmos, finalmente,

Noutrem a apostar em frente.

 

 

7 – Argumento

 

Quando argumento, a razão

É sempre a quem me dirijo.

Se amor manifesto, então,

Ou carinho é que de rijo

 

Me comunico à pessoa,

Eu inteiro ao outro inteiro,

Não a qualquer parte à toa

Donde ao todo não me abeiro.

 

Dali é que então alguém

Muda no encontro que tem.

 

 

8 – Jóia

 

É sempre uma fancaria

A jóia de minha prenda?

Tanto mais se distinguia

Da ternura que eu te renda.

 

E é tão mais de pechisbeque

Quanto o amor que tece os dias

Das emoções todo o leque

Nos enche de fantasias.

 

Uma prenda é uma janela

Para a paisagem soalheira

E és tu nesta a minha estrela

A aquecê-la toda inteira.

 

 

9 – Ouvi

 

Venho aqui testemunhar

Que ouvi bem a Tua voz,

Identifico o sinal.

E venho, pois, te impetrar

Que me não faças, após,

Dele indigno, no final.

 

Venho dizer que, ao olhar

Meu amor, a Ti descubro:

Já não és mais invisível,

Difuso, uma sombra de ar,

Mesmo se eu estou ao rubro,

Mas concreto, perceptível,

 

Vivente, reconfortante,

Fonte de amor amor dando,

Sempre a intervir actuante.

Ajuda-me, que ajudando,

 

Tu que és amor, a que eu ame,

Vou consumir-me no amor

E não temer dele o fogo.

Que ante o risco não me escame,

Que ante o medo, sem tremor,

O terror desgaste logo.

 

Ajuda-me a não fugir,

Não traficar, degradar,

Não aviltar, corromper.

Ajuda-me a distinguir

O vero do que falsear

E ajuda-me a não ceder

A emboscadas de inimigos

Do amor, os grandes perigos.

 

Eu e Tu, então, de vez

Juntos no rosto que eu amo

Somos Um em dois, os três,

De Deus o inefável tramo

Vivo em nossa pequenez.

E somos divino um ramo

Com inteira solidez

Junto ao mais que em vida acamo.

 

 

10 – Perdido

 

Falei-te de plenitude

E o que vejo nos teus olhos

É o paraíso que ilude

Perdido por entre abrolhos.

 

Cada qual o possuía,

Ao paraíso perdido.

Hoje é dele a nostalgia

Da vida e morte o sentido.

 

Quando eu olho nos teus olhos,

Quando tu olhas nos meus,

Os milagres são aos molhos,

É o tempo, o tempo de Deus.

 

Em ti eu O encontro a Ele

E me reencontro a mim,

Tua pele é minha pele,

Tuas mãos, minhas assim.

 

Amo-te, não tenho medo,

Tens a beleza do sol:

Quando ris é um raio, cedo,

Da madrugada que bole.

 

Sai de ti, inunda o mundo:

- Como tudo põe jucundo!

 

 

11 – Auréola

 

Extremamente fugaz,

Além do mais, é a beleza.

Uma vaga auréola traz,

Uma irradiação mal presa,

Um odor que é tão esquivo

Que mal se inscreve em ser vivo.

 

Tem a intensidade cega

Que nos prende e ninguém pega.

 

 

12 – Encontrado

 

É uma ideia aterradora

O amor que podia ser

E não é, mera demora.

 

Quem eu poderia ter

Encontrado e todavia

Nem o vislumbrei sequer.

 

Amor que então deviria

Aventura em negativo:

O que não é mas seria…

 

O estranho do amor esquivo

É que a sublime aventura

É a que eu podia, vivo,

 

Ter vivido em tal altura

E não vivi, morto arquivo

Do que nunca tem figura.

 

É meu mundo paralelo

A que nunca apus o selo.

 

Lugar do sonho perdido

Que sou sem nunca ter sido.

 

 

13 – Sol

 

Cada qual é detentor

Dum sol que ciosamente

Conserva em seu interior

E que desde adolescente

Esconde, a aguardar mais ganhos,

De familiares, de estranhos.

 

Chegará, porém, o dia

Em que tropeça em alguém

Que lhe desvenda a magia

Do segredo que em si tem

E que o assume tal qual

Na alegria que o iguale.

 

Ou então somos nós quem

Penetrará no segredo

Que o imo doutrem contém,

Que o assumimos sem medo

Como festa de magia

Que em nós também principia.

 

Não há de sangue algum laço

Que mais ligue, irreversível,

Que a descoberta que faço

Deste sol indestrutível

Que por graça ou por acaso

Se me impõe como meu caso.

 

 

Abençoados aqueles

Em que é mútua a descoberta:

Descubro teu sol que impeles

Quando o meu te abre uma aberta.

E mil bênçãos se fiéis

Forem sempre a tais anéis.

 

 

14 – Descobriste

 

Se nos dias que hão-de vir,

Pelo sol te condenarem

Que descobriste fulgir

No peito dos que se amarem,

Lembra-te: digno hás-de ser

De quanto sol aquecer.

 

Se te pregarem na cruz,

Anjos do céu vão descer,

Vestidos de branco e luz,

Que te irão lá desprender.

Mesmo selado em sepulcro,

Ressuscitarás mais pulcro.

 

E, se for justo fazê-lo,

Que tu próprio saibas ser

O anjo libertador belo

Daqueles que hão-de sofrer

Por mor da fidelidade

A todo o amor que os invade.

 

 

15 – Fruto

 

Se aquele que se apresenta

Como sendo um esperado

Gerar não nos faz nem tenta,

É só fruto malogrado.

 

Um desejado anuncia,

Não um cilício de esparto,

Mas aquilo que se cria

Através da dor de parto.

 

E quem ama, se calhar,

A contradição requer

De só conseguir amar

A quem tal fizer sofrer.

 

 

16 – Amo-te

 

Amo-te de cravo e rosa,

 

Amo-te de amor-perfeito.

És poema em minha prosa,

És a vida a que ando afeito.

És tão eu, tão eu que, enfim,

Sem ti nem eu era em mim.

 

 

17 – Corresponder

 

O amor incondicional

Não é aquele amor terreno

Em que se ama cada qual

Se corresponder em pleno

Dele ao que espero que vale.

 

Outro é o que importa deveras:

Amo-te pelo que fores,

Respeito, em quaisquer esferas,

Teu trajecto ao te propores.

 

És o que és e tens direito

A tomá-lo sempre a peito.

 

 

18 – Campo

 

Um só campo de energia

Nos une a todos no mundo.

Somos todos a magia

Dum cordão imenso e fundo,

Fisicamente ligados

Todos por todos os lados.

 

Estão mesmo entretecidas

As do meu com as do teu,

As moléculas hauridas

Do Cosmos no gineceu.

Uma só força ata os nós

A agir dentro em todos nós.

 

 

19 – Embora

 

Embora tenha o poder

De interferir e evitar

A dor que um filho tiver,

Optarei por mostrar

 

Amor deixando-o aprender

À própria custa a esmoer.

 

Faz parte do crescimento

A dor de cada momento.

 

É assim que nós aprendemos

Não na estufa que amornemos.

 

 

20 – Procuro

 

Que procuro, que procuras?

Certamente, não o amor:

Não o compram sinecuras

Nem a vontade o há-de impor.

 

Ao amor ninguém o alcança,

Corra, salte ou atropele,

Pouco importa o que se cansa:

- Quem nos alcança é sempre ele.

 

 

21 – Guerra

 

Em tempo de guerra o amor

Chega a não ter importância,

Tal a importância do horror:

O amor é uma irrelevância,

De tanta insignificância.

 

O amor, porém, é que empresta

O sentido e peso à vida.

Por isso a guerra não presta,

Tem de ser, nesta medida,

A todo o custo impedida.

 

 

22 – Choque

 

É dentro de nossa casa

Que o inimigo é pior.

O choque que chispa em brasa

Não é de servo e senhor,

 

Vai ser entre pai e filho,

Entre marido e mulher,

Entre irmãos, quando o cadilho

Que os ata se retorcer…

 

Quando Deus se faz presente,

Não é paz mas divisão

Que o rio arrasta em torrente

Até regar todo o chão.

 

 

23 – Fronteira

 

Vais a um sábio perguntar

O que é que entre noite e dia

Faz fronteira a separar:

Se estrela que não luzia,

 

Se linha branca de preta

Distinguir sem hesitar.

E o sábio o que te interpreta

É que és um cego sem par:

 

Aquilo que te separa

O dia sempre da noite

É quando olhas cara a cara

Qualquer homem que se afoite

 

E vês que ele é teu irmão.

Se vives num tempo novo,

É nisto que vês então

Que o velho é morto e o renovo

 

Inaugura um novo dia

Dum olhar nesta harmonia.

 

 

24 – Purifica

 

Nada purifica tanto

Como a afeição. As questões

De família enxugam pranto,

De rasas devirem tanto:

- A união eleva, emoções

A tudo emprestam encanto,

Troca a vida corações.

 

 

25 – Súbditos

 

De súbditos mais amado

Te vale ser que odiado.

 

Decerto benevolência

É mais própria, por essência,

 

Que orgulho, na ocasião,

Para ganhar afeição.

 

Aposta no bem-querer:

Comandas mais que quenquer.

 

 

26 – Juntas

 

Por que é que há-de ser loucura?

Se duas pessoas se amam

Nunca mais pára a procura,

Por que de vez não se acamam?

 

Se ao fim dum mês andam fartas

Uma já da outra então,

Se com o outro já repartas,

Mau comparsa, o jogo em vão,

 

Não ficais associados,

Partilhando a mesma estrada:

Cada qual, os pés pisados,

Só da dor é camarada.

 

 

27 – Erguer-se

 

O sentimento de irmãos,

Uma afeição arreigada

À vida, de mãos nas mãos,

Por nenhum choque abalada,

 

Por mil pequenas disputas

Ofendida num instante

Mas sempre a erguer-se das lutas

Mais forte e mais viva adiante,

 

Quando a pressão se fundiu;

Uma afeição que nenhuma

Paixão depois destruiu,

Que nem um amor resuma,

 

Iguale em força, constância:

Que um amor fere, cruel,

Com tais angústias, tal ânsia,

Que nossas forças impele,

 

Num ápice devoradas

Pelas chamas ateadas;

 

- Uma afeição sem tormentos

Nem fogueiras a queimar,

É consolo dos momentos,

Bálsamo a cicatrizar.

 

O sentimento de irmão

Brevemente sintoniza

Coração com coração

E ambos disponibiliza.

 

 

28 – Mesma

 

Jamais há felicidade

Onde não houver mudança.

A monotonia invade

Tudo quanto o amor alcança.

 

A morte e a monotonia

Farão então parceria,

 

Uma na outra repoisa,

- São ambas a mesma coisa.

 

 

29 – Ilusão

 

A vida é uma ilusão, mas não o amor.

O amor é a mais real, mais duradoira,

Mais doce e mais amarga fina-flor

Que conhecemos firme ao sol que a doira.

 

É poderoso como a morte,

Dele a doçura é fugidia

E o aguilhão é de tal porte

Que fica sempre em duro corte,

Cruel tortura, noite e dia.

 

Isto, a menos que se trate

Dum amor retribuído.

Mas romances são dislate,

A epiderme do sentido:

 

Mostram a superfície verdejante

E tentadora, enfim, do pantanal,

Não reflectem a face perturbante

Do fundo que ela encobre e é lamaçal.

 

Há casamentos felizes,

Se é recíproca a atenção

E sincera nos matizes

E se em harmonia estão

As mentes, desde as raízes.

 

Porém, nunca inteiramente

Um casamento é feliz,

Tal a ferida inclemente

Que nos tolheu a matriz.

 

 

30 – Mães

 

As mães nunca julgam, nunca,

E nunca condenam, amam.

É a missão delas que junca

De jardins tudo o que acamam.

 

E depois quem é que sabe

O que sofre um criminoso,

Quando isto é quanto não cabe

Da lei no laço oneroso?

 

Não vai ser ela que negue

Do filho morto à memoria

Um perdão total, entregue

Sem condições nem história.

 

É que a mãe tudo perdoa:

Aos pés da cruz que redime,

Da forca que amaldiçoa,

Adora ou bendiz, sublime.

 

Ao filho que o coração

Aos cães da amásia lhe leva,

Se o jovem tombar ao chão,

Logo a voz da mãe se eleva

 

Inquieta, terna e sem brilho:

“Magoaste-te, meu filho?”

 

 

31 – Capricho

 

Capricho do coração

É que a mente mais contida

Na baia das leis da vida

Sofre uma fascinação

 

Por aquele que escoucinha

Qualquer tirante que o prende,

Não faz caso nem se rende

À moral que mais convinha.

 

Chega a ser o predilecto,

Ídolo aos olhos dos pais,

Mesmo se lhes rouba o tecto

E pisa todos os mais.

 

 

32 – Nada

 

Sentir a inutilidade,

Nada e ninguém ser no mundo,

Terror da mortalidade,

Morrer um dia infecundo,

 

Sem conhecido ou amigo

À beira a quem dar a mão,

Mais dura falta de abrigo

É, pior condenação

 

De suportar que a vergonha

Ou pobreza que lhe aponha.

 

Principia aqui o inferno

Antes do que for eterno.

 

 

33 – Decisão

 

A decisão do doente

Em cultivar a esperança

É fundamento premente

E mais quando ela se entrança

 

Com a família e amigos

À volta em igual postura.

É de aderir-lhe aos abrigos,

Fugir com desenvoltura

 

Da atitude apreensiva

E da fatalista mais.

De alimentar é a furtiva

Melhoria com sinais

 

De feições esperançadas,

Pensar com discernimento,

Firmeza e coerência armadas

No íntimo cometimento.

 

Nosso corpo tem linguagem

De advertência que é preciso

Saber ouvir, na triagem

De decifrar-lhe o juízo.

 

A razão é conselheira

Se com equilíbrio usada.

O sintoma é uma bandeira

Para a muda a ser tomada

 

Numa atitude coerente,

Com o acto correspondente.

 

 

34 – Pensavam

 

Não pensavam na criança

Naquela noite os amantes.

Não pensam no que os alcança,

Só sentem o amor, impantes,

 

O amor que nasce tão vasto,

Tão vago, impregnando o mundo:

Quanto vêem é amor fasto,

Quanto sentem é jucundo.

 

E o que é difuso e sem forma

Concretiza-se, discreto.

É o jeito deles, por norma,

Que toma o perfil concreto

 

Dum homem e uma mulher,

Deles os próprios contornos

Que se apuram, tomam ser

Com força e ritmo, em adornos

 

Com o frémito do sangue

E do corpo na exigência.

O ser que aguardava, langue,

Ei-lo chamado à existência.

Eles, porém, não sabiam.

A mãe era virgem, jovem,

E nem todas propiciam

O que as mães dos deuses movem.

 

Nem sempre é suficiente

A primeira das visitas.

Nem sempre um pai será o ente

Em que os deuses tu concitas.

 

Os dois jovens não sonhavam

Com o íntimo da criança,

Nebulosa onde adensavam

Pontos fixos, dança a dança.

 

Não tinham, pois, consciência

Daquele ente que esperava

E que viria à existência

Por entre o amor que se dava.

 

Um do outro só noção

E das trémulas mãos dadas

Tinham e do corpo, chão

De sementes germinadas,

 

Que lhes palpita em fervor,

Até que a revelação

Consume de vez do amor

Num filho em carne e oração.

 

 

35 – Quererás

 

A inteira compreensão

Quererás entre dois entes,

Definitiva fusão

Tal que um só são, entrementes.

 

A verdade é que são dois

E que, quanto mais se amarem,

Menos se entendem depois,

Por menos se harmonizarem

 

Um com o outro nas pegadas.

Do amado a mera presença

Faz pulsar desordenadas

No coração, tal doença,

 

As batidas que ele der.

Quando o ritmo assim se altera

Como alterado há-de ser

Tudo o mais que a par vivera!

 

Como é que a felicidade

Por trás disto nos invade?

 

 

36 – Recordações

 

Quando um homem já viveu

Tem sempre algo então consigo:

Tem recordações de seu.

E quem recorda, ao abrigo

Estará da solidão:

Só não vive em seu pascigo,

Reparte-se em comunhão.

 

 

37 – Mérito

 

Homem que ama e renuncia

À ventura dum amor

Cedendo-o a quem mais teria

Direito ao seu esplendor

Do mérito se socorre

Dum homem que mártir morre.

 

 

38 – Correr

 

Quero correr atrás do sonho,

Quero que creias no que diz

Teu coração a que me aponho,

Quero que vivas de raiz

 

Só pelo amor. E quando pronto

Já te encontrares, vem comigo

Ter, que te espero. Ao cume aponto

E tenho o céu por meu abrigo.

 

 

39 – Sofre

 

Do homem sofre o coração

Quando chove, ao vendaval…

Não devo contudo, não,

Por isto querer-lhe mal:

É que de nós não depende

Para onde o sentir pende.

 

 

40 – Soubera

 

Se soubera o que dirão

A pedra, as flores, a chuva!

Acaso chamam em vão,

Ninguém ouve a dor viúva.

 

Quando é que nossos ouvidos,

De nós todos, se abrirão?

Quando é que olhos refundidos

Hão-de ver na escuridão?

 

Quando é que abriremos braços

A nos abraçar a todos,

Pedra, flor, chuva e mormaços,

Dos povos todos os modos?

 

 

41 – Caído

 

Eu terei caído tanto

Que, se houvera de escolher

Entre por uma mulher

Apaixonar-me entretanto

 

E antes um bom livro ler

Sobre o amor jamais vivido,

Teria o livro escolhido

Por melhor me parecer.

 

Assim é que o mundo em vão

Vive de alucinação,

 

Enquanto ao lado o regato

Da vida se esvai pacato.

 

42 – Aldeões

 

Os aldeões correm aos lares,

Alegres, esfomeados,

Para as ceias e manjares

E para sentir traslados,

 

No mais fundo das barrigas,

Do que for a Encarnação,

O mistério doutras migas

Que os ventres revelarão.

 

É nesta sólida base

Que pão, vinho, em camafeus

Mudarão do que ali case:

- Só deles se cria Deus.

 

 

43 – Alegria

 

Cuidada, abundante ceia,

Braseiro aceso à lareira,

Corpo onde o adorno se alteia,

Embandeirado, e que cheira

A flores de laranjeira

 

- Tudo pequenos prazeres

Corporais e bem humanos.

Que rápido vês tais teres

Das almas salvas de enganos

Volverem festa sem danos!

 

Não há mesmo outra mestria

Do que fundar a alegria.

 

 

44 – Sepulcro

 

Dum homem o coração

Sepulcro é de sangue cheio.

Nas beiras se deitarão

Os mortos de meu enleio,

De barriga para o chão,

A beber sangue a estuar

Para se reanimar.

 

E quão mais queridos são,

Mais sangue nos beberão.

 

Por isso é que a desligar-nos

Temos todos de aprender,

Para amá-los como amar-nos

Sem gavinhas nos prender,

Manter do amor a envolvência

Sem nenhuma dependência.

 

 

45 – Príncipe

 

Um príncipe, muitas vezes,

Não torna a mulher feliz

Como os pelintras soezes

Que se entregam de raiz.

 

É que os príncipes do mundo,

No momento em que beijavam,

Cuidavam como jucundo

Pôr o reino em que mandavam.

 

O pelintra esquece tudo

E não há maior prazer,

Contando pelo miúdo,

De que goze uma mulher.

 

A  mulher que é verdadeira

Goza mais com o prazer

Que der que do que se abeira

Dum homem de receber.

 

 

46 – Fim

 

No fim, ficamos a sós,

Do amor fora da influência.

Há um eu impessoal em nós,

Ultrapassa amor, vigência

 

De emotivas ligações.

Mas a ilusão preferimos

De que do amor os tendões

São a raiz donde vimos.

 

Não é raiz, são os ramos.

A raiz mergulha além,

Do isolamento em tais tramos

Que não encontra ninguém

 

Com quem vá se misturar,

Sempre incapaz de o fazer.

Na pessoa singular

Há um além, sempre, em quenquer,

 

Mais distante que o amor

E fora de nosso alcance

Como há estrelas em redor,

Da vista além que lhes lance.

 

 

47 – Morre

 

Quem morre e antes de morrer

Apto for a crer e amar

Vivo irá permanecer,

De existir não vai findar:

Nos entes amados dura

Como em si de forma pura.

 

 

48 – Fonte

 

É o amor fonte perene

De alegria e sofrimento,

Ânsia que eu apenas drene

Na própria dor que alimento.

 

Se êxtase for de prazer,

Dá vida e transmuda tudo

Que sob o céu florescer,

De adoração teste mudo,

 

E o mundo devém pequeno

Para tão grande ventura.

Se em angústia, porém, pleno,

Rasga em peito amante dura,

 

Voluptuosa ferida

Que depois há-de querer,

Com beijos, após sofrida,

Cicatrizar a correr.

 

É nesta contradição

Que baloiça o coração.

 

E não há nunca saída

À contradição vivida.

 

 

49 – Infelicidade

 

A infelicidade é bem mais fácil

Que a felicidade de exprimir.

Na miséria vemos, não é grácil

A vida em que temos de existir:

Esta minha dor é individual

E o nervo que crispo, por igual…

 

A felicidade me aniquila,

Perco, de repente, a identidade:

Em termos de amor se nos perfila,

Dos cantos na voz, a divindade;

E findo a usar termos de oração

Dum amor ao dar explicação.

 

Também submetemos a memória,

Como o imaginário ou o intelecto,

Privação sofremos, noite inglória,

No amor como em místico projecto.

E, por recompensa, isto nos traz

Por igual, às vezes, certa paz.

 

Tem do amor a cópula descrita

Sido tal pequena morte enfim

E também o amante às vezes dita

Viverá feliz e, no confim,

Minúscula paz experimenta,

- Dilui no Infinito quanto inventa.

 

 

50 – Impotente

 

O amor é impotente em muitos casos,

O amor nele mesmo não produz

Tangíveis benesses, bródios rasos.

Por isto difícil se traduz

 

Encontrar o amor de Deus oculto

Sob realidades materiais

Onde sempre andou, alheio ao culto,

O que sugerir parece mais

 

Que Deus não existe, ou que não fala,

Ou que vive irado e então se cala.

 

Tal no amor humano a ambiguidade

Dos frutos do amor que nos invade:

 

Ou exalte ou queime tudo a esmo,

O amor se bastou sempre a si mesmo.

 

 

51 – Companhia

 

Todo o homem vive o anseio

De companhia durável,

Solidária, num enleio,

Que lhe partilhe, amorável,

 

Todo o fatal sofrimento,

Que com ele chore, tal

Como a mãe chora o tormento

Que um filho suporte mal.

 

Deus não pode responder

À imagem dum pai severo,

Antes deve parecer

Esta mãe a quem dói, fero,

 

O sofrimento dos filhos,

Que os acompanha chorando.

Quem O testemunha, atilhos

Ao infortunado atando,

 

Por ele ora e a dor lhe sofre.

Então bem-aventurado

É quem chora: tem em cofre

Tesoiros de quem é amado.

 

 

52 – Morrer

 

Morrer pelos que nos amam

É fácil, depois de tudo.

Mas que feridas se acamam,

Como dilacera, agudo,

 

Oferecermos a vida

Por quem não nos corresponde,

Não entende a oferta havida.

É fácil morrermos onde

 

Formos heróis gloriosos,

Mas difícil sumamente

Para a morte em pedregosos

Leitos ir duma corrente

 

De incompreensão, de insulto,

De escárnio sem fundamento.

Jesus sabia que inulto

Viveria tal tormento,

 

Que a morte o arrasava ao chão

Mais abjecta que a dum cão.

 

Tanto mais o cume brilha,

Do amor suma maravilha.

 

 

53 – Período

 

O amor pode despertar

Num período mui breve.

Mas, para se aprofundar

Requer tempo longo e leve

Até vir-se a transformar

Num sentimento durável,

Forte e de vez confiável.

 

Um amor é, sobretudo,

Entrega, dedicação,

Mais um certo conteúdo,

A certeza que terão

Os amantes de que tudo

Vão lograr em companhia,

O que a sós nenhum teria.

 

Mas só o tempo da jornada

Diz se a escolha era a acertada.

 

 

54 – Filhos

 

Ser bom pai, ser boa mãe…

Ter filhos é cuidar deles,

Criá-los como convém,

Amá-los, embora reles,

E apoiá-los sempre além.

 

Nada disto tem a ver

Com o que ocorreu na cama

Por uma noite qualquer

Que se ama ou que se não ama,

Nem com gravidez sequer.

 

Sobre o animal, um humano

É o que supera este engano.

 

 

55 – Preocupar-me

 

Preocupar-me com dinheiro,

Com a fama ou a frequência

De espectáculos e lojas?

Ou com ter no meu quinteiro

O perfume duma essência

Por que a meus pés tu te arrojas?

 

A vida não se resume

A tais nadas imponentes.

Viver é ter companhia,

Ter tempo que se consume

Em passear, indolentes,

As mãos dadas da magia,

 

Conversar mui calmamente

Diante dum pôr-de-sol…

Não é nada deslumbrante,

Porém, em toda a vertente,

É o melhor que a vida arrole,

Gratuita, de nós diante.

 

Quem é que em leito de morte

Disse que desejaria

Haver trabalhado mais?

Ou que teve pouca sorte

Por beber, ao fim do dia,

Crepúsculos siderais?

 

 

56 – Mimado

 

Um adulto que em criança

Fora mimado demais

Com decepções não alcança

Reger a vida jamais,

 

Tem a noção distorcida

De seus direitos no evento,

E prejudica em seguida

Todo o relacionamento.

 

É desencorajador

Todo o quadro do porvir

Do que foi prometedor,

Mas que o não soube medir.

 

 

57 – Encontrar

 

Urge encontrar o equilíbrio

Entre o mundo rico e a vida,

A vida cujo ludíbrio

Requer que seja aprendida

 

Esperando e trabalhando,

Poupando para alcançar

As metas que for sonhando

Num porvir que é de suar.

 

Quem treinado desde o berço

Não for, nunca fica terso.

 

 

58 – Limite

 

As crianças bem precisam

De ter um limite imposto:

Seguras se realizam,

Melhor se sentem, com gosto.

Melhor porvir o que augura

É viver numa estrutura.

 

 

59 – Além

 

A criança que não tem

A responsabilidade,

Da vida jamais retém

Qual a essencialidade:

 

Cada qual pode ser útil

Deveras para os demais,

A vida jamais é fútil,

Tem sentido além do cais

 

Da própria felicidade

Pessoal imediata.

Este é o barco com que invade

O mar da aventura grata.

 

 

60 – Xamã

 

Touro Bravo e Nuvem Branca

- Conta a lenda – de mãos dadas

À tenda vão onde abanca

O xamã das boas fadas:

 

“Amamo-nos tanto, tanto,

Que queremos garantia

De que juntos neste encanto

Ficaremos cada dia

 

Até que a morte nos venha.

Para tal, que é de fazer?”

E o velho secreta senha,

Comovido, lhes requer:

 

“É missão dificultosa.

Tu, Nuvem Branca, escalar

Vais a serra fragorosa,

Só com rede e mãos caçar

 

O falcão mais predador

E trazê-lo aqui com vida.

Touro Bravo, corredor

Irás trepar a subida

 

Do pendor das águias bravas.

Com rede e mãos de apanhar

Vais ter a que mais amavas,

Viva a pôr neste lugar.”

 

Os jovens logo partiram

Para cumprir a missão.

E um certo dia surgiram

Ante a tenda da função

 

Com as aves prisioneiras

Dentro dum saco de lona.

As palavras feiticeiras

Apontam o que as abona:

 

“Peguem nas aves, amarrem

Ambas juntas pelas patas.

Depois, quando assim se agarrem,

Soltem-nas, que sem bravatas

 

Voem livres pelo ar fora.”

Cumprida a ordem, as aves

Tentam voar sem demora

Mas saltam só, dos entraves

 

Tolhidas que os nós lhes dão.

Do inviável irritadas,

Põem a bicar-se então,

Uma à outra arremessadas.

 

E o feiticeiro remata:

“Águia e falcão são vocês.

Se amarrados vos empata

A vida acaso de vez,

 

Só viverão se arrastando

E, tarde ou cedo, também

Vão começar se magoando

Mutuamente, aqui e além.

 

Se querem que amor perdure

Sempre e por todos os lados,

Que voar juntos se apure,

Nunca, porém, amarrados.”

 

 

61 – Culto

 

O amor é religião

E o culto custa mais caro

Que o das mais que o mais serão:

Rápido passa, não raro,

 

E passa como o petiz

Que sempre quer deixar rastos

Em estragos dos mais vis

Nas ruas que lhe são pastos.

 

O luxo do sentimento!

Poesia de fim de feira,

Que era, sem tal alimento,

Do amor a riqueza inteira?

 

 

62 – Centelhas

 

Todos nós nos devoramos

Uns aos outros, dia a dia.

Centelhas leves trocamos

De bondade com magia,

Ocasionais, todavia.

 

É o que nunca deveríamos

Consentir que arrebatado

Nos fora, que é donde hauríamos

Forças para este enfado

De vida de desterrado.

 

 

63 – Milagre

 

O velho milagre, o amor,

Não se limita a riscar

Um arco-íris no alvor

Dos sonhos com que sonhar

No céu tisnado a alvaiade

Pardo da realidade,

 

Mas também difunde a luz

Romântica sobre o esterco:

- Milagre é que me seduz

Na lixeira onde me perco.

 

 

64 – Quarto

 

Que no mesmo quarto se ache

Alguém mortalmente enfermo

E outrem em que não se encaixe

Da doença nenhum termo

 

E que alheio finde assim

Àquele absolutamente,

Prova o desencontro, enfim,

Que ninguém vê vulgarmente.

 

E desta incompreensão

Mata e morre o coração.

 

 

65 – Estrelas

 

As estrelas voam nuas,

Expostas além ao frio.

Fácil é gelar nas ruas

Se sozinho lá me enfio,

 

Mesmo quando houver calor.

Contudo,  nunca, depois

Me queixo de tal rigor

Se em vez dum já formos dois.

 

 

66 – Morto

 

Sem amor além não vamos

Dum morto em férias ignaro,

Papel onde registamos

Datas, nome, o acaso raro…

- Então será preferível

Morrer quem não é vivível.

 

 

67 – Rocha

 

Era uma vez uma onda

Que um penedo ama no mar.

Espuma, remoinha e sonda

Em torno do luminar,

 

Beija-o de noite e de dia,

Envolve-o nos níveos braços.

Suspirava e então gemia

Que se lhe entregue aos abraços.

 

Desencadeava sobre ele

Ternura com tal regalo

Que ao rochedo que assim vele

Lenta finda a solapá-lo.

 

Ele um dia então cedeu,

Minado inteiro por baixo,

E à onda enfim se acolheu.

Tombado assim no escalracho,

 

Deixou de ser um rochedo

Com que se pode brincar,

Amar, sonhar em segredo,

Para agora não passar

 

Dum bloco de pedra imerso

Pela onda no mar fundo.

Traída neste reverso,

Busca a onda outro fecundo

 

Rochedo que possa amar…

- Quem a amar não aprender

Sempre o amor há-de afundar

No amado que desfizer.

 

Respeitar a diferença

É que a amar gera a mantença.

 

 

68 – Miro

 

Jamais é o amor um poço

Onde miro meu reflexo.

Fluxo e refluxo, de moço

Tem até o final amplexo,

Tem naufrágios e cidades

Submersas e tempestades,

 

Tem arcas pejadas de oiro,

Pérolas que os polvos guardam,

Só que é mui fundo o tesoiro

Para os que o buscam e aguardam.

O amor será pertencer

Para sempre quem se quer?

 

É o velho conto de fadas:

Para sempre, eternamente…

Quando reter nas jornadas

Ninguém consegue somente

Nem mesmo o instante que passa.

Que desgraça! Que desgraça!

 

Mas erguemos nosso fito

Louco acolhendo o infinito.

 

 

69 – Marido

 

O marido mais bondoso

Como o pai mais dedicado,

Mal entre dentro do pouso

Do gabinete fadado

A nortear-lhe o trabalho,

Devém de bondade falho,

 

Transmuda-se num tirano

Oculto atrás de tiradas

Que não deixam mais engano

Nas metas ora visadas:

“Fazer tal nunca podíamos!”,

“Onde é que parar iríamos?...”

 

É nesta contradição

Que, somada caso a caso,

O mundo perde a razão

E temos a vida a prazo.

- Da Humanidade o porvir

É a ponte que ali surgir.

 

 

70 – Nome

 

Sempre o amor é que aprisiona,

Não é o par que casualmente

Da palavra amor se adona.

 

Quem para julgar tem mente

Uma vez cego das chamas

Do imaginário fremente?

 

O amor que tanto conclamas

Ignora o valor assente,

Que vale ele em germe e ramas.

 

E assim é que, prisioneiro,

Te liberta, enfim, inteiro.

 

 

71 – Ténis

 

Uma relação de amor

É como o ténis de praia:

Não quero que o jogador

Contrário falhe e que eu saia

Dali como vencedor.

Por muito que o jogo aperte,

Quero mesmo é que ele acerte.

 

 

72 – Dura

 

Nosso amor é de marujo,

Dura o que dura a maré.

Nem por fugaz dele fujo,

Tanta festa põe de pé!

 

Pesado preço a pagar,

A vida inteira de luto.

Nem por cem anos durar

Deixa de parco ser fruto.

 

Ainda assim valeu a pena

A efémera madrugada.

A caro custo condena?

- Foi barato, não é nada!

 

 

73 – Sozinho

 

Um homem pode morrer

Sozinho por acidente,

Por Deus assim o querer…

Todavia, quando um ente

 

Sem amor morre de esperas,

Sozinho ou acompanhado

É infeliz então deveras:

Vida ou morte, o inferno é o fado.

 

 

74 – Mulher

 

Com a mulher acontece

Que sempre o filho parece

 

Mais precisar que o marido,

Mormente quando este é tido

 

Como dotado da sorte

De ser mesmo um homem forte.

 

Não é bom para ninguém

Tal hierarquia, porém.

 

No termo, prejudicados,

Ficam todos irmanados.

 

Como é pela negativa,

Não há lar que daqui viva.

 

 

75 – Coagido

 

O amor não admite

Força nem império,

Ninguém ama a sério

Nem quer o desquite

Coagido o peito

Por qualquer preceito.

 

Um amor que é vivo

Livre é que arde activo.

 

 

76 – Ventura

 

A ventura finda o amor,

Felicidade demais:

Para existir com fervor,

Só se enlevos não há tais,

 

Se plenitude que chegue

Não tiver e então reaja.

E para durar, se adregue,

É preciso que a não haja.

 

O amor é contradição,

Senão, foge o coração:

 

- Quando visa o infinito,

Não tem metro ou não o fito.

 

 

77 – Contam

 

Contam que uma geração

De anos há-de contar trinta.

Não tenho qualquer razão

Para que a conta desminta,

 

A não ser que os já vivemos

E nem sequer reparámos.

Como é que tanto empreendemos

E nem sequer por tal damos?

 

Isto de amor tem segredos

Duma estranha realidade:

Os anos correm sem medos,

Não há tempo, há eternidade.

 

Somos um par de canários

A voar tão entretidos

Que os bosques corremos vários,

Nem vemos que vão corridos.

 

Ontem só foi que nos vimos,

Como é que hoje já passaram

Tantos anos cá nos cimos

Donde mal se divisaram?

 

Há decerto aqui mentira,

Erro em contabilidade:

Quem se ama a vida revira,

Já vivo na eternidade.

 

Contigo desde que vivo

Bem pode o tempo correr,

Fica ignorado no arquivo,

Que hoje é quanto tempo houver.

 

É verdade que o amor

É um milagre acontecido:

Amo-te e deste calor

Fora do tempo hei nascido.



78 – Impedir

 

Contra amor não há poder,

Só de impedir-lhe os efeitos.

A causa, um amor que houver,

Constante mantém os pleitos.

 

O retiro ou a prisão,

Bem como a dificuldade,

Da formosura farão

A irresistível beldade.

 

A natureza jamais

Se persuade ao desvio,

Nossa indústria nunca mais

Ao fogo apaga o pavio.

 

Antes o mesmo é impedi-lo

Que enchê-lo de alento e garra:

Quando o abato, ao amor fi-lo

Mais forte em tudo o que amarra.

 

 

79 – Livre

 

Para o entendimento não há ferros,

Também os não há no coração:

Este, na violência, gritos, berros

E da tirania na lesão,

Sempre se conserva livre, isento,

Aguardando em dor o seu momento.

 

Um véu preto sempre esconde

Mas não muda nem desfaz

Nada do que esconde atrás,

Antes aumenta que bonde

Tudo bem mais, bem maior

O faz do que é de supor.

 

Finda tudo ao fim mais claro

Quão mais em acto é mais raro.

 

 

80 – Abandonado

 

Sempre um rasto tem o amor

Que abandonado nos fica,

Saudade lenta que aplica

O dente a sorver o humor,

Insensível devorando

Tudo em nós, dela ao comando.

 

É um mal cuja privação

Sentimos por mal maior.

Muitos anos correrão

E a lembrança dum amor

De que pareço já falto

Me vem sempre em sobressalto.

 

Nunca o coração acaba

Deveras indiferente,

Com alvoroço ouve a aldraba

De amortecido e latente

Ardor que outrora foi chama

E é como quem o reclama.

 

 

81 – Concentram

 

O amor e a vaidade, às vezes,

Se concentram e disfarçam

Tanto que nós, os fregueses,

Nem vemos quanto se esgarçam.

 

Nem nós mesmos dentro em nós

Os podemos descobrir:

Visíveis serão, a sós,

Pelas obras a surgir,

 

Tal como o fogo escondido

No âmago da pederneira

Que se não vê, só ferido

Do fuzil é chama inteira.

 

Daqui vem que o que fazemos

É sem captar a raiz

Daquilo por que operemos:

Pode ser doutro cariz.

 

O que se faz por amor

E, por igual, por vaidade,

De zelo veste o teor,

De virtude identidade.

 

Que hipócrita é que conhece

Dele qual a hipocrisia?

Vê o amante que entretece

Seu delírio dia a dia?

 

Fácil coisa é distinguir

Tudo nos outros lá fora.

Como, porém, discernir

O que dentro de nós mora?

 

 

82 – Prende

 

O amor prende o coração

Como os discursos também.

Por mais que a imaginação

Se nos esforce, porém,

 

Tudo o que ela produzir,

No respeitante ao amor,

São átomos sem porvir

E não tem ganho maior.

 

Os que amam livre não têm

O íntimo para narrar

O que sentem e os retém,

Sempre acabam por achar

 

Que o que vivem é bem mais

Que o que lograrão contar.

O amor em que tropeçais

Entorpece a ideia a par,

 

Serve, afinal, de embaraço.

Quem não ama, discorrer

Não pode, em nenhum compasso,

Sobre o que ignora em quenquer.

 

Os que amaram, cinza fria,

Vão reconhecer o efeito

Da chama que outrora ardia,

Não o fogo a arder no peito,

 

São cometa a iluminar

Cosmos fora: resplandece

E, sem vestígio deixar,

Como vem, desaparece.

 

 

83 – Formosura

 

A formosura é soberba,

Vaidosa, ímpia, arrogante.

Não só recusa, de acerba,

Mas despreza, sempre impante,

Não só desdenha, injuria

E assim mal nos dura um dia.

 

Alguém amável nos basta

Para produzir amor,

Mas não basta para a casta

Que o conserva em pundonor.

O amor nasce facilmente

Mas não dura à mão e tente,

 

Dura com dificuldade,

Que o império da beleza

Tirano é de quem agrade

E sem brandura, não reza

Que há domínio permanente

Dum qualquer amante ardente.

 

O amor é sempre um evento

Dum instante repentino.

Conservá-lo é um outro intento,

É um discorrer serpentino.

É fácil coisa a primeira,

Difícil, a derradeira.

 

Perpétuo não há um encanto,

O do amor também tem fim,

É de intervalos enquanto

Lhe dura seu frenesim,

Mesmo pronto e arrebatado

Em conquistar, doutro lado,

 

Por isso mesmo não tem

Mesmo nada de seguro.

Precipitado o que vem,

Precipitado o que apuro

É que por igual se larga

Como se fora uma carga.

 

Um amor que é moderado

Costuma ser mais durável.

É o excessivo acabado

Pela própria força instável,

Que a tormenta que é mais forte

Dura pouco até à morte.

 

 

84 – Lei

 

Da humanidade a energia

Não é para derrubar,

É para nos elevar:

É a lei do amor, dia a dia.

 

O facto de persistirmos

É que a força da coesão

Mais que a da destruição

É a do todo de existirmos.

 

 

85 – Prejudicam

 

Se os pais sempre se intrometem,

Prejudicam as crianças,

Autoconsciência que afectem

Jamais nos filhos entranças:

Deixam de poder treinar

Respostas próprias a par.

 

As ânsias de perfeição

O filho enterram no chão.

Afinal, é o imperfeito

Que se molda a nosso jeito.

 

Quem, porém, o mal acolhe

Quanto aplauso ao fim recolhe!

 

 

86 – Resposta

 

Se não há resposta errada,

Se a aplicação, o talento,

Via relativizada

Forem ao sabor do vento,

Por que há-de a criança escorço

Fazer sequer dum esforço?

 

Se tudo ao fim tanto vale,

Que é que importa o bem e o mal?

 

Fica reduzido ao nicho

De ir ao sabor do capricho.

 

Eis onde a levam os pais

Que querem bem mal demais.

 

 

87 – Necessidade

 

Há necessidade humana

Deveras universal

(A todos nós nos irmana)

De dominar, no final,

Uma tarefa sozinho,

Pulsão de saltar do ninho

 

E de asas abertas irmos

Assim a nos distinguirmos.

 

Quando os pais estes limites

Proibirem na fronteira,

Arriscam-se a que os desquites

Fiquem sem eira nem beira,

Perdida a motivação

Que o leite lhes deu e o pão.

 

De adulto a missão contém

Que os novos se saiam bem.

 

 

88 – Educador

 

O educador realista

Quanto às aptidões da prole

Tem de ser, de ter em vista

Que ser franco é que ao fim bole

Com a criança que quer

De avaliar o poder,

 

De pesar força e fraqueza

E de supervisionar

O desempenho que preza,

No fito de melhorar.

A capacidade aumenta,

Se pistas claras comenta,

 

Realista encorajamento

Do adulto que ela ama atento.

 

 

89 – Certa

 

Será para o jovem bom

Que, ante uma resposta errada,

Ao aluno, com bom tom,

O mestre diga de entrada:

“Resposta certa se a junta

A qualquer outra pergunta”?!

 

Isto aumenta, desde a infância,

Uma intérmina ignorância:

 

- Perdida na confusão,

Como discernir o chão?

 

 

90 – Obcecados

 

Mães e pais intrometidos,

Obcecados pela notas,

Vão torturar os detidos

Na escola: assim invadidos,

Não são alunos que anotas.

 

Os problemas com os pais

São razões primordiais

 

Por que os novos professores

Vão buscar outros labores

 

Que prometam à partida

Menos louca pôr a vida.

 

 

91 – Perfeição

 

Da perfeição malefícios

Vemo-los por toda a parte:

Pais do impecável com vícios,

De intenção boa que parte

Daí  para dominar

E tempestades criar

 

Na sala de aula, no jogo…

E a ninguém dá desafogo.

 

Há escolas onde é vulgar

Vermos pais a pressionar

 

Para subirem as notas

Da montanha sobre as cotas.

 

Os filhos daqui saídos

Não têm dos mais noção,

Nem do que é mau, do que é bom,

Da vida findam vencidos:

Em redor urdem o inferno

E nelas vai ser eterno.

 

 

92 – Sete

 

Nunca tentes transformar

Teu filho num campeão

Dos sete ofícios a par.

Versatilidade é bom

Mas difícil, se é demais,

Torna os compromissos reais

 

Com as rotas mais profundas,

Exigentes da adultez.

Em troca, vê se aprofundas

E lhe promoves de vez

Os pontos fortes que houver

Nele decerto conter.

 

Utiliza os elogios

Caso a caso, no que apontes,

Não globalmente e sem fios

Que atem cada aos horizontes.

Se dizes: “és o melhor!”,

Logo a criança-tradutor

 

Vai pensar que é bom demais

Para as regras que há na vida.

Se realista fores mais

E mais fundado em seguida,

Dirás: “mas que bem que apanhas

Tudo o que há sobre as aranhas!”

 

A educação académica

E o desporto nunca bastam.

O valor, dele a polémica,

Moral e labor engastam.

Mensagem de apoio e amor

É a que tem dele o teor.

 

 

93 – Miúdos

 

Não podem fortalecer

Sua vera identidade

Nem se já satisfazer

Dum êxito que os invade

Os miúdos encharcados

De elogios falseados.

Eles incham-lhes seu ego

Mas vão deixá-los carentes

De conhecer-se em sossego,

Não são, a prazo, inocentes:

Elogio imerecido

É adolescente perdido.

 

As crianças cujos pais

Não param de procurar

Solução para os fatais

Problemas que se augurar,

Nem coragem, energia

Irão ter no dia-a-dia

 

Para nenhuns desafios.

Os erros são experiências

Que preparam os navios

Às rotas, com previdências,

E é com eles que inauguro

Nos jovens sempre o futuro.

 

Se os pais vêm em socorro

E todo o controle assumem,

As mensagens a que acorro

Como incapaz me resumem,

Dizem não ser de confiança

O que meu poder me alcança.

 

Para vida preenchida,

Competente na adultez,

Liberdade é requerida

De falhar muito entremez

Ao correr de toda a infância,

Sem nenhum temor nem ânsia.

 

 

94 – Sopra

 

Como em casa sopra o vento

É o melhor prenunciador

De qual o envelhecimento:

Casar com alguém que for

Activo intelectualmente

É de hipóteses semente

 

De intactas capacidades

Ter em todas as idades,

 

O que nunca ocorrerá

Quando estímulo não há.

 

Quem ficar a isto atento

Mesmo no fim é um portento.

 

 

95 – Mudança

 

Quem à mudança se adapta

Tende a envelhecer melhor

E com a mente mais apta

Que quem mais rígido for.

 

Quem com mais facilidade

Amigos faz dele ao lado

Mais mental capacidade

Tem que quem for isolado.

 

Repara bem no conceito

Se à vida vais prestar preito.

 

 

96 – Tempo

 

Por um lado, o tempo cura.

A mulher tem de amuar

Um pouco e saber, segura,

Que a sofrer ele há-de estar

Dos erros que lhe apurar.

 

Depois disto não há nada

Como vê-lo a mendigar

Um bocadinho, à portada,

Como vê-lo a rastejar

Pela licença de entrar.

 

Depois, no fim, tudo bem

Tal e qual como convém.

 

 

97 – Crescido

 

Qualquer preocupação

Faz parte do crescimento,

De ser maduro é função,

Saudável, normal momento.

 

A criança que tiver

Uma preocupação

A ferramenta há-de ter

De aguentar desilusão.

 

Aos obstáculos da vida

É que assim toma a medida,

 

Pagando o que for sofrendo

É que aprende a os ir vencendo.

 

 

98 – Ansiedade

 

Ansiedade saudável

Apresenta um desafio

Para a criança, abordável,

Com que aprende sem fastio

E se torna resistente

Mais e mais, desde o presente.

 

Se fora um degrau acima

Já perturbara a criança,

Já não lhe encoraja o clima

De mais além ver se alcança.

Antes lhe inaugura o medo

E o passo lhe tolhe, quedo.

 

Encontra, pois, a medida

E vive-a lavrando a vida.

 

 

97 – Enfrentar

 

Enfrenta teus próprios medos!

Se demais preocupado,

Inadvertidos teus credos

No filho hás inoculado.

 

Se de teus medos tu foges,

Nunca os teus aprenderão

A lidar com o que alojes

No terror do coração.

 

Ninguém aprende a lidar

Um medo que o desterrar.

 

 

100 – Incentiva

 

Incentiva os filhos teus

Riscos a correr, tentar

Desafios de ir aos céus,

De molde a sempre alargar

O que os pode confortar,

De si feitos corifeus.

 

Nunca os deixes evitar

Aquilo que fizer medo,

Que vão fora apanhar ar,

Fazer parte do degredo.

Se vivem em concha cedo,

Amanhã vão-se aterrar.

 

E vai treinando a medida

Em que ganhes a partida.

 

 

101 – Incomum

 

Hoje em dia um bem casado

É deveras improvável.

Casado estar, doutro lado,

É do vulgo inumerável.

Não é o mesmo, se reparo

De ambos no incomum preparo.

 

Homem certo, mulher certa,

Não é o fiel que bem lida,

É quem sente de alma aberta

Que é feliz só na medida

De estar, sem medo ou cuidado,

Apenas ao nosso lado.

 

 

102 – Contigo

 

O amor é incondicional,

Deus a cada ser humano

Ama como é, tal e qual:

O culposo por igual

Ao santo que não faz dano.

 

Contigo como vai ser:

Tal qual Deus ou tal quenquer?

 

 

103 – Culpa

 

A culpa sempre ligada

Anda ao medo, com o amor

Jamais a ver terá nada,

Exclui-o até com vigor.

 

Visto que Deus é o Amor,

Qualquer culpa imaginária

Impede a quenquer dispor

Desta relação primária.

 

 

104 – Solda

 

Todo o humano busca o amor

E o sentido de unidade

De que aquele tem o teor,

Solda da pluralidade,

 

Porém cada qual exprime

Esta basilar carência

Duma forma a que se arrime,

Diversa em igual essência.

 

Um diz que recuperar

Pretende a frágil saúde,

Com Deus outro quer falar,

Outro além busca a virtude…

 

Apesar de se mostrar

De mil formas bem diversas,

A carência a colmatar

É a mesma em todas as berças.

 

 

105 – Conduta

 

A nossa conduta afecta

Todo o nosso sentimento.

Abre a porta do eu directa

Dos outros a todo o vento.

 

Se saio da esfera do eu

E o rebanho aos outros tanjo,

A bênção terei do céu,

Acompanha-me algum anjo.

 

De repente, eis que respiro,

Constato que ao mundo adiro.

 

 

106 – Próxima

 

A próxima geração

Deverá ser ensinada

Logo desde a gestação:

É responsabilizada

 

Pela sua própria vida.

O maior dom dos humanos

E a maldição mais subida

É que é livre, até de enganos,

 

Tem de escolha a liberdade.

E escolhemos, tarde ou cedo,

Ou do amor a realidade

Ou as sequelas do medo.

 

 

107 – Remir

 

Dum mundo melhor segredo

Dentro em nós mora decerto.

Como remir do degredo?

Pessoa a pessoa, perto,

 

Coração a coração…

E todos mudar irão

 

Como somos transformados

No mundo: que é sendo amados!

 

 

108 – Parceiro

 

Parceiro na criação

E não um mero ajudante,

O pai por tal tido, então,

Mais se envolve vida adiante:

Se a actividade ao cuidado

Tiver, finda entusiasmado.

 

A mãe que o queira presente

Importa que nisto atente.

 

Porém, disto o maior brilho

É o brilho a brilhar no filho.

 

 

109 – Enfrentar

 

Desde os primeiros momentos

De vida o pai nos ajuda

A enfrentar do mundo os ventos.

 

A mãe ao bebé se gruda,

Fazendo-o sentir seguro,

É o conforto em qualquer muda.

 

O pai troca tal apuro

Por visão mais abrangente:

Aquilo de que então curo

 

É de ao bebé pôr presente

Imagens, sons, brando e duro

Que rodeiam toda a gente.

 

 

110 – Habilidades

 

Criança que aprende cedo

Habilidades sociais

Com os pais, no acto e no credo,

Relaciona-se mais,

Sem brigas, atritos, pegas

Com nenhum de seus colegas.

 

Brincadeira em mãos do pai

Desenvolve actividades

Cognitivas quando vai,

Desde as mais baixas idades,

Auxiliar a viver

O que a vida requerer,

 

Experiências sociais

Preparando a escolar vida,

Vivências emocionais

Da actividade envolvida:

Esperar a própria vez,

Negociar o entremez,

 

Ordenar e compreender

Sentimentos, liderar…

Tudo o que a escola quiser

Sempre é vida a germinar

Do lar para além da porta

Que a agir bem bem cedo exorta.

 

 

111 – Adultos

 

Adultos, os homens falam

Menos e para se impor.

As mulheres não se calam,

Buscam doutrem o calor.

 

A mulher desanuvia

A cabeça quando fala.

O homem pensa todo o dia

Antes de falar e cala.

 

São dois mundos singulares,

Unos, se complementares.

 

 

112 – Oferta-os

 

Vida além, se uma criança

Te aparece, ama-a deveras.

Se é um idoso que te alcança,

Compreensivo sê de esperas.

 

Consola quem for doente,

Faz companhia ao sozinho.

Se o fraco te for presente

Atravessando o caminho,

 

Dá-lhe força, dá-lhe força.

Velhice, infância, doença,

Fraqueza que nos distorça,

A solidão que nos vença,

 

Todos pelo teu caminho

Andaram ou andarão.

Estão és tu no cadinho

A buscar compreensão,

 

O consolo, a companhia,

Amor, força que escasseia.

Oferta-os em cada dia

A quem viver vida meia,

 

Que então os irás ganhar

Quando és tu a precisar.

 

 

113 – Rondando

 

Andas rondando o problema:

O que não és aborreces

E o que poderias ser

É o que ocupa qualquer tema.

Em vez de em frente ir, que esqueces,

O que és nunca vês sequer.

 

Para não ferir quem amas,

Nada fazer mais danoso

Pode ser, de escusas tramas,

Que algo actuar perigoso

E não há maior perigo

Que a ti recusar-te abrigo.

 

Vida com certificado

De garantia não há,

Que garantias, por cá,

Só dum ludíbrio pegado.

 

 

114 – Desencontrados

 

Sós acabam algum dia

Por se sentir todos quantos,

Seja qual for o seu dia,

Desencontrados de encantos

 

Onde a si próprios se vivem,

Precisam sempre de alguém

De exterior com quem convivem

A acompanhá-los além.

 

Neles próprios sem assento,

Pendem donde sopra o vento.

 

Ora, se ele não soprar,

Como a solidão quebrar?

 

 

115 – Aprender

 

Aprender a solidão

Sempre é um tema inadiável.

Há uma plenitude, um chão,

Proveniente, inefável,

 

De connosco estarmos bem.

Bem-estar que não precisa,

Para existir, de ninguém,

De nada sequer que o visa.

 

É uma não-necessidade

Que é capaz de irradiar,

Com a singularidade

De outrem atrair a par

 

Sem ser por qualquer carência

Nem por nada que se junta,

Mas antes pela excelência

Da celebração conjunta.

 

 

116 – Condimentam

 

Sós, no fundo, estarão todos

Os que nunca vislumbraram

Que só o amor tem engodos

Que condimentam os bodos

Dos que nos acompanharam.

 

Não o amor que é passageiro,

Num contexto confinado,

Delimitado e leveiro,

Mas o que mantém-se inteiro

Dentro de nós, prolongado

 

Para lá do fim que tenha

O evento sentimental:

Atitude que contenha

A não-recusa que advenha

Duma abertura total,

 

Duma esperança que é fé.

Sós estão os esfomeados

De ternura ter ao pé,

De compreensão que não é

Feita de externos traslados,

 

Que jamais é do exterior

Que o amor nos alimenta,

Por muito que seu teor

Tal nos pareça supor.

Quem do que há fora se tenta

 

Nem olha que o coração

Há-de ir-se-lhe ressecando

E que é por isto que, então,

Da perda, na ocasião,

Vai só o vazio encontrando.

 

 

117 – Pertence

 

Não nos pertence o que temos,

Sejam bens materiais,

Sejam espirituais.

Por um tempo o recebemos

Para que o utilizemos

Mas também para os demais,

 

Para, por nosso intermédio,

Poderem beneficiar,

Escaparem do assédio

Da fome que se emboscar.

Quem junta sem repartir

Armadilhou o porvir.

 

 

118 – Aceitar

 

Aceitar é muito activo,

Quieto não é fazer nada:

É o desejo com que vivo

Ou não que divide a estrada.

 

A mãe não deseja o filho

Ali doente de morte,

Mas não se rebela ao trilho

Que lhe provém de tal sorte,

 

Apesar de seu desejo

Não se estar a realizar.

O que a comanda no ensejo

Não é o desejo: em lugar

 

Prepondera a aceitação.

A dor, pois, não a crispou

Interiormente, não.

Aceitar nela activou

 

O não desejar diverso

Do que a vida pede ou dá.

É o despojamento terso

Que brilha então acolá.

 

 

119 – Contacto

 

O que faz um verdadeiro

Contacto entre dois humanos

É um diálogo certeiro,

Interior, sem enganos.

 

Do tempo já não depende

Que passam juntos então

Nem do que fazem ou rende

O que apuram mão a mão.

 

O encontro parte do Ser,

Já não do ter que terão.

Tanto mais há-de ocorrer

Quanto mais não prende o chão,

 

De se agarrar ao passado

Ou se ocupar do futuro,

Mas por antes aumentado

Do presente ter o apuro.

 

É aquilo que se consegue

Estando atento ao momento,

Ao fluir que se persegue

Nas asas de cada evento.

 

 

120 – Governarão

 

Dado que amor e poder

São as duas grandes forças

Que governarão quenquer,

Pois que ao mundo o vão conter

Entre ambos, se bem tal orças,

 

Quando não acreditamos

No amor, logo nós tendemos

Do poder a estender ramos.

E logo lhe exageramos

A importância que veremos,

 

Na conjuntura a atender,

Em o ter ou não o ter.

 

 

121 – Círculo

 

Do círculo sem saída,

Para à saída ajudar,

Só o amor e sem medida,

O gesto apenas de amar.

 

Só que o amor verdadeiro

Nunca a nada nos obriga:

Nosso é o acorde primeiro

A cantar em tal cantiga.

 

Cada um tem de trepar

Um degrau rumo ao abrigo,

Logo à partida a evitar

Proferir um: “não consigo!”

 

 

122 – Relembrar

 

Ao relembrar o que pais nossos nos fizeram,

Ao lhes rever como magoaram, nós estamos,

Ao mesmo tempo as agressões (que em nós operam

Ferindo filhos que são nossos e que amamos)

 

A revelar. Então os filhos vou formando

Em diferentes, mais conformes, outras vias.

É por magoados termos sido que explicando

Podemos ir quanto causar malfeitorias.

 

Este trabalho quem não faz com a criança

Interior continuará, com o modelo

Que pelos pais foi transmitido e que o alcança,

A magoar, por sua vez, num atropelo.

 

 

123 – Falta

 

Falta tempo para o amor.

Vou então valorizar

O poder a se me impor,

Conduzir vou-me deixar,

 

Vou-me submeter a ele.

Para o prazer tempo falta

Verdadeiro, que me impele,

Para me fruir em alta,

Então vou-me distrair

Com os múltiplos prazeres

Que não são nada a seguir,

Enchem só tempo e lazeres.

 

Vivemos num mundo doente

Porque lhe falta o amor

E abusa o poder, contente.

E as doenças do sofredor

 

Que nos mordem aguerridas

Em nossa sina maldita,

São as múltiplas feridas

Da criança que nos habita.

 

 

124 – Acorda

 

A criança em mim, cá dentro,

Acorda constantemente,

Tenta chamar-me a atenção,

Mas muitas vezes não entro,

Esqueço-me simplesmente

De lhe ouvir a oposição.

 

Embora em regra escondida

Pelo nosso lado adulto,

Há-de às vezes existir.

Contrabalançando a vida,

A infância em raiva, no oculto,

Grita: “deixa-me sair!”