TERCEIRO  TROVÁRIO

 

 

                   NORMATIVO LOGO APÓS SE HÁ-DE TORNAR

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 241 e 380, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                241 – Normativo logo após se há-de tornar

 

                                                Normativo logo após se há-de tornar

                                                O poema regular, se de alheado

                                      Não se pretende apodar

                                                Ante a vida que o crismar

                                                Sagrado.

 

                                                São regras de bem viver,

                                                De bem conviver, de estar,

                                                As atitudes a ter

                                                Como um íman a inspirar.

 

                                                Mapa traçado dos dias

                                                Com o roteiro lá inscrito

                                                Das ilhas das especiarias

 

                                                Que ancestralmente concito

                                                Na trilha que rumar ao Infinito.

 

 


242 – Estacionamento

 

Se em noite de temporal

Vais a conduzir sozinho

E cruzas, ocasional,

O estacionamento vizinho

 

Dos transportes colectivos

Onde três pessoas vês:

A despedir-se dos vivos

Uma anciã sem mercês;

 

De longa data um amigo

Que outrora salvou-te a vida;

E a pessoa a cujo abrigo

O amor ideal te convida,

 

- Se um só podes abrigar

A quem é que abrigarias?

A velhota a se finar,

O amigo de comuns vias?

 

Podes não mais encontrar

A criatura de sonho…

O melhor, neste lugar,

É se tudo assim disponho:

 

Ao amigo empresto o carro

Que a anciã põe no hospital,

E eu aguardo o autocarro

De amor com o ente ideal.

 

 

243 – Repetir

 

Como é sempre caminhando

Que o caminho se revela

Por dentro ou por fora, é quando

Solto ao vento minha vela,

 

Se repetir o bastante

O meu gesto motivado

Por atitude fundante,

Por princípio radicado,

 

É quando a me transformar

Acabo então por me ver,

Bem além do que sonhar,

Pelo que a sério fizer.

 

 

244 – Orgulho

 

De orgulho o pior defeito

É impedir de aperfeiçoar

Quem se lhe moldar ao jeito.

“Já sei tudo!” – vai pensar

 

E nunca aprende mais nada.

O pior para quenquer,

Da vida em toda a jornada,

É de orgulho entorpecer.

 

Por mais ruas que haja em branco,

Sempre as vai arrastar manco.

 

 

245 – Eleve

 

Tudo tem o seu limite

E, se queremos ser ricos,

Talvez qualquer bom palpite

Eleve o dinheiro aos picos,

 

Mas, mais dia menos dia,

A conjuntura impedir

Há-de qualquer demasia

E a frustração há-de vir.

 

Ora, em vez de suportar

A fronteira do exterior,

Mais nos vale a nós fixar

A que se ali tem de impor.

 

Deveremos reduzir

Nossos desejos prementes

E aprender, para o porvir,

A ficar de vez contentes.

 

 

246 – Causas

 

Quanto mais fizer sofrer

Mais as causas acumulo

De a mim próprio me doer.

Como a sociedade anulo,

Prejudicando-a destarte,

A mim próprio duplamente

Prejudico e ponho aparte

A sofrer infindamente.

 

 

247 – Perdermos

 

Se perdermos os instantes

Desta vida a fazer mal,

De nada agora nem antes

Serviu a vida, afinal.

 

Toda a gente tem direito,

Direito à felicidade,

Nunca, porém, de tal jeito

Que a doutrem com tal degrade.

 

Em caso algum duma vida

A finalidade pode

Ser noutra causar ferida,

Seja quem for quem acode.

 

 

248 – Ajudar

 

Outrem ajudar, ser bom

E moderar os desejos,

Satisfazer-se do dom

Que haja em todos os ensejos

 

Não é da religião,

Meio de agradar a Deus,

Vida eterna ter à mão,

- É de crentes e de ateus.

 

Quem quer paz interior

Há-de tais virtudes tê-las,

Não pode outro agir propor,

Não pode viver sem elas.

 

 

249 – Tendência

 

A tendência integrativa

Em nós é tão requerida

Quanto a auto-afirmativa,

Para a relação vivida

Com os outros e o ambiente

Ser de harmonia semente.

 

Auto-afirmação demais

É poder, dominação,

É controlo sobre os mais

Pela força que haja à mão.

Hoje é o padrão que domina

Nos povos que assim destina.

 

O político-económico

É da classe dominante

O poder trágico-cómico

De descriminar, impante,

Por orientações racistas,

Locais, regionais, sexistas…

 

A violação deveio

A metáfora fulcral

Duma cultura ante o meio:

Viola a mulher, por igual,

Quem pode (e é minoritário)

E da terra o santuário.

 

Ciência e tecnologia

Têm a crença secular

De que a terra só veria

Quem a terra dominar.

E o modelo mecanista

Só me exacerbou tal pista.

 

Hoje a técnica é malsã

E linearmente inumana,

Troca a natureza chã

E a complexidade humana

Por qualquer pré-fabricado

Ambiente simplificado.

 

A meta dela é o controle,

Produção massificada,

Padronização do rol

E gestão centralizada,

Na ilusão de dar recado

Dum crescer ilimitado.

 

A tendência afirmativa

Continua assim crescendo,

À submissão não há esquiva,

Que não completa, bem vendo,

Qualquer auto-afirmação,

Antes dela é a reversão.

 

A atitude afirmativa

É dos homens o ideal.

Que a mulher submissa viva

Mas também o pessoal,

O empregado, o executivo,

Cujo eu ficará no arquivo:

 

Neguem sua identidade

Individual e adoptem

Padrões em conformidade

Com o grupo em que se cotem.

Mesmo em campo educativo

Só vale o competitivo,

 

Mas também com restrições,

Já que é desencorajado

Ter ideias, são senões,

E questionar é vedado

A escolar autoridade,

Mesmo se não persuade.

 

Promover comportamento

De perfil competitivo

Em lugar, em detrimento

Do que for cooperativo,

Auto-afirmação à vista

É deste mundo em conquista.

 

É o erro de conceber

Que em comunidade a vida

É lutar para vencer,

Por que o mais apto progrida.

A economia compete

E o negócio tal repete.

 

Comportamento agressivo

A vida torna impossível:

Se for único, exclusivo,

O dia fica invivível.

Mesmo o mais ambicioso

Busca um abraço amoroso.

 

Quer apoio compreensivo,

Contacto humano bem quente,

De espontaneidade o esquivo

Momento que o acalente.

E então se obriga a mulher

Tudo isto a satisfazer.

 

Secretárias, enfermeiras,

Mães-do-lar, recepcionistas

Dedicam vidas inteiras

Vidas a tornar benquistas,

Confortáveis, de atmosfera

Onde após compete a fera.

 

Elas alegram patrões,

Fazem-lhes o cafezinho,

Pacificam confusões,

Acolhem qualquer vizinho

E entretêm-no, serenas,

Com as falas mais amenas.

 

Consultórios e hospitais

Têm o contacto humano

Dado a mulheres que tais

Que a cura encetam sem dano.

Servem chá, bolo às fatias,

Não discutem teorias.

 

Tudo actos integrativos,

De estatuto inferior

Nestes degenerativos

Vãos sistemas de valor

Comuns ao mundo presente

Que auto-afirmação só sente.

 

Então quem os desempenha

De miséria só salários

Recebe do que os desdenha.

São roteiros temerários

Que não pagam dons nem bens

A donas de casa ou mães.

 

 

250 – Viver

 

A Humanidade não pode

Viver sem as utopias,

Embora o que sempre acode

Na História, todos os dias,

 

É que tentar construir

A utopia fatalmente

Leva à violência a seguir,

Ao inferno em toda a frente.

 

Temos de renunciar

Às utopias mortais

Que são as que irão tentar

Transmudar-se em sociais,

 

Que ínvio sempre é organizar

Por inteiro a sociedade

Num modelo a idealizar,

Sem a individualidade

 

Destruir em tal parada.

Vamos gerar utopias

No lugar onde, de entrada,

Têm abertas as vias:

 

É do indivíduo no reino

Onde toda a diferença

É permitida e tem treino.

Cada qual, de si pertença,

Tem direito a construir

A vida pelos seus gostos,

Por desejos que sentir,

Carências que tenha a postos,

 

Desde que ele não afecte

Doutrem a soberania

Nem os passos intercepte

Que outrem dê na própria via.

 

Alguns têm conseguido

Utopias pessoais,

Místicos do além vivido,

Atletas que além vão mais,

 

Quantos logram perfeição

Em áreas donde dimana

Que as fronteiras outras são

Que as da condição humana.

 

 

251 – Preocupadas

 

Passam a vida preocupadas as pessoas

Com o futuro e passar deixam o importante.

Sempre a cuidar no êxito estão, em ganhar broas

Num ordenado ou num papel que se agigante

 

Na sociedade, até nas férias que hão-de vir,

Até se os filhos, ao crescerem, honrarão

Progenitores que se orgulhem do porvir…

Ninguém dedica tempo além o tempo então

 

Numa medida que nos deixe o suficiente

A saborear como é tão belo este presente.

 

 

252 – Conforme

 

Cometemos muitos erros neste mundo

E fazemos muito mal ficando impunes;

Praticamos muito bem que é bem fecundo,

Concertamos muita perda (unes, desunes…)

 

E pagamos isto caro muitas vezes:

É conforme tudo calha, sem remédio.

Importância nunca têm sorte ou reveses,

Que auferimos só num fim sempre intermédio.

 

O que importa é que aceitemos o que temos,

Que saibamos, o melhor que for possível,

Saboreá-lo, aproveitá-lo, que o vivemos

Como a prenda inesperada que é vivível.

 

 

253 – Corpo

 

Corpo não é mau nem bom,

Corpo é neutro, é nada nisto,

É um instrumento de som,

Ferramenta com que existo.

 

É tal qual como um machado

Com que posso rachar lenha

Para ao lar prestar cuidado

Mas que, se me não contenha,

 

Também serve para abrir

A cabeça dum vizinho.

Na forma como o gerir

O bom e o mau adivinho:

 

Posso amar e é construtivo

Tudo o que dele dimana;

Odiar e é destrutivo

O gesto onde invista a gana.

 

 

254 – Cara

 

Tudo está na cara suja,

Assustada e consumida,

Extasiada e perdida,

Mas que a tudo sobrepuja,

 

Dum miúdo seminu.

Não, ele não me conhece

Nem o trato eu por tu,

Língua comum nos falece

 

E viveu a vida dele

A dez mil milhas da minha:

Mesmo assim é minha pele,

É um cacho da minha vinha.

 

Nós somos uma unidade,

Importante, indissolúvel,

Unificada entidade,

E ele um auxílio volúvel

 

De mim precisa e requer

Tal como eu preciso, a par,

Como outro homem qualquer,

De acorrer e auxiliar.

 

É isto o que justifica

O destino a cada um,

Isto, não o que complica,

A verborreia comum,

 

Raciocínios petulantes,

De pensar máscara fria,

Nem qualquer ideologia

De fitos humanizantes.

 

Meu destino é confortar

Um homem quando ele sofre.

Tudo sofre, singular,

E a chave está neste cofre.

 

Todos vivemos nas trevas,

Sonâmbulos como somos,

A arrastar pesadas grevas

Que em cada pegada pomos,

 

Na direcção que traduz

Caminharmos rumo à luz.

 

 

255 – Intrusos

 

O que vem atrapalhar,

Que é de intrusos confundir,

Deve fazer repensar:

 

Confuso fica quenquer

Apenas, ao reagir,

Se não souber o que quer.

 

Importa, então, ver o fundo

Ou perdemos pé no mundo.

 

 

256 – Voo

 

Faças lá quanto fizeres,

Não te prendas, não te prendas!

Quanto mais livre estiveres

Para que ao voo te rendas,

 

Melhor: voa num projecto

Que concilie ajudar

O mundo aqui, sob o tecto,

Sem deixar de o projectar

Para cima, ao céu directo.

 

O de cima e o de baixo

Um só serão, se os encaixo.

 

 

257 – Fundo

 

A vida remoço

No que tem de plástica:

No fundo do poço

Há uma cama elástica.

 

Quando ao lado oposto

De ti próprio vais,

Se vês só desgosto,

Tropeças e cais.

 

Quando ao que negaste

E de que tens medo

Já te abalançaste,

- Tens um novo credo,

 

És um homem novo,

Bem polarizado,

Evoluis do ovo,

Já revigorado.

 

 

258 – Energia

 

A energia da violência

Que hoje a terra nos domina

Não inverte a recorrência,

Mais e mais à força inclina.

 

O homem anda violento

Como violento anda o mundo.

Urge mudar o elemento

Desta energia infecundo

 

Para a terra vir mudar.

Não adianta alguém querer

A terra noutra trocar

Se a energia mantiver.

 

Andamos sempre a tentar

Lutar contra quem o medo

Nos homens ande a causar.

Esquecemos, no degredo,

 

Contra o medo em nós vivido

Em nós mesmos de lutar.

Ora, pior que o infligido

Por um homem a seu par,

 

É o medo (que o não aflige)

Que a si próprio cada inflige.

 

 

259 – Experiência

 

Uma experiência quando não aceitas

Que o universo te proponha acaso,

Cada vez mais rumo a atrair te ajeitas

Eventos tais e no mais curto prazo,

 

Mais fortes, mais, até que os tomes bem,

Os vivencies, preparado enfim

Por encerrada para dar também

Tua vivência, agora em teu confim.

 

Mas não terás só de aceitar o evento,

Deves querer o que te vem de além:

Teu ego serve a controlar o intento,

Não a ser vítima, evolui também.

 

 

260 – Rumos

 

Tenta fazer com que mudem

As energias internas,

Os rumos a que se grudem,

Trilhos a que emprestem pernas,

 

Por que passem a atrair

Eventos não negativos,

A gerar e a gerir

Menos sofrimento aos vivos.

 

Enquanto não se alterar

O que dentro de ti vem,

Atrair não vai lograr

Vidas outras que convêm.

 

Muda os íntimos valores

Eliminando bloqueios,

A percepção de anteriores

Eventos, de hoje recheios…

 

- Noutra perspectiva ao veres

Mudas tudo o que quiseres.

 

 

261 – Harmonizar

 

Harmonizar os opostos

Eis das questões a questão:

Como unir o sim e o não?

O bom e o mau contrapostos

Como pôr em união?

Positivo e negativo

Como fundir no que vivo?

 

- Harmonizando os contrários,

Aceitando as diferenças

Sem juízos temerários,

Sem julgamento ou sentenças,

Sem uma via melhor

Achar que é e outra pior.

 

Na perspectiva dos céus

Tudo é mesmo indiferente,

Tudo é igual perante Deus

A nós é que o rumo assente

Traz remanso ou escarcéus

Nas rotas do mar ingente.

 

Se como Deus vivo em mim,

Fico em paz com tudo assim:

 

Só então fico preparado

Ao trilho a nós adequado.

 

 

262 – Repete

 

Esta norma de teu fado

Repete idades além:

- Para mim só destinado

Para sempre foi o bem.

 

Contra o que te causa medo,

Sentimento preferido

Do mal, de todo o degredo,

Joga a lei de teu sentido.

 

O mal amedronta as gentes

Com ideias negativas,

Obscenas e deprimentes.

Por um nada mentes vivas

 

Fazem a escolha contrária

Àquela que elas fariam

Em tendência solidária

Com o imo de que partiam.

 

Na terra o medo corrói

Quem mais espiritual

Mesmo toda a vida foi,

Tal fermento tem o mal.

 

A norma então de teu fado

Repete idades além:

- Para mim só destinado

Para sempre foi o bem.

 

 

263 – Intermediários

 

Intermediários, não:

Sempre foram responsáveis

Pela modificação

De espirituais e fiáveis

Leis que à vida rumo dão.

 

Cada qual pode ir lá acima,

Às profundezas do imo,

Buscar o que fundo o anima,

As leis que são dele arrimo,

Vivenciais, em que prima.

 

Não precisa de ninguém

Que lhe diga quais as leis

Que são dele e lhe convêm

Ao estatuto e papéis,

Que em si cada qual as tem.

 

Intermediários, não:

Não dão luz, só confusão.

 

 

264 – Desenvolvimento

 

Quando alma não há presente

Numa decisão qualquer,

O caminho a percorrer

Jamais é o da evolução,

Desenvolvimento são

Que nos for conveniente.

 

Caminho de teimosia,

Só pode levar à perca,

À tristeza que irradia,

Que de escuridão nos cerca.

 

Quanto mais alguém fizer

Conexão ao superior

Que do imo lhe dá vigor,

Mais vai poder esperar

Que alma presente há-de estar

Nas decisões que escolher.

 

Decidindo consoante

Os olhos que em alma tem

Caminha para diante,

Além rompe sempre e bem.

 

 

265 – Digamo-lo

 

Podemos dizer a todos

O que nunca lhes dissemos:

- Digamo-lo em pensamento!

 

Trocando os mais comuns modos,

Cheguemos onde cheguemos,

Tudo atinge estoutro intento:

Quero dizer a meus filhos

Quanto, afinal, gosto deles,

Dizer a minha mulher,

Num dia acaso qualquer,

Quão preciosos cadilhos

Nos atam, mesmo se imbeles

Continuam os meus lábios,

Por mais que se antolhem sábios?

 

Fecho os olhos e lhes digo.

Vejo-os sorrir e abraçar-me:

Ficam então ao postigo

Sempre, afinal, de meu carme.

 

E mesmo quando incomoda

É de partilhar assim:

Conversa de andar em roda

Melhor atinge o seu fim.

 

Algo ali finda a mudar

Na relação tida a par.

 

Poderá ser um mistério

Mas ocorre sempre a sério.

 

 

266 – Medo

 

Não é nunca a perda em si

Que nós temos de aceitar,

Mas o medo de perder,

A dor de alma que sofri

Da perda que me rasgar

- Que de aceitar hei-de ter.

 

Será sempre o medo e a dor

E jamais o evento em si.

E a diferença é maior

Do que tudo o que  previ.

 

Que eu só tenho medo e dor

Se me não souber propor

 

Na perspectiva superna

Da visão que for eterna.

 

 

267 – Regridem

 

Apenas um dos caminhos

Dá bom desenvolvimento.

Os outros são descaminhos,

Regridem, vão contra o vento,

São atalhos na jornada

Para onde não há nada.

 

Quem seu caminho encontrar,

Evolui, trepa os degraus,

Para a frente a caminhar

Sem tropeçar nos calhaus.

Mas topar a via tem

Que se lhe diga também:

 

Ao infindo tem de ser

Por inteiro conectada:

Anseios de alma viver,

O que esta quer da jornada,

Evoluir e limpar

Quanto o passo lhe encurtar.

 

Quem não escolha o caminho

Conforme a própria energia,

Quem material talha o ninho,

Porque outrem o quer um dia,

Por segurança ou dinheiro,

Perde a força por inteiro.

 

Perdendo o favor da vida,

Vêm males e doenças.

São avisos à medida,

À navegação sentenças:

Convidam o rumo dado

A mudar de vez de lado.

 

 

268 – Sofrimento

 

Sofrimento, guerra, fome,

Azar, guerrilha, acidentes,

Toda a dor que nos consome,

Que os humanos crua tome,

Tem motivos, entrementes.

 

Cada qual capacidade

De anular-se por inteiro,

Sem defesa inermidade,

Sem resguardo ante a maldade,

Só tem quando, já leveiro,

 

Centro é da fragilidade,

É o núcleo do sofrimento:

Sente o uno, a unidade,

Ser e não ser na igualdade,

Ao mesmo tempo e momento.

 

Só nesta altura do zero,

Daquele zero absoluto,

Quando tudo é fumo mero,

O que se é já não é vero

Nem se tem nenhum produto,

 

É neste momento exacto

Que se opera a transfusão:

A cósmica força em acto,

Do sábio Cosmos o impacto,

De entrar encontra o portão.

 

O espaço que ocupa o ego

É o mesmo das almas todas.

Quando ele o ocupa, o sossego

Nunca advém de tal emprego.

A escolha é tua: qual podas?

 

 

269 – Acolhes

 

Sem julgamento acolhes o que vem:

Em vez de olhar a dor como o que é mau,

É apenas o que vem e o rio a vau,

Ao vivê-la, transpões, como convém.

 

Quando de processar a dor acabas,

Pronto então ficarás para acolher

A maior alegria que couber

Em teu íntimo, enfim de abertas abas.

 

Se encobres tua dor e a julgas má,

Recusas-te a vivê-la, encapotar-te

Irás de mil defesas com tal arte

Que não vais permitir que a força vá

 

De ti livre fluir e o sofrimento

Começas a atrair em tua esteira.

Este, porém, é tal que nunca à beira

De findar se mostrou nalgum momento.

 

Uma dor natural acaba ao fim

De algum tempo e releva o que é precário.

A dor pelo bloqueio do primário

Afecto que nos move nunca assim

 

Acaba: jamais finda. No que escolhes,

Entre a curta e a longa, qual acolhes?

 

 

270 – Gostar

 

Podes gostar de mim, de estar comigo,

Daquilo que te ensino, do que digo,

 

Do que passámos juntos, da fusão,

Desta nossa energia e protecção,

 

De quanto represento para ti

Como para os demais com que vivi…

 

Mas não dependas nunca, não dependas

De mim nem de ninguém. Convém que aprendas

 

Pela tua cabeça a pensar, são,

E a sentir pelo teu bom coração.

 

Não há no mundo nada, mesmo nada,

Que valha uma centelha iluminada

 

Divina, um imo a sós que aqui vagueia,

Germinando na terra onde tenteia

 

Vezes sem fim, tentando ser feliz.

Contigo amor, não medo, é o que condiz,

 

O alto e não o baixo é o atavio,

É o calor que acalenta e não o frio.

 

 

271 – Desbloquear

 

Desbloquear as energias,

Evitar a perda tem

Um segredo de ousadias:

Polarizar-se convém

 

Ao oposto de si mesmo

Ir em íntima viagem,

Retiro em que me ensimesmo,

Meditação da triagem,

 

Conexão ao superior…

Quem viver acompanhado,

Se a estar só não dá valor,

Tem de ir ao oposto lado

 

Estar consigo sozinho:

Melhor é sair durante

Uns dias, para, em caminho,

De si próprio ficar diante.

 

Quem às coisas materiais

Vive preso, aprisionado,

Para vidas sem reais

Faça então voluntariado,

 

Que nada de material

Aí encontra, só gente.

É simples o trilho ideal:

De que é que pavor se sente

 

É ver e depois seguir,

Denodado, ao seu encontro.

Da ferida ao lugar ir,

Sofrer daquilo o recontro.

 

Quando sair, livre está.

É o Calvário que fez Cristo:

Ir ao oposto que lá

Mais doía, tudo visto.

 

Quando acabar, evoluo,

Já que fui ao meu oposto

Tão negado em meu recuo,

Tenho agora novo rosto.

 

Como em mim já mora o Todo,

Nisto do Infindo sou modo.

 

 

272 – Batuques

 

Os batuques do deserto,

Das florestas tropicais…

Que longe nos fica o perto,

Com tanto barulho certo

A encobrir do íntimo o cais,

O silêncio a violar

Que houver dentro em cada um!

Milénios a batucar,

Cantarolar e dançar,

Para evocar no zunzum

 

As forças superiores

A nós próprios, para ter

Apoios que, redentores,

Se revelem os melhores,

Para se escapar quenquer

 

Dele mesmo, mundo fora,

Do próprio silêncio dele.

O silêncio que em nós mora

É tão fundo, sempre e agora,

Como o do deserto imbele.

 

É o mais profundo e mais denso,

O mais sepulcral que existe,

De suportar, por intenso,

O mais difícil, no censo

Que o homem conte e que liste.

 

Na maior parte das vezes,

Tenta, não aguenta e vai

O homem fugindo aos reveses,

Segue em frente nos conveses

Doutra aventura em que cai,

 

Sempre dele longe e fora.

É o silêncio para ouvir-se,

Barulhos cala na hora.

Só quem ouve sabe agora,

Só quem sabe há-de intuir-se,

Só quem se intui é que sente,

Quem sente vive: é o presente!

 

 

273 – Rótulos

 

Há quanto tempo é que andamos

A pôr rótulos nas coisas,

Nas gentes com que topamos?

 

Quantas guerras há nas loisas

Por os homens terem dito

Palavras em que não poisas

 

Jamais o que for teu fito?

O homem tem de parar

De falar sem ver o grito

 

Que virá de não pensar.

E tem de tomar o pulso

À própria vida, acabar

 

De encarar como algo avulso

Qualquer pensamento alheio,

De abusar matar o impulso.

 

De criticarem o meio

Achem de parar e parem

De achar, findem com o enleio.

 

Quanto menos opinarem

Sobre outrem tanto outrem menos

De quantos gestos vos arem

 

Irá julgar os acenos.

Ter opinião é julgar,

É crer que sabemos plenos

 

O bem e o mal de operar,

Que estaremos para além

De humano saber e estar,

 

Mais que tudo é saber bem

E mais que todos saber.

Quem julga é Deus, mais ninguém,

 

Ainda por cima absolver

É o que a quenquer sempre faz.

Que direito tem quenquer

 

De os mais julgar, ferrabrás,

De ter tanta opinião

E de os criticar por trás?

 

Convite à separação

É sempre a crítica feita.

E separados, então,

 

À trilha ninguém se ajeita,

A lado nenhum irão

E nada mais se aproveita.

 

 

274 – Julgado

 

Se tu não agradeceres,

Da ajuda se ao ideal

Ao fim não corresponderes,

Serás julgado, afinal,

Condenado de imediato,

Mal-agradecido, ingrato!

 

Cuidado com as ajudas,

Há lobos ante o rafeiro

Que, mal tu de pasto mudas,

Vestem pele de cordeiro.

 

 

275 – Resposta

 

Para a questão insolúvel,

Lembra-te da solução!

Não é o cérebro volúvel

Que resposta te dá, não,

Para aquele desafio

Que inviável desconfio.

 

Pede-lhe apenas, portanto,

Que ta recorde entretanto.

 

Se pressupões que soubeste

Em tempos qual a resposta,

Convicção íntima deste

De que existe e agora exposta

Pode ser com evidência,

Já não sentes a impotência.

 

Então, de escano escondido,

Vem-te uma luz com sentido.

 

 

276 – Abrir

 

Cada um de nós é um Deus,

Cada qual já sabe tudo.

O que temos, ante os céus,

De fazer é, sobretudo,

 

Abrir a mente vazia

E ouvir, rasgados os véus,

A própria sabedoria.

 

 

277 – Trocarei

 

Não trocarei as tristezas

Que houver em meu coração

Por festas da multidão.

Não gostarei que as represas

 

De lágrimas que as feridas

Fizerem brotar de mim

Se transformem, desabridas,

Em risos ocos por fim.

 

Gostarei que minha vida

Seja o encontro conciso

Da lágrima e do sorriso,

Sempre na justa medida.

 

 

278 – Culpas

 

Atribuir culpas, explicar,

É por demais simples, errado:

Pois cada qual é que acabar

Há-de a escolher qual o traçado

Do rumo que ele quer trilhar.

 

Todos nós temos a gaiola

Que os tubarões nos mantém fora,

Longe de quanto nos imola.

Quem abre a porta e que em tal hora

Se atreve a ir deles na cola

 

Fá-lo então sempre â própria conta,

Correndo o risco a que tal monta.

 

 

279 – Interessado

 

Poderei sempre esconder

Doutrem o que ele estiver

Interessado em não ver.

 

Até de mim poderei

Esconder o que já sei

Que acatar não lograrei.

 

Questão é o custo em saúde

De tudo o que nos ilude

 

E em vida desperdiçada

Pelas valetas da estrada.

 

 

280 – Tempo

 

Tens de ao tempo tempo dar,

Já que o mundo ser refeito

Nunca pode num só dia.

Se, porém, ninguém tentar

Refazê-lo, pô-lo a jeito,

Jamais refeito estaria.

 

Teremos de começar

A modelar-lhe o traçado

Algum dia nalgum lado.

 

E cada dia é o momento,

O momento adequado

De tal empreendimento.

 

 

281 – Pesca

 

Bem mais frequentemente

Que outras técnicas na vida

Compensa a pesca, ao presente,

A esperança com que lida.

 

Nem um peixe embora morda

Meu isco, irei retomar,

Na sediela ou na corda,

Um contacto com o mar.

E, feito isto, não me fica

Longe o contacto que acalma

E mais fundo pontifica

Com a minha própria alma.

 

 

282 – Pés

 

A maneira de assentar

Os pés aqui no presente

Consiste em descortinar

Actividade que assente

Naquilo em que desafias

A aceleração dos dias:

 

Leitura, meditação,

Jardinagem, um passeio,

Ou de aves observação,

Ou conversa de recreio…

- Reencontrar a natureza

Das tensões abre a represa,

 

Das águas no turbilhão

Ao fim é irrigado o chão

 

 

283 – Educação

 

A educação deve ser

Natural e com prazer,

 

Que, sem prazer educar,

É uma entorse a magoar

 

E o que apenas junta ao rol

É sempre um dia sem sol.

 

 

284 – Privação

 

Devemo-nos despojar

De tudo aquilo que temos?

Vai ser este o patamar

Que Deus quer que nós pisemos?

 

Antes só estarei disposto

A me despojar de tudo.

Nisto vejo um pressuposto

De privação sobretudo,

 

Mas a maior privação

É continuar vivendo

Deste mundo a sedução:

Dele escravo, não me ofendo,

 

Sirvo os bens, sirvo as riquezas,

Todos aqueles senhores.

Satanás, atento, as presas

Persegue, doirando as cores.

 

Se a fundo eu me despojar,

Menos lugar há-de ter

(Quando me tenta apanhar)

Onde se possa esconder.

 

 

285 – Riqueza

 

Pode a riqueza demais

Confundir mesmo as pessoas,

Enquanto escassos caudais

De cores, de bens, de broas,

 

Aumentam nosso poder

De concentrarmos a mente.

Mas Deus criou todo o ser

Connosco já conivente

 

Para que saibamos bem

Com ele viver também.

 

Se és cego pelo excessivo,

Pouco a pouco te habitua

À glória do mundo vivo,

Lento alarga a tua rua.

 

Então é que identificas

Bem como é que ao fim tu ficas.

 

 

286 – Néctar

 

As pessoas apressadas

Todo o néctar da existência

Saboreiam a ferver.

Só quem com calmas pegadas

Lhe saborear a essência

Fresco orvalha o amanhecer.

 

 

287 – Noutrem

 

Ninguém pode outrem mudar.

Mudar a própria atitude

É que noutrem vai criar

Novo impulso com que mude.

 

Melhor comunicação,

Trabalho de equipa a sério,

Saudável mesmo emoção

- Só dali ganham império.

 

A mudança só por mim

Corre do começo ao fim.

 

 

288 – Hábito

 

O nosso hábito de ver

Unicamente o pior

No trabalho, em cada ser,

Em nós, em nosso interior,

Leva a relação humana

A ser a dor que nos fana.

 

É urgente mudar os jeitos,

Que há tempo demasiado

Não vemos senão defeitos.

Importa deixar de lado

A ideia de ter razão

E acolher outra visão:

 

É que há mesmo outros caminhos.

Em vez de nos retirar

Do mundo em campos maninhos,

De acordo por nunca andar,

Apostemos na mudança:

No termo que a muda entrança.

 

Vamos usar as palavras

Mais positivas, suaves,

E no talhão que escalavras

Gorgeios trilarão de aves.

A colheita, ao fim, concreta,

Mostra a via quanto é recta.

 

 

289 – Sorte

 

Quem tem muito e não trabalha,

Tendo embora o que quiser,

Não é rumo que nos talha:

Primeiro há que desejar

E só depois conquistar.

- Tal é a via para ser.

 

 

290 – Vencer

 

Vencer o mar ninguém pode,

Como a eternidade é imenso,

Como o destino, imutável.

A ilação que então acode,

Se perante o mar me penso,

É que o homem mais fiável

Menor é que o menor peixe.

 

Contra o mar não lute, deixe,

Não combata contra as vagas!

 

Entreguemo-nos, portanto,

Abandonados, nas plagas,

Das ondas ao tredo encanto

E, à medida que fluírem,

Acompanhemos, ao irem,

Seu movimento, entretanto.

 

Seremos então, a par,

Sustentados pelo mar.

 

Assim, no mar e na vida,

Este é o segredo da ida.

 

 

291 – Nomeia

 

Nomeia a tua desgraça,

Podes vencê-la melhor:

Já não é vaga fumaça,

Um incorpóreo pendor.

 

Entrou então em palavras,

Tomou corpo na procela:

Mesmo quando te escalavras,

Lutas mais fácil com ela.

 

 

292 – Saber

 

Não procures saber, se for demais,

Se te afoga o saber nos tremedais.

 

Se pegas numa lupa para ver

Água que bebes, vês que anda pejada

De bichos e corpúsculos quaisquer:

Vês os bichos e já não bebes nada!

 

Não bebes e depois morres de sede.

Pois estilhaça a lupa, que não vejas,

Que os bichos se diluam, nada o impede,

Para que vás beber e fresco estejas.

 

E por igual em tudo o mais na vida:

Sabes demais se a morte te convida.

 

 

293 – Adquirir

 

Ao adquirir conhecimento,

Não é verdade que perdemos

Todo o restante, no momento?

 

Se a saber tudo nós nos vemos

No que respeita a qualquer flor

Será que a flor em vista temos

 

Ou só guardamos o valor

Das científicas noções?

Na troca não iremos pôr

 

A sombra à frente dos balcões

Das veras flores da campina?

Não atraiçoamos, aos serões,

 

A vida a sério pela sina

Do que é uma estéril, fria ciência?

Que representa aquela fina

 

Dissecação rumo à evidência,

No fim de contas, para nós?

Para que serve tal sapiência?

- No fim do trilho estamos sós!

 

 

294 – Acordo

 

Adormecido, sonhei

Que a vida era uma alegria.

Acordo e verifiquei

Que um serviço é que seria.

Ao agir, descortinei

Que serviço era alegria.

 

 

295 – Queimar-se

 

Queimou-se o computador,

Televisão não opera.

Sem mulher nem namorada,

Nem para um copo o sabor,

Se um amigo não me espera

Nem a rádio me dá nada,

 

Agora, então, que fazer?

É hora de perceber

 

O papel que um livro tem

Então na vida de alguém.

 

 

296 – Apraza

 

Quando tudo vacilar,

Não te apraza construir

O que é fadado a tombar

Em ruínas sem porvir.

 

Antes deixa-te levar

Pela corrente da vida,

Não vás tu malbaratar

Energias sem medida.

 

Sobreviver significa

Tudo nesta conjuntura,

Até que se verifica

Nova meta e o que a inaugura.

 

Quanto menos energia

Alguém despender, melhor.

Assim a reservaria

Para após a vir propor.

 

Uma avalanche não pode,

Uma vez em movimento,

Detida por quem acode

Ser logo ali no momento.

 

Quenquer que o venha a tentar

Será por ela esmagado.

É bem melhor esperar

E mais tarde o vitimado

 

Desenterrar dos destroços.

Em longa marcha, é bagagem

Pouca e leve, em torno aos fossos,

Como de fuga em viagem.

 

Só vida em paz cimentada

Nos permite outra jogada.

 

 

297 – Ajude

 

Ajude quando puder,

Todo o esforço então empenhe.

Quando não puder fazer

Mais nada ao que se desenhe,

 

Esqueça-se então de tudo,

Vire as costas, reagindo.

A compaixão, sobretudo,

É da calma o tempo advindo.

 

Se a vida estiver em jogo,

Os mortos enterre, beba

Em haustos da vida o fogo,

Dela importa que se embeba.

 

Vai precisar dela ainda:

Um problema é lamentar,

Outro os factos que haja à vinda.

Não é menos conta dar,

 

Vendo os factos, aceitá-los.

Assim é que sobrevive

Quem da vida sofre abalos:

Saltando-os sem que se esquive.

 

 

298 – Poucos

 

Um quarto, umas poucas malas,

Parcos objectos pessoais,

Alguns livros que intercalas,

Já lidos até demais,

- Um homem pouco requer

Para, enfim, sobreviver.

 

É bom nunca se apegar

A muito quando se tem

Vida instável que aguentar.

Mui frequentemente advém

Que nos vemos obrigados

A largar tudo, apressados.

 

Ou então arrebatado

Tudo nos é de repente.

Cumpre estar sempre aprontado

Para partir, vida em frente.

Quem leva uma vida errante

Nunca o que o prenda adiante

 

Deve manter em carteira,

O que mova o coração.

Dá-se mas nunca se abeira

De abandonar-se em prisão.

A vida dá-lhe sinais

De aventura e nada mais.

 

 

299 – Biombo

 

Um biombo há sempre atrás

De que se pode esconder:

- Um superior, capataz,

Que, por sua vez, vai ter

Outro superior qualquer

E este um outro mais capaz

 

E mais ordens que cumprir,

Dever, instruções, mandatos,

E o monstro que irá brandir

Mil rostos de desacatos,

- A moral que rege os actos,

Necessidade a impelir,

 

A realidade dura,

A responsabilidade,

Seja o que for que se apura

Por nome em vez da verdade:

Há sempre um biombo em grade

Atrás do qual se assegura

 

Fugir com impunidade

Ao que é ter humanidade!

 

 

300 – Alicerce

 

Quem nada espera não fica

Nunca mais desapontado:

Ser feliz sempre se explica

No alicerce ali talhado.

Tudo o mais que então vier

É a festa de lhe acrescer.

 

 

301 – Enquanto

 

Enquanto Deus não disser

Claramente o que Ele pensa,

Nós devemos combater

Quem matar, sem mais sentença,

 

Quer em nome da justiça,

Do capital, do fascismo,

Quer da pátria em que se enliça,

Da família ou comunismo,

 

De preconceitos ateus,

Quer mesmo em nome de Deus.

 

Quenquer que assim funcione

Nada bom tem que o abone.

 

 

302 – Parcial

 

Toda a verdade? Era bom,

Mas jamais poderá ser.

Só que uma aproximação,

Parcial verdade qualquer,

Mais do que a conspiração

Do silêncio vai valer,

Que nesta é que a corrupção

Com vigor quer florescer.

 

Com a verdade se cava

O fosso que os podres trava.

 

É de proclamá-la então,

Pequena embora ela seja,

A nos adubar o chão,

Mesmo quando mal se veja.

 

 

303 – Bebe

 

Quem bebe o vinho do rei

Tem de lhe sofrer as dores

De cabeça – tal é a lei.

 

E ficar-lhe agradecido

Por ele não lhe enviar,

Ao acaso dos humores,

O carrasco a lhas curar

De vez, depois de bebido.

 

Muito cuidado, portanto,

Do poder com o atractivo,

Do poder com todo o encanto,

Se manter-te queres vivo.

 

 

304 – Danos

 

Tantos danos a um país

Não fazem os inimigos

Como os regalos que quis,

Os deleites e os pascigos.

 

Ter as armas, quando em paz,

E as forças armadas prestes

O inimigo enfreia atrás,

Tolhido do que ali vestes.

 

Deveras paz desarmada

Será do que a própria guerra

Mais, muito mais arriscada,

Do risco que houver na terra.

 

De ócio não andam os barcos

No estaleiro, nem no cais,

Nem os gatilhos são parcos

Nos armazéns se os guardais.

 

Sem se moverem, dali

Os ímpetos do inimigo

Reprimem, contendo-o em si,

Acanhado ante o perigo.

 

 

305 – Corpos

 

Todos os corpos terrenos

Nascem, crescem, depois morrem.

E, se fora não há drenos

Que a matéria lhes escorrem,

Dentro de si vão criar

O que os consome, em lugar.

 

E assim é com os países:

Quando de fora inimigos

Os não têm nas matrizes,

Criam nos próprios umbigos

Tudo aquilo que os destrói

No que hoje é, no que ontem foi.

 

Como a ferrugem ao ferro

O desgasta se o não usam,

O gorgulho ao pão que encerro

O come quando o recusam,

O próprio mar apodrece

Se a maré dele se esquece,

 

Assim num país os bandos

Dissidentes o corroem,

O consumirão, nefandos,

Se com a paz se não doem

De abrir portais na cidade

A toda a ociosidade.

 

 

306 – Ricos

 

Mais mal fazem ao país

Ricos em tempo de paz

Do que os pobres mais servis,

Que o poder que o oiro traz

Exime da obediência

À lei, à justa pendência.

 

E, com a ociosidade,

Prestes se atira ao motim

E, com a riqueza, ele há-de

Sustentá-lo até ao fim,

Impede qualquer reforma

De costumes, como norma.

 

Relaxa o rico a modéstia

Com todo o supérfluo gasto

No comer como na véstia,

Incita o vulgo a igual pasto.

Se o governo o não vigia

Para regra ter em dia,

 

Com temor e com amor,

Joga-lhe o país ao charco.

Crimes públicos supor

Tolerados leva o barco

A ser assolado logo

Da proa à ré pelo fogo.

 

 

307 – Canídeo

 

É perigoso bulir

Com o canídeo que dorme?

Por isso, logo a seguir,

Acaba tudo conforme,

Os erros passam por alto

Ignotos no catafalco,

 

Sepultos no esquecimento.

Não tira ser furto ou crime

O que em tal envolvimento

Se arrasta e da lei se exime.

São tais unhas proteladas

Que mais urge ser lembradas.

 

É perigoso bulir?

Mais perigoso é fugir!

 

 

308 – Virtude

 

Se um governo é virtuoso,

Todos trabalham por ser

De virtude; se é vicioso

Todos ao vício vão ter.

O farol é precioso:

Dá rumos ao mar brumoso.

 

 

309 – Muda

 

Muda-te, mas com razão,

Que não muda nem varia

De conselho, opinião,

Quem muda, até cada dia,

Para escolher e propor

Sempre quanto for melhor.

 

 

310 – Aproveita

 

Mais aproveita ao ministro

Dos sábios quanto é conselho

Que as armas de som sinistro

De valente moço ou velho.

 

Mais ilustres se obram obras

Com o saber das cabeças

Que do braço com as sobras

Que andarem a pedir meças.

 

 

311 – Longe

 

Como o que de longe vem

Sempre parece melhor,

O que nasce em casa nem

Agrada nem tem sabor.

 

Desprezamos nossos panos,

As nossas sedas e vinhos,

Mesmo se bons, sem os danos

Que sofremos dos vizinhos.

 

É sempre insânia marcada

Antepor a nós o alheio:

Serve a política errada,

Anda a encher um prato cheio.

 

 

312 – Cravo

 

Há quem chore por poupar

O cravo da ferradura,

Que a vitória a lhe roubar

Acabou com tal usura.

 

É que por falta do cravo

A ferradura caiu,

O cavalo desconchavo

Nunca como tal sofreu,

 

O capitão tomba ao chão,

Perde a batalha, o governo,

Perde tudo o mais em vão:

Dum tal nada veio o inferno.

 

Ora, quem quer prevenir

Tem de olhar então que invista

Nos nadas onde sentir

Que o fim dali pouco dista.

 

 

313 – Faísca

 

Uma faísca de nada

Pode causar grande incêndio

Quando ficar desprezada.

O que de perto nem sinto

Pode ao longe um estipêndio

Danado, que nem pressinto,

Vir a cobrar, de longada.

 

Importa, então, ir atento

Ao rumo a que sopra o vento.

 

 

314 – Vaidade

 

Não sente a vaidade as coisas

Por serem mas se dizerem:

Que narras se a mão lá poisas?

 

Mil vinganças se suprimem,

Não vão delas perceberem

Desacatos mil (que oprimem)

 

Outros que os ignoram todos:

Para os mais os não saberem

Contêm-se o gesto e os modos.

 

Nisto devém positiva

A vaidade que tiverem

Os que agirem por outiva.

 

Ao calar o inconveniente

Mostram quão fundo entenderem

Do bem onde anda a semente.

 

 

315 – Desvendar

 

Para tudo somos sábios,

Só para nós, ignorantes.

Nunca vem a nossos lábios

Saber de nós por instantes.

 

Não que nos faltem preceitos

De desvendar o que somos,

Mas a vaidade tem preitos

Por ciência doutros tomos.

 

Opõe-se a qualquer saber

Que humilde faz a quem sabe:

Dificultoso é vencer

Onde só presunção cabe

 

 

316 – Sábio

 

Dum sábio na mão um erro

É uma lança penetrante.

Na mão, porém, do ignorante

Será como arma sem ferro,

Quebrada em qualquer sequência,

Sem mais uso ou consequência.

 

Cuidado, pois, com quem erra,

Pode dar paz ou dar guerra.

 

Ser sábio nem sempre é bom:

De mal e bem tem condão.

 

 

317 – Sentir

 

Se a formosura recreia,

Toda a injúria nos irrita,

Se convida o agrado à teia,

O desprezo nunca incita.

 

Se o amor enfim nos chama,

A ofensa dele retira,

Quanto aquele nos inflama

Esta nos apaga a pira.

 

Quem tem sensibilidade

Para amar também a tem

Para sentir de verdade:

- Cuidado, pois, ao que vem!

 

 

318 – Continuamente

 

Continuamente promete

O amor que há-de-nos findar

A recusa que repete

Quem não corresponde a amar:

Diz-nos que cedo há-de vir

Uma resposta a anuir.

 

 

 

 

Os ódios nos asseguram

Que o dia vem da vingança

E as vaidades nos apuram

Que a grandeza nos alcança…

- Tudo faz que não vivamos,

Só pela vida esperamos.

 

 

319 – Lance

 

Nunca pode haver justiça

Quando esta se acotovela

Por algo que não por ela

Em todo o lance da liça.

 

E ninguém pode ser justo

Quando o objecto principal

Fora uma glória final

De o parecer, mesmo a custo.

 

O que é por ostentação,

Por qualquer meio que for

Se busca e se finda a impor,

Seja injusta ou justa a mão.

 

Quem procura a voz da fama

Pouco lhe importa a figura

Do instrumento com que a apura,

Vai pelo que a mais proclama.

 

Pouco importa a voz que a aflora

Ser porventura mais certa,

Forte a quer e bem aberta

A gritar, ave canora.

 

Quem à vaidade do nome

Como à duma opinião

For mais sensível, então

Realidade não consome.

 

Esta finda desprezada

Se se puder desprezar

Sem receio de ficar

Ignoto à margem da estrada.

 

 

320 – Equilíbrio

 

Não há jamais nada melhor

Que não levar a vida a sério,

Entre o prazer e um bom labor

Há um equilíbrio cujo império

Diz que é preciso divertir-me

Para o juízo manter firme.

 

Arranja emprego com agrado:

Se do que gostas de raiz

Fazes aquilo que é teu fado,

Tornas-te ao fim bem mais feliz

E a prenda tens inesperada:

- Não envelheces na jornada!

 

 

321 – Mover

 

Ninguém tempo anda a poupar

Por se mover mais depressa.

Do nascer até findar

Foi de vez escrita a peça.

 

Temos de tirar partido,

Partido que persuade,

Do tempo que for corrido

E não da velocidade.

 

 

322 – Compete

 

Em vez de sentir inveja

Segue em frente por ti fora,

Melhora o que em ti se almeja,

Melhora.

 

Compete contigo mesmo,

Deixa de preocupar-te

Em ver defeitos a esmo

Aparte,

 

Nas obras que outros operam.

Porém, não funciona assim:

No fim o contrário geram,

No fim,

Quase todos vida além.

Custa bem mais trabalhar

Que desfiar, pedro-sem,

Desfiar

 

Rios de lamentações.

Ser coitadinho quem pensa

Dispensa as boas lições

De quem corre: “com licença!”

 

 

323 – Dois

 

Sempre há dois indicadores

Em quem tem maturidade.

O primeiro são pendores

De rir de si com vontade.

 

Todos quase a si se levam,

Bem como deles à vida,

Mais a sério do que devam

As conjunturas da lida

 

Exigir. Dificuldade

Têm de ver a suprema,

A suprema absurdidade

Que é de toda a vida o tema.

 

Divirto-me a rir de todas

As parvoíces que faço

E faço muitas, nas rodas

Em que eu alegre me enlaço.

 

O segundo indicador

É o poder de me sorrir

Com admirado estupor

Perante obra que luzir

 

Por mão de outrem, em lugar

De fazer cara de inveja.

Quem tem poder de admirar

Há-de crescer que se veja.

 

 

324 - Doar

 

Quando tu dizes a alguém

O que ele deve fazer

Não estás a doar bem

Mas a provocar também

O peso que ele irá ter

 

Por culpa que irá sentir

Por não poder, se calhar,

Ou então não conseguir

Fazer o que a sugerir

Lhe andas em todo o lugar.

 

Doar é não exigir,

É não sujar os afectos.

Quem culpado se sentir

De si que é que anda a exigir

Que não consegue em correctos

 

Termos, nem incapaz

Aceita ser para tal?

A limitação que traz

Que encontre em visão veraz

E aceite o que for real.

 

Então não exige mais,

Não se culpa do não feito.

Se assim ages, não atrais

Negatividades tais

A que hoje andarás atreito.

 

Quando doutrem exigir

Queres algo cuida então

Primeiro de conferir:

Onde ando a forçá-lo a ir

Sem haver aceitação

 

Em mim de que ele é incapaz?

Encontra a limitação

Que em si próprio nele traz

E aceita-o sereno, em paz,

Que a partir daí, então,

 

Não lhe exiges mais fazer,

Nem culpas de não ter feito.

Pesadume não vai ter,

Não atrai nuvens sequer

Ao céu que tiver no peito.

 

 

325 – Farás

 

Farás tudo o que puderes

E aceita não poder mais.

Normalmente os afazeres

São mais fáceis, como tais,

De extravasar dos poderes

(Criando culpa demais

 

E pesadume, por fim)

Do que a mera aceitação

De que fazer mais, enfim,

Se não logra, é esforço vão.

Só que acolher meu confim

É que me aligeira a mão,

 

Deixa-me as asas libertas

Para novas descobertas.

 

Doutro modo fico preso:

Jamais sigo o que mais prezo.

 

 

326 – Intuição

 

Tua intuição te diz

Que fazer, como ligar

Teu agora ao mais-além,

De modo que em ti condiz

Teu degrau ao patamar

Supremo que te convém.

 

Depois fazes o que podes.

Se começas a sentir

Culpa por não lograr mais,

Aceita-o: tu não acodes

Aonde não podes ir,

Lá não chegam teus sinais.

 

Deixarás de sentir culpa,

De atrair o pesadume,

Sentimentos negativos.

Toda a culpa se desculpa,

Ficas limpo de azedume,

Sem mais mal em teus arquivos.

 

Corta a negatividade,

Aceita a limitação,

Não te exijas demasiado,

Mas alerta a intuição que há-de

Trazer-te a programação

No que a vida te houver dado.

 

Executa o que tiver

De ser feito até o limite

E tal limite percebe

E aceita o que te impuser.

Limpa e que teu gesto evite

Sujar o que te recebe.

 

 

327 – Escapa

 

Ninguém escapa ao destino

Mas podemos fazer muito

Para nossa marca, intuito,

Nele gravarmos com tino:

Usá-lo a nosso favor

Ou a nós o contrapor.

 

Tal escolha escolhe a vida

Com ou sem nossa medida.

 

 

328 – Gaba

 

Quem se gaba de gozar

Da vida de bem-estar

 

É o primeiro que não sabe

Dar o valor que lhe cabe

 

Ao bem-estar que tiver.

Nada por si há-de ser,

 

Tudo pende dum contraste

Para um sabor que lhe baste:

 

Como sentir bom calor

Sem frio lhe contrapor?

 

Quem dum só lado viver,

Já não vive, anda a morrer.

 

 

329 – Comanda

 

Quando alguém comanda os mais

E entre eles encontra um

Que o supera nos sinais,

De orgulho ferido, num

 

Assomo de poderio,

Invadido de aversão

Invencível pelo ousio,

Logo vai tratar então

 

De o derrubar na poeira,

De o aniquilar tão-só,

Reduzindo-o a mera esteira,

Punhado mero de pó.

 

É o poder do próprio culto,

Não o poder do serviço.

E assim de vez fica inulto

O que apagou no chamiço.

 

 

330 – Braço

 

Qualidade redentora

De quem é mais violento

É que ele, nalguma hora,

Usa com igual alento

 

O braço para aguentar

Um pobre desconhecido

Como usou para roubar

O rico que haja ofendido.

 

 

É o que questiona a tez

Das condenações de vez.

 

É o que nos requer a porta

Que à reconversão exorta.

 

 

331 – Verde

 

Tal como o infinito oceano

Nos rodeia a verde terra,

Em nosso imo anda um chão plano,

Insular, a erguer a serra

 

Da interior paz e alegria,

Mas rodeado dos horrores

Dum pélago sem magia,

Ignoto e cheio de dores.

 

Não te aventures demais:

Fora de tal ilha ao ir-me

Posso, afinal, nunca mais

Retornar a terra firme.

 

 

332 – Controlo

 

Em vez de os outros culpar,

Ter responsabilidade.

Sempre uma parte encontrar,

Se algo mal corre e me invade,

 

Pela qual sou responsável,

É o que o evento transforma

Naquilo que é manobrável,

Que controlo, a que dou forma.

 

Quando algo mau me acontece,

Para que se não repita

Que farei, para que cesse

Que gesto em mim me concita?

 

Porventura irei sofrer,

Porém toda a conjuntura

Sempre posso reverter

A partir de tal postura.

333 – Governar

 

Governar torna tranquilo

O que for bom cidadão.

Ao invés, torna intranquilo

O desonesto malsão.

Quem isto inverte anda mal:

Mata a ordem natural.

 

 

334 – Contrária

 

Sempre que há uma ideia nova

Contrária ao uso normal,

É rejeitada na prova

De quem for tradicional.

 

A maioria recusa

Vê-la com seriedade.

É que comummente se usa

Ver na habitualidade

 

Vivida no próprio meio

Um carácter de sagrado:

O contrário já deveio

Atentatório pecado.

 

O bem nunca pode estar

A si em oposição,

Apenas o mal, lugar

A que importa impor um não!

 

A confusão é grosseira

Dos termos de bem e mal:

Bem é a tradição useira,

Mal, de novo algum sinal.

 

Assim se nos joga a sorte:

- Este é o caminho da morte.

 

 

335 – Atenção

 

Para quem disse não olhes,

Presta atenção ao que disse:

Se a realidade lá colhes,

Que o triunfo então se enlice

Do vero em revelação

E não em ocultação.

 

Quem atira a pedra ao lago

Que preveja o movimento

Que ondulará lento e vago

Rumo às margens de momento.

A pedra será levada

Mas finda ao fundo grudada.

 

Quando uma a outra a seguir

Lá se vão acumulando,

Formam um dique a subir,

O curso ao rio alterando.

Denúncias então pequenas

Podem findar muitas penas.

 

Um percurso secular

Pode então ser corrigido

Num desvio singular

Que doravante ferido

Não deixe alguém no caminho

Abandonado sozinho.

 

 

336 – Reconduz

 

Pluralidade extravio

Há-de ser quando à unidade

Não reconduz sempre o fio.

E é tirania a unidade

Que à pluralidade não

Reconduz dela o pendão.

 

 

337 – Circo

 

Deixemos de lado as tricas

Do circo dos elegantes.

Retiremo-nos, futricas,

Para os campos mais distantes,

 

Para o deserto preciso…

Da natureza aos cipós

Voltemos no acto conciso:

- Voltemos, enfim, a nós!

 

 

338 – Envolve

 

Deveremos aceitar

Qualquer luta ou turbulência,

Que envolvo sempre, ao mudar,

Sofrimento, por essência.

 

Porventura não é morte

Que nós recearemos mais

Mas a dor que caiba em sorte,

Inerente a casos tais.

 

Só através do sofrimento

Se torna a vida melhor,

Como a dor do nascimento

A abrir a todos o alvor.

 

 

339 – Endoutrinam

 

Endoutrinam seguidores

No pecado original

E depravação total,

Para os deixar, entre as dores,

Fracos e bem indefesos,

À manipulação presos.

 

Sacerdotes, pregadores

Vivem tão preocupados

Em divulgar tais pecados

Que esquecem outros pendores:

- A existência primordial

Da inocência original.

 

 

340 – Afectos

 

Meus afectos me convencem

Muitas vezes de que falta

Algo em alvos que me vencem.

De certeza, na ribalta,

 

O nosso maior desejo

Défice fundamental

Sofre num qualquer ensejo

De que conta darei mal.

 

Uma voz interior

Diz, porém, do gineceu:

- Não vem de fora o sabor,

Eu terei é que ser eu!

 

 

341 – Harmonia

 

Quando nos compreendemos

E ao mundo que nos rodeia,

Em harmonia podemos

Agir por dentro da teia

Do que andar à nossa volta,

Em vez do ataque e revolta.

 

Podemos seguir as leis

Naturais para o controlo

Ter de todos os papéis.

Quando assim me desenrolo,

Terei então de fazer

De casa o labor que houver.

 

O funcionamento interno

De compreender terei

Da cumeeira ao inferno,

Até lhe apreender a lei

Para, quando lhe responda,

Então lhe furar a onda.

 

 

342 – Bastante

 

Achava que não serei

Quanto basta jamais bom.

Somente isto ultrapassei

Quando de vez me deixei

De julgar segundo o tom

 

Daquelas expectativas

Que outros sobre mim terão,

Quando vi deles que os vivas

Felicidades cativas

É aquilo que apenas dão.

 

A felicidade advém,

Não daquilo que fazemos,

É de não ser mais refém.

De dar não tenho a ninguém

Provas de quanto valemos:

 

- Basta-me ir por onde vou

A ser aquilo que sou.

 

 

343 – Demónios

 

É certo que a boa acção

Raramente é premiada,

Mas vingar disto a lesão

Joga os demónios na estrada,

Perpetua sem igual

Pelo mundo inteiro o mal.

 

Não é, pois, compensador

Bom trocar e o mau impor.

 

A boa acção não o implica

E, no íntimo, gratifica.

 

 

344 – Impor

 

Impor a própria vontade

Não é nunca solução.

Dominar, se me persuade,

Magoa-me o coração

Tanto quanto o dos demais,

Porque neles causo estragos

Do divino à imagem, tais

Que matam promessa e afagos.

 

Se eu deixar os factos ser,

Viver posso em harmonia

Comigo e os deuses que houver

Nos outros em cada dia.

 

 

345 – Normais

 

Jesus, Buda ou Maomé

São tão normais nos humores

Como qualquer de nós é.

As emoções, os amores,

As falhas, as ignorâncias

São as das nossas infâncias.

 

O projecto redentor

É no que se vão mudando,

Passo a passo e ao sabor

De aprender de quando em quando:

É a lenta levedação

De qualquer transformação.

 

Não te preocupes, pois,

Se não és mesmo perfeito.

A vida é toda arrebóis

E não tem mesmo outro jeito:

Embarquemos na viagem,

Tudo, enfim, é aprendizagem.

 

 

346 – Energia

 

Quanto mais coisas tivermos,

Mais tempo, energia gasto

A tratar delas em termos.

O valor da vida é o pasto

 

(Seja embora duradoiro

Como importante demais)

Da busca ao falso tesoiro

De adquirir bens materiais.

 

 

347 – Sociedade

 

A sociedade nos incita

A nos tornarmos importantes,

A circunstância, a pompa fita,

Orgulho e fama são gritantes.

Os bens da terra, com frequência,

São do estatuto toda a essência,

 

Já concebidos a desviar

Toda a tenção das multidões

Para o vazio medular

E natural de ocos balões.

Tais bens são roupa conspurcada,

Sobre a nudez, a mascarada.

 

É bem precisa uma criança,

Tribo perdida em virgem selva,

Para um olhar que o fundo alcança

E que devolva o orvalho à relva.

Ele é que dita a sã sentença

Que ali perceba a diferença.

 

 

348 – Movimento

 

O movimento, actuar,

Era a melhor terapia:

Ou me dedico a viver,

Ou me dedico a morrer.

Então, para me curar,

Trato-me e corro na via.

 

Resulta que o sentimento

Virá responder à acção:

Sentimento e movimento

Ligados, portanto, estão.

Quão mais activa a atadura,

Mais a vida e melhor dura.

 

 

349 – Ciclo

 

Do ciclo da vida parte

Faz que o novo é construído

Sobre as ruínas que acarte

Do antigo antes derruído.

 

Brota a alegria ao tempero

Dos vales do desespero,

 

Quando saltam renovados

Sobre montes e valados.

 

 

350 – Medo

 

Há indivíduos que receiam

De tal maneira morrer

Que têm medo de viver.

Tanto outros viver receiam

Que morrer então preferem.

Depois há quantos medeiam

Entre ambos o que é que querem,

Que viver tanto receiam

Quanto receiam morrer.

 

Uma escassa minoria

É sábia bastantemente

Para aceitar vida e morte

Com serenidade fria.

Ficam livres, de repente,

Para apreciar a sorte

Desta valsa sideral

Da vivência corporal.

 

 

351 – Próprio

 

A ti próprio te conhece

E depois sê verdadeiro

Para contigo e a quermesse

Da imagem divina, esteiro

Que em ti rega a tua messe.

 

Autêntico te revela

Através dos sentimentos.

Atreve-te a erguer a estrela

Alta dos empreendimentos

Que te impetre o coração

Quando te envolver na acção.

 

A norma de ser feliz

É só inteira tal matriz.

 

 

352 – Canora

 

Quem é que quer entender

Duma ave canora o canto?

Escuta-o sempre quenquer,

Julga-o ou não um encanto.

- Por que obras de arte, em lugar

De entender, não contemplar?

 

 

353 – Fraca

 

Arte, livros ou pintura

Terão fraca qualidade,

Quando a banca se inaugura,

Mas vendem em quantidade.

 

Para a comunicação,

Bom é o que for novidade,

Mesmo que importar-lhe não

Lhe importe nada, em verdade.

 

O editor, o galerista

Querem é ter lucro algum

Com os produtos em vista,

Conta é conta em cada um.

 

O impressor se está nas tintas

Para aquilo que imprimir,

Pouco lhe importa o que pintas

Mas o que venha a auferir.

 

Donos de lojas após,

Embora não satisfeitos,

Não se atrevem contra os nós

A dizer nada em tais pleitos.

 

Por fim vem o fruidor

Que sente má consciência

Se não revelar fervor

Por obras más de evidência.

 

De equívocos é cadeia,

Uma falta de coragem

De assumir a própria ideia,

Convictos, quando reagem.

 

Sofrem do medo de ser

Acusados de modernos

Não serem ante quenquer,

- E os lixos reinam eternos.

 

 

354 – Crença

 

Tantos modos há de olhar

Para a vida e para a morte!

E ninguém pode afirmar

Que uma crença tem a sorte

De estar certa e que outra é errada,

Na tessitura embrulhada.

 

O problema radical

De nosso tempo é o de haver

Quem diga: “só o meu fanal

Religioso é que há-de ser

Certo e quem não concordar

No Céu não terá lugar”.

 

Então a religião,

Em vez de nos religar,

Irmão desliga de irmão

E os povos desliga a par:

A guerra ao fim prenuncia

Que nos matar algum dia.

 

Não pode ser verdadeira

A crença que me atirar

Ao fundo da ribanceira,

Sem na vida mais singrar:

Pelos frutos a conheço,

À crença com que tropeço.

 

 

355 – Dúvida

 

Nunca na religião

Dúvida se opõe a fé.

Quando alguém duvida, não

Somente aberto e de pé

 

Perante a fé se mantém,

Como a dirigir-se está

De facto já para lá,

No provável passo além.

 

Quem não crê já não duvida,

Mas o que duvida faz

Perguntas que logo atrás

Podem levá-lo, em seguida,

 

A acreditar, fundo e sério.

Então irá caminhar

Vida além pelo mistério,

E molda o próprio lugar.

 

 

356 – Caos

 

Do caos salvar-nos podem

Conhecimento e verdade.

Quando com eles acodem

Tolerância e compaixão,

É maior a humanidade

Que partilho no meu chão.

 

Sem tal matiz do ingrediente,

Resta só medo, ignorância

Que o fanático alimente.

Do que é humano finda a instância,

Volta-se ao dente por dente,

Da fera humana constância

Só nos caboucos presente.

 

 

357 – Direcção

 

Sei o que é ser empurrado

Numa direcção na qual

Não quero ir, ou num caminho

Sem me encontrar preparado.

Os mais dizem que, afinal,

Sabem melhor o cadinho

A mim mesmo apropriado.

 

Acaso uma ou outra vez

Tal é verdade, talvez…

 

Pouco importa que a forçar

Continuem, a não ser

Se o poder vão retirar

A cada qual de escolher.

 

Desde que o poder mantenha,

Tira um lado o que outro apanha.

 

O ganho da resistência

É que cada qual se amanha

Mais e mais da própria essência

E então é que tudo ganha.

 

 

358 – Assumir

 

Quando fazemos a asneira,

Há que assumir, enfrentar

Dela a consequência inteira.

 

Então a nos respeitar

Mais os outros passarão,

Mais o que é mais singular:

 

É que a nós, na ocasião,

Nós próprios vamos passar

A mais respeitar então.

 

 

359 – Espectáculo

 

Não quero ser atracção,

Espectáculo nenhum,

Não sou uma aberração,

Sou um milagre comum.

 

Nenhum dos dois quereria,

Nem dos outros ser olhado

Como um ou outro, na via,

Nem como os dois, doutro lado.

 

Mas o que posso na vida

É ser aquilo que sou

E quem sou. E na medida

Em que o for, é que aqui estou.

 

 

360 – Força

 

Agora e sempre, a escolha é tua,

Sentes a força do Poder.

Estica o braço, prende à tua

A mão que acena a se perder,

 

Oferta a ponte para a luz,

Ou permanece no negror

E satisfaz, que te seduz,

Teu apetite de furor.

 

Agora e sempre, a escolha é tua:

Ou noite escura, ou nasce a Lua.

 

 

361 – Fuga

 

Não poderás modificar

Aquilo que antes ocorreu

Mas o que está pode mudar,

Dele outro ser o gineceu.

 

O que não podes é esconder-te

Nem dum nem doutro, tens de agir.

Teu ser é quanto em ti desperte

E não há fuga, há que seguir.

 

Tentas fugir tempo demais:

Agindo assim, não vês que trais?

 

 

362 – Abrigar

 

Estamos entre o céu e a terra

Que fazem mais que simplesmente

Nos abrigar, em paz ou guerra,

Entre eles, manto mais semente:

 

Eles esperam que possamos

Nós merecer, em nossos tramos.

 

Teremos, pois, que decidir:

- Que me proponho, até onde ir?

 

 

363 – Esquecimento

 

Procurar viver em paz

É cada vez mais urgente.

E o que o dia-a-dia traz

É o esquecimento atrás.

A relação que é presente,

 

Em vez de base no amor,

Tem a base no poder:

De bens materiais um ror,

De competição valor,

De sedução de quenquer,

 

Do que temos a ganhar

Em agir duma maneira

E não doutra que, em lugar,

No fundo vemos, a par,

Que cremos que era a certeira.

 

 

364 – Farás

 

Podes fazer com a vida

O que com água farás:

Em concha as mãos à medida

Sob a bica desprendida

Coloca e recebe-a em paz,

 

Cria o espaço adequado

A poder permanecer.

Se mudar não posso o dado,

Posso ter sempre alterado

O modo de o receber,

 

A maneira de lidar,

De acolhê-lo no interior.

O que importa é preservar

A não-resistência ao ar,

À vida que acolher for.

 

 

365 – Relaxa-te

 

Relaxa-te interiormente

Perante o evento de que antes

Te defendeste, veemente,

Num combate sem guantes,

Evitando-o, se for caso,

Ou controlando-o a prazo.

 

Não vais negar o que sentes

Nem desistir dos afectos.

Vais relaxar-te, entrementes,

Apenas, sem mais projectos:

Sem medo, deixa que o facto

Se aproxime de teu tacto.

 

As reacções emocionais

Tuas aceita, cordato,

Observa-lhes os sinais

Sem lhes ir atrás do trato.

Colhe o evento sem julgá-lo:

Não lhe sentes mais o abalo.

 

 

366 – Programa

 

Sempre algo a ter que fazer,

(Programa profissional,

Alguém com quem conviver,

Um labor outro qualquer…)

Sempre acolho como um mal

 

Que há tempo de actividade

Como de meditação,

De inteira passividade.

E, por mais que não me agrade,

Qualquer deles, em tensão,

 

Como pólo que é dum eixo,

Tem de ser por mim vivido.

Só com tal a tensão deixo

Dissolver-se no que enfeixo

Em meu cotio aguerrido.

 

 

367 – Atraímos

 

Quanto mais agradecermos

Aquilo que nos é dado

Mais se atrai, naqueles termos,

Quem mais nos dê por contado.

 

Ter boa vontade alguém

Com outrem, casos da vida,

Faz aparecer também

Quem nele use igual medida,

 

Quem para com ele a tenha,

E conjunturas prováveis

Que os feixes juntem da lenha

Dos lumes mais favoráveis.

 

 

368 – Abertura

 

Tal como um primeiro passo

Na abertura da consciência,

No agradecimento traço

Da libertação a essência,

Na medida em que liberta

A boa vontade alerta

 

Que em todos nós pré-existe,

Mesmo naqueles em quem

Não seja, que nunca a viste,

Captável como convém.

Mesmo quando a agradecer

Nada venha a aparecer,

 

Que a vida apenas nos pede

Paciência, resignação,

Posso aproveitar tal sede

Para me livrar do vão

Sentimento de injustiça,

Do desejo que me enliça,

 

Insatisfeito, da inveja

Que me torna prisioneiro.

A gratidão que se almeja

Aproveito-a por inteiro

Quando preferencialmente

Olho o que tiver em frente,

 

Por pouco ou nada que seja,

E não o que não tiver.

Que o bom da vida se veja,

Não o mau que nela houver.

Focar a nossa atenção

No banal da ocasião

 

Que tendo a nem ter em conta.

Não lhe aproveito a energia,

Jamais sei a quanto monta

Dele a esbanjada alegria.

Perco dali o alimento

Que pode ser meu sustento.

 

É o sorriso da criança

Que, banal, me é dirigido,

A mão de alguém que me alcança,

Um encontro surpreendido

Com quem eu descubro, atento,

Quão comum é nosso alento,

 

É abraçar poder alguém

Com quem vou sentir a força

Que dum abraço nos vem,

Conversa que me reforça

Por alguém só que me diz

Com quanto agrado me quis,

 

O mero facto de ter

Um envoltório de amigos,

Um alvor que vai nascer,

Um pôr-de-sol nos pascigos,

Um dia que é cintilante,

Um canto de ave distante…

 

Desenvolvo a gratidão

Se, em vez de me lamentar

Pelo que não tenho à mão,

De apenas valorizar

O que gostava de ter,

Antes procuro reter

 

Que tudo isso é relativo,

Deveras pouco importante

E sempre menor motivo

Que o que tendo a pôr-lhe diante.

Porém, abro-me ao apelo

De algum dia recebê-lo.

 

 

369 – Desperdiço

 

Grande parte da energia

Desperdiço no passado

Ou a investir no futuro.

Entretanto, doutro lado,

O só tempo que me fia

É o presente que inauguro,

Aquele que está passando

No instante em que vou estando.

É apenas a apreciá-lo

Que aqui vou podendo estar

Contente com o regalo

Do que sou e tenho a par.

 

É a medida de raiz,

A única que é credível,

De eu poder viver feliz

Na medida do possível.

 

 

370 – Consciência

 

A consciência existencial

É pouco valorizada

Por vivermos no irreal,

Do presente além da estrada.

 

Temos saudades demais

Daquilo que já tivemos,

Muitas desgraças fatais

Recordamos que vivemos,

 

Pesam-nos recalcamentos,

Mil cicatrizes de antanho…

Ou sofremos os tormentos

De não termos outro ganho,

 

Do não retido é o desejo,

Uma enorme ansiedade

Do que ocorrerá no ensejo

Que não controlo em verdade…

 

Preocupo-me com quanto

Não existe em realidade,

Mas incomoda, entretanto.

Que o amanhã que me invade

 

Seja como o dia de hoje,

Que bem o conheço, ao menos.

A espontaneidade foge,

Os afectos não são plenos,

 

 

 

 

Que medo, dentro de nós,

Temos de que algo nos saia

Sem mais controlar-se após.

Que outrem a inovar não caia,

 

Dou-me mal na inovação…

Não vivemos no presente

E tudo isto ocorre então.

É o Ter no píncaro assente,

 

Com a urgência de lutar

Contra quem o território

Me venha então disputar:

- Reduzo-me a um somatório!

 

 

371 – Ter

 

O que importa é o desapego

Em relação aos objectos,

Posses, território cego,

Ao Ter e do ter projectos.

 

Não é não usufruir

Aquilo que a vida dá,

Mas a paz não se puir

Quando falte algo acolá.

 

 

372 – Diluir

 

Não pode fazer ninguém

Diluir o sentimento

De ajuda em falta em alguém,

 

Que é no mais fundo elemento

Do mesmo alguém que ela mora

E aí só chega o intento

 

De si próprio, sempre e agora.

Se viver na expectativa

Ilusória duma hora

 

Em que há-de vir o conviva

Capaz de me substituir

No dever, na iniciativa

De me cuidar a seguir,

Nunca estarei satisfeito

Do que em meu íntimo vir.

 

Iludo-me, no meu peito,

Todo o tempo, sem porvir,

E iludo todos a eito.

 

 

373 – Tarefa

 

Tanto mais preocupados

Vivemos com o que ocorre

A nós como aos mais chegados,

Quanto mais à vida atados

Como tarefa que corre

 

E que tem de ser cumprida

E de que não desistimos,

Atletas numa corrida,

A batalha desmedida

Que ter de ganhar sentimos.

 

Mas na vida acreditar

É sorrir-lhe tão somente,

Abrirmo-nos ao luar

Que dela pode emanar

Para encantar toda a gente.

 

É mergulhar na corrente

Fluída que acaricia

Ou me arrepela, contente,

Como quem me ferra o dente

Ou me abre a janela ao dia.

 

Quanto menos agarrar

Coisas, pessoas, eventos,

Menos prender o luar,

Mais atrair, em lugar,

Irei eu da sorte os ventos.

 

 

374 – Pendor

 

Os eventos nunca mudam

Pelo facto de os olharmos

Do pendor bom ou do mau.

O que, porém, a nós grudam

Vem de nós os encararmos

Dum bordo ou outro da nau:

 

Se navego em positivo,

Dão-me o positivo em tudo,

Mas, se for em negativo,

Eu é que em negação mudo.

Cabe-me a mim escolher

Que rota é que irei querer.

 

 

375 – Fruir-lhe

 

Aqueles que têm sorte

Não ignoram o trabalho

Que dá fruir-lhe o recorte:

Ser fiel até à morte

A mim mesmo, entre o baralho

De quanto me entalha o corte.

 

Interiormente erecto

Manter-me, mesmo também

Se em cima me cai o tecto

E o momento desafecto

O desalento contém

De reduzir-me a um objecto.

 

Atenção, honestidade,

Discernimento constante

Ante os desafios que há-de

Trazer a vida que invade

Cada hora, instante a instante,

A minar-me a identidade.

 

Às vezes, uma ousadia,

Outras vezes, paciência.

De sorte quem tem magia

Mas que preço pagaria

Por trás daquela evidência,

Toda a noite, todo o dia!

376 – Stresse

 

Sem stresse quem o melhor

Irá dele próprio dar?

Ninguém vai lograr-se impor

Na eficácia culminar.

 

Mas stresse a mais nos encerra

Num círculo vicioso,

A nos atirar por terra,

Num sem sentido viscoso.

 

É o caos interiormente,

Exteriormente é falhanço.

Entre ambos é ter presente

Que ao meio termo me alcanço.

 

 

377 – Tempo

 

Pouco tempo o essencial leva,

O acessório leva muito.

Suspendido, o labor ceva

Mais tempo, pago ou gratuito.

 

E, quanto mais tempo temos,

Mais então nos demoramos.

E, além do limite, vemos

Que de insistir não ganhamos.

 

É um acto de cada vez

E tratar de obrá-lo bem,

Respeitar nosso jaez

No ritmo que mais convém.

 

-Quanto menos interesse,

Mais o tempo despendido

A fazer o que merece,

Afinal, outro sentido.

 

 

378 – Criança

 

Em todos nós, mesmo adultos,

Há uma criança que pede,

Frequentemente, aos estultos

Ajuda, que chora e cede,

 

Que barafusta, que grita,

Mas que, à medida que vamos

Crescendo, se cala, aflita,

Que nos ensinam os amos

 

A não ouvi-la de vez.

E, por ser bem educados,

Nada ouvimos, mês a mês,

Sufocamo-la em cuidados.

 

Aquilo a ser que não é

Nós a obrigamos acaso

E mesmo a gostar até

Do que não gosta, sem prazo,

 

A rir quando, eventualmente,

De chorar só tem vontade…

Conformada, evanescente,

Cala-se, ao ter certa idade,

 

Desiste de reagir.

Chamam-lhe maturação

Ao sufoco, ao não ouvir,

Quando é só mutilação.

 

 

379 – Nefasto

 

Quando alguém nos magoar,

Por mais nefasto que seja,

Ao mesmo tempo vem dar

Uma ocasião de olhar

Mais fundo dentro, onde eu veja

 

A vulnerabilidade

Que àquele nível tiver.

Por mais que me desagrade

Da mensagem tal verdade,

Enquanto me faz crescer,

Pode então minha alegria

Não me vir a retirar,

O encantamento que havia

Pela vida que vivia

Pode-me ao fim aumentar.

 

 

380 – Cuidar

 

Se fizer todos os dias

Coisas que o tornam feliz

Em vez do que não lhe agrada,

Lhe aborrece as fantasias

E consigo não condiz,

Anda a cuidar da raiz,

De confiança encontrada.

 

Tudo então irá correr

De maneira diferente,

Sem a tensão lhe crescer

No coração, de repente:

A raiz vai germinar,

O ser toma então lugar.