QUINTO TROVÁRIO
E, POEMA IRREGULAR, DE AMOR DISPONHO
Escolha ao acaso um número entre 560 e 657, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
560 - E, poema irregular, de Amor disponho
E, poema irregular, de Amor disponho
Rimando apesar da irregularidade,
Que o amor que proponho
É que traz a norma ao sonho
Que há-de um dia devir realidade.
O acerto no desacerto
É do amor a regra
Com que todo o longe perto
Integra.
Fermento na massa,
É sempre no longe e na distância
Que o amor que aqui me toca ao fim perpassa.
Mais que homenagem à beleza e à elegância,
O amor sacia do infindo qualquer ânsia.
561 - Espiritualidade
Será que amei, que amo deveras,
Não daquele amor que cobra,
Que quer em troca as quimeras
Ali mesmo feitas obra,
Mas daquele amor infinito
Que recebo ao exercitar
A espiritualidade que em mim concito
E que distribuo ao calhar,
Com gratuita generosidade,
Por toda, toda a humanidade?
562 - Adivinha
Quem pelo Amor se oriente e deixa atrair
Adivinha que lá em cima algo deve existir.
Mesmo que não veja seu Eu Superior
Há-de-o pressupor
Instintivamente
A ajudar nas árduas tarefas
De viver, presente
Da matéria entre as ambíguas sinalefas.
Os que por aqui vão
Farão menos perguntas,
A ser limitar-se-ão:
És tanto mais quanto mais juntas
Mente e coração.
Ser é saber que sentir
Determina tudo:
A missão a prosseguir,
O foco a que me grudo
E como chegar ao cume do nadir.
Aponta se estás no rumo certo,
Se ainda o não encontraste,
Se corres longe ou perto
Quanto baste.
Ser é saber sentir,
Utilizar a mente
Para dar vida, as portas ao abrir,
Eficaz, ao que se sente.
E, para tal,
Se entregar,
Total,
Confiar.
Acreditar
Que nas alturas da interioridade
Tudo e todos andam atentos
A enviar sinais em continuidade
E que estes apenas são
Argumentos
Compreendidos pelo coração.
Os sinais enviados
Não são lógicos traslados:
Aos lógicos somente
Os entende a mente.
Ora, o que pela mente é descodificado
É um arremedo:
Anda inexoravelmente
Camuflado
Pelo medo.
Os sinais que a profundeza relata
Dela no vulcão
Têm leitura imediata
No coração.
563 - Provável
A mulher tem razão:
É mais provável findar condenada
Uma relação
Se não houver a camaradagem que lhe agrada.
E o homem tem razão:
Maior perigo
Corre a relação
Se não houver de independência algum abrigo.
Demasiado afastamento
Acabará por matar, sem resquício,
O amor que acalento
De início.
Demasiada proximidade
Que ao outro não permite
Ser ele próprio de verdade
Mata o casamento num desquite.
A chave do sucesso
É abrirem juntos, com tino,
Caminho às energias do progresso
Masculino e feminino.
564 - Rituais
Casal feliz em casamento feliz
Cria rituais de ligação:
Para sair, noites de fadas com cariz,
De família serões de atar a união,
Por telefone conversas,
Por electrónico correio,
Quando um deles viaja pelo meio
Das berças…
Tais rituais devirão o pilar
De sustentação do lar.
Nem todos os momentos da relação
Íntimos terão de ser.
Marido e mulher
Sabem quais
Os rituais
De ligação
Que do amor
Mantêm o poder
Quando a vida se agitar com mais furor,
Tensa.
E nela não há mais imprevisto nem furacão
Que os vença.
565 - Domínios
Felizes os que um ao outro permitem
Domínios conjugais privados diferentes
Que os não limitem,
Antes incitem
Contentes.
Criam grupos de amigos diferentes
E um ao outro incentivam
As amizades que, separados, cultivam.
Se um projecto, um passatempo, um desporto,
Uma forma de socialização,
É para qualquer deles o porto
De salvação,
O outro, sem mais apelos,
Logo ajuda a promovê-los.
Deste modo, cada parceiro
Tem o próprio domínio,
O tempo dele por inteiro,
A actividade de fascínio
Que lhe transmitem poder
E o sentimento de ser.
É deixar a biologia
Dar o rumo, ser o guia
Do amor que mais se preza
Natural e duradoiro.
Em seu peloiro,
Muito sábia, muito sábia é a natureza!
566 - Acabando
Ela pode apaixonar-se
Por um homem forte
E depois perde o norte
Por não conseguir
Manter nenhuma competição
Que aos dois os não esgarce
Fora da relação,
Acabando por a destruir.
Se ele obtém reconhecimento
E ela, em lugar
De com o facto se alegrar,
Do êxito dele fica com ressentimento
E descobre maneira de o ofuscar,
Tal competitividade atropela
E destrói o amor do marido por ela.
Se aos êxitos dela ele reagir
Como se ela o estivera a vencer
Ou superar, a seguir
É dela o amor por ele que irá morrer.
Se ambos forem incapazes
De pôr cobro à competição,
Qualquer desafio traz as tenazes
Que lhes estrangulam o coração.
Do irrelevante ficarão sob o império
Quando tomado demasiado a sério.
567 - Silentes
Como águas silentes são profundas,
Afectos introvertidos à superfície não bolem.
Tais vivências, por mais jucundas,
Ao não ser demonstrativas,
Levam a que nelas se atolem
As pessoas acaso mais significativas
Para alguém,
Porque poderão
Jamais descobrir que o são.
A solidão valorizada
Devém,
Então, abandono,
Quando a pessoa amada
Ignora tais afectos
E deles o dono
Larga sem tectos.
Também
É triste quando alguém
Quer ser amado por este amor das profundezas
E o consegue,
Mas, das represas
Irremediavelmente incerto,
Quando ele adregue
Nunca o sabe ao certo.
568 - Possessiva
A possessiva mulher
Cresce quando se liberta
Da urgência de manter
Os mais dependentes, sob a coberta
De mentores, tutores e aias,
Debaixo das saias.
A dependência mútua, ao fazê-lo,
Pode transmudar-se em apreciação
E afecto mútuos, num singelo
E permanente da vida serão.
569 - Sonho
Tanto o homem como a mulher
Precisam de imaginar
Que o sonho deles é viável
E de ter
Outra pessoa qualquer
A olhar
Para eles e para o sonho inefável
Com a vontade estimuladora
Do desenvolvimento que demora.
Tão poucas mulheres líderes, artistas,
Maestrinas, filósofas, escritoras!
Faltaram-lhes nas pistas
Mãos do sonho portadoras.
As mulheres têm
O sonho dos homens alimentado.
Os homens, por seu lado,
Não têm muito bem
Tido na conta devida
O sonho das mulheres de sua vida.
570 - Atraídos
Sentimos a alquimia
Quando somos atraídos por alguém
E nos apaixonamos da noite para o dia.
Sentimo-la também
Quando somos tocados dela pelo poder
De transformar, criar e surpreender.
Sentimo-la quando avaliamos
A magia de transmudar
Aquilo em que nos focamos
Num belo, valioso, pleno de fulgor
Raio de luar
Quando o imbuímos de amor.
O mais vulgar e tosco,
O material vil da vida quotidiana,
Porventura de mau agoiro,
Pode, afinal, de fosco
Transmudar-se em fulgor de oiro,
Quando de mim dimana
A faísca de pasmo
Pela alquimia de meu entusiasmo.
571 - Dançámos
Dançámos a melodia que deveio
Nossa naquele instante.
Mantivemo-nos calados no meio
Das vagas do mundo, para trás, para diante,
Enquanto eu a fazia de leve girar,
Numa rapariga a transformando a me olhar
Como nenhuma outra me olhara,
Para além, infinitamente para além de minha cara.
Perante isto senti-me mais que um príncipe qualquer,
De minha patrulha à vida nas rondas,
Acabado de nascer
Na crista das ondas.
Conferiu-me a beleza
Que eu não detinha.
Minha alma orgulhosa ficou e surpresa
Da fúria de gavinha
Com que me desejava
E a meu imo se enrolava.
Senti-lhe o ardor
A criar
Algo de luminescente
Em redor
E o mundo desatou a meus olhos a brilhar
Até à fímbria do horizonte infinitamente.
572 - Palavra
A palavra ajuda mas não é precisa,
Amor é limpar o vómito da camisa
E da cama da mãe,
A diarreia dela que o chão tem.
É voar todo um continente
Ao saber que ela está doente.
É ir buscar
Um irmão inacessível
E trazê-lo sem o magoar
Do chão até ao nível.
É trazer um pai bêbado a casa
Centenas de vezes, centenas,
Durante uma vida que se abrasa
Nestas penas.
É criar sozinho e com brilho
Uma filha, um filho…
Amor é agir, que isto é que dói.
- Não é conversa nem nunca o foi.
573 - Mulher
A mulher mais precisada
Urgentemente,
Não de arrimo,
Mas de ser libertada
É a mulher presente
De cada homem no imo:
Quem é
Nem ele nem ninguém vê
Da terra ao cimo.
574 - Forja
Um amor não consumado,
A mulher inatingível,
O afecto não retribuído
Têm sempre alimentado
O fogo da forja imarcescível
Que transforma o íntimo sentido,
Quando em mim a vivo
Como um arquétipo activo.
O fogo da forja é a paixão
Irrealizada, sem chão,
Que inspira muito do trabalho criativo.
575 - Ferida
Nossos pais são quem nos fere:
Todos temos uma ferida parental
E um progenitor ferido, por igual,
Cuja ferida com a nossa confere.
A ferida tornada mito
E o ferido progenitor
Transmudam-se no modelo inscrito
Como regulador,
Em seguida,
Em que o progenitor é lido como a ferida:
Responsabilidades tais
Atribuímo-las a nossos pais.
O dito, porém,
De que o progenitor é a ferida
Pode significar também,
Doutro modo a palavra entendida,
Que feridas tais
Podem-nos, afinal, servir de pais:
Poderão devir, se não tomarmos tino,
No pai e na mãe de nosso destino.
576 - Privilegia
Vivemos num patriarcado
Que privilegia os preferidos
E o favoritismo vive incorporado
De nossa psique em todos os sentidos.
Nossas atitudes
De repúdio ou de acolhimento
De partes de nós como vícios ou virtudes
São moldadas a todo o momento
Pela família ou pela cultura,
Na espontaneidade incônscia que as apura.
Com quem nos assemelhamos
Individualmente mais,
Dos arquétipos quais
São mais nós, são nossos ramos,
Eis das predisposições as vertentes
A nós naturalmente inerentes.
Depois
Serão bem ou mal aceites,
O que cada um retalha em dois
Quando bem de perto o espreites.
577 - Nível
A nível privado,
Individual,
O patriarcado
Molda, em geral,
A relação entre pai e filho,
O modelo, o nó e o cadilho.
A nível mais exterior,
Dos costumes,
Os critérios patriarcais de valor
Determinam os traços, os portões e os tapumes,
Os padrões estimulados e recompensados,
E, portanto,
Os arquétipos que primarão, sobrelevados,
Sobre outros que perderão encantos,
Tanto dentro dum homem como entre todos.
Para melhor
Se conhecer
E então dispor
De mais poder,
Um homem tem de descobrir os modos
De ganhar consciência
Desta influência
Nas atitudes e comportamentos:
Tem de compreender o patriarcado,
Como dele sopram os ventos,
Como o modela por todo o lado,
Como, com ilusórios brilhos,
Lhe molda os filhos…
Apenas então a viabilidade vislumbra
De qualquer lonjura que o deslumbra.
578 - Cólera
Quando a cólera e os punhos
Se viram contra mulheres e crianças,
Os testemunhos
Que do homem belicoso alcanças
É que foi espancado e humilhado
Em miúdo
E se transformou então, depois de tudo,
Num maltratado
Que maltrata:
Dele qualquer emoção,
Fera na mata,
Desencadeia uma agressiva reacção.
No corpo dum homem destes
Habita
Uma criança maltratada,
Aterrorizada,
Humilhada,
Sempre doravante prestes
À desdita
De fustigar ou espancar
Quenquer:
Basta congeminar
Que pô-lo de lado há-de querer.
Perpetuam-se em cordões
Os pecados dos pais
Ao longo das gerações,
Repetindo obsessivos gestos iguais.
Para sobreviver à temível infância
Cada qual reprimiu o terror e a impotência
E, em consequência,
Não reconhece a importância
De se colocar
Da vítima no lugar.
Melhor que ninguém deveria
Imaginar o que é ser espancado
Por alguém descontrolado,
Capaz duma razia
De danos,
Já que nas feridas tanta vez infectou panos.
Não consegue, porém,
Empatizar com a vítima sem
Correr o risco de revelar
A vítima que foi no antigo lar.
Então o actual devém
Campo de batalha onde pode maltratar
A família que tiver formado,
Mal suspeite que é posto de lado.
Da guerra o arquétipo raivoso
Age em nome da criança que o habita,
Do garoto humilhado, maltratado, que, desgostoso,
Se tornou, do lar para desdita,
Bastante poderoso
Para toda a violência que o agita.
579 - Separe
O mundo patriarcal requer
Que o homem se separe a vida inteira.
Cada ruptura há-de-o romper
De dupla maneira.
O menino que é da mãe afastado
Separa-se dela emocionalmente
E de seu pendor íntimo é separado
Que próximo dela vivera presente.
O menino que vai para a escola
E descobre que não pode revelar
A inocência ou ignorância que leva na sacola,
Que dele irão troçar,
À postura se molda aceitável:
Rompe com o inocente
Que lhe vivia agradável
No corpo e na mente.
O rapaz cujo melhor amigo
Não lhe acompanha a passada
Rompe com a amizade no primeiro abrigo
E com a parte dele que se condoía a cada topada.
O que chorava quando triste
E aprendeu a não chorar
Pôs cobro à língua que já não existe
E contra as emoções teve de se barricar.
Na ruptura entre homens e rapazes
Sacrifica-se dos jovens a inocência inteira
Para eles serem capazes
De integrar dos homens a fileira.
Num mundo onde o valor é definido
Pela económica recompensa,
O maior êxito é exercido,
Contra o que a maioria sente e pensa,
Em escritórios e gabinetes
Onde esforçado te metes.
Há muito quem germine
Neste ambiente
Mas é normal que ele à maioria mine
A semente.
Uns a terra gostariam de trabalhar,
De laborar com as mãos,
De música gerar,
De educar crianças, do mundo pelos desvãos,
Mas nunca o protagonizam:
Deles próprios romperam com esta parte
E o que visam
É meramente de escritórios e gabinetes arte.
Acumulam a perda
E, pela meia idade,
O que cada qual herda
É a depressão que o invade
Com sentimentos de mágoa e solidão
E o aguilhão afiado
Duma sensação
De falta de significado.
580 - Amigo
O bom amigo vimos
No trilho de nossa dificuldade
Quando lho pedimos.
O grande amigo, sem o sentirmos,
Agrade-lhe ou não lhe agrade,
Fá-lo sem lho pedirmos.
581 - Filho
Um filho é uma promessa
Que o tempo faz a um homem,
A garantia em que cada pai tropeça
De que sejam quais forem as freimas que o consomem,
Aquilo a que tenha mais apego
Será um dia tido por loucura.
E aquele a quem mais ama, do mundo no pego,
Nunca o irá compreender, finalmente, porventura.
582 - Perca
Há muito quem perca a vida
A querer o que não deve.
O mundo confunde a lida
E faz que leve
Quenquer a dirigir-se, nas jornadas,
Para as metas erradas.
O requisito-mor
Que ser feliz acoberta
É amar o que é digno de amor
Na medida certa.
Não os livros nem dinheiro,
Nem qualquer coral de loas,
Nem da carreira o sendeiro,
- Mas apenas as pessoas!
Adultos
Que não entendam tais matrizes
São estultos
E nunca serão felizes.
583 - Perdemos
Perdemos a vida a correr
Dum para outro lado
Atrás do prazer.
E ele sempre nos tem escapado
Por entre as mãos sem jeito,
Deixando cada qual insatisfeito.
Procuramos ser felizes
A todo o custo
Sem nos interrogarmos sobre os matizes
Do que é justo,
Se ao fazê-lo não estaremos também
A magoar alguém.
Dispostos a tudo,
Acumulamos e defendemos bens.
Nenhum é durável, por mais graúdo,
Nem é a fonte que tens
Jorrando à beira
A felicidade verdadeira.
Na vida o que te acende o calor
É por outrem ter amor.
584 - Pendor
Os que vêem todo o mundo
Pelo pendor pessimista
Em ninguém confiam, no fundo,
E sentem-se sós, no termo da lista.
Tudo somente
Porque nos mais não pensam
Bastantemente.
E então os apensam
Deles à medida,
Cuidando que os mais os apercebem,
Em seguida,
Como eles os olham na pessimista mira.
Não concebem,
Maninhos,
Que assim não admira
Que se sintam tão sozinhos.
585 - Preterir
Ao correr da idade
Todos temos a tendência
A preterir qualquer humana qualidade
Natural de evidência:
A compaixão, a bondade,
O bom entendimento,
De perdoar a capacidade,
O culto do bom sentimento…
Na infância
Ligámo-nos aos outros facilmente,
Sem ânsia,
Tudo foi água corrente.
Bastou rir uma vez
Com outrem juntamente
E ficámos amigos por um mês,
O que era então uma vida inteira em frente.
Que nos importou o trabalho ou raça dele!
Bastou ser humano
E termos criado a amizade que nos impele
Na aragem dos dias a todo o pano.
Crescemos, porém,
E cada vez demos menos importância
Ao afecto, à amizade, à entreajuda,
Veio o desdém,
Veio a ganância,
Veio a inveja mais bicuda…
Deveio fundamental
A raça, a religião,
O país donde cada um é natural,
A cultura, a feição…
- Obliterado o mais importante,
Passa o irrisório para diante.
586 - Solidão
A solidão que nos consterna
É por andarmos tão atarefados
Na vida moderna.
Por alguém sermos abordados,
Mesmo que apenas para um "olá!",
É sentir que foram esbanjados
Dois segundos, já!
Ainda mal findámos de trabalhar
E já mergulhamos no jornal,
As notícias a verificar.
Ignoramos o principal:
Conversar com um amigo
O tempo equivale a perder
A olhar para o próprio umbigo
E assim quenquer
Devém o seu próprio inimigo.
587 - Indiferença
A indiferença relativamente aos mais
É o pior dos piores defeitos.
Pensar em si apenas, sem mais eleitos,
Sem querer saber da várzeas nem pantanais,
São binóculos de olhar o mundo tão estreitos,
Envergadura de pensamento
Tão fraca, tão de vento,
Que a dimensão interior se adivinha
Maninha por inteiro e mesquinha.
Dos outros dependemos
Desde que fomos concebidos
E nascemos
Despidos.
O futuro e a felicidade
De que disponho e a que me fundo,
O mais pequeno objecto utilizado,
A mera sobrevivência quotidiana
Decorrem do trabalho acumulado
Da inteira raça humana.
A oração e outros rituais
Terão efeito garantido, porventura,
Do outro lado, noutra figura,
Mas é o acto que praticais
Que o mundo configura.
588 - Agitadamente
À cólera ao ceder
Jamais temos a certeza
De fazer mal ao inimigo.
Podemos, todavia, ver
Que o faremos, sem defesa,
A nós próprios, por castigo.
Perdemos a paz interior,
De agir correctamente não somos capazes,
Digerimos mal e com dor,
Não dormimos, agitadamente tenazes,
Repelimos quem nos visita,
Enfuriamo-nos, em desalinho,
Contra quem tem a desdita
De nos cruzar o caminho.
Tornamo-nos impossíveis
Aos que vivem connosco
E os amigos mais credíveis
Com um esgar corremos tosco.
E como cada vez menos
Resta quem connosco simpatize,
Cada vez ficamos mais distantes e pequenos,
Sozinhos neste deslize.
Quanto ao suposto inimigo,
Tranquilo sentado em casa,
Se um vizinho lhe lobrigo
A contar como me arrasa,
Como ele fica contente!
E depois, se ele vislumbra
Que ao hospital mui doente
Fui parar, como o deslumbra!
Irritar não tem sentido:
Um inimigo punir
É calmo haver reflectido
No que fazer a seguir.
589 - Luz
O amor fortifica
Mas acaba por cegar
Quem por amor se deslumbrar:
A luz tão mais forte fica
Quão mais densas nos ameiam
As trevas que nos rodeiam.
590 - Impotência
A impotência desesperada partilhar
De ver crianças a morrer
Porque não há nada para lhes dar
Por parte de quenquer,
Sequer!
Assistir apenas,
Sem probabilidade de solucionar,
Como é difícil a nossas mãos pequenas,
Mas como é tão importante
Manter o lugar
Firme, constante!
Simplesmente estar lá,
Estrela apontada ao norte
Na noite má,
Para partilhar o sofrimento
Da vida e da morte,
Do nascimento.
Quando já nada temos para dar,
Somos forçados a abrir os corações
Para compartilhar
Dos outros a dor das emoções.
Que dizer,
Partilhar que sentido
Com a mulher
Cujo filho acaba de ser abatido
Ou cujo bebé morreu de subnutrição
Ou à que não tem dentro do lar
Uma côdea de pão,
Quando vivemos na mesma condição
De desespero singular?
Mais difícil é fugir,
Algo que por dentro nos aqueça
Tentar atingir
Por atacado ou à peça,
- Mas apenas na partilha silente da dor
Se revela o amor.
591 - Cuidado
Bem mais importante
Que fruir
De bens e de objectos
É descobrir
O amor, o cuidado constante
Com que, por mil trajectos
Mal adivinhados,
Foram sendo produzidos,
Reunidos,
Embalados.
Cada vez que reparo
Em minhas pobres
Riquezas,
Elas falam-me, nobres,
Do carinho e do amparo
Daqueles que, recolhendo as presas,
Tão cuidadosamente tiveram de pensar
No que eu haveria de precisar.
592 - Coragem
A coragem de morrer por suas ideias
É uma das sequelas
Dos que não viverem a meias,
Tiveram a coragem de viver por elas.
A vitória final sobre o medo e a dor
É a gloriosa etapa derradeira
De mil vitórias e derrotas, no fervor
Da luta travada diariamente, na canseira
De cada momento,
Na mente a das almas humanas no abismo:
A luta contra o fermento
Do egoísmo.
Batalha inglória e absurda
Para os que ficam de fora:
Negação constante do que o desejo urda,
Ficar na cama com demora,
Comer e beber para além do justificável,
Com os estúpidos ser intolerante,
Acumular bens em montanha interminável,
Da fome do vizinho passando adiante…
A liberdade é um trilho lento,
Radicalmente doloroso.
Não é frumento
Dos que não têm um horizonte luminoso
A atrair,
Uma bandeira por que lutar.
Liberdade é apenas de quem fremir,
Rendido à energia angular:
- O amor.
Amor aos homens que é o amor a Deus,
Unidos terra e céus,
Os dois lados do mesmo cimeiro
Fervor,
Quando o amor deveras for
Íntegro e verdadeiro.
593 - Amorosos
Quando amorosos um homem e uma mulher
Coabitam,
Deus está com eles,
Penetra-lhes as peles,
E o prazer
Que habitam,
Preciso,
É premonição do Paraíso.
Dum homem e duma mulher o amor
Que considerais acaso o pecado maior
É, por natureza,
Oração que reza,
As glórias conclamando seguras
Do Deus das alturas.
É da estupidez humana
A torpeza,
A sujidade,
A pecaminosidade
Que dele acaso dimana.
É um bloqueio na estrada,
Mais nada.
Removido,
Tudo volta a ter o originário sentido.
594 - Receber
Neste mundo o melhor
É receber algo de graça.
O pior
Que nos retraça
É dar algo que desemboca
Em nada, em troca.
Por isto é que o amor
Que é gratuito
Dói muito
Mas é tão compensador:
Inaugura sempre, no fundo,
Outro mundo.
595 - Operar
Quando alguém operar com o coração,
Temos de permitir-lhe que o faça,
Que o poder de amar expande-se-lhe então
E o ultrapassa.
Se lhe negar
A oportunidade,
Já de o alcançar
Não terá porventura mais capacidade.
596 - Enamorado
"Tendes a magia
Da luz da Lua"
- O enamorado confia,
Encantado, da rua.
"Não é minha a luz
Que vedes em mim.
Antes traduz,
Enfim,
A que, vinda de vós, concito
E, como um arrebol,
De mim após reflicto:
Não há Lua sem Sol."
Novos ou velhos,
O mesmo fulgor,
- É o jogo de espelhos
Do amor.
597 - Esperes
Não esperes amor
De quem o não souber sentir.
Não o odeies, apieda-te do negror
Que o cobrir,
Porque nem sequer
Pode sofrer,
Já que por ninguém nada sente
Nem por ele próprio tão somente.
Teu sofrimento
É amor, é sentimento,
Pois a dor
Do amor pela ausência
É verdadeiro amor,
É de amor essência.
Um dia há-de ele desejar
Ter como tu sofrido,
Ter podido
Vibrar
Alguma vez, com pudor furtivo,
Por alguém:
- Ter-se sentido também
Vivo, vivo, vivo!
598 - Alavanca
O amor é a alavanca do Universo,
Material de que tudo é construído,
Motor direito e inverso
De tudo o que é movido.
Quem o próprio íntimo dele enche
Participará do Todo
E da força que o preenche
E eis o seu melhor engodo.
599 - Carne
Um caso de amor,
Carne viva enxertada em carne viva,
É plástica cirurgia de tal teor
Que rompê-lo equivale, em recidiva,
De nós mesmos a vermos arrancados
Grandes bocados.
600 - Amado
É aquilo o amor,
De angústia aquele sentimento,
De amputação espiritual, a frio a dor,
Quando o ente amado está longe a todo o momento.
É aquele desejo louco,
Escaldante, de olhar
Com olhos de ver
A vastidão de experiência sempre de sabor a pouco,
De a sentir e o sabor saber
A um coração a pulsar.
Triunfo e desespero,
Auto-glorificação ou auto-humilhação
São as moedas falsas que circulam no atoleiro,
Constantemente e sem travão,
Sem peias na lei
Da humana relação
Nem da teia da grei.
O coração,
O coração apenas,
Sabe dar sem restrição,
Ilimitadamente, nas horas grandes e pequenas.
601 - Todos
Todos estamos perdidos
Como todos encontrados,
Todos caídos,
Todos levantados,
Os homúnculos tal qual
Os semideuses, tudo igual.
E nenhuma segurança
Existe, ao fim, neste mundo,
Nem nas armas que se alcança,
Nem no paiol que encho ao fundo,
No esplêndido isolamento,
Na riqueza de mil fados,
Num novel conhecimento,
Saberes ilimitados…
Não, nenhuma segurança,
Excepto no que há no amor,
Num auxílio que se avança
Gratuitamente em redor
E na generosidade
De espírito que me invade.
Eis a derradeira base,
Único rochedo imóvel.
Tudo o mais de sombras quase
Dança eternamente móvel,
É mera tela berrante
A esconder o abismo hiante.
602 - Julgamento
A vida não é um julgamento eterno
Perante um júri vingativo e celestial
Que apenas tolera liberdade condicional.
A vida é tentar viver, terno,
Entrelaçado com as outras pessoas,
Aceitá-las como forem, más ou boas,
Tentar discernir o bem que existe nelas,
Respeitá-las aí, amá-las…
- Reparar sempre do céu nas galas
Repleto de estrelas.
E este é que é o eterno julgamento
A desempatar pela delícia ou pelo tormento.
603 - Cuidar
O amor inspira
A termos mais compaixão
Que é cuidar doutrem na mira
De íntima sua evolução.
Compaixão não é ter pena,
É fundir o coração
Sem lhe a chama olhar pequena.
Um amante
É quem vive a condição
De levar, por atacado,
Um projecto por diante
Porque ama e por ser amado:
De fora não requer ter
Nada para o preencher.
Um amante tem de seu
Aquilo que lhe permite
O melhor palpite:
- Um bom trabalho de céu.
604 - Era
Chegou a era do Amor,
Em que os homens serão finalmente iguais
Em espírito, em energia e em valor,
Nas bênçãos, nos sinais.
Todo o aprisionamento na matéria
O peso irá perder:
Deixará de ser
Relevante, coisa séria.
Irá na rua irromper
O amor incondicional
E todo há-de ser
Mais sereno, tranquilo e fundamental.
O mundo poderá ser um lugar
Sem atilhos,
Melhor para estar
E criar os filhos,
Cheio de sol
Mesmo no pluvioso Inverno:
- Em cada arrebol,
Um gérmen de eterno.
Chegou a era da Utopia:
Semeia o sonho dentro em nós em cada dia.
605 - Compartilhar
É de nossa natureza
Compartilhar e ajudar.
Da energia a íntima represa
Enche só se esvaziar.
Porque parte da humanidade,
Cada homem tem um bocado doutro homem,
E assim encadeadamente.
A força que nos invade
É a dos elos que se somem
Tempo além, espaços fora, indefinidamente.
A dor dum homem dói
Em todos os outros desde o ADN
Em que o inconsciente remói
E por onde o todo drene.
Em cada qual estão todos
E a todos cada qual atinge.
Ler-nos doutros modos
Apenas nos mente e nos finge.
606 - Descubra
Que a criança descubra a diferença
Entre o que é e o que tem,
Entre o que for de sua pertença
E o ser que lhe convém!
Temos amor, sabedoria,
Temos mente, desejos,
Um corpo que se atavia,
Vestidos, serenatas e harpejos,
Propriedades em soma vária,
A conta bancária…
É o que temos
E diverge do que somos,
O que lemos
Não é nunca o que de nós no texto pomos.
O que somos é consciência,
Espírito, alma enfeixando os ramos.
E o que temos são viaturas com que, na ocorrência,
Vida fora viajamos.
Sobre o homem as informações
São, para os novos, o livro de instruções
Para desvendarem melhor
Como corpo e espírito conjugar e contrapor,
De modo a aprenderem a alinhar
Os vários vagões a ter de equilibrar.
Para ao fim ficarem bem
Felizes também.
607 - Conjuntura
A forma como enfrentamos
A conjuntura ocorrida
Provém de como encaramos
A vida.
Viver em felicidade
Vem de dentro de quenquer
E cada qual qualidade
Para activá-la há-de ter.
É um estado que depende
Dos próprios investimentos,
De escolhas que cada aprende,
De eventos
Pelos quais nos empenhamos,
Do modo particular
Como exprimi-los nós vamos
E partilhar.
Risco algum corre ninguém
Por saber que em sua mão
A felicidade tem
Em profusão,
A ponto de a poder dar
Aos outros que haja em redor.
O peso isto irá tirar
Que sobre os demais foi pôr
E, em particular,
Tira-o da pessoa amada
Com quem partilhar a vida.
Finda a dependência atada,
Substituída
Por uma interdependência
Vivida por excelência.
608 - Combinam
O amor, que é o amor?
Um rapaz e uma rapariga
Combinam um dia, ao alvor,
Ir passear juntos, ao som duma cantiga,
De barco, no rio apressado,
E rumam ao cais combinado.
Se remarem juntos e certos
Que importa donde provêm?
Ficam os longes abertos,
Já não conta mais ninguém
Quando para tudo, afinal, findam despertos.
Nos olhos deslumbrados
Abundam desertos fecundados.
609 - Santos
Eu estava em frente,
Junto ao altar,
E, de repente,
Vi os santos se iluminar,
O Cristo,
A Virgem Imaculada,
Dos Apóstolos o cariz misto,
- Tudo a fulgir num conto de fada.
"Que vem a ser isto?
O Sol, uma nova estrela?"
- Olho em volta e não resisto:
"É aquela moça, é Aquela…Ela, é ELA!"
610 - Trepar
Se o coração humano tem descanso
Ao trepar às alturas da afeição,
Raras vezes estaca num remanso
Na vertente veloz, em turbilhão,
Em que referve em tormento
De ódio o sentimento.
611 - Lembra-te
Lembra-te de que és, no mundo,
Um vagabundo.
Vagabundos não devem ter nenhuma aventura
Que o coração lhes vá destruir
Quando chegar a altura
De partir.
612 - Corda
Amor: quanto tem de acobertar
Este termo singular!
Desde a mais branda carícia de pele
Até ao que ao espírito mais remoto impele,
Do liminar desejo de construir família
Até da morte às convulsões da vigília,
Da paixão insaciável que jamais abranjo
À luta entre mim e meu anjo…
- Aqui estou, na tensa acorda de arco,
E no disparo do amor tudo abarco.
613 - Lucro
O amor não é o homem de negócios
Que quer ver o lucro dos capitais,
Não é cura de quaisquer bócios
Em doentes terminais.
E o imaginário quer apenas alguns pregos
Para pendurar o véu:
Sejam de oiro, de latão ou ferrugentos apegos,
Não diverge o céu.
Onde o véu se prender, ei-lo preso.
Espinheiro ou roseira,
Mal o véu pintado, ileso,
De luar e madrepérola se desenrole na ladeira,
Logo, enluarada,
Tudo devém uma lenda encantada.
E tudo isto em erro se traduz
Ante a razão discreta.
Mas até mesmo um fogo-fátuo é luz
Na escuridão completa.
614 - Teme
Sem amor não haveria
A autonomia
Da vida:
Quem lhe teme os fanais,
Quem o amor elida
Não é livre jamais.
615 - Trepo
Trepo, ignorando rigorosamente
Para onde vou,
Pela escadaria inclemente
Do desenvolvimento e da cultura
Entre cuja teia sou.
Continuo a trepar pela estrutura
E creio melhor viver
Em prol da feérica escadaria
De inventos,
Investimentos,
De bens a ter
Ao dispor de cada dia,
Do que viveria
Para aos outros me dedicar
Para os ninguém escravizar,
A pretender que o pintor
E o fabricante
Tenham, ao sol-pôr,
O mesmo jantar diante.
Este, porém, é o pendor
Cruento,
Lamentável
E cinzento
Da vida pelo mundo partilhável.
Quer os livremos ou não,
Aos insectos que mutuamente se comem,
Da escravidão,
É verdade que o homem
Sempre há-de morrer
E apodrecer.
Mas como cuidar
Dos milénios que auguro
À espera da humanidade
No mais remoto futuro,
Sem lutar
Deles pela humana qualidade?
O que tens
São meros bens.
O que torna cada hora morta ou viva,
O que sentes,
Deriva
Apenas do teor
Do amor
Que na mesa da vida apresentes.
616 - Liberdade
Dá liberdade a quem amas:
Se se for embora,
É que um para o outro não foram feitos
E, se voltar, é que chegou a hora
De prestarem às finas tramas
Do amor verdadeiro todos os preitos.
Trabalha tal se não
Tiveras de dinheiro precisão.
Ama como se, ao seres amado,
Nunca houveras sido magoado.
Dança tal se ninguém
Pudesse ver-te a voar pelo ar além.
Liberdade é outro termo para viver
A perspectiva de não ter nada a perder.
617 - Conjugal
Na vida conjugal é ter paciência
O que mais importa.
Da paixão não dura muito a ardência,
É um amor que apenas abre a porta.
A seguir,
É o amor paciente
Que nos garante o porvir:
Alimenta o permanente repartir
De nosso comum presente.
618 - Porto
O bem-querer
Não se compra nem se vende
Nem se impõe de faca ao peito
E nem se evita sequer.
Não há como se encomende
Dele o trejeito
Refece:
O bem-querer acontece.
Tudo o mais,
Quando ocorre,
É o que dele fazer vais:
Ou lhe dás porto em teu cais
Ou, tal como nasceu, morre.
619 - Indócil
O indócil coração
Dispara apaixonado.
Gostar é fácil, então,
Ocorre quando menos esperado:
Um olhar, uma palavra, um gesto,
E o fogo lavra da toca,
Lesto,
Queimando o peito e a boca.
Difícil é esquecer,
A saudade consome a vida.
O amor não é um espinho qualquer
Que arranco da ferida,
Tumor que espremo,
É dor rebelde e pertinaz
Com cujo curativo nunca atremo
E que vai matando por dentro, tenaz,
Num estrangulamento supremo.
Mata, mas desta lida
É que nasce a vida.
620 - Preza
Preza cada objecto, cada regalo, cada mimo,
Mas trata de poder viver sem eles.
Teu arrimo
A tais colunas não seles.
Apenas a ternura, dos afectos o calor,
A perene atenção, a amizade branda,
O amor
Te farão falta quando a vida comanda.
621 - Peito
O amor não pede licença
Ao conquistar um peito magoado,
À vontade própria um homem não lê sentença,
Ultrapassado, dominado.
Irrompe o afecto, violento, e domina,
Depois não há jeito a dar
E a vítima ou se inclina
Ou foge sem mais parar.
No frontispício,
Porém,
Arrastará eternamente um resquício
De quem um dia foi refém.
622 - Agonia
A agonia mais pura e sagrada
É desejar quem amamos
E ter de esperar, olhando a estrada,
Para a imagem lhe vislumbrar de novo, por entre os ramos.
E, quando partir,
É de novo o mesmo terror
A fremir.
Sinal contrário, igual teor.
Em nossa rota paradisíaca,
Êxtase sem dor
É indiferença demoníaca,
Não amor.
623 - Leva
Leva minha alma e meu corpo contigo.
Que uso lhes poderei dar
Nas horas em que comigo
Não vais ficar?
Nenhuma eternidade,
Nenhuma paz
É comparável à felicidade
Que me dás.
Quando perante mim
Te vejo ondular,
Viveria sem fim
A te abraçar.
E, quando não estás comigo,
O que opero, cogito e sou
É também um abraço, um abrigo,
Que te dou.
Contigo ausente,
Mais que tristura,
É como se tombara, de repente,
Em minha sepultura.
624 - Queixa
A queixa do passado
Não nos logra curar.
A História ocorreu, hoje é traslado,
Já findou num qualquer tempo e lugar.
O que podemos doravante é mudar-lhe o curso
Encorajando o que amamos, em vez do recurso
De ao que não amamos destruir,
Feito programa do porvir.
Ainda há beleza
No mundo brutal e ferido,
Oculta, feroz, imensa, uma reza
Que nos aponta o sentido,
Uma beleza nossa
Doutrem por nós recolhida,
Que valorizámos, reinventámos com a bossa
Particular de nossa medida.
Apenas de a procurar teremos,
De a alimentar
Com extremos
De quem amar.
625 - Peso
Conheces o ciúme?
A inultrapassável obsessão,
O peso que te rasga o peito
E esborracha o coração,
A certeza que resume
E te sangra o queixume
Pelo corpo todo a eito:
- Deixaste de existir!
Por toda a pele uma labareda
Que não há como impedir
O espírito de calcinar,
Como o fogaréu duma meda
Noite fora a chispar.
E, em redor, apenas noite,
E tu, para te acoitar,
Sem uma faúlha que além te afoite.
E, em redor, a noite…
626 - Corresponde
Estimar o que não tem valor
Corresponde a torná-lo estimável.
O que buscamos com fervor
Não é o que se dá, prestável,
Mas o que se nega:
A negaça nos apega.
O permitido desgosta,
O recusado atrai:
Um amor, ao dar à costa,
É que o mar é chão, não vem nem vai.
Tudo muda
Se houver lesão:
O amor não tem flecha mais aguda
Que a que se armou de proibição.
627 - Enganam
O amante ao supor que por amar merece,
A beleza ao crer que amor é merecimento,
Ambos se enganam: no amor o mérito fenece
Sem argumento.
O amor vem da formosura,
Não do amante.
Este mais não assegura
Que receber a faísca dum instante
A que, por mais que queira fugir,
Não logra resistir.
Por receber nele a figura,
Um bronze nada merece,
Que a maravilha não é dele que recebe,
Mas da mão que o talha e o mundo esquece
Ou não percebe.
Arte de facto não é do metal
Mas de quem burila e talha:
O bronze repudiar não pode tal,
Disponível fatalmente a quem trabalha.
Quando amamos, é que a formosura
Nos obriga a amar.
Que mérito pode haver em pagar
A sinecura
Quando o tributo natural
É obrigatório, fatal?
628 - Amigos
Amigos verdadeiros
Vêm compartilhar a felicidade
Quando chamados aos terreiros
E compartilharão, preocupados,
A contrariedade
Sem serem chamados.
629 - Transmuda
É tudo na vida dos homens o amor:
Quando ele germina,
O mundo se enfeita de cor,
De rosas tudo se ilumina,
O ar se perfuma
E os homens melhoram, em suma.
Todos pensam na amada
Durante o dia,
Do trabalho na jornada
A fadiga morre afogada
Em fantasia.
Quer o milionário que flutua, por lema,
Em ondas de numerário
Telefonema a telefonema,
Quer o dactilógrafo meritório
Que bate à tecla
No medíocre escritório,
Do patrão fiel assecla,
Quer o revolucionário
Semeado de ilusão
Que espera a morte, temerário,
No campo de concentração,
Quer o inútil, sem magia,
Que dorme sem alarde
Até ao meio-dia
E nem sabe que fazer de tarde,
Quer o mestre de saveiro
Cortando, parco,
As águas, ligeiro,
No barco,
- Todos pensam um momento
Cada qual em seu amor,
Com alegria e tormento.
É o que descansa e dá calor
Aos milhões,
À máquina de escrever,
À morte iminente nas solidões,
À inutilidade que pesa sem se ver…
Todos e todas acendem a mecha
Do amor na flecha.
630 - Cobertos
Não é fácil, num mundo mais e mais insensível,
Onde vivemos cobertos por carapaças
Contra a sensibilidade
Ameaçadora, temível,
Escondidos atrás de caraças
Que nos preservem a identidade,
- Não é fácil a fronteira
Entre a grande paixão
E o sentimentalismo de que ela se abeira
Em cada ocasião.
Sei lá bem onde uma acaba
E a outra principia!
Pior, porém, é que tudo desaba,
Por fim, em inútil ridicularia:
Ridicularizando a paixão,
Rotulando de piegas afectos genuínos
E profundos,
Dificultamos a visão
Dos estratos finos
E fecundos
Das leiras da delicadeza.
Ora,
Aqui é que mora e se preza
A toda a hora
A beleza.
E só aqui é que a vida
Toma sentido e tem medida.
631 - Análise
A análise destrói os conjuntos.
Alguns eventos mágicos foram feitos
Para permanecerem inteiros.
Olhados como vários assuntos,
Por partes, desaparecem, desfeitos,
E então matam-nos, ligeiros.
Tal é o amor, tal é a vida,
Tal é a paisagem do Universo desmedida.
A ciência, a tecnologia,
Ao dividi-los,
Matam-lhes a magia
E já nos não atraem os sigilos.
À vida, então,
Desmantelado o escrínio,
Como manter atracção,
Inefável fascínio?
632 - Casal
Por que é que um casal não sonha?
É o convívio prolongado.
O casamento ou relação
Que de alguns anos disponha
Vai ter este risco ao lado.
A habituação
Germina a previsibilidade
Com brandas vantagens:
É a segurança nas clivagens,
A fluidez da habitualidade.
Previsibilidade, porém, não deveria ser medo
De mudar.
Ora, basta que um perca o sossego,
Ao se alterar,
E de ambos o aconchego
Já desatou a se esboroar.
E os dois
São um mais um logo depois.
633 - Requer
Dum homem requer a mulher
Que seja poeta,
Amante arrebatador e apaixonado.
E nenhuma contradição há-de ver
Em tal meta,
O homem é que a vai viver
Contrariado.
O escorrido vestuário, as reuniões masculinas
O bilhar,
As tertúlias clandestinas
De que a mulher nem anda a par
São másculas facetas
De que a poesia,
A delicadeza se excluiria:
Lágrimas são neste homem incorrectas.
Se o erotismo é subtileza,
Uma forma de arte,
Contido deste morto naquela represa,
Acaba da vida aparte.
Então
Mantém o casal a conveniente
Representação,
Ambos afastados frente a frente.
E a mulher suspira,
Voltada para a parede,
Cheia da noite para onde se retira
Morta de sede.
634 - Rota
Estou neste planeta,
Neste momento
E não noutro tempo e lugar,
Não pelos trabalhos que acometa
Na rota livre do vento,
Mas para te amar.
Agora sei-o:
Tenho estado a tombar
Da beira dum lugar
Enorme.
Provindo de algures, do passado no seio,
De altura desconforme,
Sou chama desde a eternidade dirigida
A esta vida:
Desde sempre caí,
Desde sempre para ti.
635 - Contigo
Por mais que te queira
E que queira estar contigo,
Ser parte de ti mais que estar à tua beira
E a teu abrigo,
Não logro furtar-me à realidade
De minha responsabilidade.
Se contigo me obrigares a ir
Não poderei lutar contra,
Não tenho forças para resistir,
Vulnerável deste afecto em tua montra.
E não me obrigues, por favor,
Não me leves a desistir.
A tanto não me poderei propor
E viver cuidando nisto:
Se agora
Me for
Embora,
É de mim que desisto.
Transformar-me-ia em alguém diferente
De quem chegaste a amar,
De vez este meu lugar
Ficaria ausente.
Ao ganhar me perderias:
Era o derradeiro fim de nossas utopias.
636 - Adianta
Que adianta a razão recomendar
Quando o corpo, violentamente,
Anda a gritar
Por uma via diferente?
O amor é uma doença
Infecciosa,
Uma febre da bem-querença,
A doer de saborosa.
E o pior é que se apura
Que o doente
Nem quer ouvir falar em cura,
Do que sofre tão contente!
637 - Conta
Quem dera que o amor contasse
No mundo oficial!
Não conta, porém, porque o impasse
É que ele não é um lugar
Real
Dentre o que podem ver, medir e pesar…
Entendo o fundo de tal
Torpor:
Bem mais fácil é de amor falar
Que agir com amor.
638 - Esgotam-se
O amor à liberdade vive enraizado
Em cada indivíduo e nação.
Pode ser temporariamente negado
Mas para sempre, não.
A História ensina que as tiranias
Não perduram, esgotam-se em dias.
639 - Vazio
Como podes querer abandonar
Esta terra linda e rica
Para voltar ao vazio e descolorido lugar
Cuja aguilhada te pica?
É que não importa quão tristes e sem cor
Sejam nossas casas
Onde a cada um o lar lhe deu calor
E nos abriu as asas.
Prefiro viver lá
Entre gente de carne e osso
Mesmo se nenhum recanto há
Onde reclinar o pescoço.
Mesmo apagada, arde uma brasa
Na pedra do lar.
Definitivamente, igual a nossa casa
Não há nenhum lugar.
640 - Melhor
Guarda, no fim, o coração
Onde mergulharão
Tuas raízes
Fundo.
É que inteligência apenas não nos torna felizes
E a felicidade é o píncaro do mundo.
641 - Agrade
O amor é a verdade,
A verdade é o amor.
Todavia, agrade ou desagrade,
Quando fira
Sem pudor,
Pode ser uma inacreditável mentira.
Cuidado, pois,
Ao sinal dos arrebóis.
642 - Calor
A casa
É um monte de pedra, vidro e madeira
Quando sem calor lá dentro, lareira
Sem brasa.
Cobranças
Sempre tem havido em quantidade:
Para madeixa ser, da família nas tranças,
Para ser vitorioso, a sumidade,
Para superar nos vendavais
Todos os mais…
Vamos logrando realizar
O que de nós se espera.
Cabe-nos, porém, agora meditar
Em quanto nos custa a quimera.
643 - Opera
O casamento
Opera bem para alguns:
Compromisso, união de almas, promessas,
Sem tormento
Nem jejuns,
Direito, não às avessas.
Tudo feito, são
E arguto,
Não por conveniência ou estatuto,
Mas de coração.
De cada um dom gratuito,
Aberta a cara,
É uma dádiva muito,
Muito rara.
Em quanto lar de infância
Sempre foi rara a afeição!
Não há porventura negligência na educação,
Nem abusos, nem maldades com relevância.
São meros sócios, porém, os progenitores
E nunca um casal deveras:
Deles o casamento até pode escapar aos horrores,
Às coimas severas,
Mas é tão eficientemente frio
Nas tramas pretensamente ilesas
Como o desafio
Duma fusão de empresas.
644 - Conformam
Em que medida
Aqueles de quem viemos
Nos conformam e vida
Que temos e não temos?
Será que uma infância funcional
Nos predispõe a criar
Uma família própria operacional
A par?
Ou, ao invés, tudo seria
Mera lotaria?
Ou seremos,
Afinal,
O que de nós próprios fazemos
Por cada escolha ocasional
Que leva a outra escolha
E que incha, incha vida fora,
Como uma bolha,
Com a devida demora?
645 - Caminhar
O mais romântico é caminhar a vida
No meio das reviravoltas
Com alguém que amamos
E que nos ama na mesma medida
E nos compreende até nas notas soltas
Que desafinamos
Em qualquer esquina perdida.
Alguém que vai ficar ao nosso lado
Nos grandes momentos:
Filhos, netos, qualquer recém-nado,
A casa nova, a promoção, os aumentos…
E também nas más horas
Que saiam dos dias no baralho:
Doenças, demoras,
Um mau dia de trabalho…
Há quem se acostume a usufruir
Do bom e do mau sozinho.
Admiro a independência, livre a ir
Pelo caminho.
A vida era mais forte
Se fôramos capazes de lidar
Da vida com o norte
Por nossa mão singular.
Ser capaz, porém,
Não significa ser incompetente
Para compartilhar também
E aceitar ser interdependente.
Nunca deve significar, não,
Falta de determinação.
Ora, disto o verdadeiro alcance
É o romance.
646 - Simples
Não é simples o amor
Nem para ser colhido num impulso
Como um flor
Em canteiro avulso.
Crer que dá para o controlar,
Sendo ele imprevisível pulsação,
Para o moldar,
Determinar-lhe a direcção,
Acreditar que se tem
De cumprir tal desterro?
- Não, não é um bem,
É um erro.
647 - Conter-se
Deus não pode conter-se apenas
No finito e limitado dos dez mandamentos,
Parcelas pequenas,
Da infinitude meros momentos.
Transborda o amor infinito
Obrigatoriamente
Do bem circunscrito
No decálogo contingente.
Aos mandamentos cumprem muitos
E permanecem
De Deus bem afastados nos intuitos
Que esquecem.
E também se configura
O contrário.
Os obstáculos ao amor para cada criatura
São diferentes em cada itinerário.
648 - Facilmente
De Deus as derrotas
Mais facilmente aceitamos
Que as nossas.
A corrente cava a terra, baixa as cotas,
Arrasta pedras e ramos,
Cobre o abismo das fossas:
O fluir dos eventos temporais
Assim corrói as consciências.
A muitos ignoro,
Vendavais
E pestilências
Que escapam a meu foro.
Vários eventos descuro,
Outros esqueço,
Quando apuro
O que meço.
Alguns, porém,
Desconhecidos
Não convém
Que findem de intuitos nem sentidos.
O derradeiro não sejas
A enfrentar as desordens
Que te ocorrem em casa.
Ergue a mão contra o culpado que vejas,
Que a impunidade,
Transgredindo as ordens,
Apraza
A temeridade:
É o processo
Que abre caminho a todo o excesso.
Os de tua familiaridade
Ou são mais honestos,
Ou, com engodos,
Enchem os cestos
Dos mexericos e ouvidos de todos.
649 - Costas
O pior tipo de solidão
É o que me faz sentir sozinho
Quando estou no coração
Da vida e da multidão
E todos me viram costas no mundo maninho.
650 - Furtivos
Olhares furtivos a arder em fogo brando
Sobre panelas de caldo de galinha
A ferver lentamente, arfando;
Corações despedaçados na farinha,
Dentro da tigela
De natas batidas, à luz da vela:
A cozinha,
Do fogo na ardência,
É um foco de dor e violência.
A comida
Tem infinita sensualidade
Escondida.
O sabor, a textura, o perfume,
O jogo da cor e do volume,
Quando com tudo isto nos invade,
A comida, mais do que excitados,
Possui-nos por todos os lados.
651 - Canga
Alguns homens procuram uma mulher
Que possam trazer à trela,
Pela coleira,
Sob a canga manter,
A frio, prisioneira
Da vida na cela.
O relacionamento perde a graça
Rapidamente
Para ambos os lados e os deslaça
No coração e na mente.
A chama,
A fagulha inicial,
Nada a conclama,
Acaba por desaparecer.
Não há mais nenhum fanal
Que oriente quenquer.
Não precisarão dele?
Todos precisam,
Mesmo quem mais atropele,
Ou jamais se realizam.
Se a fagulha não explodir
De vez em quando,
Perde-se o ribombar delicioso que vem a seguir,
Com o fogo da explosão iluminando.
É cozinhar
Sem especiarias nem temperos:
Acabamos por produzir
Algo que para comer há-de dar
Mas não satisfaz apetites veros.
652 - Dança
Por mor da dança deles, coladinhos,
Dos olhares que um ao outro lançava,
Daquele jeito de ambos, como a desbravar maninhos,
O núcleo da festa era ali que repousava.
Não era a decoração,
Nem as luzinhas a piscar,
Nem os aperitivos de camarão,
Nem o riso a cascalhar.
O fundamental eram duas pessoas
Que ficaram conectadas
E acreditavam, deslumbradas,
Que tais novas eram boas.
Um noutro acreditavam
E o mundo assim inauguravam.
Se tivessem recuado
Ou ido embora,
Teriam perdido o céu escancarado,
O momento brando da demora,
A dança romântica do pátio de agora
Por eles iluminado
E tudo o mais que aconteceu,
Pela vida fora,
De sementes de céu.
653 - Agride
Um homem que agride a mulher,
Não é apenas a bofetada, o murro, o empurrão…
Tais ferimentos duram pouco em quenquer,
Outros, porém, perdurarão.
Diminui sistematicamente dela a confiança,
Como a auto-estima,
A coragem que já não alcança,
As escolhas a que já nem se arrima…
Isto é feito de forma tão perita
Que tudo se vai embora de dentro dela
Antes que compreenda o que concita
Tal sequela.
Como é difícil reconstruir
Tudo a partir do zero!
Às vezes é preciso reunir
Todas as forças apenas para vir
Ter ao gesto mero
De procurar duma lareira a brasa
No apoio de qualquer casa.
654 - Deste-lhe
Deste-lhe o teu medalhão
Porque é o que mais te importa no mundo.
Usava-lo quando morreste no chão,
Usava-lo quando ressurgiste, fecundo,
Para a tua nova vida.
É o símbolo do lugar donde vieste,
Uma conexão fundida,
Celeste,
Com tua mãe, teu irmão, tua irmã…
- É o teu talismã.
Tem magia poderosa.
Ela vai usá-lo porque lho pediste:
Torna o amuleto mais forte.
Goza
De tanto laço de amor que nele existe,
Clandestino meio de transporte.
É apenas um medalhão?
Não!
O valor dele mora no significado
Que tem para ti,
No amor que sentias por teus pais,
Que mora ali,
Evocado,
Revivido na força dos sinais.
O mesmo amor
Que lhe ofertaste a ela ao dar-lhe tal penhor.
655 - Inaugura
Ler para os filhos inaugura a festa.
O livro pelo pai seleccionado,
A maneira de ele ler e comentar,
Empresta
Ao filho enlevado
A língua de imaginar:
É o desabrochamento da linguagem,
A habilidade de leitura
E a cultura geral
Que a magia da viagem
Apura
Em cada criança real.
Teu filho trepa às estrelas
Com tuas palavras, ao tu lê-las.
656 - Seio
A solidão mais violenta
É a do seio da família
Quando comunicar já ninguém tenta.
A forma como encaramos a solidão
Requer a vigília
Sobre como o amor viverão
Todos, em todos os ramos,
Sobre como ao amor nos entregamos.
Entregamos ou não…
657 - Sentir-me
Sentir-me aqui solitário
É sentir-me desligado,
Das pessoas separado
Que têm valor primário,
Que me importam, cada qual
Num pendor emocional.
É não ter com quem falar
Daquilo que me importar.
E solitário posso findar
No meio da multidão
Quando, no grupo em que me encontrar
Na ocasião,
Não conheço ninguém com quem converse
Enquanto todos parecem conhecer-se.