SEXTO  TROVÁRIO

 

 

                          PELA  UTOPIA  ALÉM  VERRUMANDO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 658 e 762, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                658 - Pela Utopia além verrumando

 

                                                Pela Utopia além verrumando,

                                                O poema irregular alinha os passos

                                                Rimando

                                                Mesmo quando

                                                Forem de tropeço quaisquer traços.

 

                                                É que a utopia

                                                Com razão

                                                Nos escapa dia a dia

                                                Deste chão.

 

                                                É trôpego a caminhar

                                                Pelo ignoto misterioso além

                                                Que tenteio caminhos a trilhar.

 

                                                E o sonho me advém

                                                A me talhar à medida que convém.

 

 


659 - Moeda

 

Alma, espírito, os dois lados

Desta moeda de mim,

Ínfimo e supremo conjugados,

Quando se juntam assim,

 

Fazem explodir

Um astro de energia:

Ao se fundir,

Ocorre, em realidade,

Magia,

- Fazem crescer a eternidade.

 

 

660 - Melhor

 

Quando com o céu te relacionas,

Pede o que for melhor para ti

Sem discriminar de que te adonas.

Descobrirás que, dali,

O melhor no nível espiritual

Pode não sê-lo no económico ou social,

Ou poderá ser mais do que imaginas.

 

Ninguém sabe

Onde principie nem acabe

O dedo do infinito em nossas sinas.

 

 

661 - Mudar

 

Ao mudar a mente,

Ao compreender que tudo tem um preço

E que o preço de ir ao céu

É abandonar definitivamente

O ego de tropeço,

Dele o vácuo radical pondo ao léu

Mais a auto-suficiência de mentira

E o protagonismo em que delira,

 

- Então ficamos prontos para ir

E começamos a subir.

 

 

662 - Espiritualidade

 

Toda a espiritualidade vem de Deus

E Deus é tudo o que existe:

Os céus

São tudo o que vês, verás e viste

E tudo o que não vês mas pressentiste

Na vivência de teu imo,

Das profundezas até da cumeeira ao cimo.

 

A espiritualidade, então,

Com quanto existe no Universo

Provém da conexão:

Com tudo o que podemos ver mais o que não,

Com o que sentimos sempre além de cada verso

Do poema universal

Que prevejo e pressinto

Que é nossa raiz fundamental

A inspirar tudo o que pinto.

 

Além da conexão com o Todo, porém,

A espiritualidade é treino, empenho,

Comprometimento activo, desempenho,

- É viver a carne que àquilo convém.

 

Ser espiritual não é compreender

Que há espiritualidade e depois nada apronto:

No ser e no viver

Não há muda nem desconto.

 

Jamais, ser espiritual

Não significa tal.

 

Ao invés, se de meu ego me desquito,

Já pouco importa o meu e o teu,

Brotam outras precisões:

Abro as portas ao infinito.

 

Entregando-me ao céu,

Inauguro as surpreendentes dimensões

Que doravante misteriosas concito

E do nada daqui me desquito.

 

 

663 - Encontro

 

Para o encontro com teu imo superior

Quanto menos ideias preconcebidas,

Melhor.

Deixa que ele te mostre as avenidas

De que te não lembras mais,

Que te dê opinião,

Que interfira em tua vida com jograis

Que os poemas do porvir declamarão.

E vais ver, vais,

Inesperadamente,

A vida a borbotar à tua frente:

Acolhes uma mensagem,

De repente,

De que não estavas à espera,

Ou alguém distante ou em viagem

Recorda-te, traz-te um cheiro a Primavera…

 

É o céu a laborar

Pelo canal que lhe consagres.

E, como não deves ignorar,

- Dali operam milagres.

 

 

664 - Dotamo-lo

 

Primeiro imaginamos Deus,

Depois dotamo-lo das qualidades requeridas

Para aqui, debaixo dos céus,

Sobrevivermos desenvolvendo as vidas.

 

É, no mínimo, para descrever,

Analisar padrões de comportamento,

Perfis de personalidade quaisquer

A qualquer momento.

 

É, no máximo, forma de imaginar,

Invocar energias,

Qualidades que em nós há nalgum lugar,

Imprescindíveis como a luz para haver dias.

 

Assim, lentamente,

Haja e não haja tal Deus,

Vamos conquistando fatalmente

Os céus.

 

 

665 - Evocam

 

Sentimentos mais imaginário

Evocam os mitos,

Afloram temas do erário

Colectivo dos inscritos

No genoma da Humanidade.

 

Histórias de fadas e lendas,

Hoje ainda contadas na perenidade

De milhares de anos,

Permanecem actuais em todas as calendas,

Pessoalmente indicativas de abscônditos arcanos:

Com algum sentido, com algum,

Algo de verdadeiro nelas aflora

Acerca da experiência humana comum

De sempre e de agora.

 

Quando o mito é interpretado,

Ocorre um relâmpago de compreensão

Pela iluminação

Do que pelo intelecto é alcançado

Ou pela intuição,

Como um sonho que evocamos

Pelo dia adiante,

Mesmo quando o não compreendamos,

Só porque é simbolicamente importante.

 

Através da escuridão,

O vago cintilar

Acaba pegando-nos na mão

A nos guiar.

 

 

666 - Si-próprio

 

O si-próprio, íntima vivência

De nos sentirmos ancorados à unidade,

É que nos liga à essência

De tudo o que é exterior a nós, à infinidade.

 

A este nível espiritual,

Ligação e desapego

São o mesmo, no abismal

Pego.

 

Quando em contacto com a fonte interna

De calor e luz,

Quentes e iluminados pelo fogo da lanterna

Que nos conduz,

Este fogo acalenta

Os que amamos em nosso lar

E põe-nos em contacto, na mesma medida,

Com os que a lonjura ausenta,

A par,

Do lado de cá e de lá da vida.

 

 

667 - Prendas

 

As prendas inesperadas da solidão!

Como os primeiros e débeis raios de sol

Após a chuva do tufão,

Há um calor ténue e crescente de arrebol

Tão próprio da solidão voluntária

Como a tristeza precária.

É aquecido pela memória, pela saudade,

E também por um sentimento crescente

De nossa própria identidade,

Até então algures ausente:

 

Quando vivemos rodeados de gente,

Parte da paixão e perspicácia natural

Escoa-se na torrente

Do falatório irrelevante e banal.

 

Nos momentos mais audaciosos,

A solidão calma

Crê que a tarefa humana fundamental

É o que lhe vem ocorrendo nos transes dolorosos:

- Modelar alma.

 

O poder da vida mora dentro de nós.

É de ir ter com ele,

Orar, meditar, atar desatados nós:

Procurar

O numinoso lugar

Que há no imo de nossa própria pele,

Onde o deus fala

Quando tudo se cala.

 

 

668 - Morte

 

Da morte muito medo tenho às vezes,

Todavia, normalmente, sinto-me aliviado,

De resignação com um sentimento de agrado.

Pequenez entre infindas pequenezes,

Sinto-me parte de meu infinito pasto,

Sou algo em algo demasiado vasto.

 

Olho para a Lua

E vejo que em mim flutua.

 

 

669 - Abandono

 

Sou dionisíaco

Quando abandono a cidade,

Deixo para trás, genesíaco,

Preocupação e responsabilidade

Laboral

Ou pessoal

E procuro a comunhão

Com a natureza,

Raso ao chão.

 

O deus da íntima profundeza

Pode estar connosco

Quando mergulhamos na paisagem

Selvagem,

Quando no pinhal me embosco,

Quando com tudo me fundo

Unido ao mundo.

 

Quando nos libertamos

Da visão normal de tempo e espaço

E nos abandonamos

À espontaneidade, em cósmico abraço,

Somos transportados a um outro domínio,

De êxtase com emoções de fascínio.

 

 

670 - Divindade

 

Pela divindade tocado,

Ao criar,

Sou instrumento inspirado

Através do qual a beleza

Se vem a manifestar

Pelo corpo além da natureza.

 

 

671 - Desmembramento

 

Dos homens para a maioria

O desmembramento interior

É a primeira meia vida:

Cortam o que não se ajustaria

Da cidade ao molde em vigor

Que os convida.

 

O remembramento é urgente

Para sarar a ferida

E reconstituir o todo ausente.

 

Para reencontrar os pedaços

Em falta

E de volta os trazer em braços,

Teremos de descer da ribalta

E penetrar após

Por dentro de nós.

 

Tal é, por norma, a lida

Na segunda meia vida.

 

Quando chegaremos à beira

Da vida inteira?

 

A derradeira etapa,

Tremente,

É a que o mistério inacessível nos destapa,

Finalmente.

 

 

672 - Morte

 

Quando a morte é uma demorada

Trilha de perca,

Invariavelmente o moribundo

Se liberta da escalada

Do mundo

Que o cerca,

Desliga-se emotivamente

Dos eventos,

De toda a gente,

Dos objectos, dos momentos

E recolhe-se, discreto,

Além, fora de todo o tecto.

 

Alma que desce ao Hades interior

É naturalmente desapegada

E sente-se melhor

Do mundo subterrâneo na estrada

Que no mundo exterior.

Estará fruindo imagens,

A ouvir e a sentir,

Com o imo em estranhas viagens

Onde ninguém a logra mais seguir?

 

Talvez esteja a encontrar

De vultos luminosos o recorte

Dos que, se calhar,

A precederam na morte.

 

 

673 - Subterrâneo

 

Teremos de descer

Ao mundo subterrâneo do interior

Para nos familiarizarmos, ao menos sequer,

Com este reino sem palor.

 

Apenas então é viável intuir

Que, na obscuridade,

Há riquezas por descobrir

No frio, no escuro

Da noite que as almas invade,

No abismo profundo em que me muro.

 

Ali, no lugar

Onde quenquer se encontra isolado

Da realidade vulgar,

Incapaz de sentir e ser crestado

Pelo sol da vida

Do dia-a-dia,

Em tal guarida

Ocorre a alquimia:

De repente rasgo o véu

E vislumbro o céu.

 

 

674 - Viajante

 

Na antiguidade

O viajante podia visitar

O templo duma divindade,

Invocar ajuda, prestar homenagem,

Quando a estrada o conduzia, ao calhar,

A um santuário, ao correr da viagem.

 

De nossa vida na jornada

Somos tais caminheiros

Cruzando templos diferentes em diferentes carreiros

Da multímoda estrada.

 

As conjunturas conspiram

Por um arquétipo aqui,

Por outro além,

E tais deuses-padrões nos inspiram:

No que sentimos são o que agi,

O que convém,

Na complementaridade

De cada idade.

 

No centro de cada templo, porém,

Arde o fogo circular

Da comum a todos deusa do lar:

É o si-próprio, da personalidade

O centro a que tudo se grude,

Do significado a instância de verdade,

O arquétipo da plenitude.

 

É o que torna casa e templo

Lugar sagrado:

A noiva transportava, para exemplo,

O fogo no lar ateado

Para a nova casa que iria ser habitada:

Só a partir de então era sagrada.

 

O colono leva a chama

Para a colónia que sua proclama:

 

Apenas a sagrava

Por este fogo que nela ateava.

 

O fogo do lar,

O si-próprio bem fundo no imo,

São o centro da vida a protagonizar,

O vínculo comigo e o mundo a que me arrimo.

 

 

675 - Milhões

 

Cem milhões de estrelas contar

À média duma por segundo

Aparentemente é tarefa singular,

Tão desmedida

Neste mundo,

Que ninguém seria capaz de a executar

No decorrer de toda uma vida.

 

Calculada sem enganos,

Na realidade,

Levaria apenas três anos.

 

Era só focar a atenção

E ter bastante vontade

Para prosseguir

Com a função

Sem se deixar distrair.

 

- Quaisquer montanhas

Inultrapassáveis

São pedra a pedra ganhas

Por vontades indomáveis.

 

 

676 - Duros

 

São duros de contemplar

O fracasso e a idade

E ambos são um único exemplar

Olhado em profundidade.

 

A perfeição é o efeito natural

Da eternidade:

Aguardando o tempo requerido,

Tudo concretizará em realidade

O próprio potencial

Escondido.

 

O carvão devém diamante,

Em pérolas muda a areia,

O símio será homem adiante,

Após longa maré-cheia.

 

Apenas nos não é dado,

Na curteza duma vida,

Ver tudo aquilo transmudado.

 

Cada fracasso da sorte

Transforma-se, nesta medida,

Num aviso da morte.

 

 

677 - Romarias

 

Não ser fanático

Nas campinas religiosas

Requer o critério prático

De as romarias gostosas

Se respeitarem então

Em toda e qualquer religião,

Quando todos em alta estima

Têm doutrem a crença e o clima.

 

Para além disto poderão

Querer ainda praticá-las:

Seja qual for seu pendão,

Franqueiam-lhes do imo as salas.

E também isto é viável

A quem busque o que é fiável,

Ao menos até ao ponto

Em que em si não há desconto.

 

E mesmo aqui é de siso

Procurar com fervor

Conjugar juízo e juízo

Até encontrar um patamar superior

Que a contradição supere

E então já ninguém a ninguém fere.

 

A criadora utopia

É do não fanático a via.

 

 

678 - Sonhos

 

Cada qual tem seu feitio,

Sonhos e aspirações.

O que convém a um desafio

Para um outro são senões.

 

É urgente ter isto em conta

Ao julgar religiões,

Vias espirituais, partidos,

Ideologia, cultura,

- Tudo o que remonta

Aos sentidos vividos

Em que cada vida se apura.

 

Corresponde na variedade

À variedade dos seres,

Muitos encontram a ajuda que os persuade

Em tais haveres.

 

Tendo isto em mente,

Trataremos a teia dos caminhos

(Tão emaranhados que entontecem)

Devidamente,

Com o respeito e os carinhos

Que merecem.

É o fim

Do fanatismo,

Do sectarismo,

Do fundamentalismo,

Do extremismo,

Ultrapassados, enfim.

 

Todos poderemos dar as mãos

No jeito de vermos em todos os horizontes

As pontes

Para sermos irmãos.

 

 

679 - Emprego

 

O nosso emprego, a maneira

De nós ganharmos a vida,

Ao mesmo tempo emparceira

Cada qual com quem mais lida,

Germinando a comunidade

De que depende em verdade.

 

Há uma recíproca acção

Entre nós e a multidão.

 

Se esta prosperar,

Beneficio com isto,

Se, pelo contrário, descambar,

Sofro-lhe os efeitos em meu registo.

 

E a minha comunidade

Influi nas que a rodeiam

Até que em toda a humanidade

Todas a todas permeiam.

 

Se os habitantes desta região

Prosperam economicamente,

Todo o país sente

O empurrão.

 

Esta economia

Logo a do continente

Influencia

E o resto do mundo progride na corrente.

 

Importa compreender os elos

Da cadeia,

Senão depois os atropelos

Quem os desenleia?

 

 

680 - Originário

 

O prazer originário de qualquer obra de arte

Demonstra quanto a alegria interior

É o valor,

Em contraste com a parte

Dos prazeres dos sentidos banais,

De fruir bens materiais.

 

Aquela oferta uma ponte

Para além do horizonte.

 

Perante ela, o aqui-agora

É sempre a dor duma demora.

 

 

681 - Paz

 

A paz no mundo deriva

Da paz de espírito que advém

De reparar que toda a raça viva

A mesma humanidade contém:

Para além de todos os motivos de quezília,

Somos uma única e mesma família.

 

Pouco importa divergirem

Crenças, ideologias, sistemas

Políticos e económicos que surgirem

A ditar lemas:

São meros pormenores

Perante o que listamos em comum

De sonhos e de humores

De qualquer um.

 

Todos somos humanos

No mesmo minúsculo planeta.

Ao menos para sobreviver mais uns anos,

A meta

Implica colaborarmos mutuamente,

Dos indivíduos à escala

Mas mormente

À dos Estados que tão pouco abala

Até à hora presente.

 

 

682 - Abordável

 

Qualquer que seja a conjuntura

É sempre abordável num ângulo positivo.

E a tecnologia apura

Razões suplementares para o que vivo

O viver na esperança.

É impensável não haver maneira

De mudar o que perspectivo,

De modo que o olhar alcança

Reduzir a canseira,

Tolher o sofrimento

Oriundo das circunstâncias do momento.

 

Mudo o modo de olhar

E no meio do escuro vislumbro luar.

 

 

683 - Palavras

 

Que é um pai, uma mãe,

Uma mulher honesta?

Que é ser diferente: o que convém

Ou o que não presta?

 

Tudo palavras apenas!

Aqui na terra vivemos

Numa floresta inóspita, cheia de avenas

Que tocam palavras, frases, remos

Para tocaiar de seguida

O barco da vida.

 

Inventámos tudo,

Conjunturas belas e feias,

Tragédias, comédias de Entrudo,

Relações de abismos cheias,

Estados de alma, dramas,

Mil e uma tramas…

 

Inventámos tudo isto

Colocando termo após termo,

Organizando as palavras no previsto

Encadeado de frases, a recobrir cada ermo.

 

A palavra é nobre,

A frase é-o menos,

Quão mais a encadeio, mais pobre,

Perante os factos, únicos plenos.

 

O que conta é que, como os mais, sou:

Pegada incerta,

Tacteando por igual, por aqui vou

À descoberta.

 

 

684 - Dissimuladas

 

A história ensina

Que Deus se manifesta

Pouco a pouco à esquina

Da humanidade, fresta a fresta,

Por pequenas doses

E em dissimuladas poses.

 

Criou o tempo ou dele a ilusão

E nesta vem serpenteando indolentemente,

Rio a intérmina planura de nosso chão

Entrecruzando de meandros preguiçosamente.

De tempo a cada nova fracção

Revela-se um pouco mais claramente

A autenticidade

Que dEle nos invade.

 

Económico e metódico em extremo,

Nunca nos é mais estranho hoje,

Neste rio em que remo,

Do que ontem fora, na imagem que me foge.

 

Entre Deus e ciência não há contradição,

O saber acaba por desembocar em Deus.

Acaba, não principia: à partida não o tem à mão,

Tem de aguardar, paciente, a queda dos véus.

 

À luta

Atreita,

A sabedoria tem de manter-se à escuta,

De olho à espreita.

A aparição fugidia

Inaugura um novo dia.

 

 

685 - Frase

 

Há uma realidade

Para além da linguagem:

Aquela é que é verdade,

Esta é uma triagem.

Como tudo o que tria

Trai,

A realidade na palavra se esvai,

Vazia.

 

Uma realidade é verdade:

As coisas, o homem…

Quando isto nos invade,

Existe,

Nenhuns termos o somem,

Mesmo que o abulam, persiste.

 

O homem, como ser,

Não é frase nem depende de palavras.

Não o entravas

Por dizer ou não dizer,

Não deixa de existir

E de gerar porvir.

 

A linguagem nada pode

Contra o homem que existe.

Por isso acode,

O termo em riste,

A vingar a impotência:

Toda se encarniça

Do homem contra a ambiência,

Contra o que o rodeia.

A linguagem cria interpretações,

Postada na ameia,

Encurrala em situações.

 

E o homem sofre por mor delas,

Porque raramente lembra

Que são da linguagem sequelas,

Por ela inventadas como inimiga

Que o desmembra

Com quantas frases o consomem.

A linguagem que o homem abriga

É também a inimiga do homem.

 

Cuidado, pois, com as palavras:

Mais do que a charrua,

É com elas que te lavras

E te cavas um abismo ou rasgas uma rua.

 

 

686 - Fórmulas

 

Todos preferem caminhos trilhados,

Fórmulas do dogma, textos da lei,

Sem compreenderem que do código nos traslados

Não cabe a infinita grei

Dos redis da existência,

Nem dum dogma na identidade

A luminescência

Dos céus,

A realidade

De Deus.

 

 

687 - Captas

 

Se captas a beleza

De quanto te rodeia

E ficas grato, em íntima, infomal reza,

Terás

Paz

E a profunda felicidade te encandeia

De pertenceres a um todo, cuja imensidão

Bate como um único coração.

 

Respira, respira fundo,

Enche teus olhos de vida

No pulsar jucundo

Da natureza que te convida.

 

 

688 - Predisposta

 

Qualquer alma de artista é delicada

E predisposta a acolher música do Universo.

Deixa que em ti ecoe a toada

E então poderá ser ouvida por cada irmão converso.

 

Se tal alma foi feita

Para por deuses ser tangida,

Não permitas dos homens a desfeita

De a tocarem com velhacaria fementida,

Nem por afectos perversos te deixes invadir

Nem por ódio seduzir.

 

Onde este se aninha

Apaga o rastro do amor

Que é quem avizinha

As almas de artista ao estupor

Terso

Da música do Universo.

 

O perdão

A quem te causar dor

É o bálsamo para a ferida

Que te volta a colocar na posição

Devida

Para receberes inspiração.

 

 

689 - Reais

 

Tão reais como Ele,

Mas de matéria grosseira

A elevar-se da rugosa pele

A formas mais subtis, com canseira,

Até se poder reintegrar,

Rasgados os véus,

De novo de origem no lugar,

- Somos os sonhos de Deus!

 

 

690 - Rasteiras

 

Não me deixa morrer nem viver

O Deus que aqui me prosterna

Sob as rasteiras da sorte:

Obriga-me aqui a morrer

Uma vida eterna

E a viver uma eterna morte.

 

 

691 - Humor

 

Humor é mais

Do que rir piadas,

Gargalhar anedotas.

É ferramenta de sinais,

 

Poderosa nas mensagens cifradas

Aos mareantes das frotas:

 

É comunicação

Por baixo de mão.

 

Quando partilhas gargalhadas

Com um obstinado cliente,

Um difícil colega,

Num momento evanescente

A divergência a nada se relega,

O ressentimento abranda,

A tensão se desvanece.

Doravante o que comanda

A linha que os minutos tece

É de cada qual a iniciativa

Por engendrar uma resposta criativa.

 

Humor é o ninho

Onde choca o ovo do novo caminho.

 

 

692 - Abraçar

 

Abraçar a imagem,

Dar forma à visão

É a nossa tragédia, da vida na voragem:

Somos escultores sem mármore nem argila,

Não podemos dar expressão

Ao insistente clamor

Que na fundura do desejo se perfila.

 

Lábios, seios que acariciamos,

Não passaram de caminhos para o amor,

Mas sem eles onde ficamos?

 

De tão longe dos céus

Absurdos somos e pigmeus.

 

 

693 - Dor

 

Não é deveras nada

A física dor total

Comparada

À espiritual.

 

Se disto soubera

O custo medonho,

Quem desprezaria tanto a quimera

De seu íntimo sonho?

 

 

694 - Consciência

 

Consciência plena

É fazer a triagem

Da matéria com olhos de céu:

É ver a vida terrena

Como um grande campo de aprendizagem

De que trilho é o meu.

 

 

695 - Aceita

 

Quem aceita o inesperado e o esperado

Na vida, no mundo, no próprio imo,

Evolui em consciência e sabedoria, premiado,

Degrau a degrau, até ao cimo.

 

Quem se fica, teimoso e quezilento,

Evolui com a perda, o medo e o sofrimento.

 

De nosso momento

Qual o requisito,

Lá de cima, atento,

Espera o Infinito.

 

 

696 - Lógica

 

É viável entender

A lógica do céu

E aqui na terra viver:

É apenas rasgar o véu

Juntando cabeça e coração,

Pensamento e intuição.

 

A Festa, principalmente,

É casar alma com mente.

 

 

697 - Abertura

 

A abertura ao mais além,

Primícias da infinidade,

Ao que o imo me contém

De frestas de eternidade,

 

Abrir a porta

Por dentro de cada qual

- É o que importa,

O degrau fundamental.

 

O que for eficiente

Para alguém abrir-se mais

É benéfico e urgente

Para os rumos abismais.

 

Um ovni poderá ser,

De utopia um lema,

Uma cura milagrosa,

De quase-morte a vivência que ocorrer,

Uma música, um poema…

 

- Quanta invenção imaginosa

Pelo lado de além é usada

Para nos ir abrindo a estrada!

 

 

698 - Degraus

 

Trepaste degraus na tua escalada espiritual,

Atingiste o patamar dos ungidos:

Não os que Deus escolheu, que não há tal,

Antes os que O escolheram, decididos.

 

Deus não escolhe os capacitados,

Capacita os escolhidos

Que são os que O escolhem, abnegados,

Esclarecidos.

 

O fado,

Quem o destina

É quem para um lado

Ou para o outro se inclina.

 

 

699 - Realidade

 

O problema é que julgamos

Que somos o que pensamos.

 

Na realidade, afastados os limos,

Somos apenas o que sentimos.

Quem pensa e nos tira o sossego

É nosso ego.

 

E não o somos, não:

Não é ele que os milénios atravessa

Na busca confessa

De evolução.

 

No fundo mais profundo

Mora em nós um outro mundo.

 

E apenas o vislumbramos

Através do que sintamos.

 

 

700 - Primeiro

 

Primeiro, mudar a mentalidade,

Promover o desapego,

A perda de densidade,

A aceitação em que me entrego.

 

O que o céu me propõe, eu acolho:

Não quero nada, não desejo nada por mim,

Acolho o que vier, assim.

Sem expectativa, eis que me olho

 

Reduzido a zero por inteiro.

Vou-me então iniciando na magnífica viagem

Céu adentro, leveiro,

Com minha focagem

Na imensidão

Do mundo paralelo inabarcável

Do Infinito,

Em meu imo, apesar de tudo, à mão,

Simultaneamente inatingível e trilhável,

A Infinitude na finitude do finito:

Sementeira aqui neste chão

De que então

Jamais me desquito.

 

 

701 - Negativa

 

Quando estiveres perante

Uma conjuntura negativa, pesada,

Não fujas, mas garante

Que não te misturas com ela na levada.

 

Se tremes de medo, ficas pesadão,

Enclausurado na cerca,

Misturas-te com a situação

E atrais a perca.

 

Se tiveres fé, acreditas

Que irá para todos ocorrer o melhor,

Seja lá o que for,

E entregas o eventos ao céu,

Ditas ou desditas:

Já não é problema teu!

 

E então, das profundezas de além,

Protege-te Alguém,

 

Não, decerto, com o que pretenderias

Mas de certeza com a mais correcta das vias.

 

Com sofrimentos?

Com alegrias?

- Com os ventos

Com que, fiel, mais voarás todos os dias.

 

 

702 - Incompreendido

 

Incompreendido, o sofrimento

Provoca mais perda e, no encadeamento,

 

Mais recém-nados

Sofrerão

Do desvio a lesão,

 

Mais longe deslizam

Da plenitude que visam.

 

Da matéria a vivência

Por aí transcorre:

Vir à terra religar com persistência,

Intuir, através do que ocorre,

 

Quem sou enquanto ente interior, espiritual,

E na terra lograr ser

Meu imo fundo através da material

Densidade que advier.

 

Tudo começa

Quando vemos por trás do véu:

Vivenciar a matéria com a cabeça

E com o coração no céu.

 

A norma final

Que tudo encerra:

- Ser meu inteiro ser espiritual

A viver na terra.

 

 

703 - Águas

 

Deverás conhecer tudo,

Das águas da vida distinguir os movimentos,

O balanço, a onda, o murmúrio mudo…

Quando, a meio do rio, nos tormentos,

 

Tiveres medo,

Terror pânico do desconhecido,

Deverás fechar os olhos e, no segredo,

Confiar, comedido.

 

Confiar que as águas da vida só te levarão

Para onde for o teu caminho

E só demorarás no cachão

O tempo requerido

A lá chegar numa rota de carinho.

 

Isto é que é

Ter fé.

 

O que leva a que ali acabem

Quantos temores se atrevam:

É crer que as águas sabem

Sempre para onde nos levam.

 

 

704 - Lutar

 

Em vez de lutar por ver cumprida

A tarefa de aprender

A desbravar as margens da vida,

De tentar integrar-se com quenquer,

Com as gentes da planura distendida,

 

O homem é impelido a dominá-las.

O homem tem medo

E o medo fá-lo tentar, com boas ou más falas,

Dominar o semelhante, tarde ou cedo.

 

Descobre que o pode dominar

Se tiver o que ele não tem

E o que ele não tem acaba por descortinar:

É o que houver apenas na margem de além.

 

Quem as margens interligar

Nas trocas

Acaba por ambas dominar

- E aqui é que desembocas.

 

Grave é que acabas por te aprisionar

No tráfico do rio

E deixas de navegar

No desafio

Que a vida te faz

A sós

De ir desaguar no mar, em paz,

Na tua foz.

 

 

705 - Armadilha

 

Não caias na armadilha mais comum,

A de ficar.

Construída a casa em algum

Lugar,

Encontrado o recanto da fogueira,

Aceso o lar,

Decoradas as estrelas na viageira

Abóbada de qualquer céu,

É muito sugestivo parar,

Do palco descendo o véu,

E repousar.

 

Não é o momento de tal, porém,

O caminho clama por seguir,

A corrente chama para além

Continuar a jornada do porvir,

 

O sol pede para queimar

O corpo por igual,

Bate à porta para entrar,

E a chuva quer regá-lo, imparcial.

 

E o mar, lá no fundo, pede

Para o encontrar.

Tua pegada, pois, despede

Do actual patamar.

 

- Apenas então

Por ti há-de ocorrer a evolução.

 

 

706 - Sobreviver

 

Ninguém

Às noites frias da floresta

De sobreviver tem,

Nem de suportar na frágil testa

As águas geladas

Da chuva e do rio à margem das estradas.

 

Se chegar ao fim na hora certa,

Fez o percurso no tempo exacto,

Com a corrida pela força coberta

Requerida para o acto.

 

Chega ao mar,

Embebe-se no Todo,

A ser parte do Universo vai passar,

Migalha de algo que não tem fim de nenhum modo.

 

Agora é protegido,

Agora repousa em paz.

- Não é aquilo, porém, que, distraído,

O homem faz.

 

 

707 - Tempo

 

Tudo na vida um tempo tem,

Há um tempo para cada evento:

É a grande iniciação para quem

Aprende a fluir, boiar no vento:

 

Deixar que a corrente da vida

Traga cada experiência,

Cada margem na hora devida,

Sem apressar nem retardar o movimento,

Para que de tudo a cadência

 

Acabe pulsando em comunhão

Do Universo com o coração,

 

Vogando cada qual em frente

Como a bóia na corrente.

 

 

708 - Obra

 

Se o homem é de Deus imagem,

Na obra dum grande artista,

Saiba-o ele ou não, quando as mãos agem,

Recuse-o ou não na crença em que invista,

Não poderá nunca deixar

Deus de se manifestar.

 

Mesmo que o grande artista o não queira,

Andará sempre de Deus à beira.

 

 

709 - Confronta

 

A grande poesia apenas germina

Quando o homem se confronta radicalmente, de pé,

Com a própria sina,

Com o que é.

 

Quando o facto estético ocorre verdadeiro,

Aí rigorosamente cintila,

No sendeiro

Que perfila,

 

A fundura

Da abertura

Da insondável alma humana,

Profundidade em que respira

A marca arcana

Da palavra criadora de Deus:

Daí transpira

O infinito dos céus.

 

Inefável alma, capaz

De ser corpo na mais alta expressão carnal da viagem

Dum espírito perspicaz:

A linguagem.

 

 

710 - Humilde

 

Talvez nos demos conta, no fim do caminho,

De que o Senhor sempre estivera ao nosso lado,

Humilde e comezinho,

Sem o sabermos nem com Ele havermos contado.

 

Talvez não logremos também, apesar da fome,

Desvendar o mistério de seu nome.

 

A graça então há-de porventura consistir

Em continuar a andar

Com a teimosia humilde, prenhe de porvir,

De quem para sempre ficou ferido, singular,

Passando coxo a ser e se propor,

Simultaneamente vencido e vencedor.

 

 

711 - Força

 

É divina a força imperecível

Que em espírito a matéria transforma.

Cada homem tem dentro de si, por norma,

Um fragmento indefinível

Daquele divino vulcão

E por isto logra converter o pão,

Água, carne e peixe

Em pensamento em acção

Que a marca lhe deixe.

 

Na fartura ou nas fomes

A verdade é talvez:

Diz-me o que comes,

Dir-te-ei quem és.

 

 

712 - Forçar

 

Forçar a grande lei que envolve tudo

É pecado mortal, pois leva à morte.

Impacientar-me, mudo,

Ou apressar-me à sorte,

É esmagar-me contra o muro

E, no final, nada apuro.

 

Como à lei do infinito nada altera nem alcança,

Deverei seguir, obediente e terno,

Com respeitosa confiança,

O ritmo eterno.

 

 

713 - Grandes

 

Os grandes visionários,

Os grandes poetas

Vêem todos os cenários

Pela primeira vez.

Não guardam memórias concretas

De nenhum entremez.

Todas as manhãs

Vêem na frente,

Contra as repetições malsãs,

Um mundo novo, de repente,

Que eles próprios criam

…E nunca sabiam!

 

 

714 - Diamante

 

O dia resplandece,

Diamante de muitos carates.

À medida que trepamos à montanha,

O imo cresce,

Purifica-se em quanto o dilates,

Em dimensão tamanha

Que sinto novamente

A influência que sobre a interioridade

Tem o ar puro, quase semente,

A respiração leve da fecundidade,

O horizonte vasto infinitamente…

 

Alma é também animal

Com narinas e pulmões,

Com urgência real

De oxigénio e de respirações.

As poeiras que as almas tocam

E demais poluições

Sufocam.

 

 

715 - Andares

 

Deus não cabe

Nem nos sete andares do céu

Nem nos sete andares da terra.

Não há fronteira onde acabe

O que é seu,

Que nele se aferra.

 

Mas pode caber inteiro e chão

Do homem no coração.

 

 

716 - Imprimimos

 

Inconfundível impressão digital,

Imprimimos nos objectos

Nossa marca pessoal,

Sofrimentos, esperanças, projectos…

 

E quando os tornamos a encontrar,

Aos objectos desgarrados pelo mundo,

Eles desatam a murmurar,

Repetem-nos, triste ou jucundo,

Pela evocação, sumário,

Todo o nosso itinerário.

 

Vivo e à minha medida,

Neles espreito à janela

Nesta vida

E depois dela.

 

Mais que memória de mim

Sou eu no Cosmos a viver sem fim.

 

 

717 - Estribilho

 

Estar sozinho,

- Da vida o estribilho eterno.

Nem melhor nem pior que qualquer fado maninho,

Travamos demais sobre este inferno.

 

Sempre só restando, uma criatura

Nunca está só:

O sol fulgura

Em cada grão de pó.

 

E o som do vento

Vibra eterno no meu pensamento.

 

 

718 - Reveste

 

Tudo mais vivo colorido

Reveste à noite.

Difícil nada é sentido

A quem se afoite,

Julgamo-nos à altura

De qualquer aventura.

 

E o que não é conseguido

É pelos sonhos substituído.

 

Ao sonho nos entregamos,

Que, sem dele a falsidade,

Suportar não logramos

A verdade.

 

 

719 - Noite

 

À noite és diferente,

Estás sempre a retornar,

Surpreendente,

Dum qualquer lugar

De que, por mais que rebusquemos,

Nada sabemos…

 

 

720 - Remoinho

 

Apenas uma ilusão

Não é o bastante?

Pode alguém, nalguma ocasião,

Atingir algo mais securizante?

 

Quem desvenda

O negro remoinho da vida

Turbilhonando anónima sob a venda

Dos sentidos, desmedida?

 

Remoinho que um oco tumultuar

Transforma em coisas:

Uma mesa, uma lâmpada, um lar,

O banco onde repoisas,

A multidão,

Um coração…

Há um pressentimento apenas

E um dilúculo prometedor.

Não basta? Não basta às pequenas

Horas do dia de vida aterrador?

 

 

721 - Viciado

 

Não, não ficarás comigo,

Ninguém pode algemar o vento nem as águas.

Se prendes o vento, transforma-lo, no abrigo,

Em ar viciado, antro de mágoas.

Ninguém é feito para de vez ficar

Em nenhum lugar.

 

 

722 - Vazio

 

Vazio te permanece o coração,

Que ninguém pode conservar

O que dentro de si não tiver germinação.

E pouco pode germinar

No meio da tempestade.

É nas noites vazias,

De soledade,

Que a germinar te inicias.

 

Se não desesperares

De em ti haver,

Num recôndito qualquer,

Ignotos luares.

 

 

723 - Ligar-me

 

Tudo passa

E a vida também se irá.

Não devo ligar-me, feito carraça,

A nada que houver por cá.

 

Urgente é conservar

Da liberdade a consciência,

Que, quando assim livre ficar,

Um homem não tem carência

De nada, nada que tiver lugar.

 

Então livre voará

Sempre num mundo que não é de cá.

 

 

724 - Útil

 

Se queres ser útil deveras,

Sai da estreita roda familiar

Até às esferas

Da multidão,

Até o mundo inteiro abarcar

Em teu gesto e coração.

 

Por que é que as artes são tão vivas,

Tão populares, tão poderosas?

O romance, a música, o cinema

Não se enclausuram em redomas esquivas,

Atingem milhares e milhares

Com mensagens saborosas,

Tema a tema.

 

As obras de arte dão-nos asas,

Para a lonjura nos arrebatam,

Elevam-nos às alturas.

Delas as casas

Dão os nós que os tempos atam

E as figuras.

 

Quem estiver farto do lodo,

Do interesse rasteiro,

Que ferido, revoltado, de algum modo

Se sinta no atoleiro,

Pode encontrar a paz que preza

Na beleza.

 

 

725 - Coração

 

Do coração seguir

A livre inclinação

Nem sempre é fruir

Da felicidade o pão.

 

Para vivermos livres e felizes

Urge não escamotear

Que a vida é dura em todas as matrizes,

Grosseira em cada calcanhar,

 

Inexorável no pendor

Determinista-conservador,

E que importa lhe pagar

Na mesma moeda:

Sermos como ela

Duros, agressivos, implacáveis

Em nosso apego e queda

Pela estrela

Que nos invade

Com cintilações inadiáveis,

- A luta pela liberdade.

 

 

726 - Impele

 

O mar impele a canoa

Para trás.

Duas remadas damos para a frente e logo ele, à toa,

Uma delas desfaz.

 

Os remadores, porém, teimosos,

Remam sem parar,

Não temem os macaréus alterosos

Do mar.

 

Avança a canoa sempre em frente,

Já ninguém a vê.

Em breve os remadores avistarão a oriente

A luz em que têm fé.

 

Tal é a vida,

Ambígua e desvalida.

 

Em busca da verdade

Os homens dão dois passos em frente

E um que retrograde.

 

O sofrimento

Inclemente,

Os enganos, o aborrecimento

Para trás nos empurram permanentemente,

Mas na verdade a sede e a teimosia

Impelem-nos, constantes, para a meta.

 

Talvez um dia

Atinjamos a verdade completa.

 

 

727 - Faz

 

Faz, primeiro,

O que for imprescindível

E o que for possível depois.

Por derradeiro,

É, de repente, do impossível

Que andarás gerando os arrebóis.

 

 

728 - Molde

 

Perante o Infinito

Somos todos iguais,

Vazados em igual molde pelo mesmo perito.

Os eventos mais cruciais,

Da vida cada pegada,

Perante Ele não são nada.

Definitivamente

Apenas contarão

Os impulsos que alimente

O coração.

 

 

729 - Cumes

 

Nos cumes da vida ficamos muito sozinhos,

A única companhia que temos

Somos nós próprios, ante a solidão dos caminhos.

Nos limites extremos,

O melhor conselho

É que sejamos capazes de viver a sós

Com o indivíduo que olha para nós

De dentro do espelho.

 

 

730 - Visões

 

Dentro dos jardins murados

Podemos ter visões e sonhos.

Lá fora, no grande mundo dos ludibriados,

Há vigias nos telhados

E torcionários medonhos.

 

E temos de viver, entremeadas e seguidas,

As duas vidas.

 

 

731 - Precisamos

 

Precisamos nós de sonho

Tanto quanto de razão,

De poesia que nos tire os pés do chão

Como de cálculo a medir onde me ponho,

De fazer viver o imaginário

Como a lógica, ao dar conta do cenário.

 

Quando um lado é reprimido,

Logo explode, desmedido,

 

Mais tarde ou mais cedo.

E desta desproporção

É que importa ter medo

E precaução.

 

Os extremismos

Nas instituições ou nas atitudes,

Não são nunca virtudes,

São a queda nos abismos

Que, fatais,

Gerarão sempre outros que tais.

Apenas a tolerância,

Afinal,

Nos garante um alcance real

À nossa encegueirada ganância.

 

 

732 - Outro

 

Muito demora

O momento

Da claridade:

A vida é triste e encantadora

E, se é verdade

Que a pobreza é sofrimento,

A riqueza não dá felicidade!

 

- É sempre outro o caminho

E eu mal dele me avizinho.

 

 

733 - Enganam

 

Os homens se enganam com o que imaginam,

Se antolha imaginar o mesmo que criar,

Ao erro se inclinam

Do avatar:

Ser é idear.

 

Deste sonho na ilusão

Vão tornando o mundo vão.

 

E as vidas

Sem chão

Mal podem ser vividas.

 

 

734 - Olhamos

 

Para o passado olhamos com saudade,

Para o presente com desprezo,

Para o futuro com esperança.

Do passado ninguém diz mal, é de oiro idade,

Do presente continuamente me queixo, dele preso,

E o futuro que nunca mais se alcança

Apetece-nos que chegue

E de vez ao colo nos pegue.

 

O passado parece-nos um instante,

O presente mal o sentimos

E o futuro está muito distante

E nunca o vimos.

 

Para do tempo dizer bem

É preciso ter passado,

Para que o desejemos também

Tem de longe ser considerado.

 

A vaidade olha o passado com indiferença,

Que nele já não tem acção;

O presente que lhe pertença

E tem à mão,

Olha-o com desprezo

Porque nunca vive satisfeita;

O futuro que prezo,

Sempre à espreita,

Contempla-o com esperança,

Porque sempre se funda no que há-de vir,

O eterno porvir

Que não alcança.

 

Assim, apenas estimamos

O que não temos:

Pouco caso faremos

Do que possuímos

E cuidamos

De buscar arrimos

No que jamais vislumbramos

Se teremos.

 

 

735 - Parece

 

O permitido

Nunca parece tão bem

Como o proibido.

O muito que se retém

Não inibe

Nem consola

Do pouco que se proíbe,

Vaga esmola.

 

O alheio é que nos agrada,

Que nele há uma negação,

É uma valeta na estrada

Que sigo ao pisar meu chão,

Há nele o facto e o palpite

Do meu limite.

 

Com saudade olho o passado,

Com ânsias, olho o porvir.

Para o presente, é desgostado

Que olho o que dele surgir.

 

No vazio da ausência é que dança

Toda a carne da esperança.

 

 

736 - Foguetões

 

Todos os foguetões que treparam ao céu,

Todas as velas que se fizeram ao mar

Sou eu, sou eu!

Meu ser é andar:

Sou o caminho

Intérmino a caminhar,

O peregrino sozinho

Em busca do lar.

 

Todo o caminho

É provisório:

Correndo de idade em idade,

Sou o carreiro ilusório

Na busca eterna de realidade.

 

E toda a jornada

Da vida

É, à despedida,

Frustrada,

Até que minha mão toque de verdade,

Algures, a eternidade.

 

 

737 - Sonhos

 

Os velhos sonhos eram sonhos bons.

Não devieram realidade

Mas estou contente com os tons

Que reveste a saudade:

Que delícia tê-los tido

No caminho percorrido!

 

Que é que isto quer dizer?

Não sei bem,

Mas creio que te posso entender:

Também te falta um mais-além…

 

É quanto basta,

Já que a vida é tão vasta, tão vasta…

 

 

738 - Falam

 

Falam do tempo e das colheitas,

Dos recém-nados e dos mortos,

Do Governo e das maleitas,

Das vitórias nos desportos…

 

Não falam de arte e de sonhos,

De realidades que silenciam

A música além dos gestos enfadonhos,

Que enfiam

Em caixas secretas,

Bem guardados,

Os sonhos que decretas

Enlevados.

 

Vão-se, portanto, perdendo, dia a dia,

Da magia.

 

No vazio

Resultante,

É de si que perdem o fio,

Lentamente, vida adiante.

 

 

739 - Mata

 

Mais a paixão dita artística mata o mercado

Que outra mazela qualquer.

É o seguro garantido e qualificado

Que a maioria requer:

As revistas,

Os fabricantes,

As entrevistas,

Os anunciantes

Ofertam segurança,

Dão homogeneidade,

O familiar, com abastança,

O confortável que agrade.

 

Não desafiam, porém,

Ninguém.

 

Lucros, subscrições,

Financiamentos, aquisições

E tudo o mais que isto acarte

Dominam qualquer arte.

 

Vivemos atados à grade

Da uniformidade.

 

Os consumidores…

Os gordinhos de bermudas,

Camisa havaiana,

A transpirar odores

Das peitaças peludas,

Chapéu de palha abana-abana

De abre-latas pendurados

…E com dólares aos punhados!

 

Não, não é uma queixa que aqui ponho,

É o preço do sonho.

 

 

740 - Desistir

 

Andamos a desistir da liberdade,

A nos organizarmos,

A censurar a emotividade:

Perdemos o chão onde nos enraizarmos.

 

Eficiência, eficácia,

O artifício violento da ciência

A impor, com contumácia,

A demência

A uma cultura moribunda

Que, daquela violência,

Se afunda.

 

Perdida a liberdade,

Finda o cavaleiro andante,

O dodó do mundo se evade,

Extingue-se o lince um pouco adiante…

 

- Já não anda a restar

No mundo grande lugar

Para o viajante.

 

 

741 - Caminho

 

És o caminho de todos os roteiros,

A vela de todos os marinheiros.

 

Sentes o caminho dentro de ti.

E mais, no fundo, aí,

(Adivinho)

Tu és o caminho.

 

Onde se encontram ilusão e realidade

Aí é que estás,

No caminho és o caminho de verdade.

 

És, finalmente, a paz:

É que ela se faz,

Porque a paz se faz de ti.

 

 

742 - Elegância

 

A incrível

Elegância da banalidade

Mora em toda a parte,

Com à-vontade,

Mas é implausível

O mero facto de sequer existirmos:

É um aparte, miraculoso aparte,

Isto de até aqui virmos.

 

Em algum lado,

Nas oficina do Mestre,

O acaso e o grande desígnio se hão misturado,

Inseparáveis, embora nada os orquestre,

Num lugar inacreditável

Onde tudo se integra,

Onde o improvável devém provável

E a surpresa é a regra.

 

O milagre, então, após,

Somos nós.

 

 

743 - Perseguir

 

Cruza um homem meio mundo,

A perseguir um sonho,

Ao mar encapelado, abismo fundo

E medonho,

Se lança, alheio a perigos e traições,

Prisioneiro de ilusões.

 

Abandona amores e amigos,

Pedras da rua, ombreiras de casa,

De espreitar os postigos,

Da lareira a brasa,

 

Larga o banco da igreja

Onde em criança orou,

Pelo sonho que almeja,

Pela súplica que ficou

Ao bater no peito

Mal contrito e sem jeito.

 

E, ao fim de tanto deixar,

De tanto despedir

E chorar,

A viagem acaba por cumprir,

Por dentro de si ou por cima do mar,

Encontra o paraíso perdido

Que todos têm no sentido.

 

Cuidaríamos que dali nunca mais se arredará,

Encontrou, está encontrado,

Descobriu, está descoberto,

Recebeu, recebido está,

Cumpriu o fado,

Desvelou o manto do encoberto.

 

Quererá permanecer,

O clima é doce,

O mar, azul,

A mata, rosicler,

A vida é branda, como se fosse

Recoberta por um véu de tule.

 

Tal é de início,

Sem querer mais saber

Se doutros mundos há resquício

Num sonho qualquer.

Cuida que encontrou o próprio lugar

A duras penas,

Tem direito a desfrutar

Do jardim das açucenas.

 

Logo, porém, germina o veneno

Da saudade,

A relva da aventura.

E já quer o homem desbravar terreno

Ou retornar à velha herdade

Onde semeou ternura.

 

E já o clima é quente demais,

A fruta é doce em demasia,

As aves atordoam nos quintais,

A mulher enfastia…

 

- E o fadário recomeça

Na vida avessa.

 

 

744 - Rejeitou

 

Se até mesmo rejeitou Adão

Vida mansa, fartura e mulher nua,

Não tenhamos ilusão

De que, à primeira aguilhada da saudade,

Logo o homem salta à rua,

Da incerteza morde a vaguidade,

Do perigo, da doença, da curiosidade,

Do desejo de conhecer mais mundo

E melhor,

Seja lá o que for

Que o aguilhoar no fundo.

 

A culpa é do coração insatisfeito

Que de nada se contenta.

O mundo, o Universo são amigos do peito,

Dão-nos beleza, caminhos, chá e pimenta,

Não poderei culpá-los

De meus abalos.

 

Isto de ser homem

São mil ânsias que perenes nos consomem.

 

 

745 - Mesmo

 

O mesmo lar,

A mesma escadaria,

O mesmo homem…

Com os anos, porém, por se avelhentar,

A outras gentes por ter ido em romaria,

Por mais livros ter lido que ao pé lhe assomem,

- O lar e a escadaria mudaram.

 

E o mais estranho,

Seja perda, seja ganho,

É que os indivíduos que no lar ficaram

Já os não apanho,

Que também mudaram.

 

 

746 - Óptimas

 

Boas maneiras

São óptimas, zelosos extremos.

Podem, porém, aprender-se nas carteiras.

O que aí não aprendemos

 

E que um bom lar ensina,

Emulação, diplomacia,

Não magoar outrem no afecto a que se inclina,

- Como é que em aulas se adquiriria?

 

Não há lição

Nem escola

Para a fundura do desvão

Em que meu abismo se desenrola.

 

 

747 - Agarrar

 

Quantos, sem mais demora,

Por não conseguirem prender a imagem perturbadora

E bela

Que vêem na fonte,

Mergulham nela,

Assim se afogando no horizonte!

 

À mão dos demos,

É a imagem de soltar da vela os panos

Que vemos

Nos rios e oceanos.

 

É a imagem afrontosa e querida

Com que me iludo

Do inatingível fantasma da vida,

- A chave de tudo.

 

 

748 - Consola-me

 

Por mais que me joguem num virote,

Que me empurrem e maltratem,

Consola-me do bote

Ver que é assim que todos se batem.

 

O empurrão universal

Vai correndo de homem em homem

E ao mundo daí não vem mal

- Nem aos que o domem,

Nem aos que o tomem

Nem aos que, afinal, o consomem.

 

 

749 - Ventos

 

Neste mundo os ventos de proa

Bem mais frequentes são que os de popa.

No tombadilho respira, à toa,

O cheiro rançoso da copa,

Atmosfera em segunda mão,

O capitão.

 

Bem pode crer que é o primeiro,

Todavia se engana: é o derradeiro.

 

Quando menos suspeitam

Os líderes dos povos,

São estes povos que os sujeitam,

Os conduzem aos renovos.

 

E, até quando o não vêem,

É o que nos gestos deles todos lêem.

 

 

750 - Efémera

 

O mundo é um navio

Numa efémera viagem

Sempre incompleta.

 

E o púlpito em que confio,

Das rotas na triagem,

É a proa deste navio

Rompendo o mar da vida em linha recta.

 

 

751 - Talha

 

O chão, o tecto, a parede,

Tudo está torto.

Da consciência a eterna sede

Assim talha em mim seu porto.

 

A chama arde a direito

Mas de meu imo as paredes e as entradas

Não tomam jeito,

Andam sempre desniveladas.

 

 

752 - Intuição

 

Dúvidas têm-nas todos,

Muitos negam.

Entre dúvidas e negações, fogos

De intuição poucos adregam.

 

As dúvidas são terrenas,

As intuições, divinas.

Esta combinação fermenta pequenas

Sinas

 

De crentes ou de infiéis,

Mas faz um homem

Daquele que de ambas contempla os anéis

Que nos consomem.

 

 

753 - Olhes

 

Não olhes, homem, nos olhos do fogo

Tempo demais!

Nunca sonhes, logo,

Com a mão no leme, feito arrais!

 

À bússola não vires costas,

Acolhe o primeiro sinal,

Mesmo se dele não gostas,

Da cana do leme primordial.

 

Não creias no lume artificial

Quando a vermelhidão do fulgor

Torna tudo irreal

E assustador.

 

Amanhã, de teu imo ao sol natural,

O céu ficará claro,

Os diabos da artificiosa chama infernal

Devirão gentis no mundo avaro.

 

Teu íntimo sol glorioso e doirado

É a única candeia verdadeira.

Todas as outras a nosso cuidado

De mentira são peneira.

 

 

754 - Perdas

 

Algumas perdas poderão despedaçar,

Partindo-nos em cacos,

O espírito esmagando, se calhar,

Reduzindo-o, sem dó,

A meros buracos

De pó,

 

E, todavia, somos capazes

De seguir em frente,

Audazes,

E, com calma,

A mão tremente,

De reerguer-nos remendando a alma.

 

Sobrevivemos,

Se não para sempre felizes,

Pelo menos levando, nos extremos,

A vida adiante, até à glória,

Para além do que ajuízes,

De forma, afinal, satisfatória.

 

 

755 - Modificas

 

Quando modificas uma peça,

Modificas potencialmente outras mil,

Quando a tiras, arbitrário, do lugar que atravessa,

Arriscas-te a destruir do conjunto o perfil.

 

É que há regras e motivos.

Teus gestos não são gestos,

São aprestos

De encadeamentos vivos.

 

 

756 - Presença

 

Aparece o espinho,

Na medida em que se enxerta

Ao longo do caminho

Da vida desperta,

 

Como preço a pagar

Pelo destino

De mais nosso tornar

Um dom divino.

 

Apesar dos erros dos fariseus,

Quem paga o preço

Não tarda a sentir, no avesso,

A presença de Deus.

 

 

757 - Vem

 

A verdadeira grandeza

Não vem de baixo mas do alto.

Preza

O maior

Salto:

- Ignorando o plinto exterior,

É, dela na pureza,

A pureza interior,

É o infinito voo que em mim reza.

 

 

758 - Harpas

 

Somos as harpas onde tocas

Com o ponteiro de marfim

A melodia que não vem de nós

Mas onde tu desembocas,

Que é tua, enfim,

Aquela voz.

 

Somos a flauta

Que o mar corta a bisturi

E a pauta

Que há em nós

Não nos abandona aqui a sós,

Vem de ti.

 

Somos alcandoradas montanhas

E o eco veloz

Que ouvimos em codas tamanhas

É o da tua voz.

 

Quando te escondes,

Se me fito,

Em nada creio.

Quando te manifestas e respondes,

Repouso em teu seio

E acredito.

 

Tenho apenas o que me dás,

De ti pobre imagem.

- Que procuras, tenaz,

Em minha bagagem?

 

 

759 - Perda

 

Quando nossa perda é definitiva

E o estrago, irreparável,

Percebemos, em perspectiva,

Que a vida afinal continua, imparável.

 

Há força na aceitação

E a dor devém fortaleza

De verdadeiro carácter, à feição

Do que mais em nós se preza.

 

Crescemos através do desgosto

E ele, no fundo, nos impele

A moldar um autêntico rosto

Para além dele.

 

 

760 - Sempre

 

O sonho sempre me atira

Para diante.

Mostra-me que viver não mira

O passado distante

Mas o que inauguro:

- O futuro.

 

 

761 - Único

 

Se me considero centro do Universo,

O único a sofrer me vejo então

E o sofrimento me aparece, no reverso,

Como maldição.

 

Se como gota no oceano

Me encaro, ao invés,

Sobre a tragédia logo cai o pano

A meus pés

 

E vogo sereno na acalmia

Da universal maresia.

 

 

762 - Experto

 

Por mais inteligente

Ou experto que eu for,

Pouco sei sobre a vertente

Que para mim será melhor,

A que rumo à unidade

Me persuade

A caminho a me pôr.

 

É por aí que vou vendo

Que existe algo superior

A nós,

Uma força maior,

(O nome com que a vou lendo

Pouco importa após),

Que através dos mais

Variados sinais

Nos vai revelando rigorosamente

O que, aqui e agora, é o indispensável

Passo em frente

Desejável,

Para o qual, às vezes, já quenquer

Preparado está sem o saber.

 

Perder a vida a cuidar no perigo,

Na provável mazela,

Problemas banais tornando pascigo

De obscura querela,

O pequeno aborrecimento

Tornando catastrófico tormento,

- É um olhar negativo

Onde morre o carinho

Por quanto é vivo:

- Afasta-me do caminho.