SEGUNDO  TROVÁRIO

 

 

O  DEVER  LENDO  EM  CADA  PEGADA  DO  TRILHO

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 142 e 283, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

142 - O dever lendo em cada pegada do trilho

 

O dever lendo em cada pegada do trilho,

O poema de métrica certa

E rima a apontar da meta o brilho

Os actos ata do sonho ao cadilho

De modo que a manhã seja manhã de descoberta.

 

Para com quem sou é o dever,

Para com quem és e o mundo além,

De tudo e todos respeitando o ser

E o Ser do Todo em tudo e todos por igual também.

 

No dever cumprido

Me desvendo

Como tendo sentido.

 

E tanto mais me irei lendo

Quanto mais for sendo.

 

 


143 - Problemas

 

Os problemas sexuais

Nem sempre andam junto às pernas,

Mas antes os principais

Moram entre os dois ouvidos.

Na atitude aonde adernas,

Nos preconceitos vividos

Por ti e pelos demais

Morrem as ocasiões

Dos anos de oiro vitais

E o pior dos aleijões

É o dos que sentem vergonha

De precisão tão medonha.

 

 

144 - Guerra

 

Após tudo dito e feito,

Na guerra tudo o que obremos

É de os outros ter no peito,

Fraternidade que temos.

 

Não é, pois, pelo país,

Nem pelo patriotismo,

Nem por programas servis

Montarem o automatismo,

 

Mas por mor do camarada

Que temos a nosso lado,

Pelo amigo de jornada,

A tê-lo vivo e arejado.

 

Todo o discurso altaneiro

Esbarra nisto e se enguiça:

O fundamento primeiro

É o desta simples premissa.

 

 

145 - Lições

 

A vida é uma aprendizagem

De lições encadeadas.

Temos de olhar à clivagem,

Atentos às aulas dadas.

 

Se tiver pena de mim

Bastará ver em redor:

Há sempre pior, ao fim,

Que a sina do meu pendor.

 

 

146 - Relâmpago

 

Como um relâmpago, a vida

Desaparece e aparece

Num instante, comedida.

Divirta-se na quermesse

E doutrem com qualquer ilha

Partilhe esta maravilha.

 

 

147 - Crescer

 

Crescer não é desistir.

Por que é que a criança olhamos

Nela antevendo o porvir,

Em germe, sem tronco ou ramos,

Com admiração gostosa

Pela inocência que goza,

A singela descoberta

Da vida em tudo o que a cerca?

 

É que uma parte de nós

Reconhece e sente a falta

Dessa parte e dos cipós

Que impelem para a ribalta.

A criança humanitária

Naturalmente é, sumária.

Já para o ser sem disfarce

Um adulto há-de esforçar-se.

 

Sempre, então, inspirador

Da criança é tal pendor.

 

E quem crescer então queira

A criança tem à beira.

 

 

148 - Devirei

 

Se eu tiver medo da morte,

Devirei mui cauteloso,

Preocupado da sorte,

Da vida de que então gozo,

Porque uma coisa qualquer

Pode, enfim, me acontecer.

 

Então, quão mais temo a morte

Mais temo a vida e, de esquivo,

De meu dia o que é o recorte,

É que, afinal, menos vivo.

 

 

149 - Poderei

 

Há muitas coisas deveras

Que não poderei mudar:

A ter sentido nas eras

Não posso a vida obrigar

Nem a ser justa, no fundo,

Bordando sonhos no mundo.

 

Mas sinto-me afortunado,

Basta-me olhar para a idade

Com que morre, em todo o lado,

Tanto jovem na cidade.

Serve-me então de lembrete:

Há uma sina e não repete.

 

Estou grato pelo aviso

Que é-me assim antecipado,

Tenho tempo de ter siso

Para agir bem avisado:

Não mais ignorando a morte,

Mais à vida atendo ao norte.

 

 

150 - Firme

 

Há-de sempre a informação

Ser a melhor terapia.

Quão mais alguém saberia

Mais firme pisara o chão,

Mais seguro se sentia.

 

Mesmo com notícias más:

Perene assusta a ignorância;

O conhecimento atrás

Dele acalma qualquer ânsia.

O pior, que mais mal faz,

 

Será sempre o não saber:

A paz ameaça em quenquer.

 

 

151 - Anseio

 

Optimista é quem transforma

Todo o anseio em desafio,

Confia encontrar a forma

De transpor da meta o fio

 

Que se interpõe no caminho.

Esta forma de esperança

Alimenta-se ao cadinho

De ter em si segurança.

 

Se inseguro houvera um dia,

Logo o rumo se esvaía.

 

O optimismo, de tão frágil,

Apoio quer forte e ágil.

 

Ao acaso nunca o deixe:

- Semeie, não se desleixe!

 

 

152 - Atitude

 

A atitude de esperança

Leva a desdramatizar

As adversidades, mansa,

Sem o peso lhes tirar,

 

E ao mesmo tempo a tentar

Nos impelirá de novo,

À luta por superar,

Sempre à espera dum renovo.

 

Por aqui nos distancia

Do que antes desistiria.

 

E ao que houver por alcançar

Sempre finda por chegar.

 

 

153 - Perspectiva

 

A perspectiva optimista

Que vemos mais proveitosa

Em contexto em que se arrisca

É a que induz-nos, ponderosa,

A esperar sempre o melhor

Mas prevenindo o pior.

 

Protegidos dos dois lados,

Levam-nos longe os rodados.

 

 

154 - Perseveraste

 

Perseveraste no empenho,

Trouxe-te isto a boa sorte.

Traz o que to lembre ao cenho,

Que a força em teu desempenho

À sorte é o que te deu norte.

 

 

155 - Benéfica

 

A benéfica auto-estima

É a dos êxitos frequentes,

Pequenos: aqui se anima

Sempre a esperança, entrementes,

No terreno desejável

Dum objectivo alcançável.

 

 

156 - Filtro

 

Quase todos conseguimos

Ver o ontem através

Dum filtro donde auferimos

Apenas, de lés a lés,

E sem qualquer atropelo,

A luz do bom e do belo.

 

Se o truque não funciona,

Irei recordar a infância

Como o que me traz à tona,

Não das ondas da ganância,

Mas de época sem magia

A que nem evoco um dia.

 

O aspirante à vida amarga

Vê o penoso do passado,

Valoriza a dura carga

De, jovem, se haver fanado,

Idade de oiro perdida

De vez até o fim da vida.

 

Converte-se cada dia

Numa fonte inesgotável

De mórbida nostalgia,

De aflição inconsolável.

E, em vez de viver a vida,

Vive ele a morte, em seguida.

 

 

157 - Pendor

 

O pendor mais proveitoso

E mais sensato da vida

Não lamenta, desgostoso,

 

A humanidade ferida

Sem ter em conta, primeiro,

Atributos que, na lida,

 

São positivo celeiro,

Mas antes vai ser aquele

Que a vida canta, leveiro,

 

Depois de quanto a atropele

Ter, atento, ponderado,

Negridão que enfim repele.

 

Depois de a enjeitar de lado,

Celebra a festa daquele

Pendor feliz arvorado.

 

 

158 - Contraditório

 

O optimismo não é nunca

Contraditório de ver

Do problema a garra adunca,

O pendor negro que junca

Uma situação qualquer.

 

Recusa a passividade,

Que se rejeite a estratégia

Que ajudar possa em verdade

A resolver como agrade

Os fados de forma egrégia.

 

O optimismo vem, então,

E melhora a situação.

 

 

159 - Doente

 

O doente positivo

A si fará bem e aos mais:

É sempre o antidepressivo

Do familiar furtivo,

Dos que o cuidam como tais.

 

E bem mais eficiente

Que remédio de doente.

 

 

160 - Porvir

 

Os seres humanos são

Criaturas vinculadas

Ao amanhã, porvir chão.

A nossa suposição,

Expectativas amadas

 

Sobre o futuro vão ter

Grande impacto no presente,

No estado em que aqui viver:

A esperança há-de exercer

Na cura um papel assente.

 

É por isto que um placebo

Mostra o pensar positivo

Indo além do que concebo:

É dele que em mim recebo

Quanto em mim for curativo.

 

Curando doença e vida,

Panaceia que em mim lida,

 

A esperança é um bem potente

Remédio de toda a gente.

 

 

161 - Dupla

 

Tem o nosso passaporte

Dupla nacionalidade:

Da saúde que transporte,

Da doença que me invade.

 

Muito embora prefiramos

Usar passaporte bom,

Mais tarde ou mais cedo usamos

Da doença a cor e o tom.

 

Este lugar inseguro,

Todavia, e doloroso,

Tolero-o com mais apuro

Com o alento laborioso,

 

O alívio, talvez a cura

Da esperança que mo augura,

 

De tal maneira é importante

Esperar um bem adiante.

 

 

162 - Empregados

 

Empregados optimistas

São sempre os mais populares

Nas empresas onde olhares.

Ocupam topos de listas

 

No trabalho a executar

E nos cargos superiores.

Ganham proventos maiores

Que os pessimistas, a par.

 

Apesar dos benefícios,

Poucos vemos procurar

Constantes estimular,

E menos com sacrifícios,

 

O seu pendor optimista,

A fim de que as laborais

Possibilidades reais

Melhorem no que se invista.

 

Os que esperam conseguir

Aquilo a que aspiram tendem,

No trabalho e no que rendem,

Mais firmes a prosseguir.

 

Durante mais tempo insistem

Do que quantos não esperam

Alcançar o que ponderam,

Logram mais metas que alistem.

 

São dois mundos contrastantes

Num e noutro o que garantes.

 

 

163 - Alimenta

 

O optimismo que é melhor

Não alimenta a tendência

De indiscriminado teor

De só pensar excelência.

 

Pensamento positivo

Promove a disposição

Esperançosa do aviso

Que melhor se ajuste então

 

À realidade que houver.

Sonhador idealista

Que não distingue sequer

Entre o atingível em vista

 

E qualquer meta impossível,

Que não avalia o risco

Da decisão corrigível

Chega, no olho com tal cisco,

 

A conclusões, nos juízos,

Que decerto estão erradas.

Na incerteza, os bons avisos

Nas perigosas estradas,

 

São de esperar o melhor

Sempre ao pior preparado.

Assim é que o lutador

Leva o flanco resguardado.

 

 

164 - Supre

 

Temperamento optimista

Melhor supre a adversidade

Que o pessimista que exista,

Desde a grave enfermidade

 

Até à mudança dura

Que a vida às vezes impõe,

Um divórcio que supura,

Bancarrota que supõe

 

Desemprego, emigração

Para um país estrangeiro…

Quem vive optimismo são

Talha ao fogo logo o aceiro.

 

 

165 - Aspecto

 

Um aspecto positivo

Duma atitude optimista

É que, a prazo, me motivo

A estimular toda a lista

 

De atingidos por desgraças,

Calamidades funestas,

A soltar amarras, graças

Às marés que trepem lestas,

 

A me livrar do rancor

De vítima anavalhada,

Toda a página de dor

A virar duma assentada,

 

A tomar em mãos o leme

Do barco da minha vida,

A seguir, não dor que geme,

Meta nova em toda a lida.

 

Além do mais o caminho

Da libertação alude

Ao que é bom, que é pão e vinho,

De alma e de corpo à saúde.

 

 

166 - Extroversão

 

Extroversão é vantagem

De quem for um optimista.

A palavra é uma viagem

Em que valido o que exista

 

No que sinto e desabafo.

Converso para exprimir

Minha emoção, solto o bafo,

É um saudável prosseguir

 

A organizar pensamentos

Ou a aliviar o medo.

Ao desafio dos ventos

Mais penosos a que cedo,

 

Todos nós bem precisamos

De nos ouvir em voz alta,

De ser ouvidos nos ramos

Em que faz o alento falta.

 

Nossas infelicidades

São para ser partilhadas.

A união de identidades,

Diálogo de mentes dadas,

 

Estimulam sentimentos

Rumo à universalidade:

Não sou único em momentos

De sofrer calamidade.

 

Animam a formular

As noções mais proveitosas

Para o stresse aliviar

Das horas antes brumosas.

 

 

167 - Defende

 

Muitas vezes quem acusa,

Mais que combater um erro

Ou defender a verdade,

Defende, nos modos que usa,

De poder seu parco aterro,

A sua tranquilidade

Ou, no ilusório fastígio,

Seu transitório prestígio.

 

Só que a capa de virtude,

Só quem quer dela se ilude.

 

 

168 - Medíocres

 

Tenhamos condescendência

Perante o triste destino,

Dos medíocres vivência:

Defender, sem fé nem tino,

Um prestígio com violência

Ou um valor que eles sabem

Que não têm nem lhes cabem?!

 

São, no fundo, uns desgraçados…

- Por quê dar-nos mais cuidados?

 

 

169 - Diferente

 

Uma maneira de ser

Não supera ou valiosa

Será mais que outra qualquer:

Só diferente é o que entrosa.

 

Não indica um estatuto

Superior nem inferior,

É um complementar produto

Ao cotio a se propor.

 

Tanto vale uma maneira

Como outra dela parceira.

 

 

170 - Momentos

 

Não só quando há males, mas se é bom também:

É mais importante acaso andar por perto

Se tudo bem corre que se o mal advém,

Mesmo se aqui busco um forte apoio certo.

 

Pode ser mais fácil encontrar pessoas

Bastante empenhadas, compassivas, ternas,

Em nossos malogros que cantando loas

A nos ajudarem, celebrando eternas

 

Aclamações do êxito que houver fecundo:

Há muita carência de aplaudir no mundo.

 

 

171 - Difícil

 

É difícil encontrar

Alguém que seja infeliz

Por atenção não prestar

Ao que noutrem tem raiz.

 

Os que, porém, não observam

De alma própria os movimentos

É que nunca se preservam

Dos infelizes momentos.

 

 

172 - Privados

 

O mais carregado de anos

E o que mais cedo morrer

Perdem o mesmo nos danos,

Que apenas privados ser

 

Podemos do que é o presente,

Único que possuímos:

Ninguém perde nunca um ente

Se o não tem da base aos cimos.

 

 

173 - Buscam

 

No campo, praia ou montanha

Quantos buscam o retiro!

Ninguém em si mesmo apanha

O ser único que afiro:

Em si próprio retirar-se

É que faz que não se esgarce.

 

Retiro a firmar ajuda

Só o ferrão que a mim se gruda.

 

 

174 - Força

 

Se a força das circunstâncias

Te deixar desamparado,

Reflecte, domina as ânsias,

Mantém tudo controlado.

 

Mais senhor é de harmonia

Quem frequente a tem em dia.

 

 

175 - Preservar

 

Não nos preservar é estranho

De nossa própria maldade,

O que é possível com ganho,

E após querer de verdade

Da doutrem nos preservar,

O que é impossível, a par.

 

 

176 - Consiste

 

Não é nunca na paixão

Mas antes é numa acção

 

Que consiste o bem e o mal,

Virtude e vício geral.

 

Paixão só desencaminha

Mas murcha os cachos na vinha.

 

 

177 - Mentir

 

Que ninguém possa dizer

Com verdade: "não és bom!"

Leva a mentir quem tiver

De ti tal opinião.

 

Pois de ti completamente

Apenas é dependente:

 

- Quem te impede, com que afecto,

De ser alguém bom e recto?

 

 

178 - Preferir-se

 

Como pode acontecer

Que cada um, apesar

De preferir-se a quenquer,

Menos há-de ponderar

 

A opinião que tiver

Dele próprio a respeito

Que a opinião de qualquer

Alheio que toma a peito?

 

 

179 - Perseverança

 

Perseverança, a fiel arma

Para vencer da escuridão

A imensa nuvem que desarma

A voz e o nosso coração,

 

Que não permite que o presente

Este passado varra ingente.

 

Quem alcançar perseverança

É que algum dia a luz alcança.

 

 

180 - Germinam

 

O terror por toda a parte,

O pânico, a confusão,

Germinam, do mal por arte,

O melhor que alguns terão

E o pior que o medo acarte.

 

 

181 - Talento

 

Da escuridão é a discórdia

O talento especial.

E combatê-la, afinal,

É da amizade a concórdia,

Da confiança os suportes,

Ambas igualmente fortes.

 

Não são nada (se objectivos

Idênticos são que assumes)

Adversas línguas, costumes,

Se corações nossos vivos

Mantemos e bem despertos,

Permanentemente abertos.

 

 

182 - Ensinar

 

Não é, não, prioritário

Ensinar o que sabemos,

Mas conduzir o primário

Saber que compreendemos

A ver que, até o mais credível,

Não é, de vez, infalível.

 

 

183 - Ferramentas

 

Ao tentar matar-te a ti

Foi ele quem te escolheu

E as ferramentas te deu

Do fado que hoje em ti vi:

Penetras-lhe o pensamento,

Das ambições o fermento.

 

Mas, apesar de o captares,

Nunca tens qualquer desejo

De copiar-lhe os patamares,

Tanto mal dele em ti vejo.

Protegido estás de vez

Pelo poder, ao invés,

 

De amar que é de teu desígnio.

E matar perde o fascínio.

 

 

184 - Diferente

 

Diferente é entrar na arena

Para a batalha de morte

Ou como ao vento uma pena

Ou tomando em mãos a sorte.

 

Para muitos não havia

Sequer uma diferença,

Mas tudo diferencia

Uma doutra a desavença,

 

Como numa mesma via

Se um ao norte e outro ao sul ia.

 

 

185 - Importante

 

Como é importante lutar,

Lutar sempre, sem descanso,

Não desistir nem parar,

Não se encantar num remanso!

 

Só assim se pode conter

O mal que o mundo tiver.

 

Que não logro eliminá-lo

Por inteiro, só travá-lo.

 

 

186 - Ataques

 

Aqueles que sobrevivem

A ataques do coração

Aos maus hábitos que arquivem

À partida voltarão

Que os levaram, aos baldões,

À sala de operações.

 

O medo da morte não

Basta por motivação

 

Para alterar arraigados

Hábitos inveterados.

 

Como em tudo o que se visa,

Tudo é do que se enraíza.

 

 

187 - Narizes

 

Como outro grupo de adultos,

Em vez de ver o que estava

Sob os narizes estultos,

Fingem que antes tudo andava

Tal e qual como quenquer

Queira que há-de acontecer.

 

Daqui vítimas provêm:

Perpétuo o mal nos mantêm.

 

De ancestrais o bem e o mal

São de triar por igual

 

Para àquele dizer sim

E a este varrer, por fim.

 

 

188 - Mesmo

 

Se alguém julga que haveria

A grande dicotomia

 

Entre quem houvera sido

E o que hoje aqui tem vivido,

 

A lonjura é bem maior

Se bem ao princípio for.

 

Talvez a vida não tenha

A ver com permanecer

O mesmo que se detenha,

Com sempre idêntico ser,

 

Mas, porventura, em lugar,

Antes com perseverar.

 

 

189 - Padrão

 

Como é que alguém planear

Logra com tanto cuidado,

Amanhãs a adivinhar,

 

E depois a ninharia,

O insignificante dado,

Altera o padrão que havia?

 

Não volta o mesmo então nunca

A ser o que o trilho junca.

 

E a vida que se sonhou

Noutra sempre é que findou.

 

 

190 - Respostas

 

A paisagem aprecia,

Ganha uns gramas nos petiscos…

O que a vida denuncia

É que as respostas aos iscos

Surgem, peixe de quimera,

Quando alguém menos espera,

 

Brotam de tais profundezas

Que as não alcançam nem rezas.

 

Ao rigor foge excessivo:

O excesso mata o que é vivo.

 

 

191 - Preferem

 

Preferem a agitação

Uns tantos; outros, a calma.

Há bastante, em profusão,

Das duas, em corpo e alma,

No mundo, para que colha

Cada qual a que ele escolha.

 

E há sempre tempo bastante

Para que cada pessoa

De ideias mude adiante

Sem andar na vida à toa.

De ambas gosta a maioria,

Pende do pendor do dia.

 

E assim é que o equilíbrio

Se encontrará sem ludíbrio.

 

 

192 - Dá-te

 

Dá-te tempo, tempo dá-te

Para de ideias mudares,

Para também te lembrares

Que nada que em ti se abate,

Bom ou mau, se o tempo o apura,

Nunca para sempre dura.

 

 

193 - Passo

 

A tua felicidade

Como surge é de aceitar.

Não deves, pois, questionar

Cada passo que te agrade:

É que a dúvida aniquila

Cada bem que se perfila.

 

 

194 - Cama

 

Como a vida é uma batalha,

A cama é aquele lugar

Onde deverá reinar

A trégua de quem trabalha.

 

O sono único momento

De paz incondicional

É, nem que do mundo o vento

Desabe em hausto final.

 

Apenas então serei

Da vitalidade rei.

 

 

195 - Treina-te

 

Treina-te a nunca levar

Problema algum para a cama,

Problemas a não comprar

Que teus não sejam na trama.

 

Mundo às costas não carregues,

Tens limites. Pois não sejas

Alto herói donde escorregues.

Colhe o sono por que almejas

 

Sereno, por semear

Um dia tranquilo, a par.

 

 

196 - Ansiedade

 

O pensamento inquietante

Gera ansiedade e nos stressa

A vida inteira, constante.

Aniquila peça a peça

 

O cientista brilhante,

Desanima o religioso,

Destrona o rei mais impante

Com seu jeito tenebroso.

 

- Trata o inquieto pensamento,

Que ele nunca voa ao vento.

 

 

197 - Máquina

 

Máquina de trabalhar

De que nos adianta ser

Se perdemos, ao passar,

Quem mais amamos, sem ver

 

A beleza que há no mundo,

Se nem teremos sequer

O benefício fecundo

Duma noite de lazer,

 

A dormir, maravilhosa,

Na paz que a vida não goza?

 

 

198 - Arte

 

Para ter arte de ouvir,

Só se for sem preconceito:

Ao lugar doutrem hei-de ir

Vestir-lhe a pele com jeito.

Ouvir-lhe-ei o que emitir

E não o que eu queira ouvir.

 

 

199 - Debate

 

Fala, debate e discute

Aberta e silentemente

Contigo o que em ti percute,

Interioriza-te em mente.

 

Sê sempre o teu grande amigo:

Analisa se tens tido

Tempo de pôr ao abrigo

Toda a gente que há sofrido,

 

Mas do tempo gasto a esmo

Nenhum há para ti mesmo.

 

E, se assim for, a medida

Requer que mudes de vida.

 

 

200 - Preço

 

Errarás por muitas vezes,

É o preço duma conquista.

Saberás que tais reveses

Pesam bem pouco na lista,

 

Que mais grave do que errar

É conter-se e não tentar.

 

É deixar de vez adiado

De tolhido, o nosso fado.

 

 

201 - Requerido

 

Para ser empreendedor

Requerido é trabalhar

Perda, frustração e dor.

É preciso superar

 

A dor do parto da vida

E usá-la para esculpir

Uma pessoa à medida

Nas fontes que houver de haurir.

 

No fim, estátua perfeita,

É onde a vida se ajeita.

 

 

202 - Líder

 

Um pequeno líder vê

Os grandes erros em curso,

O grande líder prevê

Do pequeno erro o transcurso.

 

Um pequeno líder vê

A casa desmoronar-se,

O grande líder provê

De ínfima fenda o disfarce,

 

Previne a todo o momento

O final desabamento.

 

Entre o grande e o pequeno

É que a mim me escolho pleno.

 

 

203 - Aquecer

 

Não use, a aquecer, madeira,

Que há-de esgotar-se, entrementes,

A pilha que tem à beira.

Antes vá plantar sementes,

Já que, feita a sementeira,

Na selva há-de ter pendentes

Lenhas para a vida inteira.

 

 

204 - Controla

 

Controla tu teu destino

E não sejas controlado

Por ele, sê paladino!

Faz sempre crescer ao lado,

Entre toda a novidade,

A tua oportunidade!

 

 

205 - Muda

 

Só nunca muda de ideias

Quem ideias não tiver.

Muda-as tu, mesmo às mancheias,

Quando tal se requerer.

Verdade é o que importa a eito,

Não um vago preconceito.

 

 

206 - Reconhecer

 

Vivo aqui num labirinto.

É preciso ter coragem

Para os erros meus que sinto

Reconhecer na triagem

 

E ter sensibilidade

Para, do que noto e notas,

Colher com frontalidade

O que corrigir as rotas.

 

 

207 - Teme

 

Nunca temas os fracassos,

Antes teme não tentar.

Não engordes mais os traços

Dos frustrados que andem no ar.

 

Tem-te em pé bem preparado

Para qualquer desafio

Social que brote ao lado

Ou laboral, com ousio.

 

Destes fortes a vitória

É que nos deixa memória.

 

 

208 - Saber

 

Ter qualidade de vida

É saber valorizar

O sorriso que convida

E a tristeza vinda a par.

 

É humildade no sucesso,

Tirar lições dos fracassos,

Aplausos em que tropeço

Agradecer, mesmo escassos,

 

Mais no que é simples saber,

No anónimo, que se esconde

O tesoiro-mor que houver

Que a alegria corresponde.

 

 

209 - Conquistar

 

A ciência conquistou

Do átomo ao imenso espaço

E a conquistar não levou

Do nosso imo nem um passo:

 

Ter qualidade de vida

É miragem no deserto,

Bela mas inatingida,

Longe sempre e nunca perto.

 

 

210 - Ideias

 

Aprende a ideias expor,

Não a impô-las a ninguém,

Do que pensas mesa pôr

Como das crenças também,

 

Mas sem jamais coagir

Dela a se servir alguém.

Exposto o que então surgir,

Que outrem o que lhe convém

 

Seja livre de escolher,

- É dele o trilho de ser.

 

 

211 - Antes

 

Pensar antes de reagir

Interior é inteligência

Que te deve contribuir

De arte para a eficiência

 

De lapidar os instintos,

Truncar a agressividade,

Ódio, raiva, agora plintos

De paz e serenidade.

 

 

212 - Defendes

 

Defendes pontos de vista

Que são teus optimamente,

Dos erros a tua lista

Não reconheces premente.

 

Quem não erra, quem não tem

Estúpidas atitudes?

- Ganhas batalhas, porém,

Perdes o amor e as virtudes.

 

 

213 - Poderei

 

Ao sobrevalorizar

Dum escol a minoria,

De artistas um patamar,

De empresas alta fasquia,

 

Poderei ser tão traumático

Como ao alguém segregar.

Adoptar um guião prático

Para o poder respeitar

 

É saudável, mas bloqueia,

Quando o sobrevalorizo,

De minha razão a teia,

De decidir meu juízo.

 

 

214 - Actuar

 

Devido à fragilidade

De actuar dentro de si,

Qualquer um se persuade

Na plateia a andar ali.

 

E fica a assistir passivo

À encenação dos conflitos

E misérias cujo arquivo,

Enfim, é dos próprios gritos

 

Olhados no palco em frente.

Urge sair da plateia,

No palco entrar do presente

De nossa memória cheia

 

Das emoções a ferver,

Para dirigir de vez

A História que eu bem quiser

Com meu rosto e minha tez.

 

 

215 - Desarmar

 

Desarmar um agressor

E rasgar-lhe a inteligência

Tem um modo que é o melhor:

É surpreendê-lo na essência,

 

Quer seja com o silêncio,

Quer seja com o elogio.

Em norma, a atitude vence-o,

De inusitada que a viu.

 

Muito crime era evitado

Se tal fora cultivado.

 

 

216 - Maior

 

O maior líder, aprende,

É que lidera seu mundo.

A agressividade ofende,

A incompreensão, no fundo,

 

Como a crítica impensada

São dos frágeis a fachada.

 

Contra a discriminação

Vacina-te, pois, então!

 

Canta a vida, que inegável

Espectáculo é inefável.

 

 

217 - Pilar

 

Aprende a usar os fracassos

Como pilar de vitórias,

Usa as perdas como traços

Do ganho de tuas glórias:

 

Que é que de bom retirar

Podes ao que te atolar?

 

E a fragilidade um dia

Nutre-te a sabedoria.

 

 

218 - Coragem

 

Óvulo-espermatozóide,

Já foste muito pequeno

Mas, na tua forma ovóide,

Que coragem no terreno!

 

Hoje és grande mas te sentes

Muito pequeno, por quê?

As barreiras em que atentes

Te assustam, travam teu pé:

 

Por que é que te paralisam

Tantos nadas que te visam?

 

 

219 - Aliviar

 

Sempre aliviou chorar,

Foi a primeira lição

E a primeira a se ignorar.

Não ponha ao choro travão,

Que os grandes homens também

Choram quando tal convém.

 

 

220 - Fundo

 

Quando fores derrotado,

Vê que não há fundo ao poço

Em alma humana e que, ao lado,

Há uma saída do fosso.

 

Aprende a trilhar vielas

De teu ser para a encontrar.

Nosso lar, fechado a elas,

É de noz casca a quebrar.

 

Quebra-a, as oportunidades

Vê que te pulsam lá fora,

Areja emotividades,

Aproveita a tua hora!

 

 

221 - Velho

 

Se velho és e aprisionado,

Repara bem que o destino

Não é facto consumado,

É só de escolher com tino:

 

Escolhe a libertação

Da cadeia da emoção.

 

Se calmo, vês logo ao lado

Que trilho é que te há chamado.

 

 

222 - Mundo

 

Do mundo em que está

Um homem é dono,

Não do mundo que há

Do imo seu no trono.

 

Não pode apagar

O filme da vida,

Pode-o reeditar

Ao correr da lida.

 

Personalidade

Milagres ninguém

Tem com que a persuade

A mudar por bem.

 

Pode de cariz

Mudar a emoção

Para ser feliz:

- Treina o coração!

 

 

223 - Rigor

 

Toda a discriminação

É fatalmente inumana

E, ante o rigor da razão,

De parcial, é sempre insana.

 

Nunca, pois, te diminuas

Nem nunca te consideres

Superior em gestas tuas

Ante alguém com que estiveres.

 

Estende a mão doravante

Para quem for diferente.

Também tu erras constante

E dói a quem to aguente.

 

Um sábio sê, reconhece

Teus erros e não te escondas

Na rigidez que entorpece,

Dos preconceitos nas mondas.

 

 

224 - Sabedoria

 

Sabedoria menor

É a do saber que tu sabes.

Do que não sabes, maior

É aquela em que é bom que acabes.

 

Sê, pois, o eterno aprendiz

Da vida na escola breve.

É o que contigo condiz

No enlevo do que te enleve.

 

O sábio que é superior

Tolera, o inferior julga.

Aquele muda-te de era,

Este apenas se divulga.

 

O superior alivia,

O inferior tudo culpa.

Se aquele atrai, de magia,

Este nem pede desculpa.

 

Quem é superior perdoa,

Quem é inferior condena.

Entre os dois nada é à toa,

Um liberta, outro impõe pena.

 

 

225 - Protege

 

Protege a tua emoção,

Filtra as agressividades

E toda a incompreensão

Dos que em torno não persuades.

 

A emoção mais frágil parte

É de qualquer alma humana

E a mais protegida, aparte

Nos abismos donde emana.

 

Se o permites, desatento,

Uma crítica destrói-te.

Se proteges teu momento,

Nem um milhão que se afoite

 

De ofensas te afectarão.

Lata de lixo não faças

Nunca de tua emoção

Para aqueles por quem passas.

 

 

226 - Aprende

 

Muito do pouco farás,

Aprende a amar o que tens,

Honra a razão que é veraz

E adorna do imo teus trens,

 

Muito mais do que à embalagem

Dá valor ao conteúdo,

Não passes na vida a imagem

De pôr defeitos em tudo.

 

Sê feliz, feliz, feliz,

Só porque é assim teu cariz.

 

 

227 - Expor

 

Aprende a te expor ideias,

Não as ideias a impor.

Eficiente sê, sem peias,

Lúcido e trabalhador.

 

E vê no mundo se esquivas

As pressões más que tiver:

Para trabalhar não vivas,

Trabalha para viver.

 

 

228 - Perfeito

 

Não percas tempo a lamentar

Só por perfeito nunca seres.

Aceita o teu erro vulgar,

Corrige tudo o que puderes

E segue em frente, mais arrisca

Apreciar cada faísca

 

Que fulge em tudo o que tiveres.

Tem a coragem de mudar

O que tu não reconheceres

Que bem esteja e no lugar.

Transpões assim qualquer tropeço

- E a vida inteira é um recomeço.

 

 

229 - Respostas

 

Não há nem respostas fáceis

Nem rápidas. A impaciência

É um dos trilhos nada gráceis

Das trevas para a excrescência.

 

Não há, pois, necessidade

De resolver com urgência

Nem de agir se impõe vontade

De correr rumo à evidência.

 

Tudo ao ritmo e tempo certo

Traz-nos a aurora mais perto.

 

 

230 - Cedência

 

A cedência, o meio-termo,

Encosta escorregadia,

Acaba a pisar num ermo,

Passo a passo cede a via,

 

Sob o aparente bom-tom,

Às trevas e à danação.

 

Ceder jamais é quesito,

Mas superar o conflito.

 

 

231 - Toda

 

Para um homem, trabalhar

Com toda, toda a vontade

É uma forma basilar,

Eficaz, de, com verdade,

 

Poder combater o mal,

Mais que inconvictas acções

Feitas com todo o arsenal

De exércitos de milhões.

 

Por mais insignificante

Que pareça a acção daquele,

Sempre o que é bom colhe adiante

Quem por tal pendor se impele.

 

 

232 - Motivo

 

Um só motivo aceitável

Há para a investigação,

Científica embora ou não,

Que a caminho a torna viável:

Saber mais, mais discernir

Para mais poder servir.

 

 

233 - Dever

 

O dever primeiro

De quem corre à luz

É buscar, pioneiro,

No imo o que o seduz,

 

A íntima clareza.

Pois, se o não fizer,

Ela, com certeza,

O busca colher

 

Por sua vez então.

E, se ela nos busca,

O resultado chão

É dor tal que ofusca.

 

 

234 - Saberei

 

Quando este corpo deixar,

Mais saberei, muito mais:

- Ruptura aqui a importar,

Que a nós nos vem separar,

Não importa a Deus jamais.

 

Como valor atribuir

Ao que ali vai-se esvair?

 

 

235 - Aviso-te

 

Aviso-te deste orgulho

De pensar que sabes bem

E sempre o que mais convém

A todos: é o teu entulho

Que andas a passar por Deus,

Pecando assim contra os céus.

 

 

236 - Vontade

 

É da vontade de Deus

Que deverão esforçar-se

Todos para, em peitos seus,

Sabedoria alcançar-se

Neles próprios, em seu imo,

Não noutrem alçado ao cimo.

 

O bebé precisa de ama

Que lhe mastigue a comida,

Mas adulto é quem proclama

Que come e bebe à medida

A sabedoria a ter,

Sem medianeiro haver.

 

 

237 - Voz

 

A boa voz nasce feita,

Não é treinada a raiz.

Se um dom de Deus nela espreita,

Tem de arrogância matiz

 

Desprezá-la, pôr de lado,

Seja homem ou mulher,

Quem com tal é contemplado,

O feliz que a recolher.

 

Nunca posso acreditar

Que um erro cometeu Deus

Tal dádiva então ao dar

À mulher ou aos ateus,

 

Pois erros jamais comete:

- É acolher que me compete,

 

Venha lá de quem vier

O dom que haja de ocorrer.

 

 

238 - Entrará

 

Não é o que entrará na boca

Que o homem há-de aviltar,

É o que sai dela e nos toca.

Por isso deve jantar

 

Um homem humildemente

Quanto dom Deus lhe apresente.

 

 

239 - Consciência

 

Ninguém pode ser o dono

Da consciência de alguém.

Mesmo se em culpa o abandono,

De vergonhas mil refém,

Como ter a pretensão

De saber, sem confusão,

 

O que é que é certo ou errado

Para quem me mora ao lado?

 

Se nem mesmo os sábios sabem

Tudo o que houver a saber,

Talvez no divino acabem

Mais desígnios por caber

Do que nós com o pequeno

Saber nosso, embora pleno,

 

Poderemos distinguir.

É aceitar e deixar ir

 

O que sempre nos compete

No que com Deus compromete.

 

 

240 - Preside

 

Quem preside proteger

O povo tem dos intrusos,

Do invasor, e de reger

O povo, conforme os usos,

Na luta a se defender.

 

Terá de ser o primeiro

A se lançar entre a terra

E qualquer perigo useiro,

Como o camponês se aferra

Contra o ladrão do quinteiro.

 

Não é, porém, seu dever

Ditar a quenquer que seja

O que no íntimo há-de crer,

O que no coração veja

Que em tal campo há-de fazer.

 

 

241 - Importa

 

O que importa é o que ocorrer

Bem no imo de cada um.

Não se obriga a cristão ser,

Nem ateu nasce quenquer

Ou pagão, em fado algum.

 

Quem enfrentar o mistério

No coração e fizer

Daqui o melhor, a sério,

Que importa se ele é do império

De Alá, Deus, do próprio ser?

 

Pelo fruto se conhece

A planta do que acontece,

 

Da fé não é por conceito

Que o teor meço a cada peito.

 

Que importa a fé ser estranha

Se com ela o Homem ganha?

 

 

242 - Paz

 

Talvez a paz, afinal,

Bênção não seja absoluta.

Privado da habitual

Canseira duma disputa,

O povoado nacional

Mais não tem, trocando a luta,

 

Que pôr-se a bisbilhotar

O escândalo que aflorar.

 

Devém a vida mesquinha

Sem uvas daquela vinha.

 

É pena que só desgraça

Converta quem se mal traça.

 

Só um mundo atento à justiça

Nunca em guerra nos enguiça.

 

 

243 - Jejuo

 

Jejuo, o corpo a ensinar

Que deve fazer aquilo

Que lhe direi para obrar,

Sem requerer, intranquilo,

O que não for conveniente

Satisfazer de repente.

 

Há momentos em que temos

De viver sem água ou sono,

Sem comida e o corpo vemos

Que terá de ter um dono:

Do imo vai ter de ser servo,

Não patrão sem lei nem nervo.

 

O espírito não se centra

A intuir o que é sagrado,

Em meditação não entra

Vida a abrir a um outro lado,

Quando o corpo ande a gritar:

- Trata de me alimentar!

 

 

244 - Ruirão

 

Que é que leva qualquer um

A fixar-se em pormenores

Que não têm valor algum,

Crendo que mundo e arredores

Ruirão se não correr

Tudo tal como ele quer?

 

Mal abandonada a luta,

Ninguém consegue entender

Por que é que tanto a disputa

Importou para quenquer.

Louco foi mais que obcecado

Enquanto a luta há durado.

 

 

245 - Alto

 

Jamais algumas verdades

Alto deviam ser ditas

Nem murmuradas, nas grades

Do silêncio em que meditas?!

 

São as verdades, por norma,

Cujos gritos proclamados

Deviam ser desta forma:

- Bem por cima dos telhados!

 

 

246 - Crer

 

Aquilo que um homem faz

É sempre mais importante

Que o que de crer é capaz.

É o que o julga tempo adiante,

Por mais que igrejas e seitas

Contra tal ergam suspeitas.

 

 

247 - Empurrarmos

 

Se empurrarmos do caminho

A pedra que lá estiver,

O mundo torna-se um ninho

Melhor para quem viver.

 

Se aquela pedra que houver

Deixas para o teu vizinho,

Pior o mundo há-de ser.

- Muito simples é o cadinho

De apurar o oiro a ter!

 

 

248 - Temer

 

Homem que aborda o mistério

Sem dele temer o império

 

Ou é mesmo um idiota

Ou de razão nem tem quota.

 

São estes irresponsáveis

Que a todos nos tornam frágeis:

 

De repente, em muitos lados,

Damos por nós condenados.

 

E aquele a rir-nos na cara:

- Nada ao maior se equipara!

 

 

249 - Espírito

 

O espírito humano é feito

De inspiração, fantasia,

À imaginação afeito.

Senão, o homem seria

Cobaia (o que às vezes sinto)

Às voltas num labirinto.

 

Quem nos garante que a vida

Não nos anda aqui perdida?

 

- É só num acto de fé

Que nos mantemos de pé.

 

 

250 - Competição

 

Não será democracia

O que as pessoas não querem…

Não querem é a correria,

A competição sofrerem,

 

Esta estafeta de ratos

A lutar pelo sucesso

Com todos os desacatos,

Sem contenção neste excesso.

 

Talvez um dia a cultura

Deste molde enfim feneça,

Recordada então, na altura,

Por desvario da pressa

 

Passageiro em nossa História.

Talvez o mais importante

Seja evocar a memória

De ao sol deitar-me constante,

 

Beber um aperitivo,

À batucada bailar…

É a marca de quanto é vivo:

Saber a vida gozar.

 

- Milhões de anos tal vivemos,

Que outra vida quereremos?

 

 

251 - Encontrarás

 

Sempre encontrarás na vida

Aquilo que não entendes

Nem justo crês e à medida.

Importante, no que atendes,

É, de pé no teu lugar,

Não desistir de o mudar.

 

 

252 - Chegar

 

Basta prestar atenção,

Que, quando estiveres pronto

Há-de chegar a lição:

Quando dos sinais ao ponto

 

Atento estás, aprender

Sempre irás, a teu compasso,

O que é preciso fazer

No que for teu próprio passo.

 

 

253 - Luta

 

Estaremos sempre em guerra,

Sempre em luta com a morte,

Sabendo o que mais aterra,

Que ao fim ela ganha a sorte.

 

Gritante em conflito armado,

É o mesmo em vida diária.

Quem de infeliz quer o fado

Na diuturna mancha horária?

 

Quem ao luxo se quer dar

De nisto se aprisionar

 

Sem fruir da euforia

Das prendas de cada dia?

 

 

254 - Viciado

 

Viciado no trabalho,

Viciado em diversão,

Infeliz lá quando encalho,

Que algo perderei da mão,

- Quando é que parar adregue

O vício que me persegue?

 

 

255 - Perder

 

Quando eu já não tive nada

A perder, recebi tudo.

Quando deixei, pela estrada,

De ser quem era é que, agudo,

 

A mim próprio me encontrei.

Quando vi a humilhação

E mesmo assim continuei

A pisar em frente o chão,

 

É que entendi livre ser

De meu destino escolher.

 

 

256 - Cicatrizes

 

Nunca me arrependerei

Das horas em que sofri,

As cicatrizes que herdei

Carrego no frenesi

 

De quem ostenta medalhas.

A liberdade tem preço,

Da escravidão como as malhas.

A diferença que meço

 

É que o pago com prazer,

Com um sorriso rasgado,

Mesmo quando haja de ser

Bem de lágrimas regado.

 

 

257 - Obrigados

 

É o nosso mundo, não somos

Nunca obrigados a amá-lo,

Saber antes nos propomos

Nele a viver com regalo:

Não nas nossas condições,

Nas dele é que há soluções.

 

 

258 - Integridade

 

Que é que vale a decisão

De nunca se acreditar?

Que integridade a razão

Terá se ao lixo deitar

 

Todo um conjunto completo

De factos considerados

Impossíveis por decreto

Antes de serem testados?

 

 

259 - Sim

 

Ética, sim; arte, sim;

Música e humanidade

E toda a cultura, enfim.

Mas não ritualidade,

Que os ritos se mudarão

Rápido em superstição.

 

Nem códigos sociais,

Regras de comportamento

Arbitrárias por demais,

Onde nunca sopra o vento

Que nos traga de verdade

O bem da comunidade.

 

 

260 - Comporta-te

 

Assim deve ser contigo:

Mantém-te louco, porém,

Comporta-te em teu abrigo

Com o normal para alguém.

 

O risco em ser diferente

Corre, todavia aprende

A fazê-lo sem que atente

Contra a atenção que outrem prende.

 

Concentra-te nesta flor,

Numa qualquer brisa agreste

E de teu imo o fulgor

Deixa que se manifeste.

 

 

261 - Sentir

 

Quero sentir amor, ódio,

Tédio, raiva, desespero,

De emoções o boémio bródio,

Tudo o que é simples e vero,

Do quotidiano evidência

E que dá gosto à existência.

 

Senão fico chocho ao canto,

Perdido no desencanto.

 

 

262 - Sempre

 

És tu sempre diferente

A querer ser sempre igual.

Devéns um grave doente

De grave doença tal

 

Que provoca paranóias,

Psicoses como neuroses.

E nunca encontrarás bóias

Para afecções tão atrozes.

 

Querer ser igual é grave

Por forçar a natureza:

Por mais que por ela cave,

Não há uma folha, na empresa,

 

Que, por bosques ou florestas,

Seja a qualquer outra igual.

Só tu limas as arestas

A ser como outro tal qual.

 

Por não terem a coragem

De divergir, as pessoas

Contra-natura então agem,

Só de bolor comem broas.

 

 

263 - Recusar-se

 

Às vezes compensador

É recusar-se a devir

Racional e virar costas

A tudo quanto em redor

Nos diz como é que é de agir.

Quer do destino as apostas

 

Andem a meio caminho

Dos antípodas ou antes

Vicejem na sala ao lado,

O que é certo é que adivinho

Que duma só vida implantes

É o que temos como fado.

 

E nossa a vida que houver

É que a sério há que viver.

 

 

264 - Melhor

 

Melhor a felicidade

Será procurar agora

Que desperdiçar a idade

Todo o tempo que demora

A amealhar e poupar

Para um porvir que chegar

 

Pode a nem mesmo existir

E que jamais, doutro lado,

Na forma como surgir

Nunca pode ser domado.

 

 

265 - Vítima

 

Quando é vítima inocente,

Acuse, não apresente

 

Justificações de acaso!

Ataque, quando houver azo,

 

Se o põem sob suspeita.

Critique, quando sujeita

 

Ande a inocência a conter-se,

Não a ponha a defender-se!

 

Exponha no pelourinho

Quem um terreno maninho

 

Fizer da bondade humana,

Que este é que a todos engana!

 

 

266 - Tempo

 

O tempo tem uma forma

De amaciar asperezas

Da realidade que enforma

Tal que ao fim ficam, por norma,

Delas quebradas as presas,

 

E apenas leves vestígios

Do que ocorreu no passado.

É o maior de seus prodígios.

Dele findos os fastígios,

Pode bem ser retomado,

 

Na conduta, o que é normal.

Criar tempo é a feliz arte

Do que atende ao principal

E que assim dribla, afinal,

O que nele é contraparte.

 

 

267 - Mérito

 

Maior mérito não é

O daquele que oferece,

É do aceite em boa fé,

De devedor sem a prece.

 

Dá pouco aquele que dá

Apenas o bem que tem,

Dá muito quem além vá

E a si próprio dá, porém.

 

 

268 - Medo

 

Tenho medo de dar passos

Que me não constam do mapa,

Mas aos medos ultrapasso-os

E a vida que se me escapa

Então pelo mundo adiante

É bem mais interessante.

 

 

269 - Busca

 

Aprende, porém aprende

Sempre com gente a teu lado.

Sozinho, a busca não rende,

Que, se dás um passo errado,

Não terás ninguém que ajude,

De o corrigir com virtude.

 

 

270 - Procures

 

Não procures a distância,

Seguro, a ver que acontece,

Nem a certeza, com ânsia,

Ante o passo que esmorece.

 

O que dás vais receber,

Embora em norma te venha

Donde acaso nem sequer

Esperas que te convenha.

 

 

271 - Dar

 

É bom dar quando alguém pede

Mas é bem melhor ainda

Dar tudo como quem cede

A quem nada pede à vinda.

 

Se não dou tudo o que dou

No dom que é o de cada dia,

Não sou aquilo que sou,

Sou testemunha vazia,

 

Testemunho o que se passa

No dia que se me esquive,

Não sou do momento a graça,

Não sou aquele que vive.

 

 

272 - Findas

 

Algo faz de diferente,

Findas diferente então:

É alegria, andar contente,

Não felicidade em vão.

 

Felicidade seria

Do que tens ir satisfeito,

Dum lar, filhos, de tua via…

- Para o já jamais és feito!

 

É no que for diferente

Que vês quanto és outra gente.

 

 

273 - Estratos

 

Primeiro, vão os gravetos,

Depois, os galhos maiores,

Tais os estratos da vida:

Só pegam lumes correctos

Ao tu primeiro antepores

Graveto ao galho, em seguida.

 

Para o forte libertar

A energia que tiver,

Só se ao fraco for viável

Também se manifestar.

Para entender o poder

Que connosco andar, fiável,

 

Segredos enclausurados,

Primeiro é de consumir

As superfícies que temos:

Os medos mais negregados,

O receio do porvir

E aparências que nos demos…

 

Sem isto, a capa de fora

Muito nosso imo demora!

 

 

274 - Buscam

 

Buscam o mestre perfeito,

Mas os mestres são humanos,

Embora o ensino a preceito

Do céu seja sem enganos.

 

Não confundas professor

Com aulas que ele te der,

Ritual e êxtase de amor,

Símbolo e o que quer dizer.

 

A Tradição de raiz

Encontra as forças da vida,

Não mediadores servis

Que as transmitam à medida.

 

Mas somos fracos, pedimos

À Mãe-Cosmos que dê guias

Quando sinais só medimos

Da estrada que são os dias

 

E temos de a percorrer.

Ai dos que buscam pastores,

Sem liberdade querer!

Energias superiores

 

Ao alcance estão da mão,

Mas longe andarão de quem

Transferir dele a função

Para outrem que a não tem.

 

Nosso tempo neste mundo

É sagrado em todo o evento:

Celebremo-lo, fecundo,

Fecundo em cada momento.

 

 

275 - Importa

 

Quando alguém de Deus a face

Quiser ver, então verá.

Se não quer tal desenlace,

Pouco importa qual terá:

- Basta que dele o que ecoa

Seja, afinal, obra boa.

 

 

276 - Medo

 

Qual será o medo dum não,

De deixar para depois,

Se o mais importante, então,

É fruir tudo o que sois,

Gozar plenamente a vida

Que das funduras convida?

 

 

277 - Fugir

 

Fugir da luta é o pior

Que o pé me virá tolher,

Pior que a luta perder:

Na derrota é de supor

A lição vir a aprender,

 

Mas na fuga o que consigo

É a vitória do inimigo.

 

 

278 - Escrito

 

Tudo é escrito no ruído,

O passado e o presente,

O futuro com sentido

Do Homem que nem o sente.

 

Homem que não sabe ouvir

Não escutará conselhos

Que ande a vida a distribuir

A cada instante, nos quelhos.

 

Só quem escuta o ruído

Do presente, a orelha aberta,

É que pode com sentido

Tomar a decisão certa.

 

 

279 - Contra

 

Ai de quanta crueldade

Cada um vai ser capaz

Contra a própria identidade!

 

O bem mostra-se, eficaz,

Generosa a vida flui.

Jogamo-los para trás

 

Tal se o que neles influi

Fora o diabo mais negro.

Ninguém à vida que intui

 

Pede a mais, sempre me integro

Na mediania mais rasa,

Ante o anseio antes me regro.

 

Mas quem trava um bom combate

Olha o mundo que lhe apraza

Como um tesoiro que trate

 

Como imenso e disponível,

À espera do golpe de asa

Do que o descubra, sensível.

 

 

280 - Veio

 

Tudo quanto mais temia

É o que veio a acontecer:

A ameaça nada faria

Se não fora aceite um dia

Na fundura de meu ser.

 

O bom combate ao travar,

Nunca, pois, ignores isto

Nem que fugir e atacar

Parte fazem de lutar,

Conforme cada imprevisto.

 

Não fará, tarde nem cedo,

Parte dele em nenhum lado

Pôr-me a recitar o credo

Paralisado de medo,

De mim mesmo abandonado.

 

 

281 - Mudança

 

Se gosto do que fizer,

Muito bem, mas, se não gosto,

Sempre é tempo de mudar.

Se permitir ocorrer

Uma mudança em que aposto,

Eu estou-me a transformar

 

Num terreno a cultivar

E a deixar que a criadora

Imaginação sementes

Em mim lance a germinar.

Sentido em tudo só mora

Se me cultivo entrementes.

 

 

282 - Piedade

 

Piedade com quem piedade

Dele próprio sempre tem,

Que se crê bom, que o invade

A injustiça vida além

Porque nunca mereceu

Nada do que lhe ocorreu!

 

Estes não vão conseguir

Travar nunca o bom combate,

Tanto andam a perseguir

O fantasma do dislate.

 

 

Também tereis piedade

Dos que são cruéis consigo

E que só vêem maldade

De seus actos no pascigo.

Das injustiças do mundo

São sempre o culpado imundo.

 

Ignoram até que os fios

Da cabeça andam contados

Por Quem, longe de desvios,

Nos ama com mil cuidados.

 

 

283 - Tragédia

 

A tragédia ao desespero

Leva, universal tormento,

Pois o novo nunca espero,

Mudar é o nosso mau vento:

O que antes foi respondido,

Foi de vez já resolvido.

 

Vem uma tragédia então,

Tira o tapete do chão

 

E ao desespero só vence

Quem a mudar se convence.