SEGUNDO TROVÁRIO
O DEVER LENDO EM CADA PEGADA DO TRILHO
Escolha aleatoriamente um número entre 142 e 283, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
142 - O dever lendo em cada pegada do trilho
O dever lendo em cada pegada do trilho,
O poema de métrica certa
E rima a apontar da meta o brilho
Os actos ata do sonho ao cadilho
De modo que a manhã seja manhã de descoberta.
Para com quem sou é o dever,
Para com quem és e o mundo além,
De tudo e todos respeitando o ser
E o Ser do Todo em tudo e todos por igual também.
No dever cumprido
Me desvendo
Como tendo sentido.
E tanto mais me irei lendo
Quanto mais for sendo.
143 - Problemas
Os problemas sexuais
Nem sempre andam junto às pernas,
Mas antes os principais
Moram entre os dois ouvidos.
Na atitude aonde adernas,
Nos preconceitos vividos
Por ti e pelos demais
Morrem as ocasiões
Dos anos de oiro vitais
E o pior dos aleijões
É o dos que sentem vergonha
De precisão tão medonha.
144 - Guerra
Após tudo dito e feito,
Na guerra tudo o que obremos
É de os outros ter no peito,
Fraternidade que temos.
Não é, pois, pelo país,
Nem pelo patriotismo,
Nem por programas servis
Montarem o automatismo,
Mas por mor do camarada
Que temos a nosso lado,
Pelo amigo de jornada,
A tê-lo vivo e arejado.
Todo o discurso altaneiro
Esbarra nisto e se enguiça:
O fundamento primeiro
É o desta simples premissa.
145 - Lições
A vida é uma aprendizagem
De lições encadeadas.
Temos de olhar à clivagem,
Atentos às aulas dadas.
Se tiver pena de mim
Bastará ver em redor:
Há sempre pior, ao fim,
Que a sina do meu pendor.
146 - Relâmpago
Como um relâmpago, a vida
Desaparece e aparece
Num instante, comedida.
Divirta-se na quermesse
E doutrem com qualquer ilha
Partilhe esta maravilha.
147 - Crescer
Crescer não é desistir.
Por que é que a criança olhamos
Nela antevendo o porvir,
Em germe, sem tronco ou ramos,
Com admiração gostosa
Pela inocência que goza,
A singela descoberta
Da vida em tudo o que a cerca?
É que uma parte de nós
Reconhece e sente a falta
Dessa parte e dos cipós
Que impelem para a ribalta.
A criança humanitária
Naturalmente é, sumária.
Já para o ser sem disfarce
Um adulto há-de esforçar-se.
Sempre, então, inspirador
Da criança é tal pendor.
E quem crescer então queira
A criança tem à beira.
148 - Devirei
Se eu tiver medo da morte,
Devirei mui cauteloso,
Preocupado da sorte,
Da vida de que então gozo,
Porque uma coisa qualquer
Pode, enfim, me acontecer.
Então, quão mais temo a morte
Mais temo a vida e, de esquivo,
De meu dia o que é o recorte,
É que, afinal, menos vivo.
149 - Poderei
Há muitas coisas deveras
Que não poderei mudar:
A ter sentido nas eras
Não posso a vida obrigar
Nem a ser justa, no fundo,
Bordando sonhos no mundo.
Mas sinto-me afortunado,
Basta-me olhar para a idade
Com que morre, em todo o lado,
Tanto jovem na cidade.
Serve-me então de lembrete:
Há uma sina e não repete.
Estou grato pelo aviso
Que é-me assim antecipado,
Tenho tempo de ter siso
Para agir bem avisado:
Não mais ignorando a morte,
Mais à vida atendo ao norte.
150 - Firme
Há-de sempre a informação
Ser a melhor terapia.
Quão mais alguém saberia
Mais firme pisara o chão,
Mais seguro se sentia.
Mesmo com notícias más:
Perene assusta a ignorância;
O conhecimento atrás
Dele acalma qualquer ânsia.
O pior, que mais mal faz,
Será sempre o não saber:
A paz ameaça em quenquer.
151 - Anseio
Optimista é quem transforma
Todo o anseio em desafio,
Confia encontrar a forma
De transpor da meta o fio
Que se interpõe no caminho.
Esta forma de esperança
Alimenta-se ao cadinho
De ter em si segurança.
Se inseguro houvera um dia,
Logo o rumo se esvaía.
O optimismo, de tão frágil,
Apoio quer forte e ágil.
Ao acaso nunca o deixe:
- Semeie, não se desleixe!
152 - Atitude
A atitude de esperança
Leva a desdramatizar
As adversidades, mansa,
Sem o peso lhes tirar,
E ao mesmo tempo a tentar
Nos impelirá de novo,
À luta por superar,
Sempre à espera dum renovo.
Por aqui nos distancia
Do que antes desistiria.
E ao que houver por alcançar
Sempre finda por chegar.
153 - Perspectiva
A perspectiva optimista
Que vemos mais proveitosa
Em contexto em que se arrisca
É a que induz-nos, ponderosa,
A esperar sempre o melhor
Mas prevenindo o pior.
Protegidos dos dois lados,
Levam-nos longe os rodados.
154 - Perseveraste
Perseveraste no empenho,
Trouxe-te isto a boa sorte.
Traz o que to lembre ao cenho,
Que a força em teu desempenho
À sorte é o que te deu norte.
155 - Benéfica
A benéfica auto-estima
É a dos êxitos frequentes,
Pequenos: aqui se anima
Sempre a esperança, entrementes,
No terreno desejável
Dum objectivo alcançável.
156 - Filtro
Quase todos conseguimos
Ver o ontem através
Dum filtro donde auferimos
Apenas, de lés a lés,
E sem qualquer atropelo,
A luz do bom e do belo.
Se o truque não funciona,
Irei recordar a infância
Como o que me traz à tona,
Não das ondas da ganância,
Mas de época sem magia
A que nem evoco um dia.
O aspirante à vida amarga
Vê o penoso do passado,
Valoriza a dura carga
De, jovem, se haver fanado,
Idade de oiro perdida
De vez até o fim da vida.
Converte-se cada dia
Numa fonte inesgotável
De mórbida nostalgia,
De aflição inconsolável.
E, em vez de viver a vida,
Vive ele a morte, em seguida.
157 - Pendor
O pendor mais proveitoso
E mais sensato da vida
Não lamenta, desgostoso,
A humanidade ferida
Sem ter em conta, primeiro,
Atributos que, na lida,
São positivo celeiro,
Mas antes vai ser aquele
Que a vida canta, leveiro,
Depois de quanto a atropele
Ter, atento, ponderado,
Negridão que enfim repele.
Depois de a enjeitar de lado,
Celebra a festa daquele
Pendor feliz arvorado.
158 - Contraditório
O optimismo não é nunca
Contraditório de ver
Do problema a garra adunca,
O pendor negro que junca
Uma situação qualquer.
Recusa a passividade,
Que se rejeite a estratégia
Que ajudar possa em verdade
A resolver como agrade
Os fados de forma egrégia.
O optimismo vem, então,
E melhora a situação.
159 - Doente
O doente positivo
A si fará bem e aos mais:
É sempre o antidepressivo
Do familiar furtivo,
Dos que o cuidam como tais.
E bem mais eficiente
Que remédio de doente.
160 - Porvir
Os seres humanos são
Criaturas vinculadas
Ao amanhã, porvir chão.
A nossa suposição,
Expectativas amadas
Sobre o futuro vão ter
Grande impacto no presente,
No estado em que aqui viver:
A esperança há-de exercer
Na cura um papel assente.
É por isto que um placebo
Mostra o pensar positivo
Indo além do que concebo:
É dele que em mim recebo
Quanto em mim for curativo.
Curando doença e vida,
Panaceia que em mim lida,
A esperança é um bem potente
Remédio de toda a gente.
161 - Dupla
Tem o nosso passaporte
Dupla nacionalidade:
Da saúde que transporte,
Da doença que me invade.
Muito embora prefiramos
Usar passaporte bom,
Mais tarde ou mais cedo usamos
Da doença a cor e o tom.
Este lugar inseguro,
Todavia, e doloroso,
Tolero-o com mais apuro
Com o alento laborioso,
O alívio, talvez a cura
Da esperança que mo augura,
De tal maneira é importante
Esperar um bem adiante.
162 - Empregados
Empregados optimistas
São sempre os mais populares
Nas empresas onde olhares.
Ocupam topos de listas
No trabalho a executar
E nos cargos superiores.
Ganham proventos maiores
Que os pessimistas, a par.
Apesar dos benefícios,
Poucos vemos procurar
Constantes estimular,
E menos com sacrifícios,
O seu pendor optimista,
A fim de que as laborais
Possibilidades reais
Melhorem no que se invista.
Os que esperam conseguir
Aquilo a que aspiram tendem,
No trabalho e no que rendem,
Mais firmes a prosseguir.
Durante mais tempo insistem
Do que quantos não esperam
Alcançar o que ponderam,
Logram mais metas que alistem.
São dois mundos contrastantes
Num e noutro o que garantes.
163 - Alimenta
O optimismo que é melhor
Não alimenta a tendência
De indiscriminado teor
De só pensar excelência.
Pensamento positivo
Promove a disposição
Esperançosa do aviso
Que melhor se ajuste então
À realidade que houver.
Sonhador idealista
Que não distingue sequer
Entre o atingível em vista
E qualquer meta impossível,
Que não avalia o risco
Da decisão corrigível
Chega, no olho com tal cisco,
A conclusões, nos juízos,
Que decerto estão erradas.
Na incerteza, os bons avisos
Nas perigosas estradas,
São de esperar o melhor
Sempre ao pior preparado.
Assim é que o lutador
Leva o flanco resguardado.
164 - Supre
Temperamento optimista
Melhor supre a adversidade
Que o pessimista que exista,
Desde a grave enfermidade
Até à mudança dura
Que a vida às vezes impõe,
Um divórcio que supura,
Bancarrota que supõe
Desemprego, emigração
Para um país estrangeiro…
Quem vive optimismo são
Talha ao fogo logo o aceiro.
165 - Aspecto
Um aspecto positivo
Duma atitude optimista
É que, a prazo, me motivo
A estimular toda a lista
De atingidos por desgraças,
Calamidades funestas,
A soltar amarras, graças
Às marés que trepem lestas,
A me livrar do rancor
De vítima anavalhada,
Toda a página de dor
A virar duma assentada,
A tomar em mãos o leme
Do barco da minha vida,
A seguir, não dor que geme,
Meta nova em toda a lida.
Além do mais o caminho
Da libertação alude
Ao que é bom, que é pão e vinho,
De alma e de corpo à saúde.
166 - Extroversão
Extroversão é vantagem
De quem for um optimista.
A palavra é uma viagem
Em que valido o que exista
No que sinto e desabafo.
Converso para exprimir
Minha emoção, solto o bafo,
É um saudável prosseguir
A organizar pensamentos
Ou a aliviar o medo.
Ao desafio dos ventos
Mais penosos a que cedo,
Todos nós bem precisamos
De nos ouvir em voz alta,
De ser ouvidos nos ramos
Em que faz o alento falta.
Nossas infelicidades
São para ser partilhadas.
A união de identidades,
Diálogo de mentes dadas,
Estimulam sentimentos
Rumo à universalidade:
Não sou único em momentos
De sofrer calamidade.
Animam a formular
As noções mais proveitosas
Para o stresse aliviar
Das horas antes brumosas.
167 - Defende
Muitas vezes quem acusa,
Mais que combater um erro
Ou defender a verdade,
Defende, nos modos que usa,
De poder seu parco aterro,
A sua tranquilidade
Ou, no ilusório fastígio,
Seu transitório prestígio.
Só que a capa de virtude,
Só quem quer dela se ilude.
168 - Medíocres
Tenhamos condescendência
Perante o triste destino,
Dos medíocres vivência:
Defender, sem fé nem tino,
Um prestígio com violência
Ou um valor que eles sabem
Que não têm nem lhes cabem?!
São, no fundo, uns desgraçados…
- Por quê dar-nos mais cuidados?
169 - Diferente
Uma maneira de ser
Não supera ou valiosa
Será mais que outra qualquer:
Só diferente é o que entrosa.
Não indica um estatuto
Superior nem inferior,
É um complementar produto
Ao cotio a se propor.
Tanto vale uma maneira
Como outra dela parceira.
170 - Momentos
Não só quando há males, mas se é bom também:
É mais importante acaso andar por perto
Se tudo bem corre que se o mal advém,
Mesmo se aqui busco um forte apoio certo.
Pode ser mais fácil encontrar pessoas
Bastante empenhadas, compassivas, ternas,
Em nossos malogros que cantando loas
A nos ajudarem, celebrando eternas
Aclamações do êxito que houver fecundo:
Há muita carência de aplaudir no mundo.
171 - Difícil
É difícil encontrar
Alguém que seja infeliz
Por atenção não prestar
Ao que noutrem tem raiz.
Os que, porém, não observam
De alma própria os movimentos
É que nunca se preservam
Dos infelizes momentos.
172 - Privados
O mais carregado de anos
E o que mais cedo morrer
Perdem o mesmo nos danos,
Que apenas privados ser
Podemos do que é o presente,
Único que possuímos:
Ninguém perde nunca um ente
Se o não tem da base aos cimos.
173 - Buscam
No campo, praia ou montanha
Quantos buscam o retiro!
Ninguém em si mesmo apanha
O ser único que afiro:
Em si próprio retirar-se
É que faz que não se esgarce.
Retiro a firmar ajuda
Só o ferrão que a mim se gruda.
174 - Força
Se a força das circunstâncias
Te deixar desamparado,
Reflecte, domina as ânsias,
Mantém tudo controlado.
Mais senhor é de harmonia
Quem frequente a tem em dia.
175 - Preservar
Não nos preservar é estranho
De nossa própria maldade,
O que é possível com ganho,
E após querer de verdade
Da doutrem nos preservar,
O que é impossível, a par.
176 - Consiste
Não é nunca na paixão
Mas antes é numa acção
Que consiste o bem e o mal,
Virtude e vício geral.
Paixão só desencaminha
Mas murcha os cachos na vinha.
177 - Mentir
Que ninguém possa dizer
Com verdade: "não és bom!"
Leva a mentir quem tiver
De ti tal opinião.
Pois de ti completamente
Apenas é dependente:
- Quem te impede, com que afecto,
De ser alguém bom e recto?
178 - Preferir-se
Como pode acontecer
Que cada um, apesar
De preferir-se a quenquer,
Menos há-de ponderar
A opinião que tiver
Dele próprio a respeito
Que a opinião de qualquer
Alheio que toma a peito?
179 - Perseverança
Perseverança, a fiel arma
Para vencer da escuridão
A imensa nuvem que desarma
A voz e o nosso coração,
Que não permite que o presente
Este passado varra ingente.
Quem alcançar perseverança
É que algum dia a luz alcança.
180 - Germinam
O terror por toda a parte,
O pânico, a confusão,
Germinam, do mal por arte,
O melhor que alguns terão
E o pior que o medo acarte.
181 - Talento
Da escuridão é a discórdia
O talento especial.
E combatê-la, afinal,
É da amizade a concórdia,
Da confiança os suportes,
Ambas igualmente fortes.
Não são nada (se objectivos
Idênticos são que assumes)
Adversas línguas, costumes,
Se corações nossos vivos
Mantemos e bem despertos,
Permanentemente abertos.
182 - Ensinar
Não é, não, prioritário
Ensinar o que sabemos,
Mas conduzir o primário
Saber que compreendemos
A ver que, até o mais credível,
Não é, de vez, infalível.
183 - Ferramentas
Ao tentar matar-te a ti
Foi ele quem te escolheu
E as ferramentas te deu
Do fado que hoje em ti vi:
Penetras-lhe o pensamento,
Das ambições o fermento.
Mas, apesar de o captares,
Nunca tens qualquer desejo
De copiar-lhe os patamares,
Tanto mal dele em ti vejo.
Protegido estás de vez
Pelo poder, ao invés,
De amar que é de teu desígnio.
E matar perde o fascínio.
184 - Diferente
Diferente é entrar na arena
Para a batalha de morte
Ou como ao vento uma pena
Ou tomando em mãos a sorte.
Para muitos não havia
Sequer uma diferença,
Mas tudo diferencia
Uma doutra a desavença,
Como numa mesma via
Se um ao norte e outro ao sul ia.
185 - Importante
Como é importante lutar,
Lutar sempre, sem descanso,
Não desistir nem parar,
Não se encantar num remanso!
Só assim se pode conter
O mal que o mundo tiver.
Que não logro eliminá-lo
Por inteiro, só travá-lo.
186 - Ataques
Aqueles que sobrevivem
A ataques do coração
Aos maus hábitos que arquivem
À partida voltarão
Que os levaram, aos baldões,
À sala de operações.
O medo da morte não
Basta por motivação
Para alterar arraigados
Hábitos inveterados.
Como em tudo o que se visa,
Tudo é do que se enraíza.
187 - Narizes
Como outro grupo de adultos,
Em vez de ver o que estava
Sob os narizes estultos,
Fingem que antes tudo andava
Tal e qual como quenquer
Queira que há-de acontecer.
Daqui vítimas provêm:
Perpétuo o mal nos mantêm.
De ancestrais o bem e o mal
São de triar por igual
Para àquele dizer sim
E a este varrer, por fim.
188 - Mesmo
Se alguém julga que haveria
A grande dicotomia
Entre quem houvera sido
E o que hoje aqui tem vivido,
A lonjura é bem maior
Se bem ao princípio for.
Talvez a vida não tenha
A ver com permanecer
O mesmo que se detenha,
Com sempre idêntico ser,
Mas, porventura, em lugar,
Antes com perseverar.
189 - Padrão
Como é que alguém planear
Logra com tanto cuidado,
Amanhãs a adivinhar,
E depois a ninharia,
O insignificante dado,
Altera o padrão que havia?
Não volta o mesmo então nunca
A ser o que o trilho junca.
E a vida que se sonhou
Noutra sempre é que findou.
190 - Respostas
A paisagem aprecia,
Ganha uns gramas nos petiscos…
O que a vida denuncia
É que as respostas aos iscos
Surgem, peixe de quimera,
Quando alguém menos espera,
Brotam de tais profundezas
Que as não alcançam nem rezas.
Ao rigor foge excessivo:
O excesso mata o que é vivo.
191 - Preferem
Preferem a agitação
Uns tantos; outros, a calma.
Há bastante, em profusão,
Das duas, em corpo e alma,
No mundo, para que colha
Cada qual a que ele escolha.
E há sempre tempo bastante
Para que cada pessoa
De ideias mude adiante
Sem andar na vida à toa.
De ambas gosta a maioria,
Pende do pendor do dia.
E assim é que o equilíbrio
Se encontrará sem ludíbrio.
192 - Dá-te
Dá-te tempo, tempo dá-te
Para de ideias mudares,
Para também te lembrares
Que nada que em ti se abate,
Bom ou mau, se o tempo o apura,
Nunca para sempre dura.
193 - Passo
A tua felicidade
Como surge é de aceitar.
Não deves, pois, questionar
Cada passo que te agrade:
É que a dúvida aniquila
Cada bem que se perfila.
194 - Cama
Como a vida é uma batalha,
A cama é aquele lugar
Onde deverá reinar
A trégua de quem trabalha.
O sono único momento
De paz incondicional
É, nem que do mundo o vento
Desabe em hausto final.
Apenas então serei
Da vitalidade rei.
195 - Treina-te
Treina-te a nunca levar
Problema algum para a cama,
Problemas a não comprar
Que teus não sejam na trama.
Mundo às costas não carregues,
Tens limites. Pois não sejas
Alto herói donde escorregues.
Colhe o sono por que almejas
Sereno, por semear
Um dia tranquilo, a par.
196 - Ansiedade
O pensamento inquietante
Gera ansiedade e nos stressa
A vida inteira, constante.
Aniquila peça a peça
O cientista brilhante,
Desanima o religioso,
Destrona o rei mais impante
Com seu jeito tenebroso.
- Trata o inquieto pensamento,
Que ele nunca voa ao vento.
197 - Máquina
Máquina de trabalhar
De que nos adianta ser
Se perdemos, ao passar,
Quem mais amamos, sem ver
A beleza que há no mundo,
Se nem teremos sequer
O benefício fecundo
Duma noite de lazer,
A dormir, maravilhosa,
Na paz que a vida não goza?
198 - Arte
Para ter arte de ouvir,
Só se for sem preconceito:
Ao lugar doutrem hei-de ir
Vestir-lhe a pele com jeito.
Ouvir-lhe-ei o que emitir
E não o que eu queira ouvir.
199 - Debate
Fala, debate e discute
Aberta e silentemente
Contigo o que em ti percute,
Interioriza-te em mente.
Sê sempre o teu grande amigo:
Analisa se tens tido
Tempo de pôr ao abrigo
Toda a gente que há sofrido,
Mas do tempo gasto a esmo
Nenhum há para ti mesmo.
E, se assim for, a medida
Requer que mudes de vida.
200 - Preço
Errarás por muitas vezes,
É o preço duma conquista.
Saberás que tais reveses
Pesam bem pouco na lista,
Que mais grave do que errar
É conter-se e não tentar.
É deixar de vez adiado
De tolhido, o nosso fado.
201 - Requerido
Para ser empreendedor
Requerido é trabalhar
Perda, frustração e dor.
É preciso superar
A dor do parto da vida
E usá-la para esculpir
Uma pessoa à medida
Nas fontes que houver de haurir.
No fim, estátua perfeita,
É onde a vida se ajeita.
202 - Líder
Um pequeno líder vê
Os grandes erros em curso,
O grande líder prevê
Do pequeno erro o transcurso.
Um pequeno líder vê
A casa desmoronar-se,
O grande líder provê
De ínfima fenda o disfarce,
Previne a todo o momento
O final desabamento.
Entre o grande e o pequeno
É que a mim me escolho pleno.
203 - Aquecer
Não use, a aquecer, madeira,
Que há-de esgotar-se, entrementes,
A pilha que tem à beira.
Antes vá plantar sementes,
Já que, feita a sementeira,
Na selva há-de ter pendentes
Lenhas para a vida inteira.
204 - Controla
Controla tu teu destino
E não sejas controlado
Por ele, sê paladino!
Faz sempre crescer ao lado,
Entre toda a novidade,
A tua oportunidade!
205 - Muda
Só nunca muda de ideias
Quem ideias não tiver.
Muda-as tu, mesmo às mancheias,
Quando tal se requerer.
Verdade é o que importa a eito,
Não um vago preconceito.
206 - Reconhecer
Vivo aqui num labirinto.
É preciso ter coragem
Para os erros meus que sinto
Reconhecer na triagem
E ter sensibilidade
Para, do que noto e notas,
Colher com frontalidade
O que corrigir as rotas.
207 - Teme
Nunca temas os fracassos,
Antes teme não tentar.
Não engordes mais os traços
Dos frustrados que andem no ar.
Tem-te em pé bem preparado
Para qualquer desafio
Social que brote ao lado
Ou laboral, com ousio.
Destes fortes a vitória
É que nos deixa memória.
208 - Saber
Ter qualidade de vida
É saber valorizar
O sorriso que convida
E a tristeza vinda a par.
É humildade no sucesso,
Tirar lições dos fracassos,
Aplausos em que tropeço
Agradecer, mesmo escassos,
Mais no que é simples saber,
No anónimo, que se esconde
O tesoiro-mor que houver
Que a alegria corresponde.
209 - Conquistar
A ciência conquistou
Do átomo ao imenso espaço
E a conquistar não levou
Do nosso imo nem um passo:
Ter qualidade de vida
É miragem no deserto,
Bela mas inatingida,
Longe sempre e nunca perto.
210 - Ideias
Aprende a ideias expor,
Não a impô-las a ninguém,
Do que pensas mesa pôr
Como das crenças também,
Mas sem jamais coagir
Dela a se servir alguém.
Exposto o que então surgir,
Que outrem o que lhe convém
Seja livre de escolher,
- É dele o trilho de ser.
211 - Antes
Pensar antes de reagir
Interior é inteligência
Que te deve contribuir
De arte para a eficiência
De lapidar os instintos,
Truncar a agressividade,
Ódio, raiva, agora plintos
De paz e serenidade.
212 - Defendes
Defendes pontos de vista
Que são teus optimamente,
Dos erros a tua lista
Não reconheces premente.
Quem não erra, quem não tem
Estúpidas atitudes?
- Ganhas batalhas, porém,
Perdes o amor e as virtudes.
213 - Poderei
Ao sobrevalorizar
Dum escol a minoria,
De artistas um patamar,
De empresas alta fasquia,
Poderei ser tão traumático
Como ao alguém segregar.
Adoptar um guião prático
Para o poder respeitar
É saudável, mas bloqueia,
Quando o sobrevalorizo,
De minha razão a teia,
De decidir meu juízo.
214 - Actuar
Devido à fragilidade
De actuar dentro de si,
Qualquer um se persuade
Na plateia a andar ali.
E fica a assistir passivo
À encenação dos conflitos
E misérias cujo arquivo,
Enfim, é dos próprios gritos
Olhados no palco em frente.
Urge sair da plateia,
No palco entrar do presente
De nossa memória cheia
Das emoções a ferver,
Para dirigir de vez
A História que eu bem quiser
Com meu rosto e minha tez.
215 - Desarmar
Desarmar um agressor
E rasgar-lhe a inteligência
Tem um modo que é o melhor:
É surpreendê-lo na essência,
Quer seja com o silêncio,
Quer seja com o elogio.
Em norma, a atitude vence-o,
De inusitada que a viu.
Muito crime era evitado
Se tal fora cultivado.
216 - Maior
O maior líder, aprende,
É que lidera seu mundo.
A agressividade ofende,
A incompreensão, no fundo,
Como a crítica impensada
São dos frágeis a fachada.
Contra a discriminação
Vacina-te, pois, então!
Canta a vida, que inegável
Espectáculo é inefável.
217 - Pilar
Aprende a usar os fracassos
Como pilar de vitórias,
Usa as perdas como traços
Do ganho de tuas glórias:
Que é que de bom retirar
Podes ao que te atolar?
E a fragilidade um dia
Nutre-te a sabedoria.
218 - Coragem
Óvulo-espermatozóide,
Já foste muito pequeno
Mas, na tua forma ovóide,
Que coragem no terreno!
Hoje és grande mas te sentes
Muito pequeno, por quê?
As barreiras em que atentes
Te assustam, travam teu pé:
Por que é que te paralisam
Tantos nadas que te visam?
219 - Aliviar
Sempre aliviou chorar,
Foi a primeira lição
E a primeira a se ignorar.
Não ponha ao choro travão,
Que os grandes homens também
Choram quando tal convém.
220 - Fundo
Quando fores derrotado,
Vê que não há fundo ao poço
Em alma humana e que, ao lado,
Há uma saída do fosso.
Aprende a trilhar vielas
De teu ser para a encontrar.
Nosso lar, fechado a elas,
É de noz casca a quebrar.
Quebra-a, as oportunidades
Vê que te pulsam lá fora,
Areja emotividades,
Aproveita a tua hora!
221 - Velho
Se velho és e aprisionado,
Repara bem que o destino
Não é facto consumado,
É só de escolher com tino:
Escolhe a libertação
Da cadeia da emoção.
Se calmo, vês logo ao lado
Que trilho é que te há chamado.
222 - Mundo
Do mundo em que está
Um homem é dono,
Não do mundo que há
Do imo seu no trono.
Não pode apagar
O filme da vida,
Pode-o reeditar
Ao correr da lida.
Personalidade
Milagres ninguém
Tem com que a persuade
A mudar por bem.
Pode de cariz
Mudar a emoção
Para ser feliz:
- Treina o coração!
223 - Rigor
Toda a discriminação
É fatalmente inumana
E, ante o rigor da razão,
De parcial, é sempre insana.
Nunca, pois, te diminuas
Nem nunca te consideres
Superior em gestas tuas
Ante alguém com que estiveres.
Estende a mão doravante
Para quem for diferente.
Também tu erras constante
E dói a quem to aguente.
Um sábio sê, reconhece
Teus erros e não te escondas
Na rigidez que entorpece,
Dos preconceitos nas mondas.
224 - Sabedoria
Sabedoria menor
É a do saber que tu sabes.
Do que não sabes, maior
É aquela em que é bom que acabes.
Sê, pois, o eterno aprendiz
Da vida na escola breve.
É o que contigo condiz
No enlevo do que te enleve.
O sábio que é superior
Tolera, o inferior julga.
Aquele muda-te de era,
Este apenas se divulga.
O superior alivia,
O inferior tudo culpa.
Se aquele atrai, de magia,
Este nem pede desculpa.
Quem é superior perdoa,
Quem é inferior condena.
Entre os dois nada é à toa,
Um liberta, outro impõe pena.
225 - Protege
Protege a tua emoção,
Filtra as agressividades
E toda a incompreensão
Dos que em torno não persuades.
A emoção mais frágil parte
É de qualquer alma humana
E a mais protegida, aparte
Nos abismos donde emana.
Se o permites, desatento,
Uma crítica destrói-te.
Se proteges teu momento,
Nem um milhão que se afoite
De ofensas te afectarão.
Lata de lixo não faças
Nunca de tua emoção
Para aqueles por quem passas.
226 - Aprende
Muito do pouco farás,
Aprende a amar o que tens,
Honra a razão que é veraz
E adorna do imo teus trens,
Muito mais do que à embalagem
Dá valor ao conteúdo,
Não passes na vida a imagem
De pôr defeitos em tudo.
Sê feliz, feliz, feliz,
Só porque é assim teu cariz.
227 - Expor
Aprende a te expor ideias,
Não as ideias a impor.
Eficiente sê, sem peias,
Lúcido e trabalhador.
E vê no mundo se esquivas
As pressões más que tiver:
Para trabalhar não vivas,
Trabalha para viver.
228 - Perfeito
Não percas tempo a lamentar
Só por perfeito nunca seres.
Aceita o teu erro vulgar,
Corrige tudo o que puderes
E segue em frente, mais arrisca
Apreciar cada faísca
Que fulge em tudo o que tiveres.
Tem a coragem de mudar
O que tu não reconheceres
Que bem esteja e no lugar.
Transpões assim qualquer tropeço
- E a vida inteira é um recomeço.
229 - Respostas
Não há nem respostas fáceis
Nem rápidas. A impaciência
É um dos trilhos nada gráceis
Das trevas para a excrescência.
Não há, pois, necessidade
De resolver com urgência
Nem de agir se impõe vontade
De correr rumo à evidência.
Tudo ao ritmo e tempo certo
Traz-nos a aurora mais perto.
230 - Cedência
A cedência, o meio-termo,
Encosta escorregadia,
Acaba a pisar num ermo,
Passo a passo cede a via,
Sob o aparente bom-tom,
Às trevas e à danação.
Ceder jamais é quesito,
Mas superar o conflito.
231 - Toda
Para um homem, trabalhar
Com toda, toda a vontade
É uma forma basilar,
Eficaz, de, com verdade,
Poder combater o mal,
Mais que inconvictas acções
Feitas com todo o arsenal
De exércitos de milhões.
Por mais insignificante
Que pareça a acção daquele,
Sempre o que é bom colhe adiante
Quem por tal pendor se impele.
232 - Motivo
Um só motivo aceitável
Há para a investigação,
Científica embora ou não,
Que a caminho a torna viável:
Saber mais, mais discernir
Para mais poder servir.
233 - Dever
O dever primeiro
De quem corre à luz
É buscar, pioneiro,
No imo o que o seduz,
A íntima clareza.
Pois, se o não fizer,
Ela, com certeza,
O busca colher
Por sua vez então.
E, se ela nos busca,
O resultado chão
É dor tal que ofusca.
234 - Saberei
Quando este corpo deixar,
Mais saberei, muito mais:
- Ruptura aqui a importar,
Que a nós nos vem separar,
Não importa a Deus jamais.
Como valor atribuir
Ao que ali vai-se esvair?
235 - Aviso-te
Aviso-te deste orgulho
De pensar que sabes bem
E sempre o que mais convém
A todos: é o teu entulho
Que andas a passar por Deus,
Pecando assim contra os céus.
236 - Vontade
É da vontade de Deus
Que deverão esforçar-se
Todos para, em peitos seus,
Sabedoria alcançar-se
Neles próprios, em seu imo,
Não noutrem alçado ao cimo.
O bebé precisa de ama
Que lhe mastigue a comida,
Mas adulto é quem proclama
Que come e bebe à medida
A sabedoria a ter,
Sem medianeiro haver.
237 - Voz
A boa voz nasce feita,
Não é treinada a raiz.
Se um dom de Deus nela espreita,
Tem de arrogância matiz
Desprezá-la, pôr de lado,
Seja homem ou mulher,
Quem com tal é contemplado,
O feliz que a recolher.
Nunca posso acreditar
Que um erro cometeu Deus
Tal dádiva então ao dar
À mulher ou aos ateus,
Pois erros jamais comete:
- É acolher que me compete,
Venha lá de quem vier
O dom que haja de ocorrer.
238 - Entrará
Não é o que entrará na boca
Que o homem há-de aviltar,
É o que sai dela e nos toca.
Por isso deve jantar
Um homem humildemente
Quanto dom Deus lhe apresente.
239 - Consciência
Ninguém pode ser o dono
Da consciência de alguém.
Mesmo se em culpa o abandono,
De vergonhas mil refém,
Como ter a pretensão
De saber, sem confusão,
O que é que é certo ou errado
Para quem me mora ao lado?
Se nem mesmo os sábios sabem
Tudo o que houver a saber,
Talvez no divino acabem
Mais desígnios por caber
Do que nós com o pequeno
Saber nosso, embora pleno,
Poderemos distinguir.
É aceitar e deixar ir
O que sempre nos compete
No que com Deus compromete.
240 - Preside
Quem preside proteger
O povo tem dos intrusos,
Do invasor, e de reger
O povo, conforme os usos,
Na luta a se defender.
Terá de ser o primeiro
A se lançar entre a terra
E qualquer perigo useiro,
Como o camponês se aferra
Contra o ladrão do quinteiro.
Não é, porém, seu dever
Ditar a quenquer que seja
O que no íntimo há-de crer,
O que no coração veja
Que em tal campo há-de fazer.
241 - Importa
O que importa é o que ocorrer
Bem no imo de cada um.
Não se obriga a cristão ser,
Nem ateu nasce quenquer
Ou pagão, em fado algum.
Quem enfrentar o mistério
No coração e fizer
Daqui o melhor, a sério,
Que importa se ele é do império
De Alá, Deus, do próprio ser?
Pelo fruto se conhece
A planta do que acontece,
Da fé não é por conceito
Que o teor meço a cada peito.
Que importa a fé ser estranha
Se com ela o Homem ganha?
242 - Paz
Talvez a paz, afinal,
Bênção não seja absoluta.
Privado da habitual
Canseira duma disputa,
O povoado nacional
Mais não tem, trocando a luta,
Que pôr-se a bisbilhotar
O escândalo que aflorar.
Devém a vida mesquinha
Sem uvas daquela vinha.
É pena que só desgraça
Converta quem se mal traça.
Só um mundo atento à justiça
Nunca em guerra nos enguiça.
243 - Jejuo
Jejuo, o corpo a ensinar
Que deve fazer aquilo
Que lhe direi para obrar,
Sem requerer, intranquilo,
O que não for conveniente
Satisfazer de repente.
Há momentos em que temos
De viver sem água ou sono,
Sem comida e o corpo vemos
Que terá de ter um dono:
Do imo vai ter de ser servo,
Não patrão sem lei nem nervo.
O espírito não se centra
A intuir o que é sagrado,
Em meditação não entra
Vida a abrir a um outro lado,
Quando o corpo ande a gritar:
- Trata de me alimentar!
244 - Ruirão
Que é que leva qualquer um
A fixar-se em pormenores
Que não têm valor algum,
Crendo que mundo e arredores
Ruirão se não correr
Tudo tal como ele quer?
Mal abandonada a luta,
Ninguém consegue entender
Por que é que tanto a disputa
Importou para quenquer.
Louco foi mais que obcecado
Enquanto a luta há durado.
245 - Alto
Jamais algumas verdades
Alto deviam ser ditas
Nem murmuradas, nas grades
Do silêncio em que meditas?!
São as verdades, por norma,
Cujos gritos proclamados
Deviam ser desta forma:
- Bem por cima dos telhados!
246 - Crer
Aquilo que um homem faz
É sempre mais importante
Que o que de crer é capaz.
É o que o julga tempo adiante,
Por mais que igrejas e seitas
Contra tal ergam suspeitas.
247 - Empurrarmos
Se empurrarmos do caminho
A pedra que lá estiver,
O mundo torna-se um ninho
Melhor para quem viver.
Se aquela pedra que houver
Deixas para o teu vizinho,
Pior o mundo há-de ser.
- Muito simples é o cadinho
De apurar o oiro a ter!
248 - Temer
Homem que aborda o mistério
Sem dele temer o império
Ou é mesmo um idiota
Ou de razão nem tem quota.
São estes irresponsáveis
Que a todos nos tornam frágeis:
De repente, em muitos lados,
Damos por nós condenados.
E aquele a rir-nos na cara:
- Nada ao maior se equipara!
249 - Espírito
O espírito humano é feito
De inspiração, fantasia,
À imaginação afeito.
Senão, o homem seria
Cobaia (o que às vezes sinto)
Às voltas num labirinto.
Quem nos garante que a vida
Não nos anda aqui perdida?
- É só num acto de fé
Que nos mantemos de pé.
250 - Competição
Não será democracia
O que as pessoas não querem…
Não querem é a correria,
A competição sofrerem,
Esta estafeta de ratos
A lutar pelo sucesso
Com todos os desacatos,
Sem contenção neste excesso.
Talvez um dia a cultura
Deste molde enfim feneça,
Recordada então, na altura,
Por desvario da pressa
Passageiro em nossa História.
Talvez o mais importante
Seja evocar a memória
De ao sol deitar-me constante,
Beber um aperitivo,
À batucada bailar…
É a marca de quanto é vivo:
Saber a vida gozar.
- Milhões de anos tal vivemos,
Que outra vida quereremos?
251 - Encontrarás
Sempre encontrarás na vida
Aquilo que não entendes
Nem justo crês e à medida.
Importante, no que atendes,
É, de pé no teu lugar,
Não desistir de o mudar.
252 - Chegar
Basta prestar atenção,
Que, quando estiveres pronto
Há-de chegar a lição:
Quando dos sinais ao ponto
Atento estás, aprender
Sempre irás, a teu compasso,
O que é preciso fazer
No que for teu próprio passo.
253 - Luta
Estaremos sempre em guerra,
Sempre em luta com a morte,
Sabendo o que mais aterra,
Que ao fim ela ganha a sorte.
Gritante em conflito armado,
É o mesmo em vida diária.
Quem de infeliz quer o fado
Na diuturna mancha horária?
Quem ao luxo se quer dar
De nisto se aprisionar
Sem fruir da euforia
Das prendas de cada dia?
254 - Viciado
Viciado no trabalho,
Viciado em diversão,
Infeliz lá quando encalho,
Que algo perderei da mão,
- Quando é que parar adregue
O vício que me persegue?
255 - Perder
Quando eu já não tive nada
A perder, recebi tudo.
Quando deixei, pela estrada,
De ser quem era é que, agudo,
A mim próprio me encontrei.
Quando vi a humilhação
E mesmo assim continuei
A pisar em frente o chão,
É que entendi livre ser
De meu destino escolher.
256 - Cicatrizes
Nunca me arrependerei
Das horas em que sofri,
As cicatrizes que herdei
Carrego no frenesi
De quem ostenta medalhas.
A liberdade tem preço,
Da escravidão como as malhas.
A diferença que meço
É que o pago com prazer,
Com um sorriso rasgado,
Mesmo quando haja de ser
Bem de lágrimas regado.
257 - Obrigados
É o nosso mundo, não somos
Nunca obrigados a amá-lo,
Saber antes nos propomos
Nele a viver com regalo:
Não nas nossas condições,
Nas dele é que há soluções.
258 - Integridade
Que é que vale a decisão
De nunca se acreditar?
Que integridade a razão
Terá se ao lixo deitar
Todo um conjunto completo
De factos considerados
Impossíveis por decreto
Antes de serem testados?
259 - Sim
Ética, sim; arte, sim;
Música e humanidade
E toda a cultura, enfim.
Mas não ritualidade,
Que os ritos se mudarão
Rápido em superstição.
Nem códigos sociais,
Regras de comportamento
Arbitrárias por demais,
Onde nunca sopra o vento
Que nos traga de verdade
O bem da comunidade.
260 - Comporta-te
Assim deve ser contigo:
Mantém-te louco, porém,
Comporta-te em teu abrigo
Com o normal para alguém.
O risco em ser diferente
Corre, todavia aprende
A fazê-lo sem que atente
Contra a atenção que outrem prende.
Concentra-te nesta flor,
Numa qualquer brisa agreste
E de teu imo o fulgor
Deixa que se manifeste.
261 - Sentir
Quero sentir amor, ódio,
Tédio, raiva, desespero,
De emoções o boémio bródio,
Tudo o que é simples e vero,
Do quotidiano evidência
E que dá gosto à existência.
Senão fico chocho ao canto,
Perdido no desencanto.
262 - Sempre
És tu sempre diferente
A querer ser sempre igual.
Devéns um grave doente
De grave doença tal
Que provoca paranóias,
Psicoses como neuroses.
E nunca encontrarás bóias
Para afecções tão atrozes.
Querer ser igual é grave
Por forçar a natureza:
Por mais que por ela cave,
Não há uma folha, na empresa,
Que, por bosques ou florestas,
Seja a qualquer outra igual.
Só tu limas as arestas
A ser como outro tal qual.
Por não terem a coragem
De divergir, as pessoas
Contra-natura então agem,
Só de bolor comem broas.
263 - Recusar-se
Às vezes compensador
É recusar-se a devir
Racional e virar costas
A tudo quanto em redor
Nos diz como é que é de agir.
Quer do destino as apostas
Andem a meio caminho
Dos antípodas ou antes
Vicejem na sala ao lado,
O que é certo é que adivinho
Que duma só vida implantes
É o que temos como fado.
E nossa a vida que houver
É que a sério há que viver.
264 - Melhor
Melhor a felicidade
Será procurar agora
Que desperdiçar a idade
Todo o tempo que demora
A amealhar e poupar
Para um porvir que chegar
Pode a nem mesmo existir
E que jamais, doutro lado,
Na forma como surgir
Nunca pode ser domado.
265 - Vítima
Quando é vítima inocente,
Acuse, não apresente
Justificações de acaso!
Ataque, quando houver azo,
Se o põem sob suspeita.
Critique, quando sujeita
Ande a inocência a conter-se,
Não a ponha a defender-se!
Exponha no pelourinho
Quem um terreno maninho
Fizer da bondade humana,
Que este é que a todos engana!
266 - Tempo
O tempo tem uma forma
De amaciar asperezas
Da realidade que enforma
Tal que ao fim ficam, por norma,
Delas quebradas as presas,
E apenas leves vestígios
Do que ocorreu no passado.
É o maior de seus prodígios.
Dele findos os fastígios,
Pode bem ser retomado,
Na conduta, o que é normal.
Criar tempo é a feliz arte
Do que atende ao principal
E que assim dribla, afinal,
O que nele é contraparte.
267 - Mérito
Maior mérito não é
O daquele que oferece,
É do aceite em boa fé,
De devedor sem a prece.
Dá pouco aquele que dá
Apenas o bem que tem,
Dá muito quem além vá
E a si próprio dá, porém.
268 - Medo
Tenho medo de dar passos
Que me não constam do mapa,
Mas aos medos ultrapasso-os
E a vida que se me escapa
Então pelo mundo adiante
É bem mais interessante.
269 - Busca
Aprende, porém aprende
Sempre com gente a teu lado.
Sozinho, a busca não rende,
Que, se dás um passo errado,
Não terás ninguém que ajude,
De o corrigir com virtude.
270 - Procures
Não procures a distância,
Seguro, a ver que acontece,
Nem a certeza, com ânsia,
Ante o passo que esmorece.
O que dás vais receber,
Embora em norma te venha
Donde acaso nem sequer
Esperas que te convenha.
271 - Dar
É bom dar quando alguém pede
Mas é bem melhor ainda
Dar tudo como quem cede
A quem nada pede à vinda.
Se não dou tudo o que dou
No dom que é o de cada dia,
Não sou aquilo que sou,
Sou testemunha vazia,
Testemunho o que se passa
No dia que se me esquive,
Não sou do momento a graça,
Não sou aquele que vive.
272 - Findas
Algo faz de diferente,
Findas diferente então:
É alegria, andar contente,
Não felicidade em vão.
Felicidade seria
Do que tens ir satisfeito,
Dum lar, filhos, de tua via…
- Para o já jamais és feito!
É no que for diferente
Que vês quanto és outra gente.
273 - Estratos
Primeiro, vão os gravetos,
Depois, os galhos maiores,
Tais os estratos da vida:
Só pegam lumes correctos
Ao tu primeiro antepores
Graveto ao galho, em seguida.
Para o forte libertar
A energia que tiver,
Só se ao fraco for viável
Também se manifestar.
Para entender o poder
Que connosco andar, fiável,
Segredos enclausurados,
Primeiro é de consumir
As superfícies que temos:
Os medos mais negregados,
O receio do porvir
E aparências que nos demos…
Sem isto, a capa de fora
Muito nosso imo demora!
274 - Buscam
Buscam o mestre perfeito,
Mas os mestres são humanos,
Embora o ensino a preceito
Do céu seja sem enganos.
Não confundas professor
Com aulas que ele te der,
Ritual e êxtase de amor,
Símbolo e o que quer dizer.
A Tradição de raiz
Encontra as forças da vida,
Não mediadores servis
Que as transmitam à medida.
Mas somos fracos, pedimos
À Mãe-Cosmos que dê guias
Quando sinais só medimos
Da estrada que são os dias
E temos de a percorrer.
Ai dos que buscam pastores,
Sem liberdade querer!
Energias superiores
Ao alcance estão da mão,
Mas longe andarão de quem
Transferir dele a função
Para outrem que a não tem.
Nosso tempo neste mundo
É sagrado em todo o evento:
Celebremo-lo, fecundo,
Fecundo em cada momento.
275 - Importa
Quando alguém de Deus a face
Quiser ver, então verá.
Se não quer tal desenlace,
Pouco importa qual terá:
- Basta que dele o que ecoa
Seja, afinal, obra boa.
276 - Medo
Qual será o medo dum não,
De deixar para depois,
Se o mais importante, então,
É fruir tudo o que sois,
Gozar plenamente a vida
Que das funduras convida?
277 - Fugir
Fugir da luta é o pior
Que o pé me virá tolher,
Pior que a luta perder:
Na derrota é de supor
A lição vir a aprender,
Mas na fuga o que consigo
É a vitória do inimigo.
278 - Escrito
Tudo é escrito no ruído,
O passado e o presente,
O futuro com sentido
Do Homem que nem o sente.
Homem que não sabe ouvir
Não escutará conselhos
Que ande a vida a distribuir
A cada instante, nos quelhos.
Só quem escuta o ruído
Do presente, a orelha aberta,
É que pode com sentido
Tomar a decisão certa.
279 - Contra
Ai de quanta crueldade
Cada um vai ser capaz
Contra a própria identidade!
O bem mostra-se, eficaz,
Generosa a vida flui.
Jogamo-los para trás
Tal se o que neles influi
Fora o diabo mais negro.
Ninguém à vida que intui
Pede a mais, sempre me integro
Na mediania mais rasa,
Ante o anseio antes me regro.
Mas quem trava um bom combate
Olha o mundo que lhe apraza
Como um tesoiro que trate
Como imenso e disponível,
À espera do golpe de asa
Do que o descubra, sensível.
280 - Veio
Tudo quanto mais temia
É o que veio a acontecer:
A ameaça nada faria
Se não fora aceite um dia
Na fundura de meu ser.
O bom combate ao travar,
Nunca, pois, ignores isto
Nem que fugir e atacar
Parte fazem de lutar,
Conforme cada imprevisto.
Não fará, tarde nem cedo,
Parte dele em nenhum lado
Pôr-me a recitar o credo
Paralisado de medo,
De mim mesmo abandonado.
281 - Mudança
Se gosto do que fizer,
Muito bem, mas, se não gosto,
Sempre é tempo de mudar.
Se permitir ocorrer
Uma mudança em que aposto,
Eu estou-me a transformar
Num terreno a cultivar
E a deixar que a criadora
Imaginação sementes
Em mim lance a germinar.
Sentido em tudo só mora
Se me cultivo entrementes.
282 - Piedade
Piedade com quem piedade
Dele próprio sempre tem,
Que se crê bom, que o invade
A injustiça vida além
Porque nunca mereceu
Nada do que lhe ocorreu!
Estes não vão conseguir
Travar nunca o bom combate,
Tanto andam a perseguir
O fantasma do dislate.
Também tereis piedade
Dos que são cruéis consigo
E que só vêem maldade
De seus actos no pascigo.
Das injustiças do mundo
São sempre o culpado imundo.
Ignoram até que os fios
Da cabeça andam contados
Por Quem, longe de desvios,
Nos ama com mil cuidados.
283 - Tragédia
A tragédia ao desespero
Leva, universal tormento,
Pois o novo nunca espero,
Mudar é o nosso mau vento:
O que antes foi respondido,
Foi de vez já resolvido.
Vem uma tragédia então,
Tira o tapete do chão
E ao desespero só vence
Quem a mudar se convence.