QUARTO TROVÁRIO
DO ABISMO DO INFINITO VISLUMBRANDO QUE PROPOR
Escolha aleatoriamente um número entre 431 e 542, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
431 - Do abismo do infinito vislumbrando que propor
Do abismo do infinito vislumbrando que propor,
Da abismal fundura da interioridade,
O poema em metro certo olha o alvor
E rima o dentro e o fora no fulgor
Que clareie a visão que o imo invade.
É no sonho e na utopia
Como no êxtase do arroubamento
Que o poema aflora o dia
Do final completamento.
É no tempo o além,
É o além no espaço
E de mim no fundo outro além também.
O poema é desmesura de meu braço:
- O infinito nada no infinito abraço.
432 - Trabalhador
Trabalhador na pedreira,
Agricultor, operário…
Um poeta, nesta jeira,
Não é preciso, ao contrário.
É um engano, todavia.
Por trabalhar no exterior,
Usando mas mãos dia a dia,
Não é jamais de supor
Que não sonhe cada qual.
Há-de precisar de termos
Que descrevam, por igual,
Sentimentos que vivermos
E música que nos erga
Do silêncio raso ao chão
Para um reino que nos verga,
Sagrado de inspiração.
O peito nos anuncia:
- Fome de arte é o dia-a-dia.
433 - Perder
Perder um pai, uma mãe,
Com que a vida se teceu
Sempre à lama atira alguém,
Rasga-lhe o manto dum céu.
A morte é sobre ir abaixo
E de ir abaixo teremos
Para depois, sacho a sacho,
Cultivar quanto restemos.
Após a morte já não
Somos a mesma pessoa.
Mas aprendemos ou não?
Vivo ou ando a vida à toa?
434 - Dádiva
As experiências ofertam
Alguma dádiva em norma.
Se as buscas a malha apertam,
Verão que lá toma forma.
Por vezes será um problema
Por entre as lágrimas vê-la,
Mas acabar-se-á, por lema,
A descobri-la, singela.
Não é bem o que esperamos?
É o melhor rumo a tomar
Para a meta que aguardamos
Sem sequer a vislumbrar.
435 - Encontra
Encontra a parte de ti
Que ousou sonhar que podia
Fazer diferença em si
No ambiente em que vivia.
Ainda podes criar
Um efeito positivo
De onda em teu breve lugar
Que ao mundo se estenda vivo.
Se deixares de tentar
Ligar-te às pessoas, ficas
Isolado a sufocar,
Autista pião das nicas.
Crescer é adquirir poder
Para alcançar objectivos
No mundo adulto que houver.
Algures no trilho, esquivos,
Começamos a ignorar
Gatinhos perdidos, gente
Sem abrigo que a penar
Caminhe anonimamente,
Porque é mais fácil fechar-se
Do que com necessitados
Alguém solidarizar-se,
Só para não ter cuidados.
Então é que pára em germe
Cada qual, de todo inerme.
436 - Caridade
A caridade alimenta
As almas, mas realismo:
Ninguém tem, nem quando o tenta,
De o mundo salvar do abismo.
Saboreia só, conexa,
Dele a beleza complexa.
Muita maneira há-de haver
De fazer a diferença
E todas são de estender
As mãos a quanto convença.
Dão-me os que ajudei, real,
Um impulso espiritual.
A energia positiva
A si própria se alimenta
E a nós retorna mais viva:
Quão mais se der, mais aumenta.
437 - Encontrar
Quando uma verdade, entre as paisagens vistas,
Encontrar logrei com que, jamais hostis,
Concordam cristãos como subtis budistas,
E também judeus, de Maomé sufis,
Então é provável que encontrado tenha
Algo de importância mais que bem profunda,
Algo que nos fala, de verdades senha
Universais, últimas, que o mundo inunda
De significados e que toca, enfim,
Do destino humano fundamento e fim.
438 - Todos
Somos todos, felizmente,
Parte dum todo maior.
Gosto de estar consciente
De verdades deste teor,
Muito embora isto me implique
Menor controlo que fique.
Estamos todos demais
Interligados a tudo,
Quer uns com os outros mais,
Quer com o ambiente a que grudo,
(A vida enfeitiça o dia
E é complexa em demasia)
Para a mera convicção
"Crias tua realidade"
Ter uma fulcral função.
Pois, de facto, na verdade,
A crença de que controlo,
Crio a teia em que me enrolo,
Vai é privar-me do rico
Contexto misterioso
E complicado em que fico
Com o apoio de que gozo.
Finda, do controlo em nome,
Negando os laços que eu tome,
A teia de relações
Que me sustém e dá vida
Como a cada que supões
Diariamente em perene ida
Do mundo até aos balcões
Onde é servida a iguaria
Do Homem para a romaria.
439 - Fresta
Qualquer alma é testemunha
Que em nós há, na intimidade.
Do Espírito indica a cunha
Que abre a fresta à eternidade
Mas é a última barreira
Do Espírito ao pôr-me à beira.
É a partir da posição
De testemunha que posso
Ao Espírito do chão
Saltar o perene fosso.
Mas a própria testemunha
A se dissolver propunha.
É que nossa interior alma
Tem de ser sacrificada
E libertada da palma
Da vitória, renunciada,
Há que morrer para ela
Para a última sequela,
Derradeira identidade
Com o Espírito poder
Irradiar de verdade.
Qualquer alma tem de ser
Apenas a contracção
De apreender um eu vão,
O subtil nó que restringe
O Espírito universal,
Última forma que finge
Um eu separado igual,
O nó final que terá
De ser desfeito acolá.
Eis a morte terminal:
Primeiro para o eu morro
Que em mim for material;
Depois não busco socorro
Num eu corporal idêntico
E o mental finda inautêntico;
Para qualquer alma, enfim,
Finalmente morrerei.
Grande morte do eu em mim,
É o degrau com que erguerei
De meus eus mortos a escada
Do Infinito que me agrada.
Cada morte para um eu
Detrás é um renascimento
Mais alto no rumo ao céu,
Até ao ressurgimento,
Alumiação derradeira,
- A libertação cimeira.
440 - Castelos
Se constróis castelos no ar,
Teu trabalho não é vão,
Lá se devem elevar,
Que primeiro sonhos são.
Trabalha após o cimento,
Constrói-os: que os ventos venham
E, qualquer que seja o vento,
Que os castelos se sustenham!
441 - Precisam
O que os humanos requerem
Não é vida sem tensões.
Precisam, quando o conferem,
Ao sentir os repelões,
De responder, à porfia,
Com renovada energia,
À chamada do difuso
Que à frente anda à sua espera,
Para poder, com bom uso,
Realizar-se a quimera,
Que é sempre do nevoeiro
Que vem o sonho cimeiro.
442 - Maldição
A maldição de sonhar!
A diferença entre o sonho
E a realidade, a par,
É tão grande que, bisonho,
Tudo, afinal, nos faz mal
Quando observamos, sumida,
A distância radical
Que há sempre entre o sonho e a vida.
443 - Escava
Escava no imo de ti:
É no imo que está do bem
A fonte que brota ali
E ela pode brotar sem
Cessar, permanentemente,
Se escavares sempre em frente.
444 - Resto
Viste acaso a mão cortada,
Pé, cabeça separada,
Caída a alguma distância
Do resto do corpo em ânsia?
É o que a ele próprio faz,
Na medida de seus meios
Quem rejeita para trás,
Recusa e aperta os freios
A tudo o que lhe sucede,
Que se corta do conjunto,
Que pratica (e nada impede)
Contra o todo em todo o assunto.
Repele a união natural
De que é parte em nascimento
E separa-se, afinal,
Dele mesmo em cada evento.
Mas a possibilidade
Tem de reunir-se de novo
Ao todo de que é metade
Cortada de único ovo.
É o homem único ser
A que é dado o privilégio
De ao todo voltar, se quer,
Mesmo após um corte régio.
Então pode retomar
De membro participante
O abandonado lugar
E segue uno por diante.
445 - Construí
Construí uma utopia
A partir de projecções
Ancestrais: esbarraria
Nos quotidianos senões,
Pela inércia entorpecidos
Do tempo, feito de estratos
De idades envelhecidos.
Ali nunca os novos actos
Vingarão, de tão estranhos:
- Só perdas junto, não ganhos.
As camadas das idades
Ao céu matam veleidades.
446 - Contos
Os contos são meros sonhos:
Tudo o que vês é habitado
Por alegres ou tristonhos
Sonhos que há por todo o lado
E teceram os sentidos
Mil que há por aqui vividos.
447 - Nenhuma
Nenhuma religião
É a religião verdadeira.
Eis a absoluta razão:
Nunca a razão a joeira.
Mas todas são, por igual,
Frestas do Infindo abismal.
448 - Trauma
Se o trauma não superar,
Não logro seguir em frente.
Porém, se o supero, a par,
Abro voluntariamente
Mão da pessoa que eu era
Antes que tudo ocorrera.
A vida é de facto assim,
Abro sempre mão de mim
Para noutro me tornar
Até me infinitizar.
A vida é aquilo que invade:
- Semente de eternidade!
449 - Lonjura
Problema do casamento
Ou dele talvez a força
É correr cada momento
A um longe que me distorça
E ao fim não há nem resquício
Do que eu seria no início.
Se ambos tivéramos sorte,
Ainda nos reconhecemos
Anos após, noutro norte
Que juntos atingiremos.
Sempre o lar é gabinete
Que o desafio repete,
Que não desiste jamais,
De fadiga sem sinais,
Até reduzir-me ao grito
De eu me visar no Infinito.
450 - Cadastro
O problema de ficar
De consciência tranquila
É que pensamos limpar
Nosso cadastro à má fila
E recomeçar, enfim.
Mas tal não é nunca assim.
Não podemos apagar
Aquilo que nós fizemos,
Há-de a nódoa ainda lá estar
Sempre que para lá olhemos
Sem nos lembrar de esconder
A desilusão que houver.
O passado é o intocável,
Por isso é irrecuperável
À escala de nossa vida:
Sempre o além é o que convida.
451 - Conta
Gostas de contar estrelas?
Ninguém consegue acabar.
Não é só da conta delas
O que se conta ao contar,
Não é o número, é o assombro
Daquilo tudo de além.
E é o que vejo de teu ombro
Quando te olho a ti também.
É a maravilha de tudo,
O Infinito a pôr-me mudo.
452 - Simples
Fruir do belo extrair
É do que é simples prazer.
Criatividade haurir
É o imprevisto fazer
Para alimentar a história
(Feita rotina e secura)
Com renovada memória
De sabor e de aventura.
453 - Prefere
Um empreendedor não culpa
Os mais, prefere mudar,
Põe-se à estrada sem desculpa,
Não lhe basta detectar
Os erros que atrás houver,
Corre em frente sem temer.
- Rasga, pois, os teus caminhos,
Não te escondas nos vizinhos.
454 - Aumenta
A espiritual razão
Aumenta o conhecimento
De erros que nas trilhas vão,
Como aumenta a percepção
Dos limites do que tento.
Aumenta a compreensão
Da vastidão dos aspectos
De viver sem raia ou tectos
Que, por trás de nosso grito,
Abre, afinal, o Infinito.
455 - Âmago
O âmago de nossas almas,
Buraco negro vazio,
Nos suga a paz, queima as palmas,
Ante as dores, o fastio
Da vida como da morte:
O fim de nossa existência
É uma angustiante sorte
Que enfrentamos com premência.
É sempre tensão gritante
Ter o mistério diante.
456 - Miseráveis
Há ricos que vivem tristes
E miseráveis, alegres
Que do dia em que desistes
Fazem dia em que te integres.
Não têm roupas de marca,
Automóveis luxuosos,
Nem casa na areia parca,
Mas na memória, gostosos,
Há jardins por onde brotam
Espontâneas emoções
Ricas que o negrume enxotam,
Ideias com corações.
Para os barcos neles surtos
De sonhos em que te alongas,
Os teus Invernos são curtos
Mas as Primaveras, longas.
457 - Defesa
Negar é a primeira linha
De defesa contra aquilo
Que vejo que não se alinha
Ao prévio saber tranquilo,
O preconceito que tinha.
Mas que assustador não é
Gritar alguém, lá dos cimos
Que não vimos, de má fé,
O que sabemos que vimos!
Até de mim perco o pé!...
- O mal da mente fechada
É que ao mundo fecha a estrada.
458 - Cabe
Não te cabe construir
Catedrais nem demoli-las,
Só reparar, no porvir,
O que doutras mãos as filas
Hão de antanho construído,
De modo que as que se houverem
Após as tuas erguido
Possam, ao amanhecerem,
Continuar, ao fresco orvalho,
O interminável trabalho.
459 - Coincidências
Coincidências não existem
E, como as não há jamais,
Há um padrão vasto demais
Para que os traços se avistem,
Para o lograr discernir,
Cuja teia poderemos
Tecer enquanto vivemos
Ou, ao invés, destruir,
Consoante a qualidade
Do que escolher a vontade.
Sempre aos rumos do Universo
Terei de adestrar-me, terso.
460 - Falhanço
O falhanço é provação
Que o iniciado à Luz
Acolhe em aceitação,
Em elegância traduz.
Para o mundo o que é falhanço
É para o iniciado
Adiamento do lanço
Ou escolha em que haja errado.
Em qualquer caso, a seu ver,
Só tem que tudo rever
Para o futuro aceitar
Com o que o Cosmos marcar.
461 - Tentar
Tem de haver sempre mudanças,
Tem de haver sempre o disposto
A tentar mais contradanças,
Afoito ao perigo imposto,
Trilhando onde, em tempos idos,
Foram rumos proibidos.
Tem de haver a aventurar-se
Quem disposto em territórios
Queira além ir do disfarce
Dos totais de agora inglórios,
Além do que é conhecido,
Seguro mal-entendido.
Quem trazer a informação
Da existência de locais
Que nem a imaginação
Logre alcançar como tais
Possa, correndo então risco
De acabar fora do aprisco.
462 - Sonho
O sonho está vivo, vivo,
Nos corações e nas mentes
Dos homens todos, arquivo
Do mundo inteiro, sementes
Dos que acreditam, que lutam
E morrem para atingir
Algo que ignoto disputam,
Fé na qual põem porvir.
Uma nação não é só
De carne, de pedra e terra.
Primeiro ergue-se do pó
No coração que ela encerra
E depois na mente a agir.
Noite não vence, é vencida:
Um dissidente é o luzir
Da madrugada da vida,
Cada resistente entalha
Pegadas fora da rota,
Mantém acesa a mortalha,
É meu, meu compatriota.
463 - Único
O que os padres nunca sabem,
Que não sabem os rabis,
Que os pastores menoscabem,
Que não sabem os muftis,
Deles com o único Deus,
Verdade única dos céus,
É que uma pretensão vã
Duma história verdadeira
Não existe e que é malsã
Através da história inteira:
A verdade muita face
Tem perante quem a abrace.
Pende de nossa vontade
E de nosso pensamento
Que é que em rota nos invade,
Onde leva o som do vento,
Se no fim é Eternidade
Ou vazia soledade.
E ninguém nunca à partida
Saberá disto a medida.
464 - Adorada
A energia que criou
Do Universo a infinidade
Sempre adorada acabou
Na casa como na herdade
Por mãos de homem construída
E não por estar contida
Dentro dum dogma, prisão
Dos homens erguida à mão.
Esta sempre os prisioneiros
Matou pelos atoleiros.
465 - Crente
Se o crente, a razão tacanha,
Considera o deus dos mais
Como do demo barganha,
Mais pobre fica e reais
São perdas com que se amanha:
Os deuses, enquanto tais,
São o que são, Deus-quase-é,
Sempre além de qualquer fé.
Deus nunca se justifica
Ante quem cá pontifica.
Qualquer que seja o modelo,
Tem sempre com Ele um elo.
466 - Melhor
O deus melhor que adoramos
É o que for menos fanático
Que do sacerdócio os ramos,
Que de fé qualquer os práticos,
E nunca deu dele aval
A quem dele dá sinal.
Por trás de homem pretensão
Há só muda escuridão
Mais o sacrílego orgulho
De por oiro dar entulho.
467 - Mesmo
Deus tem sempre muitos nomes
Mas é o mesmo em toda a parte.
Quando Maria-mãe tomes,
Rezas sem saber, destarte,
À mãe do mundo, na forma
Que reveste em tua norma.
Deus do padre, do rabino,
Do mulá, do Dalai-lama,
Um só são no igual destino,
Um só tronco em muita rama.
Deus cristão ou dos druídas
São o mesmo em muitas vidas.
E jamais se esgotará
O Infindo no que houver cá.
Quem lhe condena uma pista
Somente empobrece a lista.
468 - Prefiro
Prefiro ter a mãe terna
Que ter um deus rigoroso
Que exige, norma superna,
Que viva e morra, com gozo,
Segundo dele a vontade,
Sem prezar-me a liberdade,
Pois só cumprirei tal regra
Quando a mim ela me integra.
Então, erguido do pó,
Eu e Deus somos um só.
469 - Tremes
Nunca estarás preparado:
Segundo o tempo do mundo
Tremes ainda em todo o lado
E choras, sempre infecundo,
Pelo que ser evitado
Não pode, quando Eu te inundo.
Não olhes, pois, desviado,
No teu centro é que Eu abundo,
Eu-tu: somos um só dado!
470 - Perto
Minha fé perto de Deus
Mais há-de estar do que a tua
Se do bruxo crês que os véus
Nos desfarão quanto actua
No que Deus fez pelos céus:
Estamos todos nas mãos
De Deus, sem fuga ou desvãos.
471 - Uno
Deus é uno e só há um Deus,
Tudo o mais são meras formas
De ignorantes e de ateus
Representarem as normas
Do que entendem termos seus:
São imagens, são conceitos
Ou de agir alguns preceitos…
Mas nada ocorre no mundo
Daquele Uno sem o aval,
Vitórias de que me inundo
Ou derrotas, por meu mal,
Tudo vem do abismo fundo.
Imagens, dogmas, o rito…?
- Nosso apelo ao Infinito!
472 - Música
Ouço a música. Ao ouvi-la,
Sou para um mundo levado
Onde a escolha me é tranquila:
Cristão ser, ateu, pagão,
A sério nunca há importado,
Nem paz nem guerra serão.
Somente o espírito humano
Flameja na escuridão:
É o que importa e não traz dano
Na infinita solidão.
E esta luz de nada assim
Chora de emoção em mim.
473 - Fins
Ninguém Deus pode invocar
Para os próprios fins servir.
Deus, fatal, há-de soprar
Através dos fins que vir
Que a peito o homem tomar
Ao traçar qualquer porvir,
- E de Seu vento nos traços
Desfaz tais fins em pedaços.
474 - Importância
O que faremos ou não
Mui pouca importância tem.
Segundo o seu coração
E a vontade que mantém,
Com ou sem olhar a engodos,
Deus nos coordena a todos,
Seja o que for que pensemos
Que estivermos a fazer:
De peões não passaremos
De Deus na mão que nos der.
Mas terei sempre uma escolha
Entre isto ou outro que acolha.
475 - Cuido
"Cuido de meus filhos todos,
Mesmo quando entre eles brigam,
Nos tempos todos e modos
E não só nos que hoje os ligam.
A minha luz pode ser
Tua eterna escuridão
E um teu Inverno qualquer,
Da Primavera meu chão.
Aceitas que isto, a seguir,
É um bem maior que há-de vir?"
- Este amor que a Deus nos liga
Como a vida nos castiga!
476 - Mesmo
Se bem que todos tenhamos
Dos deuses diversos nomes,
O mesmo afinal visamos
Na essência das mesmas fomes.
Qualquer deles adorar
É igual devoção, a par.
A distância a que distamos
É só do amor com que amamos,
Não do dogma ou teologia:
- Sem o amor são fantasia.
477 - Chorei
Bem chorei na escuridão
Cuidando se tinha feito
A tarefa certa ou não,
Que é vão dos choros o leito.
Podes nunca vir a ter
Uma certeza evidente.
Tudo o que podes fazer
São as freimas do presente
E aguardar então que um dia
Deus venha acaso explicar
A razão da correria
A que te ande a espicaçar.
478 - Queima
Há dias em que o poder
De Deus queima como o sol,
Depois há-de escurecer
E é luz sonhar o arrebol.
Desde sempre assim tem sido
E há-de ser até o olvido.
Só temos a alternativa
De crer que ao fim tudo viva.
Todo o Cosmos é um ser vivo
E Deus, o imo de tal crivo.
479 - Espírito
O espírito se movia
Do mundo através dos lábios
E de quanto se veria…
Aprender em harmonia
A viver com astrolábios
De tal movimento é a via,
A eterna via dos sábios.
480 - Face
A face externa do mundo
É sempre a mais variada,
Cheia de contradições.
À superfície, fecundo,
Há sempre verdade em cada
Culto de fé com funções.
Mas a um nível mais profundo
É que se pode encontrar
Uma única verdade
Por trás deles, onde afundo
Num só Deus a que adorar,
Principiador sem idade.
Por trás de todos os rostos
É o mesmo Deus sempre a postos.
481 - Humano
Podemos em nossas mentes
Entender o Deus supremo.
Mas ao viver, entrementes,
Em humano corpo, eu gemo,
Neste mundo variado,
Por algo que possa ver,
Tocar, amar, a meu lado.
E do supremo poder
Cada imagem é uma parte
E todas as partes juntas,
A ideia que se reparte
Do Todo que então assuntas.
Quem insiste num só Deus
Há-de estar com a razão
Como hão-de estar os ateus,
Como os que a muitos se dão.
Todos são, todas as frentes,
Um em modos diferentes.
482 - Único
Deus único todos querem.
Nossa falha, deste modo,
É que um só rosto conferem
Confundindo-o com o Todo.
Se abrirem lugar aos mais,
Reina a paz pelos quintais.
483 - Servir
Fazes bem em servir Cristo,
Como outrem servindo Alá
E um terceiro, a Jeová…
Porque no fim, tudo visto,
Só errarão ao supor
Que não há outra verdade
Que aquela a que dão a cor,
Que o Além é falsidade.
Confundem o aqui-agora
Com o Infindo que demora.
484 - Verdade
De Deus a verdade, o Ser,
É sempre mais importante
Que uma palavra qualquer
De homem que a língua disser
E, nos princípios, garante
Que as crenças todas, em suma,
Serão sempre apenas uma.
485 - Coração
Deus anda sempre a falar
Nas árvores, na colina,
No coração que escutar
Dum homem que se lhe inclina.
Por era um iluminado
Dos humanos na linguagem
Nos terá sempre falado.
Porém, após a triagem,
Apenas alguns conseguem
Ouvir o que, ao fim, perseguem.
É a nossa condenação:
- Mal vemos o coração.
486 - Semente
A semente compreende
O poder que a irromper faz
Da escuridão que a lá prende
Para a luz que o dia traz?
Entende a criança a força
Que andar a empurrá-la em frente,
Calcular vai a quanto orça
Não ter mais seguro em mente?
- Tudo o que exige teu posto
É só que estejas disposto.
487 - Alcance
Será que irei ansiar
Por uma felicidade
Sempre além de alcance a andar?
Ou com o tempo e a idade
Vou aprender a viver
Conformado à opacidade
Da bruma que em volta houver,
Emparedado na grade
Que empareda aqui quenquer?
Em nós o mais fundo grito
É saudade do Infinito.
488 - Árvore
Árvore que abriga o povo
Estende os braços ao céu
Mas finca em terra o renovo,
Na raiz que lá prendeu,
Porque, senão, morrerá
E a ninguém ajuda já.
Deste diálogo atento
É que o grão gera o rebento.
489 - Nadas
Haver pode santidade
Nos nadas do dia-a-dia.
Se lhes toco sem verdade,
Sem preparar-me à magia,
Aura que dentro os invade,
Então significa a morte
O que deles colho em sorte.
É que tocar no mistério
Sem estar bem preparado
É da morte sob o império
Tombar sempre derribado.
490 - Procuras
Tu, que procuras a Deus
E crês saber o que queres,
Sabe agora que estes céus
Não são nunca o que teceres:
- Deus é sempre outro e, à toa,
Algo mais que te atordoa.
491 - Confinado
Não consigo crer que Deus
More confinado às caixas
Em que os homens, sempre incréus,
O sepultam, credo em faixas:
Ele é sempre outro e além,
Por mais que o queiram refém.
Se o vejo mãe e tu, pai,
Não serão as duas formas
De ver como Ele se esvai
Sempre além de quaisquer normas?
Por que então nos custa tanto
Tolerar doutrem o encanto?
492 - Quarto
A vida é um pequeno quarto
De águas-furtadas, normal,
Mais aquela luz que acarto,
Luz de céu, pairando igual
Sobre mim, que logro ver
A piscar-me do nadir,
Mas não consigo prender,
Mas não consigo atingir…
493 - Egoísmo
Precisamos de despir
O egoísmo do eu acima
Do outro que em frente vir
E teremos de assumir
Que somos entes em clima
Duma relação inteira:
Só nesta o todo se abeira.
Se outro enlaço de verdade,
Começa a totalidade
494 - Longe
Há um lugar que longe mora,
Vasto é o mundo, imensidão,
E a minha aldeia demora,
De pequena, em minha mão.
Ora, quem é interessante
Embora vai num instante
E é na aldeia ou na cidade
Que até o mundo é nulidade
Ante a imensa vastidão
Do longe a estender-me a mão.
495 - Sequer
Fizemos amor dobrado
Mesmo sem ter-nos despido
Nem ter por ti dentro entrado,
Nem sequer ter-te tocado:
Tivemo-nos no sentido
E os afectos explodido
Hão num vulcão inflamado.
Trocámos mil e um afectos
Nas palavras mal trocadas
E o mundo inteiro são tectos
Ao infindo abrindo estradas.
Na hora de percorrê-las
Nosso céu tem mil estrelas.
496 - Procuram
Ninguém deseja sofrer
Mas todos procuram dores,
Sacrifícios, a se ver
Puros e merecedores
Do respeito dos maridos,
Dos filhos ou dos vizinhos…
- Que é, por trás destes sentidos,
Do Deus onde estão seus ninhos.
497 - Encontros
Os encontros nos esperam
E a maior parte das vezes
Evitamos que aconteçam.
Mas, se os pés nos desesperam
E se mais nenhuns reveses
Piorarão os que feneçam,
Ou se muito entusiasmados
Estivermos com a vida,
Então o desconhecido
Advém de todos os lados,
Todo o Universo, em seguida,
Muda de rumo e sentido.
Momento de descoberta,
Sempre encontro a porta aberta.
498 - Voz
"Eu nunca ouvi voz alguma"
- É o que sempre todos pensam.
No entanto, todos, em suma,
Quando os gestos mais se adensam,
Sempre andam ouvindo vozes:
É o que te faz suspeitar,
Quando à vida os fios coses,
Que um sinal vem-te acenar.
Quando dele estás diante,
Súbita a luz to garante.
499 - Liberdade
Liberdade de fazer
Aquilo em que acreditemos,
Não o que a igreja quiser,
Que um Governo quer que armemos…
- Descobrimos novamente
Que o passado contém puro
O caminho do presente
Que é resposta do futuro.
500 - Crescendo
Tal como uma catedral
Sou eu como todos nós,
Vamos crescendo, fanal,
Mudamos de forma após,
As fraquezas enfrentamos
Que devem ser corrigidas,
Nem sempre o melhor achamos,
Tocamos em frente as vidas
A tentar ter-nos erectos,
Honrando, não as paredes,
Não os portais nem os tectos,
Mas a fonte para as sedes:
O espaço vago ali dentro
Onde sempre veneramos
O que é caro e onde não entro,
O que importa e nunca achamos.
501 - Custou
Custou muito até que o mundo
Chegou onde aqui chegou.
Organizámos fecundo
O trilho que se trilhou.
Não é jamais o ideal,
Mas permite conviver.
Algo falta a cada qual,
Há sempre falha em quenquer,
Por isso nos reunimos,
Que ninguém fique sozinho:
- Talvez, do que compartimos,
Rasguemos outro caminho.
502 - Convive
Deus mora e convive aqui,
Porém todos acreditam
Que é preciso o frenesi
De o procurar no que habitam.
Parece-lhes que é demais
Aceitar de boa-fé
A simpleza dos sinais:
- Que a vida é um acto de fé!
503 - Espírito
Preocupar-se, chorar,
Irritar-se tal quenquer,
Sem, porém, nunca ignorar
Que, lá em cima, há-de entrever
O seu espírito a rir
Do difícil que auferir.
Muito além morará, grácil,
Do difícil ou do fácil:
- Ao acolher o infinito,
Nunca o fere nenhum grito.
504 - Frágil
Onde será que deixei
A frágil alma perdida?
No passado onde sonhei
Que seria a minha vida.
Deixei-a presa ao momento
Onde houve um lar, a família,
Um emprego de tormento
De que livrar-me em quezília
E a que faltou-me a coragem.
Tenho alma em muito passado,
Para aqui não há bagagem.
Quando olho cá deste lado,
Não sei bem o que fazer,
Constato apenas que a vida
Me empurra a um rumo qualquer
Diferente, em minha lida,
E eu nunca quero lá ir,
- Quando ali é que é o porvir.
505 - Aumenta
Muita gente, neste afã
Dum mundo sem ameaças,
Aumenta cada manhã
De defesa muitas traças,
Que do mundo exterior
Não entre cá nem palor.
Deixam o mundo interior
Para trás desguarnecido.
Então, daqui, o amargor
Tredo ataca o distraído,
Em toques quase invisíveis,
Com danos irreversíveis.
O grande alvo é o da vontade:
Perdem desejos de tudo,
Ninguém outro mundo invade,
Do seu não sai, sobretudo.
Evitam ataque externo,
Tolhem crescimento interno.
Como sempre, continuam
A trabalhar, protestar,
Filhos a ter que lhes fluam
Pelo rotineiro lar,
Mas tudo sem emoção,
Que controlam tudo à mão.
Grandes paixões, raiva, amor,
Desespero ou entusiasmo
Jamais se irão sobrepor
Ao tédio mortal sem pasmo:
Nem vontade de viver,
Nem a de morrer, sequer.
Para tais amargurados
São os heróis como os loucos
Que os mantêm fascinados:
São estes aqueles poucos
Ante o risco indiferentes
Que são doutro mundo agentes,
Ofertam raros momentos
De a muralha de defesa
Saltar ao uivar dos ventos,
Espreitar a vida acesa.
Mas àqueles os pés cansam,
Voltam à vida onde rançam.
506 - Inferno
O inferno de Deus amor
É pelos homens que tem,
Que o atormenta o teor
Das atitudes que advêm
Cada momento que passa
Quando a eternidade abraça.
Um homem sempre precisa
Do que nele há de pior
Para aprender, quando visa
O melhor a se propor.
E quanto no fim recolha
Depende apenas da escolha.
Deus há-de sofrer, assim,
Até os tempos terem fim.
507 - Ignorantes
Todos são ignorantes, conformados,
Não acreditam nunca no incomum,
Apenas no que estão acostumados
A acreditar, matando enigma algum.
Recusando ir além de seus ilhéus,
Todos têm, enfim, medo de Deus.
508 - -Qual
Mas qual das religiões
Afinal, é verdadeira?
Nenhuma delas, supões,
E todas de igual maneira.
Nem verdadeira nem falsa
É qualquer religião:
As propostas que realça
São modos de arrotear chão
E, para quem a acolher,
Um ideal de viver.
509 - Trocar
No Inverno vejo o cenário
Coberto de neve um dia;
Na Primavera o sudário
Ninguém o imaginaria.
Dentro de nós semelhante
Muda ninguém vê diante.
E, contudo, vida fora,
Trocar de era não demora.
Não é jogar roupa ao chão,
- Mudamos de coração.
510 - Vaguear
Ao vaguear por aí,
Pisando acabo um besoiro
E na aragem que movi
Uma mosca que nem vi
Escapa, em zumbido de oiro,
E acaba por ir parar
Onde há pouco era meu chão.
Se do insecto no lugar
Em mim então reparar
E vir do Cosmos a mão
A moldar o meu papel,
É por demais evidente
Que todo o dia me impele
Força tal que me revele
Que de mim de vez ausente
Me fica qualquer controle,
Como o de meu pé lhe fica
Ao besoiro que em chão bole.
Que fazer sem que me imole?
Só quem a entender se aplica
Do Universo o movimento
Que em torno de nós nos molda
E a calcular o momento
De actuar conforme o vento
É que no todo se solda,
A fim de que não lutemos
Contra correntes fatais:
Só então nelas nos movemos.
- E assim é que nós seremos
Da infinidade sinais.
511 - Objectivo
Todo o objectivo da vida
É sermos revelação,
Um canal feito à medida.
Ouves-te a ti próprio, não
Compreendes, em seguida,
Que jeito tem tua mão
Ao surpreender-te, erguida,
Admira-te o que serás
De fazer mesmo capaz…
- De cada qual, do mais fundo,
Aflora mesmo outro mundo.
512 - Muda
Gosta de agir e acredita
No que estiver a operar,
Ninguém pode crer na dita
Daquilo que não amar.
Então muda e, ao mudar,
Muda o mundo inteiro a par.
513 - Vive
O mundo não vive cheio
De fantasmas, maldições,
Como aos ancestrais conveio,
Ao nos imporem travões.
Vive repleto de amor
Que se manifesta a esmo,
Perdoa-nos cada error,
Redime o pecado mesmo.
Da vida para a sentença
É o que faz a diferença.
E assim é que nos liberta:
- Cosmos é uma porta aberta.
514 - Pesquise
Não tentarás convencer
Ninguém acerca de nada.
Aquele que não souber
Pergunte, pesquise a estrada.
Mas, à medida que agir,
Que seja um rio que flui,
Silentemente a se abrir
À força maior que intui.
Acredita que és capaz,
Que de tua profundeza
Corre outro mundo, lá atrás,
Que é a final nossa inteireza.
515 - Danças
Quando danças, quando crias,
És tu próprio quase inteiro.
Depois assustam-te as vias,
Importante te querias
Mais do que és em teu quinteiro.
Então tentas sempre mais
Ser que o que foste jamais.
- Afinal, quando te fito,
És trajecto de Infinito.
516 - Ignora
Ignora de vez a ideia
De que um caminho é maneira
De alguém ir chegando à beira
Dum destino que lhe ameia.
É que na verdade estamos
Sempre a chegar, a chegar,
A cada passo que damos:
Isto repete, ao andar.
Verás quão mais fácil é
Contactar com a magia
Que anda a engrinaldar teu pé
Cada segundo, em teu dia.
517 - Preferem
Por que é que em algo distante
Preferem acreditar
Ignorando o que é visível,
O milagre a se mostrar?
É assim tão reconfortante
Apostar no incognoscível?
É que lá em cima alguém guia,
Dá-nos as ordens certeiras,
Pelas nuvens escondido,
De insofismáveis maneiras.
Detendo a sabedoria,
Ninguém questiona o sentido.
Ora, é cá em baixo que temos
Nosso físico contacto
Com a realidade mágica.
E a liberdade de facto
De escolher: é o que escolhemos
Que é boa via ou que é trágica.
O mais é o alheamento
Do chão, ao sabor do vento.
518 - Perder-te
Vais em rumo diferente,
Irás perder-te: é o melhor
Para encontrar em redor
Um recanto transcendente.
Preenche a vida de novo
Com nacos de fantasia.
Sobre nós dos céus o ovo
Explica-o a teoria.
Ignora quanto aprendeste
Das estrelas que além voam:
São anjos de luz em teste,
Crianças que te atordoam,
São aquilo em que acredites
No momento de sonhar…
É brincadeira? A brincar
Se enliça a vida que fites.
519 - Mundo
Da televisão à frente
O menino experiencia
Um mundo que é diferente
Do mundo do dia-a-dia.
Como ele troco a atitude:
Não busco a felicidade,
Não dependo do que ilude,
De meu olho olho a verdade
E não a dos outros olhos,
Vou em busca da aventura
De estar vivo entre os escolhos.
Todos me ensinam a cura
De ir no roteiro comum.
Por que não, se me ensinaram
Que não há mais trilho algum?
Risco onde outros não riscaram?
Mas o que é felicidade?
Amor, dizem. Mas amor
Tem sempre outra identidade,
Mistura angústia com dor,
Êxtase mais agonia.
Dirão que é paz, mas a paz,
Se olho a mãe-terra algum dia,
Não é o que vejo que traz,
Verão luta com Inverno,
Sol e Lua não se encontram,
Da gazela é o tigre o inferno,
Todos cá se desencontram.
Com o dinheiro é pior:
Quem tem o suficiente
Deveria as mãos depor
Mas ao invés, persistente,
Busca mais, não tem sossego…
- Já não busco ser feliz,
Antes à festa me apego
De Um ser com minha raiz.
520 - Sono
Contra o conforto do chão,
De meu sono de semente,
A vida sobre o torrão
É mais bela e convincente.
Poderei sempre nascer
Quantas vezes eu quiser
Até que meu braço seja
Do tamanho que ele almeja
Para poder abraçar
O chão donde eu aflorar.
- Pés na terra, olhos no céu,
Que tamanho terei eu?
521 - Mora
Deus mora no que nos cerca
E deve ser pressentido,
Não por lógica, é vivido,
Toda a palavra é de perca.
Caminha, pois, devagar:
Tomarás conhecimento
Cada dia mais, a par,
Da Presença em teu momento.
É mais de saborear
Do que de entender deveras
E vai pôr-te a palmilhar
O infindo trilho das eras.
522 - Sábio
Quenquer que sábio se julga
Indeciso é no mandar
E, ao servir, o que divulga
É um guião bem singular:
Dar ordens é uma vergonha
E desonra, recebê-las…
- Quem as mãos a tal disponha
Jamais atinge as estrelas.
523 - Mostra
Todos temos preconceitos
Relativamente à morte
E ela apenas presta preitos
Ao amor que nos conforte:
É de ágape uma expressão,
- Mostra a final comunhão.
524 - Ágape
Ágape é o amor total,
O amor que devora quem
O vive como fanal.
Quem o vê, vê que não tem
Nada mais qualquer valor:
Amar só, que tudo é amor.
Aqui um homem é Deus:
- Num abraço, Terra e Céus.
525 - Tempestade
Mesmo quando um terramoto
Ou tempestade assassina
Cruel mostra o mundo ignoto,
Tudo é só do rumo a sina:
Como nós, viaja o chão
Buscando a iluminação.
526 - Pesca
Pesca é minha relação
Com o mundo que inauguro:
Sei o que quero do chão,
Logro-o, se insistir seguro,
Mas o tempo de chegar
É de quão Deus ajudar.
É bom sempre operar lento
Antes duma decisão
Que importe à vida que tento.
Uns pedras crescer verão,
Outros a calma pescar
Vão dum sonho a germinar.
527 - Viagem
A viagem é tortura
Se apenas se quer chegar,
Transmuda-se em aventura
Quando é o prazer de buscar.
Com isto é que se alimenta
O sonho que a vida inventa.
Um homem não pode nunca
Parar de sonhar de vez.
De alma alimento que a junca
É o sonho, corpo do invés.
Quanta vez fica desfeito,
Mas torna do mesmo jeito!
É preciso continuar
Senão alma é o que nos morre,
O sonho é de comungar,
Amor que ao ágape corre.
Se não sonhar, de oiro estrela
Nenhuma me entra à janela.
528 - Absoluto
Se experimentarmos juntos,
Juntos o amor que devora,
Partilho em quaisquer assuntos
O Absoluto que em nós mora.
O Absoluto mostra a todos
O que realmente são,
Causa-efeito de mil modos,
Cadeias de mão na mão.
E cada pequeno gesto
Na vida doutro reflecte,
E assim, de apresto em apresto,
Grava no Infindo o sinete.
529 - Sequer
Todos nós já conhecemos
Tudo, antes mesmo de alguém
Nos ter falado de além,
Do que além nem sequer vemos.
A vida ensina perene
E o segredo é de aceitar,
Com o que a vida ensinar,
Que sábio serei solene
Como os mais sábios do mundo.
Só, porém, reparo nisto
Se alguém ensinar insisto,
Semeando-o do que abundo,
Se da aventura partilho
Em que alguém busca seu fito
E com ele não hesito
Do Infinito em pôr-me ao trilho.
530 - Explicação
É preciso ter piedade
De quem o Cosmos reduz
A uma explicação sem luz,
Deus, à magia que agrade
E o homem, a um corpo ser
Que importa satisfazer.
Estes jamais ouvirão
A música das esferas,
De olho enterrado no chão
Onde morrem as quimeras.
Mas é mais piedade urgente
Com quem tiver a fé cega,
Que às alquimias se apega,
Estuda livros, demente,
Buscando o insano tesoiro
De esterco mudar em oiro.
Ignoram do céu que o reino,
Afinal, é das crianças
E perdem tempo num treino
Onde ao céu não trançam tranças.
531 - Caminho
Quando rumo a um objectivo
Viajamos, é que importa
Ao caminho atender vivo:
O caminho é que abre a porta
À maneira de chegar,
Ensina e nos enriquece
Enquanto o iremos cruzar,
Preliminar que entretece
O finalizar da festa.
Um objectivo na vida
Melhor ou pior nos presta
Conforme a trilha seguida,
Dependendo do caminho
Que escolho para atingi-lo,
De o cruzar bem maneirinho
Ou de nem ver-lhe o sigilo.
532 - Andamos
Andamos a conquistar
Adeptos das teorias
Que o Cosmos vão explicar
Conforme a nossas manias.
Julgamos que a quantidade
Dos que acreditam no mesmo
É que muda em realidade
O que realmente anda a esmo.
Não é, porém, nunca assim.
Apenas a grande festa
Celebra livre o confim,
O sonho que o ar me empresta,
Sonho de casar um filho,
Da noiva rumo ao altar,
Dum bebé pleno de brilho,
De rumo aos astros voar…
No sonho é que acreditamos
E apenas mostrar queremos
As metas que ultrapassámos.
Bom é que isto celebremos.
Festa não é convencer
Ninguém do que quer que seja
E é por isto que há-de ter
A plena alegria que almeja.
533 - Viajas
Se viajas, experimentas,
Duma prática maneira,
Teu acto de renascer.
De conjunturas à beira
Novas ficas quando o tentas,
Devagar tudo a ocorrer,
Nem sequer a língua entendes
Que falar quem surpreendes.
Tal e qual como a criança
Do ventre materno advinda
Tudo aquilo que te alcança
É uma maravilha ainda.
Dás muito mais importância
A tudo quanto te cerca,
Que disto depende a tua
Sobrevivência ou a perca.
Acessível e sem ânsia
És então a toda a rua,
Que poderá dar-te a mão
Na difícil situação.
Recebes qualquer favor
Com uma grande alegria,
Revestirá tal teor
Que o celebras cada dia.
E, como tudo são novas,
Apenas vês a beleza
E ficarás mais feliz
Por vivo estar, de certeza.
O turismo dá-te provas
De que és outro, de raiz.
É uma peregrinação:
Trilhas a iluminação.
Que importa se são ateus
Ou crentes na caminhada?
Todos ombreiam com Deus,
Mesmo sem vê-Lo de entrada.
534 - Andamos
Andamos sonho a matar
Quando houver de tempo falta.
É o ocupado, em lugar,
Que em tudo tem tempo em alta.
Aquele que nada faz
É que anda sempre cansado,
Não dá conta, de incapaz,
Do labor que lhe for dado.
Matam-nos sonho as certezas,
Que não olhamos a vida
Como aventura que às mesas
Nos serve ignota comida.
Sábios, justos e correctos
Nos julgamos na evidência
Do pouco que, sob os tectos,
Nós pedimos à existência.
Olho fora das muralhas
De meu tíbio dia-a-dia,
Ouço lanças e metralhas,
Cheiro a suor e gritaria.
E nunca entendo a alegria
Do coração de quem luta,
Que o bom combate é magia
Que até derrota disfruta.
Também mata ao sonho a paz,
Que a vida é Verão parado,
De pedir muito incapaz,
Só quer o que lhe for dado.
Julgamo-nos já maduros,
De infância sem fantasias,
Da realização seguros
No labor, no lar dos dias.
No íntimo do coração
Renunciámos à luta
Pelos sonhos que nos vão
Dar bom combate em disputa.
Quando ao sonho renuncio
E encontro paz, é um pequeno
Período em que anuncio
Que é tranquilo meu terreno.
Os sonhos mortos começam
A apodrecer dentro em nós,
O ambiente em que tropeçam
Infestando logo após.
E tornamo-nos cruéis
Com aqueles que nos cercam,
Vão-se os dedos e os anéis
Com mil danos que nos percam.
Vem a doença, a psicose
E o que queria evitar,
Das derrotas toda a dose,
É o que terei de aguentar.
Vem um dia o sonho morto,
Apodrecido meu ar,
Dificultar meu conforto,
Meu acto de respirar.
Passo a desejar a morte
Que me livre da certeza
Das ocupações sem norte,
Da paz morta onde sou presa.
535 - Volta
Já não lemos a Palavra,
Mas onde é que fica escrita?
No mundo à volta se lavra,
Atende ao que ela te dita.
Vais então descobrir onde
As palavras e a vontade
Ele afinal nos esconde.
O que te pede e lhe agrade
Procura cumprir à risca:
É o motivo mais profundo
De andares lançando a isca
Nos oceanos do mundo.
536 - Desistiram
Desistiram de viver,
Não se aborrecem, não choram,
Olham o tempo a escorrer…
Não aceitam mas deploram
Os desafios da vida
E a vida não desafia
Qualquer alma demitida.
Muito arriscas nesta via!
Reage, enfrenta a procela
E nunca, nunca desistas:
- Algum dia a caravela
Vê dum novo mundo as vistas.
537 - Além
Queremos tanto falar
Com o Além que não escuto
O que anda a comunicar.
Não é fácil ser arguto:
Em nossas preces buscamos
Sempre afirmar onde errámos
E que é que teremos gosto
Que venha a ocorrer connosco.
O Senhor já sabe tudo,
Pede-nos só para ouvir
O que o Cosmos diz que iludo
E ter paciência a seguir.
Custa ver do Eterno o surto
A quem o tempo é tão curto.
Então vou tentar-me impor
E a vida afundo e o amor.
538 - Profeta
Um profeta solitário
Que importa para haver via?
No céu que importa o Sol vário
A correr sem companhia?
Uma montanha que importa
A meio do vale erguida?
Um poço, sem haver horta,
Só, na terra ressequida?
- São quem indica o caminho
A seguir, à caravana,
Quem, sempre estando sozinho,
Ser solidário me emana.
539 - Feita
É de nossas atitudes
Que a vida é feita, afinal.
De Deus só te não iludes
Com o que se impõe fatal.
Não importa que razão
Ele para tal tiver
E nada adiantarão
Os esforços que eu fizer
Para que de longe passe:
Dele é o que fatal me enlace.
Tudo o mais, até ao fim,
Depende apenas de mim.
540 - Lutei
Lutei, Senhor, contra ti
E não me envergonho, não.
Por isso é que descobri
Que vou, no meu ramerrão,
Por caminhos que desejo,
Não porque me são impostos
Por meus pais, por um ensejo,
Da tradição pelos gostos,
Ou mesmo acaso por ti,
Pelo menos da maneira
Como te narram aqui
Os que lavram tua jeira,
Sempre tão contraditórios.
Sigo o mapa do tesoiro:
- Olho de meus promontórios,
Este é o trilho de meu oiro.
541 - Viu
Cada qual, nalgum momento,
Viu a tragédia cruzar
Da própria vida o alento:
É uma aldeia a soçobrar,
Dum filho a morte inaudita,
Uma acusação falseada,
Doença que o debilita,
Perdido algures na estrada…
Aí Deus o desafia
A enfrentá-Lo e a responder:
"Por que agarras a fasquia
De teu tão curto viver,
Pejada de sofrimento?
Qual a razão da disputa,
Que sentido ou fundamento
Tem, afinal, tua luta?"
542 - Filho
A teu filho guardarás
E perdê-lo-ás por fim.
Teu coração pisa, atrás,
De seu fado em frenesim.
As mudanças que trará
Não poderão ser previstas
Nem controladas de cá.
Não desesperes nas pistas,
Que, mesmo que sofrimento
Ele te traga deveras,
A mudança, o crescimento,
Alteração de maneiras,
Parte são do Grande Plano
E há-de duplicar um dia
O que se perder este ano
No poder da nova via.