DÉCIMO  SEGUNDO  TROVÁRIO

 

 

NOS  LAÇOS  QUE  DE  AFECTO  TUDO  ABRAÇAM

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 1402 e 1480, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1402 - Nos laços que de afecto tudo abraçam

 

Nos laços que de afecto tudo abraçam

Em sonetos tudo implanto,

Sejam regulares as métricas que traçam,

Sejam irregulares, que me enlaçam

Os sentidos do Todo em quanto canto.

 

Os versos do soneto,

De quantidade nem longa nem curta,

Farão que a medida de meu tecto

Efeito surta.

 

Percorro do soneto a casa inteira

Em passo irregular ou regular

E mais de minha casa chego à beira.

 

É singular

Quanto um poema, afinal, pode amparar.

 

 


1403 - Fonte

 

Fonte silvestre de criatividade

É a flexibilidade mental,

A vegetal possibilidade

De renovar-se permanente cada qual.

 

Sem tal, todos os carentes dias

Ir-se-ão assemelhar,

Nada é feito, mortas as magias,

Que antes não fora programado no lugar.

 

Tudo problemático devirá depressa

E findarás a ser mortalmente

Decepcionante, dos pés à cabeça,

 

E impertinente.

Falta todo o outro lado:

- O sonho que na vida for sonhado.

 

 

1404 - Embora

 

Como ir embora sem magoar,

Sem que outrem se sinta abandonado?

Levamos a vida a ficar

Sozinhos, postos de lado.

 

Todos cá dentro guardamos

Uma criança triste.

A maior parte da vida não prestamos

Atenção à criança que persiste

 

Com uma fome inextinguível de amor,

De ternura atenta e de calor.

Em todos nós mora a vontade

 

Premente

De que alguém goste de nós de verdade,

Incondicionalmente.

 

 

1405 - Tempo

 

Tudo o próprio tempo tem

E aceito que o meu ande a expirar.

Nada na vida permanente é também,

Tudo é transitório, ao outro a dar lugar.

 

É mais fácil, todavia,

Aceitá-lo quando estamos de saúde,

Do que senti-lo no dia

Em que a doença nos mude.

 

Saudáveis, podemos afirmar à vontade

A maior barbaridade.

É preciso estar derrubado no chão

 

Às portas da morte

Para entender como as coisas são,

O fado que nos coube em sorte.

 

 

1406 - Tememos

 

Tememos a morte porque julgamos

Que não somos parte da natureza,

Que não somos ramos

De árvore à terra presa.

 

Uma coisa seremos nós,

Outra, o Universo,

Mesmo quando atado pelo retrós

Da fantasia ao mesmo verso.

 

Tudo, porém, na natureza morre

E, como microcosmos, Universo também,

Também cada qual morrerá, por mais vida que aforre.

 

Recomeça, todavia, no Além,

Como ao Universo, no todo e em cada parte, ocorre

Que regular e fatalmente convém.

 

 

1407 - Comer

 

É verdade que ninguém

Pode comer a atmosfera.

Que o mais importante vem

Da boa cozinha vera

Não é verdade, porém.

 

Comer deveria ser

Vivência reconfortante

E ninguém há-de poder

Sentir-se bem adiante

Num ambiente a comer

 

Gélido ou impessoal:

Isto é indigesto, afinal.

 

Menu que tal não veria

Há-de falir qualquer dia.

 

 

1408 - Equilibra

 

Equilibra a vontade de viver

Com o acolhimento da morte,

Equilíbrio a aprender

Para que a vida conforte.

 

Se a morte, calmo, aceitas já,

Não te preocupe não ter medo:

Querer morrer nunca significará,

A morte apenas já te não põe quedo.

 

O que te houver de ocorrer

É desta sorte:

Não queres morrer,

 

Apenas não tens já medo da morte.

Então viver podes livre a vida

Sem precisar de lhe tirar sempre a medida.

 

 

1409 - Passa

 

Tudo é impermanente,

Tudo passa, nada dura.

Apenas o Todo dura eternamente,

Todas as partes, na sina futura,

Estão condenadas, por essência,

À morte e à decadência.

 

Na vivência mística e meditativa,

Para além da prisão da individualidade,

Podemos experienciar o todo, plenitude viva,

E escapar ao destino (que nos degrade

E dolorosamente reparte)

De sermos uma despicienda parte.

 

Somos libertados do sofrimento que nos invade

Escapando ao terror da mortalidade.

 

 

1410 - Cumpre

 

O optimismo é profecia

Que se cumpre por si mesma.

O optimista pressagia

Que atinge o cume da resma

 

De tudo quanto deseja.

Persevera e tudo em volta

Responde ao que quer que seja

Este entusiasmo à solta.

 

É o que lhe traz a vantagem

Dos píncaros na saúde,

No amor, trabalho, em viagem,

 

O que, de tal em virtude,

Da previsão optimista

Ultrapassa a própria lista.

 

 

1411 - Humor

 

Humor é sempre o purgante

Na função primordial

De descarregar adiante

A tensão emocional.

 

Mesmo o negro alegra a vida

A nós e a quem nos rodeia.

E se provoca em seguida

O riso, então, de mão cheia,

 

Nos ajuda a receber

Oxigénio, tendo em mente

O físico que o colher

 

Como a emoção igualmente.

Humor, em todo o sentido,

Purga a vida pelo ouvido.

 

 

1412 - Íntimas

 

As íntimas amizades

Entre sexos diferentes,

Sejam ou não de parentes,

Operam bem, que as persuades

 

A não serem exclusivas:

Não têm a ver com renunciar

A todo e qualquer outro par,

Pelo contrário, são vivas

 

Fruições de quem tens em frente

Por ele próprio, simplesmente.

Ao não serem concorrenciais,

 

Deixam abertos todos os portais.

Ao não atacarem, não são atacadas

A partir de nenhumas outras emboscadas.

 

 

1413 - Teorias

 

Dentre as teorias vigorosas, cruas,

Da competição, até à morte acaso,

Entre mesmo irmãos, espreita humilde e a prazo

O embrião da ideia de as mãos dar nas ruas,

 

De cooperar a bem da ajuda mútua,

De igualmente em prol do bem-comum lutar,

De toda a família (membro dela, escuto-a

Como uma unidade a ir comigo a par).

 

Emparelha bem neste de fundo pano,

Ignorado sempre, o altruísmo humano.

É tão requerido, estrutural em mim,

 

Como competir, tudo emular, enfim.

Entre competir e dar as mãos é que eu

Desenho o meu rumo e o rosto entalho meu.

 

 

1414 - Estreita

 

Amizade estreita de mulher e de homem,

Relação do peito, a par de irmão-irmã,

Podem afrouxar pressões que ali consomem

Laços conjugais e a vida tornam vã.

 

Isto tem a ver com espalhar singelo

O peso da vida, o que atingido vai

Ser sempre através da rede a que eu apelo

Num pedido forte em que me a fé recai.

 

Tem em parte a ver após também com algo

Que do mesmo sexo amigos nunca dão:

Uma perspectiva a que o patim não galgo,

 

Que é do outro sexo arando ao lado o chão.

Aumentando a rede destes laços veros

Aumento os apoios em redor sinceros.

 

 

1415 - Protegida

 

Mulher protegida de sentir não tem

Que incompetente é, como incapaz de todo,

Ou como criança que se mal contém.

Pode antes acaso reparar no engodo

 

De ser importante, apreciada a sério,

Como uma rainha para alguém que a amar.

Sinal de respeito, de condão sidéreo,

Dum fiel amigo dela sempre a par

 

E não de piedade que ele ali sentiu.

Ela não precisa então que cuidem dela,

Merece que a cuide, ao invés, quem a viu,

 

De qualquer amigo feita assim a estrela.

E qualquer amigo apreciado fica,

Jóia lapidar que a coroar se aplica.

 

 

1416 - Funcionarão

 

Poucas relações funcionarão sequer

Quando toda a gente lá estiver tentando

Ser independente. Como o foco a ter

No eu se transforma em exclusivo, inchando,

 

Mais e mais agudo, o que é deveras nós

Já desaparece na distância em bruma:

Esta realidade nuvens são de pós

Sem mais adquirirem consistência alguma.

 

Nós não deve ser um eu mais outro eu,

É também a soma de historial, futuro,

Mil interacções e relações sem véu

 

Entre quantos vão reconstituir seguro

Cada nós comum, recombinado ainda

Com quanto houver fora, que o não-eu não finda.

 

 

1417 - Trepou

 

Aquele que trepou nesta colina

Olhando para baixo

O mesmo que tu não viu:

 

Não um lugar adorável que se te destina,

Impregnado de magias em cacho

E aconchego que te desvaneceu.

 

Não, viu uma armadilha

E teria cortado a própria perna

Com serrote de serrilha

Para escapar ao monstro que lá hiberna.

 

Assim é com toda a gente:

O que um vê de costas outro vê de frente,

Por mais que os factos dados

Os mesmos sejam ocorridos e registados.

 

 

1418 - Caminho

 

Pode a razão bem conter,

Governar as emoções,

Mas o caminho que houver,

De razão prenhe em razões,

 

Mui difícil é deveras.

Todos que se persuadem

De que é viável esferas

Na multidão ter que os gradem

 

Ou que os públicos agentes

Vivam segundo a razão,

Sonharão com as sementes

 

Duma idade de oiro em vão,

Com a ficção se comprazem

E sempre o contrário fazem.

 

 

1419 - Parece

 

Tudo o que na natureza

Ridículo, absurdo ou mau

Nos parece, de certeza

É de crenças varapau

 

Porque só vemos a parte,

Ignoramos sempre a inteira

Ordem que o Cosmos acarte,

Teia de algas que há na jeira.

 

Queremos que tudo seja

Conforme à nossa razão,

Mas o mau mau não viceja

 

Do Cosmos à luz então.

O mau vem unicamente

Da míope nossa mente.

 

 

1420 - Paz

 

A paz não é, com efeito,

A pobre ausência de guerra,

É virtude que eu aleito

De força de alma na terra,

 

Que transmuda a obediência

Numa vontade constante

De fazer, em consciência,

O que é devido adiante.

 

Cidade em que a paz é inércia

De súbditos em rebanho,

A servidão logo exerce-a

 

Tomando a perda por ganho,

- Mais nome é de solidão

Do que de cidade então.

 

 

1421 - Temer

 

Não há que temer dum corpo

Como nem da escuridão.

Só se em mim o mal encorpo

Ambos recearei então.

 

A morte ou a escuridão

Ao contemplar, receamos

O buraco que há no chão,

Do desconhecido os ramos.

 

Não há mesmo nada mais

Que ali tenha outros sinais.

Se me abro ao desconhecido,

 

Logo têm outro sentido.

Se quero ir à descoberta,

Então eis a porta aberta.

 

 

1422 - Ferreiro

 

Um ferreiro forja o ferro

No intenso calor do fogo;

Desbrava um pioneiro o aterro,

Abrindo um trilho ali logo.

 

Filhos de divorciados

Ambos os rumos farão:

Forjam valores moldados

Na chama que dentro são

 

E abrem trilhos na floresta

De contradições criada

Por modos que a vida atesta

 

Que dos pais são a pegada.

Só na afanosa canseira

Deles a vida se abeira.

 

 

1423 - Problema

 

O vero problema humano

Não é questão de ciência,

É da psique o desengano,

É do espírito a falência.

 

A ciência trepou muito,

O ser humano, bem pouco.

Nalguns aspectos, fortuito,

Regride até, feito louco.

 

A descrença na verdade

Da ciência é que alertou

Pouco a pouco a humanidade

 

E a hora de hoje chegou:

- Como resolver iremos

Os séculos que perdemos?

 

 

1424 - Inteligente

 

A solidariedade

Como a infinda tolerância

São tua capacidade

De mudar qualquer instância.

 

A tolerância respeita

Com fiel arte as diferenças

E não lhes lança a desfeita

De quaisquer mortais sentenças.

 

A solidariedade

Arte será de entender

A dor e a necessidade

 

Doutrem e de as atender.

E por estas duas vias

É um mundo novo que trias.

 

 

1425 - Milagre

 

Muitos desejam milagres

Mas o milagre maior

É o segredo onde consagres

Do que é simples o fulgor,

 

Do que é quase imperceptível.

Quando tu te preocupas

Com o cume inatingível,

O topo em firma que ocupas,

 

O prestígio social,

As simples coisas da vida

Desprezando, trivial,

 

Tens a mente em ti delida

Por aquilo que te ilude:

- Que é da emocional saúde?

 

 

1426 - Falhas

 

Se os pais não surpreenderem

Deles os filhos que têm,

Sonhos lhes não conhecerem,

Não valorizarem bem,

 

Se nas falhas que tiverem

Não encorajam também,

Se além do mais não disserem

Que crêem neles além

 

E apesar dos erros tidos,

Certamente não desenham

Grande imagem nos sortidos

 

Solos de evocar que advenham.

Tais barreiras na memória

A ninguém trarão vitória.

 

 

1427 - Esquecem

 

Para dar o mundo aos filhos

Trabalharão muitos pais

Mas esquecem os cadilhos

Da própria vida reais.

 

Muito professor milhões

Dele aos alunos vai dar

De veras informações,

Mas nunca lhes vai contar

 

Os capítulos da história

Própria de que tem memória.

Um e outro findarão

 

Por ninguém fincar ao chão.

Filhos e alunos, ao frio,

Da vida perdem o rio.

 

 

1428 - Meses

 

Durante os meses primeiros

Nem um só termo dizias.

Todos foram, pioneiros,

Falar-te todos os dias.

 

Quando aprendeste a falar

E alguém buscaste a te ouvir,

Todos vês a se calar.

Sem diálogo, a seguir,

 

As histórias não se cruzam

E acabamos isolados

Na emoção que nos recusam.

 

De diálogo sem dados

Perdemos a ferramenta

Que em comunhão nos inventa.

 

 

1429 - Protestar

 

Hoje, ao veres os obstáculos,

Tornaste-te especialista

Em protestar, dos pináculos

Não agradecendo a lista.

 

Falas de quem te magoa

E de crise financeira,

De frustrações mil à toa…

Gastas a energia inteira

 

Com críticas que te fazem,

Com quanto te prejudica

Os encantos que te aprazem

 

No que a vida bonifica.

Talhas a tua desgraça

Cego ao encanto que passa.

 

 

1430 - Centro

 

O mundo é contraditório:

As crianças, quando nascem,

São de milagre envoltório,

No centro do mundo pascem.

 

Mas, pouco a pouco, os adultos

Deixam na periferia

Das próprias vidas, estultos,

O bebé que lhes crescia,

 

Vão-se os beijos e as carícias.

Lutam por dar-lhes porvir,

O mundo e quaisquer blandícias.

 

Não têm tempo, a seguir,

Para a si próprios se darem,

Findam a se desalmarem.

 

 

1431 - Diariamente

 

Diariamente, milhares

De emoções e pensamentos

Se registam, singulares.

As vivências de momentos

 

De emoção mais elevada

São privilegiadamente

Arquivadas logo à entrada.

Carinho e medo fremente,

 

A rejeição e o apoio,

A correcção, a injustiça,

Atam num longo comboio

 

A memória que as enliça.

Cuida a manta de retalhos,

Da vida é cuidar dos galhos.

 

 

1432 - Morada

 

Sem morada, uma pessoa

Poderemos encontrar

Após anos indo à toa

De lugar para lugar.

 

Na cidade da memória

É uma fracção de segundo

Do encontro para a vitória

Do que importa em nosso mundo.

 

A inteligência é o mistério

Que, sem mapa nem roteiro,

Nos garante sempre o império

 

Sobre a memória em ficheiro.

Como não nos encantar

Com um dom tão invulgar?

 

 

1433 - Janelas

 

Se alguém te fechar a porta,

Não te gastes no confronto,

As janelas é que importa

Que busques antes, de pronto.

 

É de água sabedoria

Que obstáculos não discute:

Contorna-os tu todo o dia,

Chega ao fim noutro azimute.

 

Se alguém te frustra ou ofende,

És água e quem te feriu,

Obstáculo que se rende

 

A quem o não discutiu.

E aprende a doar-te sem

Muito esperar de ninguém.

 

 

1434 - Empreendedor

 

Empreendedor sê deveras,

Não tenhas medo de errar.

Se erros forem, não quimeras,

Confessa-os então a par.

 

E, quando os reconheceres,

Não temas nunca chorar.

De os chorar quando tiveres,

Não temas reavaliar

 

A tua vida, teu rumo.

Quando a reavaliares,

Não te esqueças, em resumo,

 

De a ti te proporcionares

A fresta de novidade

De nova oportunidade.

 

 

1435 - Erro

 

O erro que da Razão

A Idade nos cometeu

Será que a superstição,

O fanatismo sandeu

 

Que inundam hoje a cultura

O arrastaram para o lixo,

Ao real dando figura

Ao anular do erro o nicho?

 

O racionalista tenta

Reduzir a criação,

No todo com que se alenta,

 

Ao que não é mais senão

Que peso num balança

- E um Outro Além nunca alcança.

 

 

1436 - Cadilhos

 

Há cadilhos que, adivinhos,

Prendem ao soltar do chão:

A certeza é um dos caminhos

Mais lestos da danação.

 

Nenhum homem saber pode

Para outrem o melhor.

A certeza que lhe acode

É o engano de a supor.

 

Deus chamou-nos a pastores

De seu povo sermos todos

Para escolher os melhores

 

Dos caminhos e dos modos.

Mas como ao certo saber

O caminho a percorrer?

 

 

1437 - Fim

 

Seja o que for que façamos

Para criar o destino,

O cume em todos os ramos

É com Deus, fado divino.

 

Quão mais ando matutando

Mais certo estou de que nada

Importa a palavra quando

Aponto igual madrugada.

 

Anátema, excomunhão

Por num dogma crer ou não?

É só do que é fruta em acto

 

Que a fruteira desempato:

Gera o bom frutos de amor,

Vermes o mau, choro e dor.

 

 

1438 - Serve

 

Para que é que serve a guerra

A não ser para que a paz

De vez se estenda na terra

Como a qualquer povo apraz?

 

Se um soldado em demasia

Amar aquilo que faz,

Breve se transformaria

Em só de matar capaz.

 

Então à terra pacífica

O que ele trará dali

É só uma achega específica:

 

A paixão da guerra em si.

Pervertidos os valores,

Toda a vida são horrores.

 

 

1439 - Rejeição

 

Por trás dos olhos hostis

Há o menino que aprendeu

Que a vida é de tal cariz

Que nunca a ninguém sorriu.

 

Então, a melhor maneira

De a rejeição prevenir

É doutrem nem pôr-se à beira

E, para se não ferir,

 

Tornar-se o mais detestável.

Não é nunca então surpresa

O desamor expectável.

 

Dele é a mágoa sobre a mesa:

Superou a frustração

Dando a morte ao coração.

 

 

1440 - Verdade

 

A luz da verdade é uma

Mas vemo-la repartida

Por cristais, prismas, em suma,

Por mil cores difundida.

 

Cada uma das maneiras

Pela qual homens, mulheres,

Vêem dos deuses as jeiras

Tem dum pendor os haveres.

 

De muitas vertentes vemos,

Por muitos nomes chamamos

O segredo-mor que temos

 

E que ao vento proclamamos:

- Chamem-lhe um nome ou nenhum,

Os deuses são todos Um.

 

 

1441 - Única

 

Cada qual o mundo vê

De forma bem diferente.

O nascimento dele é

De estrelas um ponto assente,

 

De história única um fio.

Não é despropositado

Permitir-lhe sempre o ousio

Do deus que há percepcionado.

 

Neste mundo que é tão rico,

De tal modo variado,

Decerto que me não fico

 

Sem mil formas de traslado

Para que o possa quenquer

Vislumbrar como entender.

 

 

1442 - Conforto

 

Há um conforto curioso

Na ideia de que a tristeza,

As confusões como o gozo

Da vida que por nós reza

 

No presente que angustia

Têm por trás algo de eterno

Que se não gasta num dia

E nos toca em gesto terno,

 

Enchendo a dor da magia

Dum céu a cobrir o inferno.

Pôr-de-sol que amanhecia,

 

Primavera a vir do Inverno,

É o toque que me anuncia

Qual meu ser, enfim, superno.

 

 

1443 - Aqueles

 

Aqueles tão poderosos

E arrogantes nos trabalhos,

Com o empregado dolosos,

Lidando, por entre ralhos

 

Com clientes, condutores,

Preconceitos e segredos,

Falsa atitude de humores,

Hipocrisias e medos,

 

Opressão, feitas as contas,

Findam o dia na buate

E pagam mil notas tontas

 

Por um breve desempate

De deixar de ser quem são

Apenas por um serão.

 

 

1444 - Final

 

Todo o homem é um artista,

Obrigação de saber

Tem de que o final em vista

Do ser humano é entender

 

Que será o amor total.

Nos outros não mora o amor,

Mora dentro, em cada qual,

Só lhe desperto o calor.

 

Porém, para o despertar

É que doutrem precisamos.

O sentido revelar

 

Do mundo, só quando achamos

Alguém com quem partilhemos

Os furacões que vivemos.

 

 

1445 - Afecto

 

Quanto mais longe mais perto

O afecto do coração

De que sofremos o incerto

Murchar, esquecer em vão.

 

Se condenados a exílio,

Guardamos cada lembrança,

Do antigo olhar cada cílio

Que as raízes nos alcança.

 

Se do ente amado distantes,

Cada qual que pela rua

Nos passe lembra os instantes

 

Do distante que flutua

Fora do tempo e lugar

Onde dói seu magoar.

 

 

1446 - Pergunta

 

Ninguém deve perguntar:

- Por que é que estou infeliz?

Esta pergunta é o lugar

Que nos destrói de raiz.

 

Se o pergunto, vou querer

Descobrir o que é que faz

Feliz de vez a quenquer.

Felicidade o que a traz,

 

Se é diferente daquilo

Que estivermos a viver,

Ou mudo de vez de estilo

 

Ou mais infeliz vou ser.

E à vida que por mim passa

Logo lhe aniquilo a traça.

 

 

1447 - Bom

 

Quem é verdadeiro amigo

Ficará sempre a meu lado

Se ocorre o que é bom comigo,

Torce por mim sem enfado,

 

Alegra-se da vitória…

O falso amigo aparece

Quando o difícil, sem glória,

Todo o meu dia entretece.

 

Vem com uma cara triste,

Ficta solidariedade,

Quando a dor que em mim persiste

 

Conforta em profundidade,

De maneira inconfessável,

Dele a vida miserável.

 

 

1448 - Será

 

Que é que será liberdade?

Será ver que teu marido

Não se importa de verdade

Com o que tens no sentido?

 

É sentires-te sozinha,

Sem ter com quem partilhar

O afecto que se adivinha,

Que quem partilha teu lar

 

Vive apenas concentrado

No trabalho, na importante

Carreira que haja encetado,

 

Magnífica, deslumbrante?

Liberdade vai ser esta

Vida que a vida encabresta?

 

 

1449 - Força

 

O amor é força selvagem:

Quando tento controlá-lo,

Destrói-me em sua voragem;

Quando tento aprisioná-lo,

 

Ele escraviza-me então;

E, quando tento entendê-lo,

Deixa-me na confusão.

Esta força é nosso elo

 

Para nos dar alegria,

Ao nos achegar aos mais.

Como amamos hoje em dia,

 

É só um minuto de paz

Que haurimos em cada hora

Que a angústia em nós se demora.

 

 

1450 - Guerra

 

Muitos na guerra há felizes:

O mundo tem um sentido,

O sacrifício raízes

Embebe no que é vivido.

 

Amam então sem limites,

Que não há nada a perder.

Se o ferido, nos palpites,

Não vê que o salvem sequer,

 

Seu fôlego derradeiro

É que à mulher, é que ao filho

Digam que os amou inteiro

 

Até ao último brilho.

No desespero maior

Todos só falam de amor.

 

 

1451 - Importa

 

Todo o relacionamento

Importa pela conversa.

Mas poucos, neste momento,

Acolhem de forma tersa

 

Sentar-se para falar

E para os outros ouvir.

Vão-se em teatro ocupar,

Em cinema, a distrair,

 

Vêem a televisão,

Ouvem rádio, livros lêem,

Mas jamais conversarão

 

Nem sequer sobre o que vêem.

- Quando, à roda da fogueira,

Lendas ouço a noite inteira?

 

 

1452 - Gesto

 

Que será que mais prazer

Há-de dar, no casamento,

A qualquer normal mulher?

Não é de sexo um momento,

 

É o gesto de alimentar:

Ver todo o lar a comer.

Ir-se-á disto gloriar,

Que o dia inteiro a correr

 

Tremeu a cuidar da ceia.

É do passado de fome,

Do risco que, volta e meia,

 

De extinguir-nos nos consome.

Ao sobreviver, o ninho

Propõe-lhe então o caminho.

 

 

1453 - Errado

 

O que há de errado é a maneira

De manifestar o amor.

Se aceitarmos que joeira

De problemas todo um ror,

 

Poderemos conviver

Com eles e ser felizes.

É uma luta sem fim ter,

O que activa em nós matrizes

 

De vivos ser e animados

Com ignotos universos

De conquista em mil e um lados.

 

Acomodados nos berços

Ao invés, sem mais confrontos,

O amor não luz, põe-nos tontos.

 

 

1454 - Contaram

 

O mundo que conhecemos

Hoje é apenas uma história

Que contaram e em que cremos.

Mas esta não é a memória

 

Da história que é verdadeira.

Estoutra história inclui dons,

O poder da mente inteira,

Faculdades doutros tons

 

Que irão muito mais além

Que aquilo que conhecemos…

Algo aqui temos também

 

Que com outrem nós troquemos.

Aqui, lendário, fecundo,

Se enraíza um novo mundo.

 

 

1455 - Casal

 

Num casal que é fracassado,

Se um pára de caminhar,

O outro ver-se-á forçado

O mesmo a fazer, a par.

 

E, enquanto espera, aparecem

Amantes, piropos dados,

Cuidar dos filhos que esquecem,

Compulsivos outros dados…

 

Bem mais fácil é falar

Abertamente do tema:

"Vamos em frente!" - gritar -

 

"Já que o tédio mui se extrema

E é tanta a preocupação

Que o medo nos prega ao chão!"

 

 

1456 - Importante

 

É importante deixar ir,

Soltar e se desprender.

Importa compreender

Que ninguém joga o porvir

 

Com as cartas já marcadas,

É ganhar e é perder.

Teu génio não vás querer

Que descubram nas jornadas,

 

Nem que te devolvam algo

Ou reconheçam o esforço,

Quão teu amor é fidalgo…

 

Fecha o ciclo em cada escorço,

De quem foste afasta os pés,

Transforma-te em quem tu és.

 

 

1457 - Refazer

 

Quantas vezes me esqueci

De refazer o caminho,

Romeiro que me perdi,

Das veredas adivinho!

 

A bagagem deitar fora

Inútil, manter apenas

O que cada dia implora

A viver horas serenas.

 

Deixar assim que a energia

Do amor corra livremente,

Fora e dentro todo o dia,

 

Dentro e fora, qual semente.

Eis-me então, por entre o povo,

Feito romeiro de novo.

 

 

1458 - Recontado

 

Quando tudo tiver sido

Recontado muitas vezes,

Sítios onde houver vivido,

Momentos dos entremezes,

 

Passos que por ela dei,

Quando tudo se tornar

Lembrança do que passei

Já distante deste lar,

 

Restará mui simplesmente

Apenas um amor puro.

Não tenho um dever em mente

 

Nem dela preciso, apuro,

Por ser quem, a cada estrela,

Me abre na vida a janela.

 

 

1459 - Deixa

 

A fixação

Em tudo o que foi passado

Geração a geração

Nunca deixa nenhum dado

 

Com pergunta sem resposta,

Ocupa o território inteiro,

Nunca permite outra aposta

Dos humanos no viveiro,

 

Nunca a singularidade

De alguém considerar

A possibilidade

 

De mudar.

Então quantos, perenemente,

Marcam passo em vez de seguir em frente.!

 

 

1460 - Crítico

 

O crítico é um inseguro,

Nunca sabe o que acontece,

É na política um duro

Democrata que se tece,

 

Mas se fala de cultura

Há-de ser sempre fascista,

Acha que o povo se apura

Na escolha do eleito à lista

 

Mas que não sabe escolher

Músicas, livros, cinema…

E crê que tem o dever

 

De ser ele a impor-lhe o lema.

Acaba ao fim condenado

Por se ter sempre enganado.

 

 

1461 - Sofrimento

 

O sofrimento dimana

De esperarmos que nos amem

Da maneira que se irmana

Com fantasias que acamem

 

Nosso querer e poder

E não da maneira como

O amor há-de dever ser:

Sem controlo algum de tomo,

 

Livre, sempre a nos guiar

Com sua indomável força,

A impedir-nos de parar

 

E sem desvio que o torça.

Mesmo que haja dor, ao fim

Não sofro, quero-me assim.

 

 

1462 - Sabe

 

Deus sabe o que todos somos,

Somos artistas da vida.

De escopro um dia dispomos

Para uma estátua esculpida,

 

Outro dia são pincéis

E tinta para pintar

Ou são lápis e papéis

De escrever o que calhar.

 

Mas jamais conseguirei

Com escopro pintar telas

Nem com pincel talharei.

 

Devo então abrir janelas

Às bênçãos do dia de hoje,

Que a vida só então não foge.

 

 

1463 - Vazio

 

Porque estava vazio, o vento trouxe

Coisas novas, ruídos nunca ouvidos,

Gente com quem jamais termos sentidos

Falara, nem sequer a trouxe-mouxe.

 

Então voltei a ter, livre do alcouce,

O entusiasmo vivido em tempos idos,

Que de histórias de antanho meus sentidos

Se livram, da vontade pela fouce.

 

Descubro-me capaz de abençoar,

Descubro que serei muito melhor

E bem mais eficaz do que eu julgar.

 

A idade só amesquinha quem se impor

Não tenta com coragem, para andar

Com passos próprios, firme a caminhar.

 

 

1464 - Condição

 

Sempre a condição humana

Nos fará compartilhar

Apenas do que dimana

Do que é melhor para dar.

 

Porque estamos sempre em busca

De amor, duma aceitação.

O meu labor só chamusca

Do fogo que ateio à mão

 

O cume duma montanha,

Ilha perdida no mar.

Bate-lhe a luz, brilho ganha,

 

Parece no seu lugar,

Mas por baixo é a treva escura

De quem a si se procura.

 

 

1465 - Muros

 

A vida de lá de fora

Dos muros deste meu lar

Vai ficando de hora a hora

Mais difícil de aturar.

 

Não é caos, anarquia,

Nem desorganização.

É de ordem antes mania

Que a mais mata o coração.

 

Há regras cada vez mais,

Leis de regras contrariar,

Regras de às leis pôr taipais,

 

É um nunca mais acabar…

- O mundo inteiro, assustado,

Nem se atreve a um passo ao lado.

 

 

1466 - Prisioneiro

 

Tudo o que tenho é o presente

Que é deveras muito curto

E é quanto tem toda a gente,

Curto em todos dele o surto.

 

Alguns cuidam, todavia,

Que amealharam o passado

Cumulado dia a dia,

Que, no pendor do outro lado,

 

À mão têm um futuro

Onde acumular vão mais.

Contudo, o que eu inauguro

 

De ambos nunca tem sinais:

Vivo prisioneiro aqui

No agora que me sorri.

 

 

1467 - Casamento

 

Casamento por amor

Não será nunca, à partida,

Mais adequado ou melhor:

- Mas é o mais lindo na vida!

 

Por amor às vezes casam

E o amor desaparece

Anos após, nada aprazam

Na lareira que arrefece.

 

Sem amor vão noutros casos

E, após uns anos corridos,

Amam-se fundo e sem prazos

 

Um ao outro desmedidos.

É que no amor sobretudo

Muito estranho é tudo, tudo.

 

 

1468 - Nunca

 

Quem nunca sofreu de amor

Nunca aprender há-de a amar.

De outrem perder é o terror,

Do silêncio o medo alvar,

 

Dum quarto feito deserto,

De pensar sem confidente,

De a sós murmurar, que perto

Ouvido não há presente.

 

E, quando tudo desaba

E atrás só fica o vazio,

Em escombros tudo acaba

 

Da humilhação entre o frio.

Mas um brasido restou

De saber quanto se amou.

 

 

1469 - Adversidade

 

A adversidade é o vento forte

Que nos desvia do lugar

Aonde poderíamos chegar

Com outro norte.

 

Também nos arranca tudo, excepto

O que não pode ser arrancado,

De medo que nosso final aspecto

Descabelado

 

Seja o que vemos e somos deveras.

Perde o sentido

Vermo-nos como gostaríamos de ter sido

 

Noutras esferas.

Por violento que seja da adversidade o vulcão,

Ele é que nos firma, afinal, o pé no chão.

 

 

1470 - Insuportável

 

Que insuportável tristeza

Perceber que não tomei

O gosto a uma boa mesa,

Às terras onde passei,

 

Só porque nunca pensei

Mais que no que o sonho preza,

Mesmo se da vida a lei

Me escoa lenta a represa!

 

Contudo, se eu desviara

Dali o meu pensamento

Que vida, afinal, gozara?

 

Era actor que praticara

Do palco para o momento

Que afinal jamais chegara.

 

 

1471 - Mestre

 

O vero mestre provoca

No discípulo a coragem

De o mundo que no imo evoca

Descalibrar na triagem,

 

Embora também esteja

Ele com muito receio

Dos eventos que entreveja,

Quer do passado no enleio,

 

Quer do que lhe reservar

Além a próxima curva,

Aberta para o lugar

 

Onde a vista é sempre turva.

Mas é só um desequilíbrio

Que à Luz leva sem ludíbrio.

 

 

1472 - Toda

 

Um sou apenas e sou

Toda a gente que há no mundo.

Porque um sou e todos, vou,

Na centelha em que me inundo

 

Quando em meus fundões mergulho,

Ouvir instruções precisas.

São de além de todo o entulho

Do dia e suas divisas,

 

Dum ponto desconhecido

Dentro em mim, a alimentar-me

Do seio da Mãe, bebido

 

Leite comum, doce carme,

Que às almas todas se aferra

E espalha o saber na Terra.

 

 

1473 - Preenche

 

É o amor, preenche tudo:

Não pode ser desejado,

Que é nele um fim, sobretudo;

Nem trair pode, que atado

 

Nunca à posse ele há-de estar;

Não pode manter-se preso

Porque é rio a transbordar

Das barreiras, sempre ileso.

 

Quem o tente aprisionar

Terá de cortar-lhe a fonte

De que ele se alimentar.

 

Perdido então o horizonte,

Trigo não germina a messe,

É um pântano que apodrece.

 

 

1474 - Destino

 

Será o destino implacável

Com os que queiram viver

Num Universo imutável

Que já findou de mexer.

 

O novo mundo é o da Mãe

Que com o amor separar

Céus de água veio, porém.

Falhará quem crer falhar;

 

Quem não logra agir diverso

Destruído é da rotina;

Quem a muda impede, terso,

 

A mudar em pó se inclina…

Malditos os que não dançam

E os outros de dançar cansam!

 

 

1475 - Apenas

 

Vejo apenas amizade

Onde a paixão se fanou

Há toda uma eternidade:

Cada qual se acostumou…

 

Por isto é que a terra dá

Apenas o que já deu

No ano anterior, acolá,

Sem no horizonte outro céu.

 

Por isso, no escuro de alma

Se queixam silentemente:

Nada muda a podre calma

 

Da vida que há no presente…

É que o medo aos desafios

Tolheu os férteis desvios.

 

 

1476 - Serpente

 

A serpente que devora

A própria cauda nós somos:

Destrói-se a vida na hora

E constrói-se em novos tomos.

 

Tudo na existência ocorre

De igual modo, do abandono

Ao encontro que socorre,

De ser servo a não ter dono.

 

E só permanece intacto

O tecido que teceste:

De teu agir todo o impacto,

 

O filho que à luz tu deste…

Disto respeita o teor,

- É teu fio condutor.

 

 

1477 - Precisas

 

Não precisas de afirmar

Que amado és, forte ou capaz,

Que o sabes sem duvidar.

Mas, se houver dúvida atrás,

 

Em vez de tentar provar

Que melhor és do que pensas,

Ri-te apenas, em lugar,

Ri de tuas horas tensas,

 

Ri das preocupações,

Das tuas inseguranças,

Troca a angústia por canções,

 

De bom humor que lhe entranças.

- Aos poucos, o teu lugar

Há-de a ti se habituar.

 

 

1478 - Lavas

 

Reza quando lavas loiça,

Grato da loiça a lavar,

Que há comida que retoiça

Quem tem fome a alimentar,

 

Tratou-se alguém com carinho

E alguém cozinhou, serviu…

Quantos milhões adivinho

Que nenhuma loiça viu:

 

No fogão não têm presa

Nem ninguém a pôr-lhes mesa…

Suspensos na solidão,

 

Ninguém lhes vai dar a mão.

Reza, pois, de humilde gesto,

Que há mais mundo em teu apresto.

 

 

1479 - Reprograma-te

 

Reprograma-te ao minuto,

No que te faz crescer pensa.

Se te irritas, a sentença

É rir de ti, de teu fruto:

 

Ri-te alto deste estatuto

De angústia perene e densa,

De a questão ser tão intensa

Que o mais devém diminuto,

 

Que importas mais do que o mundo…

Tu manifestas a Mãe

Mas Deus crês que é o pai facundo

 

De regras que não convêm.

É que é disto o mal que integras:

- O mal de só seguir regras.

 

 

1480 - Crucificámos-te

 

Crucificámos-te, Deus,

Não porque somos ingratos,

Mas por medo de teus pactos,

De sermos herdeiros teus.

 

Foi com medo de aceitar

A nossa capacidade,

Medo de nos transformar

Em deuses, mas de verdade.

 

Com o tempo e a tradição

Voltaste a ser deus distante

E nós voltámos ao chão,

 

Neste destino hesitante.

E assim, tudo descansado,

Traímos o nosso fado.