O
SABOR DOS DIAS
PRIMEIRO TROVÁRIO
O AMOR CANTO
EM VERSO BREVE
Escolha um número aleatório entre
1 e 106 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1 – O sabor dos dias
O amor canto em verso breve,
Também o sabor dos dias,
Desvendo o rio que leve
Ao mar fundo que me eleve
Do invulgar às gelosias.
O afecto na quadra viso
Tal do cotio o que for
Ao sonho que nem diviso,
O insólito a me propor.
Laços canto em metro incerto,
Dos dias o desencontro,
Dos cumes o longe aberto.
Já nos trovários me encontro,
Tudo, ao rir, é reencontro.
2 – O amor canto em verso breve
O amor canto em verso breve
De métrica regular
Com rima que nos eleve
Ao par, dum amor o leve
Espelho do similar.
Em todas as dimensões,
Em todas as conjunturas,
É o laço das emoções
Com as vontades mais puras.
E é das ausências castigo,
Na lógica das traições
Dos corações sem abrigo.
O amor são tantos baldões
- E nós crendo-o sem senões!
3 – Três |
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Há três coisas que a um adulto |
A criança há-de ensinar: |
Feliz e contente andar |
Sem motivo, mesmo estulto; |
|
Com algo andar ocupado |
Agora e constantemente; |
Exigir mui veemente |
O que tiver desejado. |
|
Com todas as três, enfim, |
Enche a vida adulta assim. |
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4 – Pai |
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Quenquer pode ser amigo |
De meus filhos, porém eu |
Único posso e me obrigo |
A ser pai que têm de seu. |
|
Sou quem tem de os ajudar |
A crescer, devir adultos |
Independentes e, a par, |
A compreenderem, cultos, |
|
As regras como os limites. |
Os amigos podem ter |
Acaso, quaisquer palpites, |
Que só um pai tem o saber. |
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5 – Relações |
|
Relações optimizadas |
Com meus filhos posso ter |
Mesmo (e só) se demarcadas |
Nos limites a reter. |
|
Limites dão à criança |
A segurança a sentir. |
Mais bem qualquer lar alcança |
Se bem cedo os imprimir. |
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6 – Casamento |
|
O casamento é espantoso: |
Dois que lançam dados juntos, |
Uma e outra vez, no gozo |
Do terror que há nos assuntos |
E do entusiasmo encontrado |
De ignorar o resultado! |
|
Diariamente bate à porta |
A sorte, a oportunidade. |
Uns ouvem-na no que exorta, |
Outros, não, se não agrade. |
Não basta ouvi-la, porém, |
Mas deixá-la entrar também, |
|
Saudá-la, torná-la amiga |
E cooperar com ela. |
Ter a própria sorte obriga |
A abrir larga uma janela. |
O casamento, espantoso, |
Fisga o peixe mais gostoso. |
|
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7 – Acordos |
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A tendência a discutir |
Em redor, sem resolver, |
Dentro dos casais porvir |
Do lar é dar a perder. |
|
Discutir bem, diferenças |
Permite expor logo então, |
Leva a acordos as sentenças, |
Fortalece a relação. |
|
Não discutir não é, pois, |
O que torna o lar feliz, |
Mas discutir bem. Depois |
Pouco importa o que alguém diz. |
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8 – Invés |
|
O invés da privacidade, |
Não é invasão, é abertura: |
O privado, de verdade, |
É aquilo que me inaugura. |
|
É o que partilhar permite |
Esperanças, fantasias, |
Sonhos, medos, um palpite, |
Nos faz sentir alegrias |
|
Porque podemos expor |
Equívocos e defeitos |
E continuar, sem temor, |
Ao amor a ser atreitos. |
|
A privacidade é espaço |
Entre nós e os mais queridos |
Onde sei de qualquer laço |
E não há quaisquer arguidos. |
|
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9 – Medo |
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Quero o coração em paz, |
Com alguém com quem viver |
Sem ter medo de o perder |
Um dia após, se lhe apraz. |
|
O tempo então devagar |
Em silêncio ficaria: |
Resta para conversar |
Toda a vida, dia a dia. |
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10 – Pobres |
|
Dois pobres enamorados: |
Só o relógio é o que ele tem, |
Ela, uns cabelos doirados |
E ambos o amor que convém. |
|
Querem trocar um presente. |
Ele o seu relógio vende |
E de pedras compra um pente |
Que aos cabelos dela rende. |
|
Ela vende a cabeleira, |
Do dinheiro uma corrente |
Compra para ser parceira |
Do relógio, no amor crente. |
|
E, na festa de noivado |
Ao relógio já vendido |
Ela a corrente há ofertado, |
Ele, o pente oferecido |
Ao cabelo já cortado. |
|
Assim é o amor da gente: |
Em contrapé da corrente. |
|
Mas, por isso, que ternura: |
É uma ingenuidade pura! |
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11 – Perfeito |
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Não é o amor encontrar |
Uma pessoa perfeita. |
É o perfeito retratar |
Na imperfeita que o tocar |
E torná-la então a eleita. |
|
O amor é a combinação |
Duma atracção instintiva |
Com a decidida opção |
De lhe dar ocasião |
A que de vez então viva. |
|
E no correr deste leito |
É o rio sempre imperfeito. |
|
|
12 – Artes |
|
Provam as artes que mais |
Somos do que os animais. |
|
O amor, porém, é que prova |
E as artes são a palavra |
Com que o amor tudo inova |
À medida que nos lavra. |
|
Que o amor é o outro lado |
A ser quase desvelado. |
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13 – Através |
|
Através de ti sabia |
Admirar o mundo inteiro. |
Hoje, sem ti, parecia |
Que o que vejo, a que me abeiro, |
Nem sequer existiria: |
Sem ti é que eu encegueiro |
E tudo perde a magia, |
Esvaziado e leveiro, |
Véu de seda que se esfia, |
E nu fico ao nevoeiro. |
|
|
14 – Espaço |
|
Nunca sabemos ao certo |
Qual o espaço que ocupamos |
Na vida dos outros: perto |
Ou longe, o que ali meçamos |
Deixa o mistério encoberto. |
Contudo, da névoa emerge |
O afecto que cultivemos |
E o melhor laço converge |
De, ante os muros que nós vemos, |
Desejarmos preservar |
A relação que aflorar. |
Não uma emoção que manda, |
Volátil e caprichosa, |
Mas vontade que a comanda, |
Fiel e sempre operosa. |
|
|
15 – Talentos |
|
A mulher casa também |
Com talentos do marido. |
Não se impressiona, porém, |
Mais tarde com tal tecido, |
Mas sempre há-de fazer crer |
Que aquilo que pretender |
Não é mais que ir no sentido |
Do que lhe é dali devido. |
|
|
16 – Blandícias |
|
Blandícias de amor carnal |
Mais poder no solitário |
Têm do que no normal |
Que se atar comunitário. |
|
A mais rude tentação |
Do encontro duma mulher |
Não vem: a imaginação |
Duma ausente ela requer. |
|
O delicioso atractivo |
De longe se exerce mais |
Do que de perto ou ao vivo, |
Na magia dos sinais. |
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17 – Indivíduo |
|
O indivíduo é um capital |
Que permanente requer, |
De tão reduzido ser, |
Ser restaurado, afinal, |
Mediante a relação |
Com outrem, de mão na mão. |
|
Fora disto é o desperdício |
Dum mero inútil resquício. |
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18 – Portas |
|
Não é isto o casamento, |
Duas portas em dois mundos, |
Ida e vinda nos fecundos |
Caminhos do entrosamento? |
|
De tal modo que fechados |
Nunca mais enlouqueçamos |
Nos trilhos dos mesmos tramos, |
Sala de espelhos blindados. |
|
É por isto que sentimos |
A precisão de casar: |
A abrir-nos outro lugar |
Um outro além pressentimos. |
|
|
19 – Queixar-me |
|
Queixar-me da solidão? |
Só lograrei que me escutem |
Quando enfim meu coração |
Línguas falar que percutem |
O íntimo da multidão |
E então o amor executem |
Semeando todo o chão. |
|
|
20 – Triste |
|
Que triste viver no meio |
Duma família, dum lar, |
A conversar, conversar, |
Sem ninguém ver o entremeio! |
|
A frase atirada ao ar |
Tal bola jogada à toa. |
Tudo bem, foi bola boa, |
Então, se alguém a apanhar; |
|
Se não, vai cair ao chão |
E atira-se outra em lugar. |
Fale-se o que se falar |
Parece haver no desvão |
|
Entre eles dupla vidraça: |
- Ninguém vê o outro que passa. |
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21 – Aprender |
|
A nova oportunidade |
De aprender a ser deveras |
É aceitar como, em verdade, |
Pode alguém doutras esferas |
Provir e ser diferente |
Quando eu amo, impenitente. |
|
|
Como pensar e sentir |
Pode de forma diversa |
Da minha quem vejo vir |
Com gosto que nunca versa |
O que prefiro em meu dia |
E auras novas principia. |
|
Diz o que eu nunca direi |
E não vê nunca o que vejo… |
Único é quem amo: a lei |
É que é doutro mundo o ensejo, |
Não uma cópia de mim, |
Ao decalque porá fim. |
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|
22 – Procures |
|
Amigos sem ter defeitos |
Não os procures jamais, |
Que a vida então, pelos jeitos, |
Perdes sem amigos tais. |
|
E defeitos não procures |
Nos amigos, de caminho, |
Que, a pouco e pouco, o que augures |
É que acabarás sozinho. |
|
|
23 – Quando |
|
Quando um diz: “agora não!” |
Quando o outro demonstra afecto, |
Casados não ficarão |
Partilhando comum tecto. |
|
Se estiveres ocupado, |
Aos pedidos de atenção |
Responde: “ando atrapalhado, |
Mas diz qual a pretensão.” |
|
Disputas que principiam |
Por “és sempre” e por “tu nunca” |
Um ao outro desafiam, |
Logo o lar é uma espelunca. |
|
Em vez da crítica vaga, |
Explica o que te irritou. |
Se o alvo és tu desta adaga, |
Pára a escalada que alçou. |
|
Levar os olhos aos céus |
Quando o parceiro conversa, |
Negativos escarcéus |
Cumula em tudo o que versa. |
|
O teu gesto negativo |
Com positivos emenda: |
Afaga e sorri mui vivo… |
Talvez teu lar não se ofenda. |
|
|
24 – Corações |
|
Em toda a comunidade |
Há trabalhos por fazer, |
Como toda a nação há-de |
Por curar feridas ter. |
|
Ao lado destes senões |
Anda o remédio singelo: |
Em todos os corações |
Há poder para fazê-lo. |
|
|
25 – Ciúme |
|
Amor sem ciúme algum |
Não é nunca amor nenhum. |
|
Ciúme quem não sentir |
Não ama, anda-se a mentir. |
|
Mas o ciúme também |
Falta de estima por quem |
|
Se amar sempre significa: |
Quem no outro não crer, explica |
|
Nisto que não tem amor: |
- Outrem usa em seu favor. |
|
- Entre os pratos da balança |
Quem o equilíbrio alcança? |
|
|
26 – Mostra |
|
Qualquer mostra de paixão, |
O que é tão delicioso, |
Tão voluptuoso, tão |
Mais sublime, tão mais belo |
Que quanto no mundo gozo, |
Quando é de mim que, singelo, |
|
Se trata, logo se muda |
Numa infâmia intolerável, |
Monstruosa dor aguda, |
Se é com outrem que amorável |
Se porta quem eu amar: |
- Que braseiro a me queimar! |
|
O amor nos contrasta, atroz, |
Liso à frente e atrás com nós. |
|
|
27 – Muro |
|
O muro entre um coração |
E outro coração humano |
É intransponível travão: |
- Em nosso imo a solidão |
É de fundo o eterno pano. |
|
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28 – Arde |
|
O amor arde onde o não vês: |
Pensa num antigo amor |
Por semana alguma vez |
Um sujeito em cada três, |
Com quem nem é de supor. |
|
Terra fértil do quintal, |
De lado a aguardar sinal, |
|
É o braseiro em torno à chama |
Tal amor que não se inflama. |
|
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29 – Reverso |
|
Do pobre ignaro altivez |
Ante dum filho a instrução |
Do reverso esconde a tez |
Que é do filho a deserção. |
|
É o pior custo que sobre |
À luta de quem é pobre. |
|
E nunca a escola aboliu |
A traição que ali se viu. |
|
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30 – Importa |
|
Que é que faz que alguém nos ame? |
Sei lá bem! Seja o que for |
É o que importa, é o que se aclame, |
Nada ante isto tem valor. |
|
E, se aquilo não existe, |
Ninguém o pode criar, |
Nem quando a bondade insiste |
Com a heroicidade a par. |
|
E, quando o amor nos não calha, |
Não há nada que nos valha, |
|
Então só milagre ou graça... |
- Nada mais no-lo congraça. |
|
|
31 – Diariamente |
|
De meu amor pela fada |
Diariamente empreendo |
Qualquer manifestação: |
De fadiga a caminhada, |
Reter um termo pudendo, |
Entoar certa canção, |
- Tudo apenas para honrar |
A fada de meu sonhar. |
|
Escalo o pico escabroso |
Do lado mais ardoroso, |
No lago ao barco dou voltas |
Enormes, de esteiras soltas, |
Contudo, num tempo curto |
Para em breve ficar surto. |
|
Volto mesmo esfomeado |
E até à noite me fico |
Sem alimento tomado |
- Por ela, a quem o dedico. |
|
Levo seu nome e louvor |
Até aos cumes distantes, |
Desfiladeiros de amor |
Jamais visitados dantes. |
|
E, se em mim tudo renovo, |
O amor mesmo é o mundo novo. |
|
|
32 – Espanto |
|
Tal o espanto enternecido |
Duma pedra a que a raiz |
Se apega em jeito torcido |
E que a vê ganhar matiz |
|
Na primeira Primavera, |
Meditando lá consigo: |
Fui eu, na aspereza fera, |
Na secura a que me obrigo, |
|
Eu, calhau, que no meu ventre |
A gerei bela na vida, |
- Tal eu sou quando em mim entre |
E amor dou a quem me olvida. |
|
|
33 – Lutar |
|
Contra o ódio e o desprezo |
Como contra a zombaria |
De lutar ainda me prezo, |
De lutar com alegria. |
|
Contra a esperança, porém, |
E a certeza inabalável |
De quem me preza e quer bem |
De vez fico vulnerável. |
|
A quem em mim acredita |
Não lhe posso destruir |
A ilusão com que me fita: |
É que a mim é me atingir. |
|
Pois destruir a ilusão |
Dos que nos amam é sorte |
Que nos derruba no chão, |
É bem pior do que a morte. |
|
|
34 – Húmus |
|
É o amor algo que morre |
E que, ao morrer, apodrece |
E húmus forma que socorre |
O amor novo que aparece. |
|
O amor defunto a viver |
Continua uma secreta |
Vida no novo que houver |
De aflorar, planta discreta. |
|
Desta forma bem real |
É que o amor é imortal. |
|
|
35 – Filho |
|
Ao filho o suficiente |
Para poder actuar |
Qualquer plano, ao ir em frente, |
Será sempre de lhe dar. |
|
Mas será de lhe negar |
O suficiente à mão, |
Quando quiser, em lugar, |
Nada agir, vivendo em vão. |
|
|
36 – Olhos |
|
Os olhos de quem nos ama |
Nesta nossa escuridão |
Vêem o que em nós se acama, |
Entesouram-nos, seu pão. |
|
Deles somos a riqueza. |
Nosso mau pendor seria |
A derrota que tem presa |
A manhã que se anuncia. |
|
|
37 – Namorados |
|
No dia dos namorados |
Tudo se compra e se vende, |
Mas ninguém compra cuidados |
E ao amor quem é que entende? |
|
Duas canecas de amor |
Com os bojos encaixados |
Buscando encaixe melhor? |
É o dia dos namorados. |
|
Ou então é um chocolate |
Com licor que aos mais prendados |
Se liquefaz, se dilate |
Em dia de namorados. |
|
Se a camisola te entrego |
Dum abraço em corpo inteiro, |
Dois num é o voto que lego, |
De mês a mês mais certeiro. |
|
Um amor disto não pende, |
Muito menos a ternura. |
E o que não vende quem vende |
É o amor que em nós se apura. |
|
|
O que importa, pois, mulher, |
É fazer, para além disto, |
O que nos apetecer |
- E a isto é que eu não resisto! |
|
|
38 – Através |
|
É através das divergências |
Que acabamos por crescer. |
Quando marido e mulher |
Criam lugar às tendências, |
|
À ideia de cada qual, |
Vai ser então que as crianças |
Apreendem o sinal: |
- Apanham tudo o que alcanças. |
|
E nunca mais terão medo |
De criar o próprio credo. |
|
|
39 – Sozinho |
|
Sozinho fica quem ama, |
Tal qual como quando morre. |
Quem do transe vive a trama |
Que lhe importa o mais que ocorre? |
|
E outrem que o pese, que exorta, |
Esmaga o nariz na porta. |
|
40 - Alma |
|
Alma que outra reconhece |
Cumpre uma missão divina, |
A de encontrar um irmão, |
Uma luz que não fenece. |
|
Atar-se-á, no que destina, |
No lapso da inspiração, |
Ao toque da eternidade: |
- Ao berço da humanidade. |
|
|
41 – Reconheçam |
|
Reconheçam vossas almas, |
Saibam deveras quem são, |
Sintam as afinidades, |
O gosto de bater palmas, |
Primeiro aos que estão à mão, |
Depois às antiguidades. |
|
As amizades antigas, |
“Reconheço-o de algum lado”, |
Crê que nelas interligas |
O presente com passado: |
- Nelas fazes de verdade |
Pontes com a eternidade. |
|
|
42 – Deixes |
|
Não deixes ninguém largar |
Tudo por ti, nunca largues |
Nada por alguém. Alargues |
Embora a todo o lugar |
|
Tuas vistas, não há nada |
Nem ninguém que por fim valha |
Nossa vida e na jornada |
A escolha do que nos calha. |
|
Todo o verdadeiro amor |
Terá de ser doce, lento, |
O encantamento propor. |
E quando arrebatamento, |
|
Violência, velocidade, |
Tomam conta do caminho, |
Anormal realidade |
Criam de que me avizinho, |
|
Que irá, mais cedo ou mais tarde, |
Causar crispação, soltar |
Mil fagulhas, com alarde, |
Fatídica alguém magoar. |
|
O amor é calmo, sereno, |
A paixão é arrebatada. |
Para não ferir em pleno |
Pessoa que for amada, |
|
Pacifica o coração, |
Repara se quanto queres |
Não é mesmo uma ilusão, |
Um sonho de malmequeres, |
|
Sério confere a verdade. |
Dá tempo ao tempo depois, |
Que lento o tempo te grade, |
Aliado que é de vós dois. |
|
|
43 – Amar |
|
Que é que terei de fazer? |
Amar sempre tudo e todos |
Mais o invisível que houver, |
Nos vários níveis e modos. |
|
Pelo amor atinjo o céu, |
Perpetuo o céu na terra, |
Apoio outrem que sofreu, |
Curei-o do mal que o ferra. |
|
Através do amor elevo |
O espírito nas alturas, |
O amor atrai o que cevo, |
Novos mundos nele apuras |
|
De a humanidade habitar. |
Disseca fragilidades, |
Oprimidos que topar |
Fortalece em liberdades, |
|
O amor salta qualquer muro. |
O amor nos escolhe, imbele, |
Tão forte quão inseguro, |
Se o escolhermos a ele. |
|
|
44 – Mágico |
|
Encontro mágico, o amor |
Ocorre só quando estamos |
A guiar-nos ao calor |
Do trilho de nossos ramos. |
|
Um homem no seu caminho |
Vive muito, muito vive |
E vive bem, no cantinho |
Onde tal segredo arquive. |
|
|
45 – Descobrir |
|
Descobrir teu próprio fito |
No fito doutra pessoa |
É o milagre que, bendito, |
A sina má torna boa. |
|
E tudo transforma, tudo. |
Ressentimento e pressão |
Nos elimina a miúdo, |
Trocando-as na sensação |
|
De alegria, ao operar |
O que andamos operando. |
É um outro modo de amar, |
Amor deveras amando. |
|
|
46 – Incondicional |
|
Sentir a abundância dentro |
É sentir um infinito, |
Infinito Amor onde entro, |
Incondicional que fito. |
|
E aprender a ir acima |
Apanhar tal demasia, |
Espalhá-lo em todo o clima. |
E eis que a vida principia, |
|
Desata toda a mexer, |
A mudar como devia. |
Quem restrição não tiver |
Dentro em si, tal como o dia |
|
Apagou a negridão, |
Ilumina inteiro o chão. |
|
|
47 – Pais |
|
Se teus pais te não deixarem, |
Nada aprendes sobre a vida. |
Mas repara que a tentarem |
Andarão que desmedida |
|
Não seja a trilha que tenhas |
De transpor para aprender. |
O intuito é bom, mas desdenhas. |
Se cuidado não houver, |
|
Rodeiam-te restrições, |
Orientações e normas, |
Regras e limitações |
Com que mal tu te conformas |
|
E que ao fim te não permitem |
Defrontar quaisquer escolhas |
Que importam, que vida emitem, |
Nem que os efeitos recolhas. |
Convém então que em conjunto |
Deliberem deste assunto, |
|
Pais e filhos, as mãos dando, |
Enquanto vão seroando. |
|
|
48 – Mede |
|
Não se mede o amor |
Entre dois amantes |
Pelo enganador |
Número de vezes |
Que eles, mui galantes, |
Se tocam, corteses, |
Antes no-lo afiançam |
Mas é quantas vezes |
Um ao outro alcançam |
No mundo interior, |
Onde os fogos dançam |
Do que for o amor. |
|
|
49 – És |
|
O ser que és tu é de Amor, |
Tu és o que o Amor é. |
Por isso, ao sê-lo, o calor |
De ser feliz toma pé. |
Se não te permitem sê-lo |
Ou se tu to não permites, |
Do calcanhar ao cabelo |
Te entristecem os limites. |
|
É o Amor outra palavra |
Para Deus dum novo modo. |
Quem tu és, na tua lavra, |
É tal Deus real e todo. |
|
És sempre teofania, |
Expressão da divindade, |
Vivenciando em cada dia |
Tua própria identidade. |
|
|
50 – Gosto |
|
O amor é incondicional. |
Menos, não seria amor, |
Mas gosto individual. |
O amor é unificador, |
|
Interesse unificado. |
É uma experiência do Eu |
Quando os outros, doutro lado, |
Vê como bocado seu. |
|
Quando são parte de ti |
Todos os mais, à cabeça, |
Então como Amor te vi, |
És mesmo Unidade expressa. |
|
|
51 – Provas |
|
Tu, quando os outros amares |
Só por causa de quem fores, |
Provas nada procurares |
Que deles venha, os valores |
De teu amor não fundares |
Naquilo que alguém puder |
Deles acaso colher. |
|
É que para ser feliz |
Ninguém doutrem receber |
Precisará de raiz, |
Mesmo se o não entender. |
|
|
52 – Doutrem |
|
O que doutrem tu quiseres |
Dá-lhe antes de o receberes. |
|
E o que quiseres viver, |
Qualquer conjuntura boa, |
Dá-o a viver a qualquer, |
A qualquer outra pessoa. |
|
É o modo mais eficaz |
De o poder de criação |
Usar de forma capaz |
E de haver retribuição. |
|
|
53 – Farás |
|
Aos outros farás aquilo |
Que a ti queres que fizessem. |
É da razão teu sigilo, |
Mesmo quando outros o esquecem. |
|
Porém, o que a outrem fazes |
É o que será feito a ti, |
Tarde ou cedo, feitas pazes |
Cada qual consigo, em si. |
|
Sem castigo ou recompensa, |
Tudo opera com retorno: |
O que à vida jogo, adensa, |
Volta à partida que adorno. |
|
|
54 – Caias |
|
Jamais caias na armadilha |
De tratar bem a pessoa |
Só por ir encher a bilha |
Dela na nascente boa, |
|
Para que te trate bem, |
Que, se não tomas cuidado, |
Manipulação também |
É o que vem do passo dado. |
|
Os outros tratarás bem, |
Porque assim tal qual é que és |
E que escolhes ser também, |
Uno da cabeça aos pés. |
|
Sem mais nenhum outro fito, |
Amigo apenas, gratuito. |
|
|
55 – Sofrimento |
|
A dor mais o sofrimento |
A mesma coisa não são. |
A dor é o físico evento |
De emocional percussão. |
|
O sofrimento te enrista |
E te põe defronte à tela: |
Será teu ponto de vista |
Relativamente a ela. |
|
Podes ter dor sem sofrer, |
Tu é que o tens de escolher. |
|
Há muito quem sinta dor |
Sem sentir o sofrimento: |
Ao dar à luz se propor, |
Se alegra a mãe do momento. |
|
Com prazer, com alegria, |
Acaba sentindo a dor. |
O sofrimento esvazia, |
Vencido ali pelo amor. |
|
|
56 – Dera |
|
Quem nos dera perceber |
Que Deus e nós somos Um, |
Que um somos com tudo e todos, |
Que eterna é a Vida no Ser, |
Sem princípio ou fim algum! |
Mudariam logo os bodos |
Do percurso da existência |
E mesmo transformariam, |
De vez e desde bem fundo, |
Toda a nossa experiência |
|
- E um novo rosto dariam |
Ao velho rosto do mundo. |
|
|
57 – Lutas |
|
Zangas, lutas e matanças, |
Uma impotência de amar |
Abertamente, que cansas |
Mui breve de partilhar, |
|
Só por teimar em mudar |
As conjunturas da vida |
Em vez de as crenças trocar |
Que as geram, lhes dão guarida. |
|
Se trocas esta matriz, |
Muda a outra de cariz. |
|
É viável ter a paz: |
- Muda a agulha que é eficaz! |
|
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58 – Simples |
|
Simples e comum |
É a pedra primeira: |
- Todos somos um. |
E é guia cimeira. |
|
Pela raça humana |
Verdade ignorada, |
Disto é que lhe emana |
Vida desgraçada. |
|
De separação |
A mentalidade |
Toda a criação |
Sustenta, em verdade: |
|
As religiões, |
Políticas metas, |
As instituições, |
Da moeda espoletas, |
|
Mesmo a educação, |
- Da vida a abordagem |
Tem sempre o bordão |
Da falsa focagem |
|
Da separação. |
A ideia de sermos |
Em desunião |
Faz todos sofrermos. |
|
Este sofrimento |
Mais sofrer fará: |
Dividindo, aumento |
Quanta dor há cá. |
|
59 – Justo |
|
Pode um deus justo exigir |
Infindável sofrimento, |
Angústia e padecimento, |
Sacrifício sem porvir |
Ou qualquer tipo de dor, |
Seja embora por amor? |
|
Deus não faz isto jamais, |
Pede-vos só que se incluam |
No grupo dos que amam mais, |
Sem que os demais dele excluam. |
|
E um pouco mais longe vai: |
Recomenda colocar |
Cada qual que à rua sai |
A si em primo lugar, |
Para a tempo poder ver |
De tudo o trilho a correr. |
|
|
60 – Extirpais |
|
O amor é contrafacção |
Mas jamais lhe chamais isto, |
Fazeis dele transacção |
E nunca extirpais o quisto. |
|
Não dizem “toco-lhe muito”, |
“Amo-te muito” antes dizem. |
O engano faz que gratuito |
Desapontamento gizem. |
|
Depois, então, no vazio, |
Em vez de calor, há frio. |
|
|
61 – Sexo |
|
Queres sexo sem amor? |
Vai em frente até deixar |
De o querer com tal furor. |
A razão para acabar |
|
Com isso efectivamente |
Ou com qualquer outra escolha |
É sempre o teu emergente |
Pensamento que recolha |
|
A imagem de quem tu és, |
Por fim, da cabeça aos pés. |
|
|
62 – Todos |
|
Mestres são os que escolheram |
Apenas o amor nos casos |
Todos, todos os momentos, |
Em todas as conjunturas. |
Ao serem mortos, morreram |
Amando o assassino. Acasos |
De perseguidos, tormentos, |
Por tiranos preces puras |
Geraram sempre seguras. |
|
Tens muita dificuldade |
Em entender algo disto, |
Quanto mais em o emular. |
Dos mestres identidade, |
Foi como operaram: visto |
Em todo o tempo e lugar, |
Pouco importa a religião, |
O saber ou tradição, |
Todos nisto conjugaram |
Os trilhos que os pés rasgaram. |
|
|
63 – Total |
|
Um amor não é uma ausência |
Duma emoção de ódio, raiva, |
Mas a soma de excelência |
De todo o sentir que eu saiba, |
É o total então obtido, |
O Tudo, em todo o sentido. |
|
|
64 – Imo |
|
O que teu imo procura |
É o mais alto sentimento |
De amor que imaginar possas. |
É o maior desejo de alma, |
Dela o fito e a figura, |
Pois sentir é dela o intento. |
Do conhecimento as bossas |
Ela já tem, todavia |
É apenas conceptual. |
Mas o sentimento, não, |
Tem sempre nele, ao invés, |
Experiencial magia: |
Alma quer sentir-se tal, |
Conhecer-se neste chão |
De experiência de seus pés. |
|
E o sentimento sublime |
A vivência da unidade |
É com tudo aquilo que é. |
Grande horizonte que exprime |
Quanto buscar tal verdade |
Qualquer alma, em boa fé: |
|
O sentimento a que atreito |
Sempre sou do amor perfeito. |
|
|
65 – Afecto |
|
Teu imo sempre procura |
Teu afecto mais sublime, |
Experienciar na secura |
Todo o amor que em tudo imprime. |
|
Alma é sempre o amor perfeito |
E sabe-o, sabe-o bem fundo. |
Mas deseja mais a peito |
Tornar o saber fecundo: |
|
Quer sê-lo numa experiência. |
Claro que buscas ser Deus: |
Que julgavas, de evidência, |
Serem objectivos teus? |
|
|
66 – Difícil |
|
Crês difícil o caminho |
De Cristo, Buda ou Maomé, |
Mais difícil é o cadinho |
De alguém recusar o que é. |
|
Bem mais fácil é aceitá-lo: |
És bondade, compreensão, |
Misericórdia e regalo, |
És piedade, paz, perdão, |
|
Alegria e luz, paciência, |
Força e coragem serena. |
Pronto a ajudar na premência, |
A consolar se gangrena |
|
O tempo de mágoa e dor, |
A curar horas de chagas, |
Ensinar se a luz se for. |
Sabedoria nas plagas |
|
Do oceano do Infinito, |
És verdade, a mais sublime, |
A paz suprema que agito, |
O amor grande a que me arrime. |
|
És tudo isto e muito mais. |
Momentos houve nos dias |
Em que lhes viste os sinais, |
Agora fá-los teus guias. |
|
|
67 – Âmago |
|
Bem no âmago de teu eu |
És a faúlha divina |
A que chamamos amor, |
Verdade de ti sem véu. |
|
Uma coisa é ser amor, |
Outra muito diferente |
É o amor em algo pôr |
Que se crie à nossa frente. |
|
Qualquer alma quer criar |
Algo por si mesma, a ver |
Se se pode vislumbrar |
Na vivência que tiver. |
|
Então tenta realizar |
O mais sublime ideal |
Que dela logre alcançar |
Através do acto final. |
|
Tal ânsia de assim agir |
É o que chamamos paixão. |
Mata a paixão e a seguir |
Vês que Deus mataste em vão. |
|
A paixão é Deus querendo, |
Deus querendo saudar-te. |
Mas repara que, em fazendo |
Deus as obras de tal arte, |
|
Deus-em-ti se realiza, |
Não precisa de mais nada. |
Já o homem sente e precisa |
Dum retorno da jornada. |
|
Se vamos amar alguém, |
Isso é bom, mas o melhor |
É recebermos também |
Nós em troca algum amor. |
|
Isto já não é paixão, |
É apenas expectativa. |
É a fonte do borbotão |
De infelicidade esquiva |
|
Dos homens, de ti, dos teus… |
- E é o que os separa de Deus. |
|
|
68 – Função |
|
Perante os teus dependentes |
A tua função vai ser |
Torná-los independentes, |
Ensinar todo e qualquer, |
|
O mais rápido possível, |
A se desenvencilhar |
Em todo o terreno e nível |
Sem de ti mais precisar. |
|
Não serás bênção nenhuma |
Enquanto eles precisarem |
Para sobreviver duma |
Mãozinha que te impetrarem. |
Sê-lo-ás deveras apenas |
Quando enfim se aperceberem |
De inúteis serem, pequenas, |
As ajudas que acolherem. |
|
Para Deus o mais sublime |
Será quando tu e os teus |
Virem o que tudo encime: |
- Ninguém precisa de Deus! |
|
|
69 – Maior |
|
Todo o vosso maior sonho, |
Vosso mais alto ideal, |
Esperança mais preciosa, |
É doutrem sempre o medronho, |
É dum alheio quintal |
Que mata a fome gostosa: |
É sempre relacionado |
Ao vosso outro adorado, |
|
Nunca ao adorado Eu |
Que aqui nada tem de seu. |
|
O teu teste à relação |
Tem sempre a ver com a forma |
Como o outro corresponde |
Aos teus ideais ou não |
E como te viste, em norma, |
Aos dele, que te responde, |
A corresponder também, |
Quando o teste que convém |
|
É veres bem, ante os céus, |
Se correspondes aos teus. |
|
|
70 – Única |
|
As relações são sagradas, |
Proporcionam a maior |
Da vida oportunidade, |
Dela a única, aliás, |
Ao criarem as estradas, |
Ao abrirem o pendor |
De exprimir a identidade |
Mais alta que tu terás |
De teu eu alto e profundo |
A semear-se no mundo. |
|
Fracassam as relações |
Quando as encarares como |
Tua ocasião melhor |
Das conceptualizações |
Mais elevadas, de tomo, |
Doutrem, seja lá quem for, |
De ti te esquecendo então |
Perdido na escuridão. |
|
71 – Deixarás |
|
Deixarás que cada qual |
Numa relação envolto |
Se preocupe com o Eu: |
O que está sendo, afinal, |
Que anda a fazer, desenvolto, |
O que está tendo de seu, |
Que será que vai querer, |
Que é que anda a pedir e a dar, |
Que procura apreender, |
Que é que pretende criar… |
|
E as relações cumprirão |
De forma magnificente |
O fim que elas visarão |
E o de todo o interveniente. |
|
Cada qual, na relação |
Doutrem não se ocupe então, |
|
Que não é terreno seu, |
Preocupe-se com o Eu. |
|
|
72 – Mestria |
|
A mestria é de saber |
Que não nos importa nada |
O que outrem esteja a ser, |
A fazer, ter ou dizer, |
Ou exigir de soldada, |
Não importa o que pensar, |
Esperar ou planear… |
|
Apenas importa aquilo |
Que tu estejas a ser |
Em relação ao asilo |
Que tal propõe a quenquer. |
O mais amoroso agente |
Egocêntrico se sente: |
|
Se amar-te a ti não consegues, |
Não consegues a quenquer. |
E noutrem nunca delegues |
De te amar o teu querer. |
|
Procurar o amor por si |
Do amor doutrem através |
Troca a bússola que ali |
O norte indica ao invés. |
|
“Se amar os outros consigo, |
Então eles amar-me-ão, |
Digno sou de ser amigo, |
Amar-me a mim logro então” |
- Eis o pensar do perigo, |
Mata em ovo a solução. |
|
Ao invés há muitos, muitos |
Que a si próprios se detestam, |
Pois julgam que os mais, gratuitos, |
Os não amam e os infestam. |
|
É uma doença: a verdade |
É que os amam os demais, |
Mas que importa a realidade? |
Por mais que jurem os tais |
Amor terem, mesmo ardente, |
Nunca vai ser suficiente: |
|
- Aquele que se não ama |
Já perdeu lugar e chama. |
|
|
73 – Campanha |
|
Há os que tentam descobrir |
Por que é que alguém gosta deles, |
Não crêem, vão prosseguir |
Em campanha para aqueles |
|
Que os amam irem prová-lo: |
Para tal irão pedir |
Que mudem, em seu regalo, |
Atitudes a seguir. |
|
Se algo os leva a acreditar |
Que os ama de facto alguém, |
Logo os leva a preocupar |
Conservar o amor que tem. |
|
Então, a manter o amor, |
Vão alterar as sequelas |
Dos jeitos de quanto for |
O comportamento delas. |
|
O resultado são dois |
Perdendo-se finalmente |
Numa relação depois. |
Nela entraram tendo em mente |
|
A si se encontrarem fundo |
E perdem-se em lugar disto. |
Esta perda de eu fecundo |
Numa relação que é um quisto |
|
É o que causa a dor a mais |
E a amargura nos casais. |
|
|
74 – Controlo |
|
Quando a vida for vivida |
Como um controlo de riscos, |
Lucros de optimização, |
A vantagem prometida |
Sai lograda, de olhos piscos, |
E acaba dentro em prisão. |
Perde-se a oportunidade, |
Não se aproveita o momento. |
Vivida desta maneira, |
Toda o vida o medo invade, |
Fica errado o pensamento |
Que de ti dá, te emparceira. |
|
Tu não és medo, és amor |
Que não requer protecção, |
Que não pode ser perdido. |
Seguro de tal fulgor, |
Para quê tal prevenção, |
Tanta busca sem sentido? |
|
|
75 – Crítico |
|
No mais crítico momento |
Duma relação humana |
Só uma questão toma assento: |
- Que faria o amor que irmana? |
|
Mais nenhuma é relevante |
Para qualquer alma atenta, |
Nem significa bastante, |
Importa ou a representa. |
|
É só no senso do amor |
Que ela talha seu teor. |
|
|
76 – Vítima |
|
Quando és vítima de abuso, |
Se procuras o melhor, |
Na situação, em teu uso, |
O mínimo a contrapor, |
Antes que aumente no dobro, |
Será de vez pôr-lhe cobro. |
|
É bom tanto para ti |
Como para o abusador, |
Que abusador que sofri, |
Vítima e vitimador, |
Sofre abuso se o deixar |
Continuar a abusar. |
|
Ao abusador não faz |
Isto bem, vai fazer mal, |
Porque se ele se compraz |
Vendo que um abuso tal |
Tolerado é, que lição |
Aprendeu na ocasião? |
|
Porém, se ele o abuso vir |
Que não é mais tolerado, |
Permitido descobrir |
Que lhe vai ser neste estado? |
- De amor os outros cobrir |
Não é tudo permitir. |
Os pais podem descobrir |
Isto cedo com os filhos. |
O adulto é lento a atingir |
Com o adulto tais nodilhos. |
E uns com outros os países |
Quando aprendem tais matrizes? |
|
Déspotas deixar levar |
A melhor nunca podemos, |
É obrigá-los a acabar |
Com despotismos que vemos. |
O amor do tirano e o meu |
Isto exigem ter de céu. |
|
|
77 – Obriga |
|
Não te obriga a relação, |
Dá-te uma oportunidade. |
Esta, não a obrigação, |
É da religiosidade |
A pedra angular à mão, |
Chão da espiritualidade. |
|
Enquanto vês ao contrário |
Nunca entendes o sumário. |
|
|
78 – Relacionamento |
|
Falas como se manter |
Um relacionamento era |
Um êxito de quenquer. |
Não confundas, na quimera, |
Longevidade visada |
Com competência acabada. |
|
No mundo a tua função |
Não é ver que tempo podes |
Manter uma relação |
Mas definir, quando acodes, |
Quem é que és tu realmente |
E experienciá-lo, vivente. |
|
Não é justificação |
Para relacionamentos |
Que têm curta duração, |
Mas não há regulamentos, |
Nem os quesitos que doiras |
Para as que são duradoiras. |
|
Duradoiras relações |
Representam, todavia, |
Óptimas ocasiões |
De mútuo crescer, magia |
De expressão mútua trocar, |
Mutuamente realizar. |
|
O que, já por si bastante, |
É mesmo gratificante. |
79 – Gentes |
|
Das gentes a maioria |
Entrará nas relações |
Por razões de fantasia, |
Erradas motivações. |
|
Para findar solidão |
Ou preencher um vazio, |
Em busca do amor-paixão, |
Para amar alguém que alio… |
|
Ou para lisonjear |
Um ego piramidal, |
Com depressões acabar, |
Ter melhor vida sexual, |
|
Ou para recuperar |
De relação anterior, |
Até para se livrar |
Do tédio preguiçador… |
|
Nenhum daqueles motivos |
Resultará nunca em nada, |
Só se os caminhos esquivos |
Derem outra volta à estrada. |
|
E também tal relação |
Não resulta nunca, não. |
|
|
80 – Verifica |
|
Tu e tua companheira |
Verifica se de acordo |
Estão no lavrar da jeira, |
Objectivo de ir a bordo. |
|
Se conscientes concordarem |
Que a meta da relação |
É uma ocasião criarem |
E não uma obrigação, |
|
Ocasião de crescimento, |
De plena auto-expressão, |
De ter vidas em aumento |
No mais alto diapasão, |
|
Ocasião para sarar |
Qualquer pensamento falso, |
Ideia menor a par, |
Que vos tenha ido no encalço, |
|
Sobre vós e sobre o encontro |
Com Deus pela comunhão |
De almas, neste reencontro |
De dois num só coração, |
|
Se fizerdes estes votos |
E já não os do costume, |
Os augúrios não são botos, |
São bons e sem azedume. |
|
Arrancais com pé direito, |
É partida de excelência. |
Porém, de êxito a respeito, |
Nada garante a evidência. |
|
Na vida ter garantia |
Se queres, então não queres |
A vida que é fugidia, |
Mas o ensaio tu preferes |
|
Dum guião dantes escrito. |
A vida, por natureza, |
Nada a garante, ou o fito |
Dela que nela se preza |
|
Sairia então frustrado |
E vós, por igual, dela ao lado. |
|
|
81 – Manter |
|
Manter uma relação |
Nos tempos duros, nas crises… |
Não fujas ao furacão, |
Encara-o com gratidão |
Por que no gelo deslizes. |
|
São a dádiva divina, |
Gloriosa oportunidade |
De fazer o que te inclina |
A fazer a tua sina, |
Na vida o que persuade. |
|
Faz o que te propuseste |
Mais o esforço por não ver |
Noutrem o inimigo agreste, |
O adversário que não preste, |
Que terias de abater. |
|
Procura não ver ninguém |
Nem nada como inimigo, |
Nem o problema também. |
Domina a técnica bem |
De os encarar como abrigo: |
|
Aquela oportunidade |
De definir em verdade |
|
Quem és tu, de ti no fundo, |
Quem queres ser neste mundo. |
|
|
82 – Esteja |
|
Nunca prejudicarão |
Ninguém nem a relação |
Ao verem num outro mais |
Do que ele esteja a mostrar, |
Porque há mais a decifrar, |
Bem mais por trás dos sinais. |
|
Apenas o medo impede |
De vo-lo mostrarem eles. |
Se virem que vês na sede |
Mais que a parede das peles, |
|
Sentir-se-ão confiantes, |
Abrem-te a porta uns instantes, |
|
E mostram-te, ao te acolher, |
Claro o que já estás a ver. |
|
|
83 – Brinca |
|
Sempre o sexo é permitido: |
Se Deus te quisera quedo, |
Não to dava divertido, |
Não te daria o brinquedo. |
|
Será que os dás a teus filhos |
Quando que brinquem não queres? |
Brinca ao sexo, os teus atilhos, |
Se divertir-te preferes, |
|
São os do maravilhoso |
Divertimento que auferes. |
É o mais divertido gozo |
Que no teu corpo conferes. |
|
Não destruas a inocência |
Nem o sexual prazer, |
Pureza da complacência, |
A alegria que tiver, |
|
Dando ao sexo um uso mau. |
Não o uses para alcançar |
Poder (larga o varapau) |
Nem num oculto visar, |
|
A satisfazer teu ego, |
Nem para alguém dominar, |
Por nenhum outro aconchego |
Que não seja partilhar |
|
Da mais feliz alegria |
E do êxtase mais sublime |
Dado e trocado algum dia |
Num amor que vos encime, |
|
Amor, amor, recriado |
Até numa nova vida. |
É um delicioso fado |
A engrandecer quem convida. |
|
Nunca nada de sagrado |
Se atingiu na negação, |
Mas o desejo é mudado |
À medida que se vão |
|
Descortinando verdades |
Mais sublimes de ano em ano. |
Então, correndo as idades, |
Muitos baixam, lento, o pano |
|
Da actividade sexual, |
Bem como doutra qualquer |
Intervenção corporal, |
Porque outras, a aparecer, |
|
Devêm prioritárias, |
Mudam tudo o que era dantes, |
E agora, em lides diárias, |
São muito mais deleitantes. |
|
|
84 – Busca |
|
Seja onde for que encontremos |
O amor incondicional |
De que em busca ao mundo viemos |
É num espaço sacral: |
|
É o santuário donde graça, |
Revelação são colhidas, |
De cotio travestidas |
De amor que tudo congraça |
|
E compreensão profunda. |
- E eis o que a raiz me inunda. |
|
|
85 – Seguro |
|
Quando é seguro e outrem há |
Que a se preocupar acorre |
Com o que outrora haverá |
Ocorrido e agora ocorre |
|
Com nosso afecto a sentir, |
Sentimentos reprimidos |
Podem então emergir |
E os eventos já sofridos |
|
E que traumáticos foram |
Serão, enfim, recordados. |
Mas como os membros demoram |
A não ser adormentados! |
|
|
86 – Esforço |
|
Sobre outrem ter o poder |
É um esforço a compensar, |
Retaliar pelos maus tratos, |
Rejeição e humilhação. |
É uma parte de quenquer |
Para se identificar |
Com o agressor e seus actos, |
Justiça de Talião. |
|
Menino que quer amor |
E ao invés é maltratado, |
Converte-se no terror |
De maltratar por seu lado. |
|
É o que eterniza a cadeia |
Que o mundo prende na teia. |
|
|
87 – Dentro |
|
Por dentro de cada qual |
Masculino e feminino |
Devem casar por igual, |
Com o todo por destino |
Como fim potencial. |
|
Tal encontro e união |
São casamento interior, |
De amor e de alma a fusão, |
Sendo a alegria o calor |
Que vem de tal combustão. |
|
Esta possibilidade |
De que do interior visemos |
A nossa integralidade |
Faz que nos apaixonemos |
À primeira, em toda a idade. |
|
Projectamos sobre o amado |
Outra metade de nós |
Por quem temos ansiado, |
Alma gémea por que após |
Rebusco por todo o lado: |
|
Sendo a parte em nós perdida, |
Queremo-la reavida. |
|
|
88 – Instila |
|
Quando um pai se encoleriza |
E descontroladamente |
Tudo em redor traumatiza, |
É um evento contundente. |
|
Ele então instila o medo |
Como base da atitude |
Para com ele e seu credo, |
A obediência é virtude |
|
Requerida sem apelo. |
O amor aqui não prospera |
Debaixo deste atropelo: |
Só do medo nasce a fera. |
|
E ninguém se realiza, |
Ao contrário do que visa. |
|
|
89 – Desafio |
|
Não podemos controlar |
Os eventos e fazer |
Todos os mais nos amar |
Tal qual o queira quenquer. |
|
Assim é que as coisas são, |
É o desafio da vida |
E o que faremos então |
É que nos mede a medida. |
|
Se crescerei do interior |
Através de minha escolha |
Ou se diminuído for |
Pelo que em acto eu acolha. |
|
Quem me torno em resultado |
De minha resposta à vida |
É a lenda interior, o fado, |
De todos a história erguida. |
|
|
90 – Narcisista |
|
O narcisista transforma |
O filho em co-dependente |
Com os demais cuja norma |
Ponha o narcisista à frente |
E doutro a necessidade |
Atrás, feita veleidade. |
|
O narcisista pulula |
E o resto do mundo anula. |
|
|
91 – Crescer |
|
Quem crescer numa família |
Que seja disfuncional, |
Em que o poder é quezília, |
Regulador principal, |
|
Precisa de exterminar |
O perverso potencial |
De se vir a transformar |
Noutro como eles igual, |
|
Antes de livre ficar |
Então verdadeiramente |
De para o mundo voar |
A se descobrir de frente. |
|
|
92 – Acima |
|
O amor, mais que a obediência |
Às autoridades guia |
Qualquer acção de excelência. |
Acima da lei, poder, |
Amor é de alma energia: |
Se a silencia quenquer, |
Não mais a consultaria. |
|
Defunto adiado há-de ser |
Mais e mais em cada dia. |
|
|
93 – Dormir |
|
Na família distorcida |
Toda a positiva força |
Das filhas é preterida, |
Posta a dormir, quando torça |
|
Por saúde procurada. |
Resulta incapacidade |
De se defender, de entrada, |
E, desde a mais breve idade, |
|
Ficam elas predispostas |
A mais tarde, já goradas, |
Perderem sempre as apostas, |
Ser vítimas maltratadas. |
|
|
94 – Infância |
|
Infância na natureza |
Frequentemente alimenta |
E um refrigério fomenta |
Na criança a quem despreza, |
Do sonho desiludida, |
A família distorcida. |
|
A verdura da colina, |
Tronco de árvore especial, |
Recanto em jardim sacral, |
Junto ao rio uma ravina, |
Podem ser o lar que acalma |
Da criança a frágil alma. |
|
E sonhar muito acordado, |
A solidão na natura, |
Escutar do melro a jura |
Permitem, por outro lado, |
Nosso próprio pensamento |
Ouvir e do anseio o vento, |
|
Sentir a própria verdade |
Que germina da vivência, |
Tomar até consciência |
De que um lugar que me agrade |
Tenho num belo Universo |
Benevolente e converso. |
|
Apenas na solidão |
Ouvimos a cantoria |
A reprogramar o dia |
Do rouxinol no sertão, |
Nossa voz interior, |
Guia da semente à flor. |
|
|
95 – Fama |
|
Fama é máscara perante |
Os outros: como poder, |
É cobiçada e garante |
Que a falta de amor que houver |
Compensa. Porém distante |
Dos outros nos torna mais, |
Mas viabiliza adiante |
Mais dois estranhos sinais: |
Sentimo-nos superiores |
E temos o que queremos. |
Mas de solidão horrores, |
Da glória em plenos fulgores, |
É aquilo que mais sofremos. |
|
|
96 – Sentir |
|
Há muita criança adulta |
Dum lar que é disfuncional |
Que no que sente é uma estulta |
Por ninguém lhe dar aval |
Ao sentir que a catapulta, |
Ou por puni-la por tal. |
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- E tal sorte é sempre inulta: |
Ninguém vê nenhum sinal |
Da muda que tanto exulta. |
Ora, se o mundo anda mal, |
Quem aplica ali a multa |
Que mude a vida abismal, |
Troque-a por sadia e culta? |
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97 – Aprendemos |
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Aprendemos a enterrar |
Afectos e sentimentos |
Ao serem indesejáveis. |
Na infância, se envergonhar |
De emoções soltar aos ventos |
É dever dos inadiáveis, |
Ainda mais se, de exprimi-los, |
Magoámos outrem, tranquilos, |
Que então se afastou de nós |
Ou nos castigou após. |
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Se ninguém interessado |
No que sentíamos houve, |
Podemos nunca aprendido |
Haver a discriminado |
Ler o afecto que nos coube, |
Nem a revê-lo exprimido. |
Fico por desenvolver |
Na emoção que em mim houver, |
Sinto-me um analfabeto |
Incapaz de ler o afecto. |
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Se a cólera aterradora, |
Mau tratamento verbal, |
Sexual ou físico até, |
Sobre nós caiu de fora, |
Dum pai ou guardião fatal |
De que pende ter-me em pé, |
Afecto e recordação |
São enterrados no chão, |
Finda a amnésia que me invade |
Noutra personalidade. |
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98 – Ambiciosos |
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Ambiciosos, narcisistas, |
Filhos têm promovendo |
Doutrem ambições e vistas, |
A imagem engrandecendo |
Daqueles, ao espelharem |
O portento das conquistas |
Que os maiores celebrarem, |
Ao então continuarem |
Da família o nome e as listas. |
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Crianças abandonadas |
São-no emocionalmente |
Sempre que não são amadas |
Por si mesmas tão somente, |
Delas se as necessidades |
Não as julgam importantes, |
Se o que sentem tais idades, |
Sendo embora realidades, |
Nunca, afinal, lho garantes. |
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99 – Aquisição |
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A aquisição de poder |
Pode devir secundária |
Ante as relações que houver |
Se ouvido à voz solitária |
Das almas prestar quenquer |
E seu pendor feminino |
Revalorizar com tino. |
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Devirão as relações |
Então bem mais importantes. |
Aos casais os furacões, |
Em plena crise, gritantes, |
Em muitas ocasiões |
Atacam ameaçadores: |
Esperança dão ou dores? |
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Dali pode resultar, |
Quer um divórcio de vez, |
Quer melhor aprofundar |
Os sonhos que houve talvez |
E é de escolher dentre o par. |
Manter as formas não basta: |
Novo lar quer nova casta. |
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100 – Converterem |
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Se são emocionalmente |
Crianças abandonadas, |
Crescem para transformadas |
Num adulto que não sente |
Se converterem, danadas. |
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Evitam sentir vazio, |
Abandono ou impotência, |
A vergonha ou insolência, |
Tristeza, da raiva o frio, |
Da angústia toda a evidência, |
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A beber, fumar, comer |
Ou ver a televisão, |
Dum modo que venha à mão |
Num compulsivo viver |
Que mais os arrasta ao chão. |
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Dependência e depressão |
Mantêm-nos afastados |
De conhecer, apurados, |
Toda e qualquer emoção, |
Do íntimo quaisquer traslados |
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Que informá-los poderiam |
Da verdade a que fugiam. |
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101 – Princípio |
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Seja qual for o lugar, |
O lugar em que o poder, |
Mais que o amor, equidade, |
É o princípio de reinar |
Numa relação qualquer, |
Família, povo, entidade, |
Jamais é um lugar seguro |
Para sentir com apuro |
Nem para falar verdade. |
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Só se atinge um santuário |
E se sente gradualmente |
Da liberdade o sacrário |
Que quer dizer realmente, |
É que a verdade a seguir |
Pode do fundo emergir. |
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Opressão e punição |
Desde o benigno diferem |
Ao reino até do terror. |
Todavia a situação |
É igual para os que a conferem, |
Sempre do mesmo teor: |
Estado policial |
No qual há entorpecimento, |
Negação do sentimento, |
Repressão, até mental, |
De recordar um evento |
Traumático, doloroso, |
Perda de espontaneidade |
Em que a depressão invade |
O dia sempre viscoso, |
Atitudes obsessivas, |
Dependências mortas-vivas… |
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Num lar que é disfuncional |
A criança interioriza |
As regras, a bem e a mal, |
Tal e qual como o enfatiza |
Qualquer cidadão normal |
Do Estado policial. |
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Controlar o pensamento, |
Suprimir o sentimento, |
Comportamento inibir, |
São impostos a partir |
Do interior da pessoa, |
Mal algum tempo se escoa. |
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Mais seguro é não saber |
O que deveras se sente |
Dos que ocupam o poder, |
Pais ou rei no trono assente, |
Não vá quenquer revelá-lo |
Mesmo inadvertidamente |
E logo sofrer o abalo |
Dum castigo veemente. |
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Quando somos controlados |
Por alguém que no poder |
Quer que o espelhemos bem, |
Do que sentimos os dados |
Sobre uma coisa qualquer, |
De irrelevantes além, |
Serão puníveis também. |
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Idealmente, um lugar |
Interiormente seguro |
Onde podemos estar |
É na relação que apuro: |
Em contacto ficarei |
Ali com meu pensamento, |
Meu sentimento é de lei |
Que o viva a cada momento |
E a emoção sem ter castigo, |
Julgamento ou abandono |
É meu mais fiel abrigo, |
Serei eu sem ter um dono. |
Aqui posso confiar |
Que não mais me mentirão, |
Não existe exploração, |
Nenhum outro vai ficar |
Superior nem ter-me à mão, |
Não trai nossas confidências |
Nem viola nossas fronteiras. |
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Quem aproveite carências, |
Mesmo com boas maneiras, |
A vulnerabilidade, |
Será réu de exploração |
De nossa autenticidade. |
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Santuário dimensão |
É espiritual de verdade. |
Existe quando os que estão |
Envoltos sentem ou sabem |
Haver algo de sagrado |
Em cada qual onde cabem. |
Reconhecem alma haver |
Presente na relação |
E tomam todo o cuidado |
Com a flor que hão-de colher. |
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102 – Reconhecer |
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Só quando posso sentir |
O que são meus sentimentos, |
Reconhecer a seguir |
Porque os tenho e em que momentos, |
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É que poderei saber |
O que dá sentido à vida, |
Que trabalho irei fazer, |
Que relação me convida… |
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É preciso consciente |
Me tornar de meus afectos |
Antes de a escolha fazer |
De meus autênticos tectos, |
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Baseada no amor de alguém, |
Do trabalho e do lugar, |
Para a alegria que vem |
E a espontaneidade a par |
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Serem parcelas da vida. |
Para podermos saber |
A emoção que for sentida |
Outras pessoas quaisquer |
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Muito significativas |
Tiveram de preocupar-se |
Connosco em gestas activas, |
Sem que a atenção nos esgarce |
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Tiveram de ter em conta |
Como é que nós nos sentimos. |
E foi pelo que isto apronta |
Que então seguros nos vimos |
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Para falarmos verdade |
E agir pelo que sabemos. |
Assim, a escolha persuade |
As vidas que conformemos |
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Como expressão genuína |
Do para nós importante, |
Desde que a escolha o destina |
E haja que escolher diante. |
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E da espiral do poder |
Só ali se livra quenquer. |
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103 – Domina |
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Domina a patriarquia |
A nossa vida interior |
Tal como o mundo exterior |
O poder dominaria. |
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Se o poder desaparece, |
Algema então resgatada, |
Pelo si-próprio tomada, |
É de cada qual a messe. |
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Se atravesso o sofrimento, |
Aceito então minha sombra |
Sem a projectar na alfombra |
Dos mais a todo o momento. |
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Enfrento com compaixão |
A verdade e com coragem |
Vou seguir minha viagem |
Íntegro pisando o chão. |
As defesas e recusas |
Ficam de vez para trás, |
Com clareza vejo em paz, |
Tiro ao que importa as eclusas. |
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Então possuir alguém, |
Sobre outrem obter poder, |
Famoso devir sequer, |
Vingança obter também, |
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Não são metas compulsivas. |
Descobrirei que há uma fonte |
De sabedoria, ponte |
Para curas redivivas |
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No mais profundo de nós, |
Que é de oiro puro fulgor |
No abismo da psique – o amor |
Atando tudo em seus nós. |
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104 – Leitura |
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A leitura faz de nós |
Todos grandes emigrantes: |
Leva-nos do lar após |
Mas, prendas mais importantes, |
Novo lar dá-nos com arte |
E, melhor, em toda a parte. |
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105 – Casado |
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O casado é mais feliz |
Do que o solteiro isolado. |
Do casamento é que fiz? |
Ou ao lar mais inclinado |
Anda o feliz dos que os mais |
Que ao lar temem os sinais? |
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106 – Papel |
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Do papel a assinatura |
Tem algo de especial: |
Coabitar só não apura |
Nenhum benefício igual. |
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À união de facto falta |
De oiro formal a aliança |
Que no pacto põe em alta |
Quanto pode em segurança. |
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A insegurança é um engano, |
Não é boa ao ser humano. |