SEGUNDO TROVÁRIO
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um número aleatório entre 107 e 240 inclusive.
Descubra
o poema correspondentcomo uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
107 – Também o sabor dos dias
Também o sabor dos dias
Com as normas do bom senso
Vou tocando nas magias
Que despertam energias
No que opero, digo e penso.
Canto o sabor de cotio
Que a cada nada nos prende,
Que, distraído, confio
Que por si próprio nos rende.
Num verso mui regular,
De ritmo e rima sabidos,
Da regra vou pôr-me a par,
Vou por todos os sentidos
Ler meus rumos consabidos.
108 – Disciplina |
|
Disciplina que funcione |
Da atitude consistente |
Provém com que eu a alimente, |
Que minha conduta abone. |
|
De contrário o que eu arrisco |
Implementar é um padrão |
De errática condução |
Do educando sempre arisco. |
|
Então eu contribuí |
Mesmo inadvertidamente |
Para instável ser em si |
O que devera ser gente. |
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109 – Elevamos |
|
Nunca elevamos os olhos |
Sem certa malignidade. |
Ao baixá-los aos trambolhos |
É que há paixão e piedade… |
|
- Nossa fada malfazeja |
É sempre a maldita inveja. |
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110 – Amear |
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Se vires um dedo |
A amear o horizonte |
De vez perde o medo: |
Não olhes o dedo, |
Olha o que ele aponte! |
|
Cristão integrista, |
Perdes-te na lista |
Daquilo que lês; |
|
Fundamentalista, |
Corão sacralista |
É só quanto vês: |
|
- Em vez duma ponte |
Trancaste o horizonte. |
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111 – Inteiro |
|
Por inteiro no lugar |
Te mantém que tu escolheres. |
Dividido, um reino, a par, |
Logo perde os seus haveres. |
|
Um humano dividido |
Já não consegue enfrentar |
Dignamente o muro erguido |
Na vida que palmilhar. |
|
Um combate tido a meias |
Não são vitórias, são teias. |
|
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112 – Desato |
|
Há na vida dum problema |
O dia de ser tão grande |
Que pode ser detectado. |
Foi tão pequeno, por lema, |
Que pôde quem nele mande |
Resolvê-lo num bocado. |
|
Desato os nós dos sarilhos |
Pegando-os pelos atilhos |
E já não pelo cordame |
Que as mãos me corte e me trame. |
|
|
113 – Avesso |
|
Por que havemos de aguardar |
Que a vida dê uma estalada |
Bem do avesso a nos virar |
Para pararmos na estrada? |
|
Pensar na valia inteira |
De tudo aquilo que temos: |
Olhos de ver a soalheira, |
Ouvidos onde ouviremos |
|
Os melros e as sinfonias, |
Mãos de fazer uma festa, |
Saúde todos os dias, |
A família que nos resta, |
|
Os amigos, o dinheiro |
De beber o Verão todo |
Numa tarde onde emparceiro |
Com um copo como engodo… |
|
Preciso é apenas querer |
Mudar o rumo de vida, |
Mesmo num nada qualquer, |
- E eis-nos com nova medida. |
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114 – Problema |
|
O problema é a prepotência: |
Cada qual pretende impor |
Aos mais a própria vivência, |
Do mundo o que vê no alvor, |
|
Tal como se fora dele |
Aquele mundo existira: |
Quer que os mais, dele na pele, |
Vejam tal qual ele vira. |
|
E que não sejam senão |
Como ele os vê do seu chão. |
|
O problema é a prepotência: |
Mata-os logo em sua essência. |
|
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115 – Burocrática |
|
Burocrática atmosfera |
É actividade mortal |
Para o que vive e que espera |
Do esforço um prémio real. |
|
Coloca um ponto final |
Sob o papel, sob a tinta |
(Dela supremo fanal), |
Tanto ao temor que se pinta |
|
Como a qualquer esperança. |
Na burocracia a brisa |
Pára como quem se cansa, |
Num miasma se eterniza. |
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116 – Fina |
|
Entre Deus e nós existe |
Uma fina intimidade. |
Isto é espiritualidade: |
Deus a agir no que eu despiste. |
|
O invés da religião: |
- De nós em Deus uma acção. |
|
Sempre a tentativa fruste |
Da minha superstição: |
O perene falso ajuste |
Em lugar da comunhão. |
|
Se me abandono na entrega |
É que ao fim Deus se me lega. |
|
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117 – Máquina |
|
Não há máquina capaz |
Do que for centelha humana: |
De espírito, compaixão, |
Nenhuma as vezes nos faz, |
Como amor, compreensão |
Nenhuma delas emana. |
|
Não há máquina capaz |
Do que for centelha humana. |
|
|
118 – Corto |
|
O mundo foi-nos criado |
Para cada um de nós. |
Finda uma vida, de lado, |
Corto o mundo inteiro após, |
O mundo como existia |
Para aquele que o vivia. |
|
E depois de o apagar |
Não há como o recriar: |
|
Cerrada aquela janela, |
Cerro a paisagem que é dela. |
|
|
119 – Aprende |
|
Liga-te a quem for mais nobre, |
Os melhores livros lê, |
Vê o poder que te recobre… |
Mas aprende em solidão |
O que é que ser feliz é: |
Doutrem aí não há mão, |
Só tu em ti tomas pé. |
|
|
120 – Tontice |
|
Quão tarde aprendo na vida |
A tontice de insistir |
Que ando certo, se a medida |
Sempre é um erro a me iludir! |
|
Quanta perda de energia |
Que já não gera magia! |
|
|
121 – Acostuma |
|
Antes me fizeras mal, |
Já que o mal põe-me ao teu nível. |
A esmola acostuma, real, |
À desgraça mais punível. |
|
E desgraça o desgraçado |
E degrada-o, dependente, |
Dependente de seu fado, |
Das drogas a mais cogente. |
|
Superioridade tua |
Cria o bem, teu solidéu. |
Em mim o azedume acua, |
Todo o azedume que é o meu. |
|
Para sempre classifica |
Quem dum lado e do outro fica. |
|
|
122 – Perigosa |
|
Servir-se do poder como? |
Que perigosa ilusão! |
Serve-se ele, quando o tomo, |
De mim, tem-me ali à mão. |
|
E, quando aspiro ao poder |
Com o fim de fazer bem, |
Mais à mão me ele irá ter, |
Mais me domará também. |
|
Só trepar ao pedestal |
É já de si mesmo um mal. |
|
O poder só serviria |
Em mão que o detestaria, |
O pedestal submergindo: |
- Em vez de mandar, servindo. |
|
|
123 – Inferiorizar |
|
Da superioridade |
Tua ninguém tu esmagues, |
Que sempre derivar há-de |
De inferiorizar os mais |
Que assim tu então estragues |
Com o brilho dos cristais. |
|
Mas esmagar não te deixes |
Da tua inferioridade |
Pretensa, de que te queixes. |
Não é senão a ilusão |
Da superioridade |
Dos outros que a não terão. |
|
Para manter o equilíbrio |
Urge evitar o ludíbrio. |
|
|
124 – Retribuas |
|
Não retribuas o mal |
Que o malvado te houver feito |
Com tua moeda igual. |
|
Não o imites no trejeito, |
Não o copies, já que ele |
Te imitará de igual jeito |
|
Em quanto imitaste dele |
E o cadeado não parte |
Nunca mais no que o impele. |
|
Antes inventa com arte |
Outro rumo ao trilho andado. |
O inédito assim reparte |
|
E crê, crê no inesperado. |
|
|
125 – Dois |
|
Ninguém serve a dois senhores: |
Ou a Deus ou ao dinheiro, |
Amor-próprio ou amores |
Fraternos – um é o cimeiro. |
|
É a lição que a economia |
Nos não mostra em nenhum dia. |
|
Depois o mundo terceiro |
Põe as bombas no primeiro. |
|
E atacam o terrorismo, |
Não o que lhe dá o baptismo: |
Vem do cimeiro valor, |
Um dá paz, o outro, terror. |
|
|
126 – Crêem |
|
Crêem, por conservação, |
Que os homens, feitos Estados, |
São monstros sem coração |
E que em lugar de cuidados, |
Mais rendível e realista |
É mantê-los dominados |
Dos medos por toda a lista, |
Mais ainda pela bomba, |
Um inferno que persista… |
- E ali quenquer logo tomba. |
|
Mais vale isto que confiar |
Que em todos nós há uma pomba |
Toda a vida a desejar |
A humanidade ideal |
A que era bom se entregar: |
- A dum homem convivial. |
|
|
127 – Desapareceu |
|
Desapareceu no rico |
O homem que devia ser |
E não é. E em troca fico |
Com este monstro a crescer, |
De humano só com salpicos. |
Ai dos ricos! Ai dos ricos! |
|
|
128 – Povos |
|
Também com povos verdade |
É o que ocorre à natureza: |
O Inverno uma eternidade |
Não durará com certeza, |
|
Nem morte que não germine, |
Em seu discreto alçapão, |
O inverso com que combine, |
O alvor da ressurreição. |
|
Também connosco há uma espera: |
Que após haja a Primavera! |
|
|
129 – Preciso |
|
Preciso é que os povos cresçam, |
Que os governos diminuam, |
Que estes se rejuvenesçam: |
Saudáveis são os que actuam |
|
Como dos povos parteiras, |
Nunca como pais nem mães, |
Nem como donos de esteiras |
(Povos-cama de seus cães), |
|
Nem como patrões daqueles |
A que esfolarão as peles. |
|
Governo a servir, parteiro, |
Gera um mundo novo inteiro. |
|
|
130 – Cooperarem |
|
Os governos arrogantes |
Bem como os autoritários, |
Como os mais, menos gritantes, |
|
Nunca chegam, arbitrários, |
A gostar dos povos deles. |
Em lugar de solidários |
|
Cooperarem com eles |
Alegremente actuantes, |
Dando a palavra aos imbeles, |
|
Como compete aos mandantes, |
Os governos fazem tudo |
A distraí-los, constantes, |
|
A anestesiar, tornar mudo, |
Divertir, neutralizar, |
A domá-los, sobretudo. |
|
Nem hesitam em usar |
Violência e repressão |
Se o povo reivindicar, |
|
Se impacientes mostras dão |
Os cidadãos que refilam, |
Clamam por justiça em vão |
|
E às vidas que se perfilam |
Querem melhor condição: |
A todos os aniquilam. |
|
|
131 – Gosta |
|
Não gosta de religião, |
De templos, nem sacerdotes, |
Nem de religiosos, não. |
- Jesus quer sempre outros dotes: |
|
Procura, para nascer, |
Não o templo de Jeová |
Onde ninguém o há-de ter, |
Já que ali nunca estará, |
|
|
Mas algo mais importante |
Com que o mundo se desdoira, |
Sem funcionários diante: |
- Procura uma manjedoira. |
|
|
132 – Religiões |
|
As religiões, hoje em dia, |
São o caminho melhor |
De enricar a minoria, |
Na esperteza sem pudor |
|
De empobrecer e oprimir |
Ainda mais as maiorias |
Oprimidas, sem porvir, |
Pobres e sem fantasias. |
|
Multidões em desespero |
Recorrem às religiões, |
Deixam lá vida e dinheiro, |
No fim são mais solidões. |
|
- E às religiões, então, |
Ninguém nunca vai à mão? |
|
|
133 – Pastor |
|
Tanto pastor sobre o povo, |
Político ou religioso! |
E olho as multidões e provo |
Que anda tudo desgostoso, |
|
Tal rebanho sem pastor. |
Abunda quem se governa |
À custa do povo em dor, |
Com a frieza superna |
|
De o dividir a reinar. |
Funcionários mercenários |
Que enriquecem a engordar, |
Disfarçando, perdulários, |
|
Tal se foram os pastores |
A que só o cuidado impele. |
Escasseiam os valores, |
Escasseia quem a pele |
|
Arrisque até dar a vida |
Pelo povo com que lida. |
|
134 – Fecunda |
|
Em lugar de produzir |
Fecunda fraternidade |
Mais e mais universal, |
As religiões induzir |
Vão, em quem se persuade, |
Fanatismo sem igual, |
Intolerância, exclusão |
E a geral segregação. |
|
Tornam então os sujeitos |
Mutuamente demoníacos, |
Adversários, inimigos, |
Com ódios rápido atreitos |
A dar mútua morte, orgíacos, |
Em lugar de, como amigos, |
Despertar neles ternura, |
O acolhimento que dura. |
|
O critério se mantém: |
Pelo fruto vedes qual |
Árvore árvore é do bem |
E qual árvore é do mal… |
|
|
135 – Tempos |
|
Dos tempos pelos sinais |
Deus fala em particular, |
De eventos que apelam reais, |
Desafio singular |
|
De que é feita sempre a História. |
Isto acolher, sobre o medo |
Obtém radical vitória: |
Não provém de nenhum credo, |
Mas de ouvir e responder |
Aos sinais que Ele fizer. |
|
|
136 – Salvação |
|
Deus jamais fará negócio |
Com a salvação de alguém, |
Nunca delega em ninguém |
Cobrar dízimos, endosse-o |
|
A Ele quenquer que seja, |
Um guru ou uma igreja. |
|
Deus salva a todos de graça |
Como quem ama com ânsia, |
Que é pai-mãe que nos congraça, |
Quer-me vivo em abundância. |
|
|
137 – Pública |
|
De pública utilidade |
É a poesia que se implanta: |
Força, ternura, verdade… |
E, sem esta qualidade, |
Soa, ecoa, mas não canta |
E, quão mais o tempo invade, |
Mais, ao fim, nos desencanta: |
|
Confunde o esterco que grade |
Com o germinar da planta. |
|
|
138 – Luta |
|
Sempre a luta foi o meio |
Para acabar com a luta |
E o rigor, o firme esteio |
Contra o rigor que disputa. |
|
Caminho que persuade, |
De pedras crivado ou de oiro, |
É sempre a amabilidade: |
Mais perdura, duradoiro. |
|
|
139 – Criança |
|
A criança que não brinca |
Não é criança deveras. |
Homem que não brinca finca |
A vida noutras esferas. |
|
Perdeu para sempre a infância |
Que dentro dele vivia |
Que tanta falta, com ânsia, |
Faz à vida que ele adia. |
|
Sempre a existência lhe corre |
Pintada em tom de cinzento |
Onde lentamente morre |
Do riso sem um invento. |
|
|
140 – Distância |
|
A distância desvanece |
As agruras da invernia, |
O desamparado esquece |
E o pé descalço que esfria. |
|
Que a memória nos evoca |
Ridentes verdes campinas, |
A flor do coelho na toca, |
O azulíneo das colinas… |
|
- É importante estar presente |
Ou o coração não sente. |
|
|
141 – Escolheram |
|
Os que escolheram guiar |
Outrem devem renunciar |
|
Ao poder como à riqueza: |
Só o fato que os ajaeza |
|
|
E nem sequer a comida |
Que amanhã for consumida. |
|
Só então logro distinguir |
O sábio do que induzir, |
|
Falso devoto, sentenças |
Do que é vendedor de crenças. |
|
|
142 – Fundador |
|
O fundador duma crença |
Sem as convicções impor |
Generosidade é imensa, |
É dum deus que nunca pensa, |
Nunca busca adorador. |
|
E a tradição mais cimeira |
É a que lavra nesta jeira. |
|
|
143 – Tens |
|
Tens a eternidade, o instante, |
E teu tempo é teu anzol |
Que das trevas, hesitante, |
Te pesque nacos de sol. |
|
Não te deixes enganar, |
Outra preocupação |
Não tenhas nunca em lugar, |
Que não de tua missão. |
|
Decerto então, todo o dia, |
É de sol a pescaria. |
|
|
144 – Cosmos |
|
No alvor do cosmos o ser |
Se banhava em melodia |
Que o caos ao ocorrer |
Da criação calaria. |
|
O alaúde concedido |
Às almas de artista pode |
Despertar o som perdido |
E o primeiro canto acode. |
|
|
145 – Escapar |
|
Ficar parado não presta, |
Ao deus-dará também não |
E não se encontra uma fresta |
Para escapar da prisão. |
|
Quando alguém algo procura, |
Tudo o que procura perde. |
No negrume desta usura |
Não luz pontinha de verde. |
|
|
146 – Arrasta |
|
Que é que nos arrasta ao ponto |
Em que a vida nos parece |
Pender da morte e confronto |
Doutro homem que então perece? |
|
Nossas árvores só crescem |
Se devastar o jardim |
Dos vizinhos que enlanguescem |
Aos golpes dados por mim? |
|
|
147 – Paga |
|
Quem nos paga o que perdemos |
E que não volta jamais? |
Somos pagos do que demos |
De antemão, pelos sinais |
Da vida que fruiremos. |
|
Uma lufada de ar fresco, |
Um olhar ao sol poente, |
Um sorriso que mal pesco |
No rosto à criança em frente, |
Da ciência um arabesco… |
|
- Diga quenquer atilado, |
Francamente, foi roubado? |
|
|
148 – Parvo |
|
Até mesmo envelhecer |
Fui um parvo, sempre à espera |
Da vida feliz que houvera |
Um dia de me ocorrer. |
Foi sempre para mais tarde |
Que adiei ouvir-lhe o alarde. |
|
Afinal, eis-me mais só |
Que a capela abandonada |
A meio da encruzilhada, |
A cobrir-se ali de pó. |
Enriquecer: afinal |
Para que é que isto me vale? |
|
Fui um furão, avarento, |
Trabalhei até mais não. |
Resta-me agora o caixão |
Em cuja borda me sento. |
E a vida que bateu asa |
Tira-me amanhã de casa. |
|
149 – Erva |
|
A erva encobre os covais, |
O tempo dilui a dor, |
O vento apaga os sinais |
Da pegada que se for. |
|
O tempo cura a sangrenta |
Angústia como a memória |
Do amado que se não senta |
Jamais da vida na glória. |
|
A vida humana é bem curta |
E estreito o pedaço de erva |
Onde pisamos a murta |
Que o destino nos reserva. |
|
|
150 – Calções |
|
Bem podes virar do avesso |
Uns calções esburacados, |
Não escapas ao tropeço |
Dos buracos revirados! |
|
Em nós temos de mudar |
Modos de tempos antigos |
Se não quisermos arcar |
De veneno com pascigos, |
|
Se não quisermos que arreios |
Nos venha quenquer impor |
Mais aperreados e feios |
Que os do ancestral ditador. |
|
|
151 – Lágrimas |
|
Tens vontade de chorar, |
Lágrimas, porém, não saem. |
Mil emoções que não caem |
Findam a te atabafar. |
|
Precisas de te soltar, |
Deixar sair e mandar |
|
Teu autocontrolo embora |
Ao menos por uma hora. |
|
Mas ele afinal parece |
Ter-se de vez encorpado, |
Havendo-se transformado |
Num ser outro que te esquece. |
|
Desta emoção o sinal |
É que é um guarda prisional |
|
Que a ele apenas te atrela |
A prender-te numa cela. |
|
152 – Alinhar |
|
Alinhar na sensatez |
Representa um equilíbrio |
Que só existe por ludíbrio. |
Nós fazemos o entremez |
Mas é só o desequilíbrio |
Que nos dá graça de vez. |
|
Na ligeira assimetria |
Dum vestido ou cachecol |
É que a graça principia |
Que fundo connosco bole. |
|
|
153 – Porta |
|
O poeta escreve um poema, |
O cego entrevê uma luz, |
O cantor compõe um tema, |
Ao pobre o oiro reluz… |
|
- Todos têm um momento |
Em que o génio lhes desperta, |
Em que a vida, solta ao vento, |
Entreabre a porta certa. |
|
|
154 – Saborear |
|
De saborear o mel |
Não é digno quem fugir |
Da colmeia, se o impele |
O medo a se escapulir |
Da picada das abelhas: |
Toda a roupa tem engelhas. |
|
|
155 – Passatempos |
|
Colecciona bonecas, |
Passatempos preferidos, |
Dá-te à pesca, que não pecas |
A teus hóbis dando ouvidos. |
|
Outros cuidar poderão |
Que é por falta de sentido, |
Que vives uma obsessão… |
Tu, porém, sabes que não, |
Vives de sonho imbuído. |
|
Com outros compartilhar |
Teus hóbis, se for teu lema, |
Reforça, sem se notar, |
O imunitário sistema. |
|
Se um hóbi é um desafio |
Para o cérebro, a evidência |
É que é um positivo ousio |
Contra o risco de demência. |
Um hóbi me acalma, ajuda |
A controlar o que posso |
E o prazer que tudo muda |
Do que é bem feito, ei-lo nosso. |
|
Com hóbis ser entusiasta |
Faz-nos bem, reduz o stresse, |
Distraem-nos quanto basta |
Das freimas, do que entontece. |
|
A renda, a malha, o tapete, |
Nos gestos repetitivos, |
Serenam quem os repete |
E domam nervos esquivos. |
|
Teus passatempos são mais |
Do que passatempos vãos, |
São os teus signos vitais. |
Nos caminhos onde vais, |
São a vida em tuas mãos. |
|
|
156 – Graças |
|
Dar graças regularmente |
Como é bom para a saúde! |
Melhor durmo, de contente, |
E mais bom humor me ilude |
E sinto uma ligação |
Com outrem mais forte à mão. |
|
Apercebo-me que os mais |
Se preocupam comigo |
E os apoios sociais |
Ajudam, num mundo amigo, |
A manter com decisão |
Mente sã num corpo são. |
|
|
157 – Renovo |
|
Vale a pena reparar |
Que o renovo se inicia |
No mais baixo patamar |
Do Inverno que tudo esfria. |
|
Nunca o reflorescimento |
Vejo antes da Primavera, |
Mas da esperança o incremento |
É mais cedo que prospera. |
|
E quanto mais velho fico, |
Mais feliz por acolhê-la, |
Tal se de vida um salpico |
Me inovara a roupa velha. |
|
|
158 – Hospitalidade |
|
Hospitalidade é vida |
Na vida que é pioneira. |
Um visitante convida |
À notícia verdadeira |
(É igual se boa ou má nova). |
São alimento de prova |
Para o espírito sedento |
Sempre em lugar solitário. |
|
Chega um amigo no vento, |
É um mensageiro primário |
Do céu, portador fiel |
Do pão dos anjos e mel. |
|
|
159 – Culto |
|
Remendar e pontear |
Prestam culto à economia, |
Divindade tutelar. |
|
Isto significaria |
Lutar contra a decadência: |
A eternidade viria |
|
A durar em permanência. |
Isto faz que valha a pena |
Combater pela excelência, |
|
A esforçar-me me condena |
A sofrer a violência, |
Suportar a noite plena. |
|
O crepúsculo ataria |
Ao alvor que me anuncia. |
|
|
160 – Bane |
|
Todo o que se isola |
Da sociedade, |
Ela o bane, imola |
Sem qualquer piedade, |
|
Compaixão ou cerimónia: |
Ela própria se encarrega |
De tornar, com acrimónia, |
Inviável, na refrega, |
O retorno, nem que esgarce, |
De quem pretenda emendar-se. |
|
|
161 – Embrulhar |
|
Para termos outra vida, |
De embrulhar e de arrumar |
A primeira já vivida |
Iríamos precisar. |
E tudo com competência. |
Ora, o passe de magia |
Feito com eficiência |
Ninguém nunca o lograria. |
|
Então, convincentemente, |
Só resta a aposta presente. |
|
|
162 – Trabalhou |
|
Trabalhou a vida toda, |
Esfregou o chão das casas |
Dos outros que a sorte engoda, |
Cozinhou deles as brasas. |
|
Ajoelhou-se a lavar |
Casas de banho, retretes, |
Lavou loiça e fez corar |
Roupa suja de mil fretes… |
|
Porém, quando ficou velha, |
Doente duma mazela, |
Como uma quebrada celha, |
Esqueceram-se então dela. |
|
Afastaram-na da vista. |
Quando morreu, à fogueira |
A jogaram que é prevista |
E em cinzas ma dão inteira. |
|
“Aí tens a tua mãe, |
Leva-a contigo e bem breve. |
Não vejas nisto desdém: |
Leva-a, que a nós já não serve!” |
|
|
163 – Fardo |
|
De que nos servem as asas |
Se não podem elevar-nos? |
Fardo sob que te arrasas, |
Não chave de libertar-nos, |
Pesam, prendem-nos ao chão, |
Arrastamo-las a custo. |
Acabaremos então |
Por detestá-las e é justo. |
|
|
164 – Era |
|
Em era de informação |
Todo o saber prolifera, |
Só que o pó do turbilhão |
A informação adultera: |
Eis podre o conhecimento. |
Deste quão mais se anuncia |
Mais se estraga, em seguimento, |
O que era a sabedoria. |
165 – Partilha |
|
O mundo anda dividido |
Entre quem o melhor herde |
(Por sempre ter entendido |
Que o que se não dá se perde) |
E quem ignora a alegria |
Que a partilha lhe daria. |
|
|
166 – Atraente |
|
Quem tem sentido de humor |
E que humor sobre si tem, |
Tem atraente pendor |
Neste acrescento também, |
Credível indicador |
De que o que a sério convém |
Saberá ver com primor |
Quem vê o divertido bem. |
|
Autêntica simpatia, |
Compaixão do semelhante, |
Ali têm garantia |
De em verdade irem avante, |
De não serem mascarada |
No carnaval alugada. |
|
|
167 – Ignorante |
|
Um ignorante, ao entrar |
Na oficina do artesão, |
Ferramentas ao calhar |
Vai lá ver sem ver razão. |
Se for tolo, julgará |
Que inúteis são desde já. |
|
Se cair e se ferir |
Em qualquer ponta aguçada, |
Vê lá dentro o que existir |
Do mal como uma parada. |
- Assim critica, malsão, |
Quem de algo não vê razão. |
|
E assim vemos a tolice |
De quem não vê que se visse. |
|
|
168 – Mau |
|
Se te ocorre um mau momento, |
Lista quanto te for grato, |
Mesmo o estúpido elemento |
Duma relva ao sol pacato, |
Da conversa o tegumento, |
O conforto dum sapato… |
|
- Começa-te a aperceber |
Do ganho que te couber. |
169 – Coragem |
|
A coragem de hoje em dia |
Não é de gestos guerreiros |
Nem dum herói a magia. |
É a bravura, entre parceiros, |
Sem mais agressividade |
Nem nenhuma violência, |
De quem sou ser de verdade |
E aquilo em que acreditamos, |
Com o melhor da ciência, |
Proclamar, puxando os remos: |
- Pôr de pé, no tronco e ramos, |
Aquilo que, enfim, queremos. |
|
|
170 – Criança |
|
Se viver em criticismo, |
A criança a condenar |
Vai aprender: é um abismo, |
Não se há-de mais libertar. |
|
Se vive em hostilidade, |
A lutar vai aprender. |
Se o medo for que a invade, |
Apreensiva há-de ser. |
|
Se encorajamento for |
O que mais ela encontrar, |
Então a prenda maior |
É que aprende a confiar. |
|
Se a tratam com equidade, |
Vai aprender a justiça. |
Tolerância se é o que a grade, |
É paciente em toda a liça. |
|
Se viver com segurança, |
Tem fé nela se a desfeiam, |
Fé nela que é uma criança, |
E naqueles que a rodeiam. |
|
|
171 – Ensina-os |
|
Quando alguém se porta mal, |
Se calhar é evoluir: |
Ira e raiva em todo o vale |
Ajuda os mais a cumprir. |
|
Ensina-os devagarinho |
A ir no próprio caminho. |
|
|
172 – Expande |
|
Um homem, porque quer Ter, |
Expande a própria ambição |
Tudo em volta a desfazer. |
Os animais, eles não. |
|
Os animais querem Ser, |
Logo tudo é natural, |
Nem desempenho há sequer |
Para além deste sinal. |
Aprendo com o animal |
Simplicidade de ser. |
|
Quando aprendo a gritar não |
Ao apego da ambição? |
|
|
173 – Vaso |
|
Há quem procure o Graal |
Mas não queira o testemunho, |
Quer o vaso material |
Mas nunca da ideia o punho. |
|
Muitos buscam um objecto |
Que tenha conhecimento |
Mas conhecimento recto |
Não o querem, que é um tormento. |
|
Seria mesmo pilhéria, |
Não fora dar tanta dor: |
É a vitória da matéria, |
Sempre a levar a melhor. |
|
|
174 – Desdiz |
|
Há quem diga pela frente |
Tudo o que desdiz por trás. |
A verdade fica ausente, |
Nenhuma cara é capaz. |
|
A verdade interior, |
A força que vem de dentro, |
Obriga a verdade a pôr |
Ante mim e tudo onde entro. |
|
Agora não vás dizer |
A todo o mundo o que pensas, |
Podes alguém ofender |
Ou dores causar intensas. |
|
O que não podes contar |
É o que não vês que é verdade: |
Esta é a base lapidar |
De tua interioridade. |
|
Ou a verdade tu contas |
Ou te calas no que aprontas. |
175 – Paz |
|
A paz é poderosa, |
Porém, é transparente, |
Não a vê quem a goza, |
Conceito evanescente. |
|
A guerra já não, |
É bem material, |
Vemos o canhão, |
O míssil final… |
|
A paz não tem instrumentos, |
Nunca nos dá garantias. |
Tão alta ante os outros ventos, |
Quem lhe entende as energias? |
|
Em guerra acorda o mundo e adormeceu: |
- Contra o voto de Deus, o Homem venceu. |
|
|
176 – Aceitar |
|
Aceitar é acomodar-se, |
Se é tudo definitivo, |
Que te apegas ao disfarce, |
Ficas no degrau cativo. |
|
Desatas a controlar |
Tudo em volta e o mais que houver, |
Com tal apego sem par |
Que mesmo ao que faz sofrer |
|
Te gruda, feito carraça, |
Nunca mais ficarás pronto |
A trocar-lhe o poiso e a praça, |
Às voltas andarás, tonto. |
|
Aceitar é desprender-se, |
Se apegar for no grau zero, |
Aprontado no alicerce |
A erigir o novo e vero. |
|
É acolher o que vier, |
Implica a mobilidade, |
Trocar de estado qualquer, |
Desta noutra identidade. |
|
Ora aqui, depois além, |
Nunca estacionário ficas |
Se acolhes quanto convém, |
Se à surpresa tu te aplicas. |
|
|
177 – Oposto |
|
Tudo tem o seu contrário, |
A sua recta final, |
Oposto fatal e vário, |
Morre e nasce outro e tal qual. |
Tudo tem, pois, dele o fim, |
A contraposta metade, |
Tudo é um primeiro e um afim, |
Depois zero em que se evade. |
|
Tudo o que tem um fim hoje |
Se inicia logo após, |
O que acaba agora, foge, |
Começa adiante a sós, |
|
Fina-se logo a seguir. |
Se hoje te encontrares bem, |
Amanhã teu mal vai vir, |
É o ciclo que a vida tem. |
|
Enquanto não aceitares |
Cada um destes estados, |
Um e zero singulares, |
Terás degraus não trepados. |
|
Não acabaste a viagem, |
A transmutação sem dor, |
Sem apego aos gestos que agem |
Nem aos bens de que és senhor. |
|
|
178 – Hoje |
|
Morremos hoje mais tarde, |
Porém tal não é questão. |
Como é das vidas o alarde? |
Vamo-nos negando em vão. |
|
Para quê querer viver |
Mais e mais se foi rompida |
A linha-base de ser? |
Se a não encontro vivida? |
|
Trabalhar com a energia |
Que própria nos for, ajuda |
A encontrar, no dia-a-dia, |
Fio condutor à muda. |
|
E far-nos-á retornar |
Aos primórdios de verdade |
Donde em jorro há-de brotar |
A nossa felicidade. |
|
|
179 – Ouve |
|
Ouve o teu interior, |
Aceita a limitação, |
Avança só quando for |
Muito forte esta impulsão |
|
Que sentes para operar, |
Não porque teu ego o quer |
Apenas a se afirmar |
Ou buscando mais poder, |
Mas por tal acto te encher |
E te tornar mais feliz. |
É o segredo de viver: |
Ao que a energia me diz |
|
Conhecer e respeitar. |
E não ficar à mercê |
Do que o ego comandar, |
Que só quer mostrar quem é, |
|
Mesmo que o não acredite, |
É sempre o que em mim concite. |
|
Se tomar pé por mim quero, |
Reduzo meu ego a zero. |
|
|
180 – Seguro |
|
O ser humano só muda |
Quando dele o mundo rui, |
Se o seguro a que se gruda, |
Que o sustentava, não flui. |
|
Se não há emprego seguro |
Por toda uma vida inteira, |
Se o casamento eu auguro |
Que se afoga na valeira, |
|
Se nem mesmo uma amizade |
Perdura por toda a vida, |
Se a vida que hoje me invade |
Pode amanhã ser delida… |
|
Pode cair o avião, |
Uma bomba, um terramoto, |
Um tornado varre o chão, |
Um carro esbarra, uma moto… |
|
- Nesta altura, infelizmente, |
E só então, o ser humano |
Se prepara velozmente |
A mudar a todo o pano. |
|
|
181 – Desfruta |
|
Vive apenas, aproveita, |
Desfruta, mas não te apegues. |
Só desfruta quem aceita, |
Mas que a nada tu te agregues, |
|
Que o que hoje estiver aí |
Pode amanhã não estar. |
Vive, pois, sem alibi, |
Tudo, tudo a aproveitar, |
|
Deixando espaço a que a vida |
Se retire sem doer, |
Caso queira, de seguida, |
Pôr outra coisa qualquer. |
|
Tal é a gesta verdadeira |
Na matéria onde me emprego: |
Usar daquela maneira |
Que o consiga sem apego. |
|
Tudo o que é bom nesta vida |
É de ser aproveitado |
Sempre na melhor medida. |
Prescindir não é implicado |
|
Nem viver na restrição |
Para ser espiritual. |
É mesmo ao contrário. Não, |
A vida é um manancial |
|
E o ser humano não vive |
A fim de ser restringido, |
Mas para ser ampliado. |
Que do que é bom não se esquive, |
Que não é de ser banido, |
Antes de ser desfrutado. |
|
Mas com cuidado se aplique, |
Sem ferir o que outrem for, |
Que os outros não prejudique, |
Ajude antes, no melhor, |
|
A se encontrarem no ser |
Individual-colectivo. |
Neste encontro com quenquer |
É que cada qual é vivo. |
|
|
182 – Falso |
|
Quando a ti próprio te trais, |
Também trais outras pessoas |
Porque o tu que nos sinais |
Julgam que és e que apregoas |
|
Não é de todo quem és, |
É um falso tu, simulado. |
A ti trais e ao teu freguês, |
Portanto, dentre tais baias, |
Embora contrariado. |
- Portanto, nunca te traias! |
|
|
183 – Esvai |
|
Sê para ti verdadeiro, |
Que falso não poderás |
Ser com ninguém por inteiro. |
|
Não te preocupe o grupo, |
O grupo se esvai, fugaz. |
E um dia já não me ocupo |
|
Do grupo que, simplesmente, |
Nunca mais estará lá. |
Tu, porém, como é evidente, |
|
Não irás nunca passar: |
Tu contigo és quem está |
Eternamente a ficar. |
|
|
184 – Momento |
|
A cada momento agora |
Te estás a criar de novo, |
Retratas-te a cada hora |
Na tela sempre em renovo |
|
Da própria vida em que vives. |
Talento, capacidades, |
Quaisquer dons que em ti motives, |
As físicas qualidades, |
|
São cores que irás usar. |
A tela vem-te dos céus, |
As cores são teu lugar |
De escolher por gostos teus. |
|
|
185 – Disposto |
|
Vais ter sempre de escolher |
Entre aquilo que desejas |
E o que estás disposto a ser, |
Fazer, ter, para o que almejas |
Poder um dia viver. |
|
Este é o rumo que combines |
Pelo qual tu te defines. |
|
|
186 – Basta |
|
Ao fazer transformações, |
Não basta a das circunstâncias. |
Destas anula os senões, |
Mas atende a mais instâncias: |
Vais ter de mudar as crenças |
Que as circunstâncias criaram, |
Se não queres que as doenças |
Fiquem tal como ficaram. |
|
A mudança social |
É a dos homens que andam mal, |
|
Muito mais que a dos efeitos |
De alguns perversos trejeitos. |
|
187 – Transformando |
|
Nem todas as conjunturas |
Podem de vez ser tratadas |
Mas poderão ser curadas. |
O tratamento inauguras |
|
Transformando a situação |
Que o sofrimento causar. |
A cura é transformação |
No modo de a vivenciar. |
|
Tens uma dor de cabeça. |
Sem mudar a situação, |
É o modo de a encarar |
Que mudas: tudo começa, |
Com outra valoração, |
Toda a vida a te mudar. |
|
Em ti tudo é transformado: |
És outro já, noutro lado. |
|
Isto que outro te inaugura |
Em todo o evento te cura. |
|
|
188 – Transformação |
|
A transformação apenas |
Ocorrer pode por nós. |
A nós trocar-nos as cenas |
Deus não pode, que através |
De nós é que ata os cipós |
Com que o mundo tem nos pés. |
|
Porque quem nós enfim somos |
É Deus, em última instância, |
Somo-lo de vida em gomos, |
De Deus fruta apetecida, |
Mágica em nós Vida-Infância |
Através de nós vivida. |
|
|
189 – Arrependido |
|
Arrependido continuo |
Por mal agir contra quenquer? |
Peço perdão (é como influo) |
A todos quantos ofender |
|
Como a mim próprio que ofendi, |
Se outrem magoei sem alibi. |
|
Não jogo a Deus (que nunca ofendo) |
Pedido algum, se me arrependo. |
|
Não me consigo perdoar |
A malvadez algures feita? |
Perdoo ao outro, em meu lugar, |
Igual fraqueza, igual maleita, |
Traço ofensivo que tiver, |
Pecado igual que cometer. |
|
Doutrem curando o coração |
Curas o teu do que é malsão. |
|
|
190 – Triste |
|
Estar triste não tem mal, |
Nem desculpa é de pedir, |
Nem de trocar de sinal: |
Podes usar e seguir. |
|
Podes a tua tristeza |
Transformar num instrumento |
Que ajude a quanto alguém preza |
Na vida, a cada momento. |
|
Então atribuis-lhe um fim: |
A todos vai transformar |
Em bondade atenta assim. |
E, em lugar de caminhar |
|
No trilho que deprimidas |
E revoltadas as torna |
Pelo que restar das vidas, |
Às pessoas isto informa |
|
Do amor, da felicidade. |
Aquelas que tal fizerem |
Preparadas de verdade |
Ficam para as que tiverem |
|
De sofrer tristeza enorme |
E poderão ajudá-las. |
Ora, a vida a tal conforme |
Satisfaz e há-de alegrá-las. |
|
|
191 – Peixe |
|
É viável explicar |
A um peixe o que é caminhar |
Em terra firme algum dia? |
|
Um dia na terra vale |
Mil anos do que propale |
Em discurso o que seria. |
|
Tem valor equivalente |
Um dia passado à frente |
Dum negócio ou conjuntura. |
|
Palavra sem a vivência |
É vasilha sem essência, |
Ovo gorado em figura. |
|
|
192 – Língua |
|
Por palavras pouco fala, |
Fala mais por sentimentos: |
Língua de alma que a propala, |
Neles Deus murmura intentos. |
|
Se deveras saber queres |
O que algo for para ti |
Como te sentes é veres |
Ante o que enfrentas ali. |
|
|
193 – Resultado |
|
Qualquer grande cientista, |
Quando quanto está fazendo |
Não dá resultado à vista, |
Abandona o trilho, vendo |
Toda a hipótese malquista. |
Do saber chocando o ovo, |
Começa tudo de novo. |
|
Toda a grande descoberta |
Provém de mudar de mão |
Quando a mente não acerta. |
- É o que aqui nos falta então, |
Tanto na religião |
Como na vida desperta. |
|
|
194 – Vergonha |
|
A vergonha é reacção |
De quem ainda se ocupa |
Da forma como o verão |
Os mais que o virem à lupa. |
|
Trata tu de superá-lo, |
Ensaia nova resposta, |
Experimenta o regalo |
Do riso por tua aposta. |
|
De ti ri, da situação: |
- Vais ver que libertação! |
|
|
195 – Renúncia |
|
Minha alegria reside |
No acto inteiro de criar, |
Não no desfecho que envide: |
Sei lá bem no que há-de dar! |
|
A renúncia jamais é |
De renegar decisão |
Tudo quanto ponho em pé, |
De me demitir de acção. |
|
|
É renúncia renegar |
A necessidade infrene |
Dum efeito singular, |
Resultado por que pene. |
|
Quando disto me demito |
Fico alegre ao infinito. |
|
|
196 – Luz |
|
Sê uma luz na escuridão |
E jamais a amaldiçoes. |
Não te esqueças de quem és |
Quando te vês no porão |
Cercado do que destoes, |
Do que for o teu invés. |
Antes louva a Criação |
Enquanto alterá-la buscas |
Com tuas medidas bruscas. |
|
E repara bem que aquilo |
Que actuas na provação |
Ser pode o maior triunfo. |
A vivência que, tranquilo, |
Crias testemunha então |
Quem tu és, como teu trunfo. |
As pegadas no teu chão, |
Trilho no tempo a correr, |
Dizem quem tu queres ser. |
|
|
197 – Paixão |
|
Aquele que renuncia |
Renuncia aos resultados, |
Nunca à paixão que o movia. |
O mestre que tem mestria |
Sabe intuitivamente |
Que, para domar os fados, |
O caminho é o da paixão, |
Via que jamais desmente |
De auto-realização. |
|
Se não tens paixão por nada, |
Mais leveiro que uma pluma, |
Já não vês a madrugada, |
Já não tens vida nenhuma. |
|
|
198 – Exibir |
|
Aquilo a que abres os olhos |
E que vês desaparece, |
Deixa de exibir escolhos, |
A ilusória forma esquece. |
|
Tu não podes resistir |
Àquilo a que realidade |
Nenhuma vás atribuir |
Nos agros de tua herdade. |
|
Teu acto de resistir |
A qualquer coisa escolhida |
É o acto de a definir, |
É o acto de lhe dar vida. |
|
Resistes a uma energia? |
Estás colocando-a lá. |
Quão mais insistes na via |
Mais real se tornará. |
|
Seja o que for, a seguir, |
A que estás a resistir. |
|
|
199 – Resultado |
|
Não há nada assustador |
Na vida, se não te apegas |
Ao resultado que for: |
Se nada queres, delegas. |
|
Deixa lá correr as feiras, |
Escolhe mas nunca queiras. |
|
|
200 – Sábios |
|
Os sábios trouxeram todos |
A mensagem de seus bodos. |
|
Não a que gera o tabu: |
“Sou mais sagrado que tu”, |
|
Mas a que a todos uniu: |
“Tão sagrado és tu como eu.” |
|
Mas ouvir vocês não foram |
Nem são aptos a o aceitar |
Nos quadros com que edulcoram |
As quadras de vosso lar. |
|
|
201 – Mil |
|
Mil palavras nunca deixam a impressão |
Forte e fértil que nos deixa alguma acção. |
|
|
202 – Silencia |
|
Primeiro é o recolhimento, |
Silencia o exterior |
Mundo de nervoso e vento, |
Para poder o interior |
Mundo entregar-te a visão. |
Esta é aquilo que procuras, |
Mas nunca a terás à mão |
Enquanto tudo o que auguras |
|
Tão profundamente andar |
A teu exterior ligado. |
Procura interiorizar |
Mais e mais de dentro o lado. |
|
Mesmo quando o não fizeres |
Apela à interioridade |
Em tua lida, ao cederes |
Ao exterior que te invade. |
|
Se por dentro tu não fores, |
Então ficarás por fora |
E de vez perdes as cores |
Com tua eterna demora. |
|
|
203 – Escola |
|
A escola é o lugar onde ir |
Se houver algo que não saibas |
Mas vais saber a seguir. |
Não é lugar onde caibas |
|
Se já sabes uma coisa |
E queres experienciar |
Teu saber, como é que poisa. |
A vida é o modo de dar |
|
A ti a oportinudade |
De ver experiencialmente |
O que sabes, na verdade, |
Mas só conceptualmente. |
|
Não queres aprender nada, |
Só precisas de evocar |
O que já sabes de entrada |
E agir nisto a te basear. |
|
|
204 – Mostra |
|
Tens a ideia de que Deus |
Se mostra só duma forma |
Na vida dos feitos teus |
E esta jamais foi a norma. |
|
É o que te impede de O ver |
Na sua globalidade. |
Se cuidas que Deus vai ter |
Uma só modalidade |
|
De olhar, falar, existir, |
Vais por Ele dia e noite |
Passar sem o discernir. |
Andas em busca, à sonoite, |
Dum Ele que Ele não é, |
Nunca dEle darás fé. |
|
|
205 – Maioria |
|
A maioria de nós |
Perde toda a vida adulta |
À procura de que voz |
É a correcta catapulta |
De adorar, obedecer: |
Servir Deus tal deve ser. |
|
A ironia disto tudo |
É que Deus nunca requer |
A adoração a que grudo, |
Nem obediência sequer, |
Nem preciso de servi-lo: |
Quer-me livre em meu estilo. |
|
|
206 – Defendes |
|
Procura ver se os valores |
Que tu defendes com actos, |
Ideias, termos, furores, |
Trazem ao campo dos factos |
|
O melhor, mais elevado |
Conceito em que já te viste |
Por ti mesmo retratado. |
Examina-os, de alma em riste, |
|
Um por um à luz do dia. |
Se conseguires dizer |
Quem és à periferia, |
Aquilo em que aposta o crer, |
|
Se hesitações, embaraços, |
Nenhum deles te tolher, |
É que contigo aos abraços |
Andas a vida a colher. |
|
Satisfeito estás contigo, |
És final porto de abrigo. |
|
|
207 – Começa |
|
No conceito mais sublime |
Que acerca de ti tiveres |
Começa. Que aí se arrime |
Como seria viveres |
|
Com tal pensar todo o dia, |
Que farias imagina, |
Que é que teu imo diria, |
Como reagir à sina |
|
Do que os mais fazem e dizem… |
- Descobres a diferença? |
Tu e este não condizem. |
Qual então tua querença? |
|
|
208 – Resistir |
|
Podes dar ao moribundo |
O melhor de teus presentes: |
- Deixá-lo morrer em paz, |
Sem persistir neste mundo |
Com os membros padecentes, |
A preocupar-se atrás |
De ti, quando é crucial |
O momento terminal |
Ser amena despedida |
Ao ir-se embora da vida. |
|
|
209 – Adoras |
|
Faz o que adoras fazer |
Apenas, que o tempo é pouco. |
Como cuidas em perder |
Um minuto, feito louco, |
|
A fazer o que não gostas, |
Só para ganhar a vida? |
Mas em que vida é que apostas? |
Nem sequer te dá guarida |
Essa em que andas a correr: |
- Não é viver, é morrer! |
|
|
210 – Conjuntura |
|
O teu pensamento acerca |
Da conjuntura, que “é má”, |
É que te orienta a perca |
Que experiencias lá. |
|
São mesmo as tuas palavras |
“Falido estou, sem dinheiro”, |
Que no tempo que escalavras |
Ditam quanto dura inteiro. |
|
E serão tuas acções |
Em torno disto, sentires |
Pena de teus aleijões |
Ou em depressão caíres, |
|
Ou não tentar descobrir |
A saída para o caso, |
Que te hão-de gerar, gerir |
O que és tu a longo prazo. |
|
Primeiro dado a entender |
Do Cosmos é que não há |
Mau nem bom estado ou ser, |
São só isto: o que ali está. |
|
Deixa, pois, tu de fazer |
Teus juízos de valor. |
Segundo dado a entender |
É que nada dura um ror, |
|
Todo o estado é temporário, |
Imutável nada vi, |
Estático, tudo é vário. |
E vai depender de ti |
|
A forma como algo muda, |
Seja a que for que se aluda. |
|
|
211 – Corpo |
|
Ao correr da vida julgas |
Que és o teu corpo precário. |
Um tempo a mente promulgas |
Que é mesmo ela o teu sacrário. |
Só da morte no revés |
Descobres quem realmente és. |
|
Há momentos em que a mente |
E o corpo não dão ouvidos |
Ao imo ao fundo presente, |
Aos rostos de alma escondidos. |
A maior dificuldade |
Ouvi-los é de verdade. |
|
Os que o fazem são tão poucos |
Que a parecer chegam loucos. |
|
|
212 – Tentais |
|
É pior que condenar: |
Tentais mesmo fazer mal |
A quanto não escolheis, |
Destruí-lo ides tentar. |
Se houver alguém, um local |
Com que não simpatizeis |
|
Atacai-lo de imediato. |
Se houver uma religião |
Que contra a tua pode ir, |
Gritas mal dela de facto. |
Se contradiz a razão |
Doutrem o que a tua vir, |
|
Logo a ridicularizas. |
Se uma ideia houver além |
Da que tens, é rejeitada. |
É um erro que não divisas, |
Pois assim só crias bem |
Meio universo de entrada. |
|
E nem metade entendemos, |
Tendo a outra rejeitado, |
Que no espelho só leremos |
O que espelhar do outro lado. |
|
|
213 – Cura |
|
A cura é o itinerário |
De tudo acolher e após |
Escolher o melhor, vário. |
De Deus escolher a voz |
É que é inviável se não |
Houver nenhuma outra opção: |
Temos de ter o contrário, |
O abandono, em solidão, |
Para intuir o solidário. |
|
|
214 – Vives |
|
A vida é uma criação, |
Não, pois, uma descoberta. |
Não vives em teu torrão |
Descobrindo em terra aberta |
O que te reserva o chão. |
Vives dias singulares |
Para cada qual criares. |
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Cada minuto que escorre |
Crias tua realidade |
Alheio a tudo o que corre, |
Sem ver tal fecundidade. |
Farás tal qual faz quenquer |
Sem de tal te aperceber. |
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Bom era abrires os olhos: |
- Evitavas mais escolhos… |
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215 – Pendor |
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Se há um pendor da criação |
Que julgues que não te agrada, |
Abençoa-o, muito chão, |
E muda-o com mãos de fada. |
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Faz uma novel escolha, |
Germe doutra realidade, |
Que um pensar novo a recolha, |
Termo outro de identidade, |
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Faz mesmo uma coisa nova, |
Fá-lo com grandiosidade |
E o resto do mundo aprova, |
Segue-te o rasto na herdade. |
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Pede e faz que tais quais sejam, |
Mostra o caminho e que sigam. |
Assim requer Deus que O vejam |
Céu e Terra e os que os ligam. |
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216 – Reages |
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Quando reages com desgosto |
E mágoa ao que outra pessoa |
Estiver a ser no posto, |
A dizer, fazer que doa, |
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Algo podes empreender: |
Admitir com lealdade |
Para contigo e quenquer |
Que o que sentes não te agrade. |
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Muitos disto têm medo, |
Que má irão dar uma imagem, |
Que é ridículo ou que é tredo |
Sentir-se tais na triagem, |
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É mesquinhez tal abalo, |
São superiores, enfim… |
Mas não logram evitá-lo, |
Continuam mal assim. |
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Há uma atitude a tomar: |
Respeitar vossos afectos, |
Que os afectos respeitar |
A vós próprios é dar tectos. |
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Como doutrem entender |
E respeitar sentimentos |
Sem os próprios acolher |
Que sois vós em tais momentos? |
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217 – Colocares-te |
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Colocares-te em primeiro |
No sentido mais sublime |
Não leva nunca, rasteiro, |
A um acto ímpio, ao crime. |
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Se em tal acto por ti deste |
O melhor por ti fazendo, |
Aquilo que ali não preste |
Não é por ires tu sendo |
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O primeiro em teu cuidado, |
É da interpretação má |
Do que no caso abordado |
Para ti melhor será. |
Interpreta mais a fundo: |
Noutra luz verás teu mundo. |
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218 – Obrigação |
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Nenhuma obrigação tens, |
Nem nas relações, em nada, |
Nem limitações reténs, |
Nem restrições na jornada, |
Nem linha orientadora, |
Qualquer regra condutora… |
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Por nenhuma circunstância |
Ou conjuntura és atado, |
Nem restringido em instância |
De código, lei, traslado, |
Nem punível por ofensa, |
Nem capaz de tal sentença. |
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De facto, aos olhos de Deus, |
Não cometes, nem esquivo, |
Uma ofensa: os gestos teus, |
Tudo o que há, nada é ofensivo. |
És livre, mas opta bem: |
- No fundo, o efeito convém? |
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219 – Tendem |
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Todos tendem a ver neles |
Aquilo que neles vimos. |
Quão mais grandiosa impeles |
Deles a visão dos cimos, |
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Maior sua prontidão |
Em admitir, revelar |
A faceta que terão |
Que lhes viemos mostrar. |
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220 – Função |
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Função de alma é despertar-te |
A ti, de todos os modos, |
A de Deus é os outros todos. |
Nós dobramo-lo destarte: |
Vendo os outros sob os modos |
De quem no fundo eles são, |
E acordando-lho, constantes. |
Difícil programação: |
Não nos crêem, hesitantes. |
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Mas há uma segunda via: |
A de quem és evocando. |
Fácil, não precisaria |
Doutro crer, o teu bastando. |
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Constantemente o mostrando, |
Acabas por recordar |
Aos outros quem são e quando, |
Vêem-se no teu lugar. |
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221 – Pensamentos |
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Como é que tua mente foi buscar |
Os pensamentos que ela tem agora? |
Não sabes que o teu mundo manobrar |
A tua mente foi para pensar |
Da forma que tu pensas toda a hora? |
|
Não seria melhor andares tu |
E não o mundo, fora, a manobrá-la? |
Não seria melhor pensar a nu |
Nos termos que tu queres, não no cru |
Pensamento dos outros que te abala? |
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Não ficas tu melhor com criativo |
Pensamento que é teu e que te exprime |
Do que com um pensar repetitivo? |
Contudo, a tua mente, ao reactivo |
Pensamento que é doutrem não se exime. |
|
De conceitos repleta vive cheia |
Duma experiência alheia resultantes. |
Poucos serão os teus, dentro da teia, |
Os autoproduzidos, mal ameia |
A preferência tua ante as restantes. |
|
Teu próprio pensamento de raiz |
Sobre o dinheiro é exemplo perspicaz. |
Teu pensar de que é mau te contradiz |
Tua vivência: que é óptima matriz! |
E andas às voltas, mentes… É eficaz? |
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222 – Círculo |
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És mesmo o que cuidas que és, |
És círculo vicioso |
Se negativo te vês. |
Rompe-o, voluntarioso! |
|
Tua vivência actual |
Baseia-se na anterior. |
Pensar conduz, em geral, |
A agir dum dado teor, |
|
Agir leva ao pensamento |
Que a agir leva uma outra vez… |
E assim neste enrolamento |
Atado sempre te vês. |
|
Pode ser uma alegria |
Se o que for orientador |
É pensar alegre o dia, |
Mas é um inferno de dor |
Se o cuidar for infernal. |
Então só resta mudar |
Do pensamento o sinal |
Para o sol poder brilhar. |
|
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223 – Palco |
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Quando dois trabalhadores |
Por igual qualificados, |
Um é palco de louvores, |
Outro cai nos postergados, |
|
Não do que um ande a fazer, |
Do que ambos estão a ser, |
|
Vê que um vive muito aberto, |
Simpático, interessado, |
Prestável, atento, esperto, |
Bem disposto e confiado, |
|
Enquanto outro anda fechado, |
Carrancudo, rabugento, |
Distante, pouco empenhado, |
Incivil e desatento. |
|
E se vais seleccionar |
Ainda estados mais sublimes? |
Findas a priorizar |
Os que no píncaro encimes: |
|
Misericórdia, bondade, |
Amor e compreensão, |
Compaixão e piedade, |
Justa equidade e perdão. |
|
A vivência atrai vivência |
E aprofunda a experiência. |
|
Não estás neste planeta |
Para não produzir nada |
Com o teu corpo maneta, |
Nunca afeito à vera enxada. |
|
Estás para produzir |
Com alma o que te couber. |
Corpo é instrumento a cumprir |
O que dele a alma quiser. |
|
A tua mente é uma força |
Que o corpo te faz andar. |
Tens neste o poder que força |
De alma as ânsias a criar. |
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224 – Afirmação |
|
A afirmação não resulta |
Se for mera afirmação |
Daquilo que desoculta |
As verdades que serão, |
|
Que virão a ser verdade. |
Só resulta se afirmar |
Algo cuja identidade |
Ali já sabes estar. |
|
A melhor afirmação |
É de reconhecimento, |
Testemunha gratidão |
Do que, oculto, é o meu momento. |
|
Em pleno inêxito digo: |
“Pelo êxito em minha vida, |
Meu Deus, meu Deus, te bendigo.” |
Esta ideia convivida |
|
Produz grandes resultados |
Quando é saber verdadeiro: |
Não tenta produzir dados, |
Tem o conceito certeiro |
|
De que os fins por nós queridos |
Já nos foram produzidos. |
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225 – Ordem |
|
Numa ordem verdadeira |
Ninguém para ser feliz |
Faz algo com que emparceira; |
É feliz uma pessoa, |
Por isso faz o que diz |
E não leva a vida à toa. |
|
Ninguém toma uma atitude |
Para devir condolente; |
De condoer-se em virtude |
Faz com tal o que é coerente. |
|
Do imo a decisão precede |
O agir do corpo em alguém |
Que alta consciência levede; |
O inconsciente, porém, |
Ao invés é que procede. |
|
A tua vida não é |
Aquilo que o corpo faz, |
Mas teu corpo põe de pé |
Reflexos do que és capaz. |
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226 – Cancro |
|
Há tanta gente que fuma |
E de ter cancro se admira! |
Que animal gordo consuma |
E a artéria que não aspira |
|
O espante ao ver bloqueada! |
Passam vidas furiosas |
E, depois um tudo-nada, |
Cardíacas são morbosas. |
|
Umas com outras competem, |
Impiedosas e em tensão, |
E as tromboses se repetem |
Em grande consternação. |
|
Por detrás disto a verdade |
É que ali todos se matam |
Da inquietação que os invade, |
De tanto que se maltratam. |
|
A inquietação deve ser |
A pior acção mental |
Após os ódios que houver. |
É inútil, prejudicial, |
|
Desperdício de energia, |
Prejudica o organismo |
Da bioquímica que cria |
E provoca nele um sismo, |
|
Da cardíaca paragem |
A uma mera indigestão. |
Respiramos outra aragem |
Quando acaba a inquietação. |
|
É uma atitude da mente |
(Se inquietos os gestos meus) |
Que não entendeu, à frente, |
Dela a ligação com Deus. |
|
Ódio, a emoção mental, |
É a que mais profundamente |
Nos é prejudicial. |
O corpo envenena rente |
|
E os efeitos dele são, |
Na prática, irreversíveis. |
Medo é mesmo oposição |
Ao que és em todos os níveis |
|
E, portanto, há-de-se opor |
À tua física saúde. |
É de inquietação um ror, |
Muito ampliada amiúde. |
|
Inquietação, ódio, medo, |
Com mais os seus derivados, |
Ansiedade, em boca o credo, |
Amarguras e cuidados, |
|
Impaciência, antipatia, |
Avareza, criticismo, |
Condenação da fasquia |
Com que salto cada abismo, |
|
- Atacam os organismos |
Mesmo a nível celular. |
Escravo em tais mecanismos |
Nenhum corpo há-de vingar. |
|
Por igual, a presunção, |
Auto-indulgência, ganância |
À doença levarão, |
Mal-estar a matar de ânsia. |
|
As doenças, frequentemente, |
Primeiro cria-as a mente. |
|
|
227 – Fome |
|
Temos a fome abismal |
De saber. Mas já sabemos, |
Só que nós nunca queremos |
A Verdade tal e qual, |
|
Só queremos conhecer |
Verdade como a entendemos. |
É a barreira a nos tolher |
A luz que nunca veremos. |
|
Julgamos já que a Verdade |
Conhecemos tal como é, |
Que a entendemos neste pé, |
Por isto nos persuade |
|
O que ouvimos, lemos, vemos |
Que quadre com tal padrão |
Do entendimento que temos, |
Rejeitando quanto não |
|
Se enquadre dentro das linhas. |
Chamamos tal de aprender, |
Cuido aberto aqui quenquer |
A vindimar quaisquer vinhas. |
|
Infelizmente, porém, |
Ninguém pode estar aberto |
Aos ensinamentos bem |
Enquanto se julgue certo, |
|
Se a tudo fechar a grade, |
Excepto à própria verdade. |
|
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228 – Tipo |
|
O tipo de professor |
Pouco importa, a educação |
Que ao aluno anda a propor |
É que alicerça no chão. |
|
Tem aulas motivadoras, |
Interessantes, que envolvem? |
Os temas domina a horas, |
As crianças desenvolvem? |
|
Papelada, arrumação, |
Não importam mais que ensino. |
O mais é sombra no chão, |
Comparado ao sol no pino. |
|
|
229 – Mandarins |
|
Mandarins da educação, |
Na augusta sabedoria, |
Das enxurradas farão |
Alguma ideia algum dia |
|
De ordenações, relatórios, |
Procedimentos e linhas, |
Quadros, dados meritórios, |
De estatística adivinhas, |
|
Mais sete pragas do Egipto |
Que diariamente caem |
Ante o director contrito |
Da escola que com tal traem? |
|
Perde-se este a vasculhar |
Em papéis, sem resolver |
O que primeiro há-de olhar: |
- Os alunos a atender. |
|
|
230 – Dor |
|
Sentir dor é colocar |
Trancas à porta de entrada |
Duma casa já roubada, |
É um guarda-costas lhe ir pôr |
Junto à porta, a vigiar, |
Ao reparar, envolvidos |
Em cuidados e calor, |
Os vidros ora partidos. |
Sentir dor é após, com pressa, |
Pôr na lesão a compressa. |
|
|
231 – Afastado |
|
Quando alguém anda obcecado, |
O respeito dos valores, |
Lealdade ao que anda ao lado, |
A clareza entre os rumores |
- Tudo às vezes é perdido, |
Por racionalização |
Afastado e refundido, |
Perde-se de vez o chão. |
|
Quando alguém anda obcecado, |
Não anda, põe um travão. |
|
|
232 – Amado |
|
Amado ser e outrem amar |
Em instituições fundadas |
No poder não tem lugar. |
E a família, se calhar, |
Poderá ser das listadas. |
|
Quando alguém um deus irado |
Vier encontrar num pai, |
Instrutor ou patrão dado, |
Lições recebe, humilhado, |
Ver como portar-se vai. |
|
Irá desvalorizar |
E reprimir dele no imo |
Do feminino o aflorar, |
Rasga, de fero, o talar |
Manto com que trepa ao cimo, |
|
Quanto compassivo for |
E tudo o que é protector. |
|
- Pedra angular do poder |
É caminho de não ser. |
|
|
233 – Ensina |
|
Como é que o que ensina orgulho |
Pode orgulho castigar? |
Quem nos feitos deu mergulho |
Pode o feito vir travar? |
|
Como pode quem governa |
Pelo direito e justiça |
Que a verdade jura eterna, |
Dele sagrada na liça, |
|
Como pode escarnecer |
Do que é justo e for verdade, |
Governar como bem quer, |
Centrado na falsidade? |
|
|
234 – Inimigo |
|
Quando com algo lutamos |
Que nos pode destruir |
(Das dependências os ramos, |
Obsessões sempre a vir, |
|
Uma perda de saúde, |
Compulsões a me empurrar, |
Ou destrutiva atitude…) |
- Muito mais que derrotar |
|
Um inimigo logramos |
Sempre invariavelmente: |
Igualmente conquistamos |
A positiva semente |
|
Que, inesperada por norma, |
Gradualmente nos transforma. |
|
|
235 – Armas |
|
Com as armas nucleares |
O poder de dominares |
|
O mundo não pode ser |
Separado do poder |
|
De, em estilhas de cometa, |
Destruir todo o planeta. |
|
Se isto vier realmente |
Adentrar-se em toda a mente, |
|
Então confraternizar, |
Muito mais que dominar, |
|
É a nova prioridade |
A aplicar-se, de verdade, |
|
Em todas as relações, |
Causas como instituições. |
|
Seria o fim – bom seria! – |
O fim da patriarquia. |
|
|
236 – Mundo |
|
Se o mundo da acção visível, |
Sempre um mundo manifesto, |
Brota do mundo invisível |
Do pensamento, do apresto |
Da intenção e da visão, |
Do colectivo inconsciente |
E colectiva demão |
Que lhe empreste o consciente, |
|
Então o esforço de paz |
Contra-atacar deveria |
Sempre a infiltração falaz |
Do medo que ao fim nos guia, |
Bem como a necessidade |
De poder, em toda a idade, |
Que o medo, afinal, nos cria. |
|
|
237 – Sigo |
|
Sigo a vida como surge |
No voo de passarinho. |
Sigo-a, não discuto o que urge, |
Tomo o copo, bebo o vinho, |
Como o pão que houver no prato |
- E o melhor tento em meu acto. |
|
|
238 – Básico |
|
Se o básico é satisfeito, |
O dinheiro só fomenta |
Falsa alegria, se a jeito |
Mais que aos mais a mim me inventa. |
|
Dinheiro compra estatuto, |
Alguns faz sentir melhor… |
Quem procurar o produto |
Noutras vias não vai pôr |
|
Em moedas o desejado. |
- O cientista, o missionário, |
Um actor, um voluntário… - |
Lugar mal remunerado |
|
Acolhem, com outra pista, |
- E é felicidade à vista. |
|
|
239 – Humor |
|
Quem for um extrovertido |
Mais feliz que a maioria |
É, mais que o introvertido: |
O bom humor alivia |
E torna, de praticável, |
Todo o mundo mais sociável. |
|
|
240 – Acompanha |
|
Comportamento altruísta |
Sempre acompanha os felizes. |
É de os outros ter em vista? |
Ou de terem tais matrizes |
Os que felizes se sentem |
Que os mais querem e acalentem? |