TERCEIRO TROVÁRIO
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um número aleatório entre 241 e 392 inclusive.
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o poema correspondente como umensagem particular para o seu dia de hoje.
241 – Desvendo o rio que leve
Desvendo o rio que leve
À paisagem mais ignota,
Desde uma ilhota mui breve
À cachoeira que teve
O condão de erguer-me a cota
Vou por meus mistérios fora,
Ao canto aponto a lanterna
Onde mora o que demora
A cara a mostrar-me eterna.
Canto cada descoberta
Em cadência bem medida,
Metro e rima sempre certa,
Na pegada conhecida
Canto a terra prometida.
242 – Lei |
|
A lei, máquina imperfeita, |
Algo se achega à justiça |
Quando o servidor que a estreita |
Por tal se empenha na liça. |
|
Porém, quando a advocacia |
Não é prática do bem |
Mas em tudo propicia |
Manter dela a lei refém, |
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O padrão do que é aceitável, |
Em trucagem de advogado, |
Em queda livre é provável |
Que se veja em todo o lado. |
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Então, da lei à justiça |
Todo o caminho se enguiça. |
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243 – Dois |
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Há dois modos, sobretudo, |
Fáceis de a vida passar: |
Acreditarmos em tudo |
Ou de tudo duvidar. |
|
Ambos evitam, contudo, |
Que tenhamos de pensar. |
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244 – Crescer |
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Envelhecemos por fora, |
Por dentro amadurecemos: |
Crescer desconcerta agora |
Se reparo no que temos. |
|
O melhor de nós aclaram |
Mais anos que nós levemos, |
O que nos distingue encaram |
Ao vogar no barco a remos: |
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Mudam-nos em mais iguais |
A nós mesmos, à medida, |
Desassossegos vitais |
Tranquilizam-se em seguida. |
|
Quem se assusta é que mais feio |
Se vê na perca dos anos, |
Perdido algures no meio, |
Devagar, nos desenganos. |
|
Envelhece dentro então, |
Que só se autoriza agora, |
Do imo perdido o pendão, |
A amadurecer por fora. |
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245 – Montanhas |
|
Estas montanhas não rezam, |
Já são a oração de Deus. |
Têm o lugar que prezam, |
Permanecem ante os céus. |
|
Estão aí bem desde antes |
De alguém as poder olhar, |
De ouvir os trovões distantes, |
De quem cria perguntar. |
|
Nascemos e morreremos |
E as montanhas sempre aí. |
Vale a pena o que corremos? |
Por que não ser como ali |
|
A montanha sábia, antiga, |
Em seu lugar adequado, |
Esperar, sem qualquer briga, |
Que o saber finde espalhado? |
|
Nós, porém, somos os rios, |
Transmudamos a paisagem, |
Enfrentamos desafios, |
- Nunca nos pára a viagem. |
|
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246 – Fogo |
|
Tal como o fogo, o dinheiro |
Não é mau nem bom em si, |
É neutro, que é por inteiro |
Determinado, certeiro, |
Pelo olho que o vir ali, |
Pela mão boa ou escusa |
Daquele que o no fim usa. |
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247 – Iguais |
|
Homem e mulher diferem, |
Não de educados a tal |
Na família patriarcal, |
Mas porque os anos conferem, |
|
Ao fim de quatro milhões |
De rumos de evolução, |
Modos de ser que não são |
Nada iguais nos dois talhões |
|
E os cérebros dos dois lados |
São muito, enfim, diferentes. |
Não é dos tratos presentes |
Nem dos brinquedos doados… |
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248 – Dádiva |
|
Dádiva doutrem apenas |
Não é nunca a liberdade. |
Antes esta das mais plenas |
Dádivas de Deus emana |
Que visam a saciedade |
Que convém à alma humana. |
E é porque é de Deus um dom |
Que ninguém lhe anula o tom. |
|
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249 – Culpa |
|
Que culpa teremos nós |
De que as palavras em si |
Sejam vazias, vazias? |
Ao mas dizer, logo após, |
Tu preenche-las ali |
De teu sentido e magias. |
Ao recebê-las, porém, |
Eu, inevitavelmente, |
Preencho-as de meu sentido. |
Acreditámos, pois bem, |
Concordar em toda a frente. |
Nada nos há mais mentido: |
|
Se olharmos bem, nós bem vemos |
Que nunca nos entendemos. |
|
|
250 – Acto |
|
Quando um acto é praticado |
Não se muda nunca mais. |
Se duma ou doutra maneira |
Alguém agiu nalgum lado, |
O que fez, fica, jamais |
Se lhe apagará da ombreira, |
|
Mesmo que depois não sinta |
Nem sequer se reconheça |
Naquilo que praticou. |
É pior que trela ou cinta, |
É na prisão que tropeça |
Quem num acto se afirmou. |
|
São tentáculos, espiras |
Que nos vêm tirar ar. |
Como a libertar-te aspiras |
Se não há como escapar? |
|
|
251 – Tua |
|
Se me vens representar |
Em que realidade ocorre? |
Na tua terá lugar, |
Que a doutrem não te socorre. |
|
Há-de ser única, acaso, |
A realidade de todos? |
Se houver mil no mesmo prazo, |
Mil serão e de mil modos. |
|
Mesmo para cada qual |
Único o real não é, |
Muda, constante e fatal… |
- Então em que farei fé? |
|
|
252 – Cicatriz |
|
Na vida dum ser humano |
Não há cicatriz curada. |
Reduz-se a uma agulha o dano |
Mas lesa na encruzilhada. |
|
É como a perda dum dedo |
Ou duma vista no assédio. |
Não sinto a falta? Num credo |
Vejo que não tem remédio. |
|
Fica lá sempre o vazio, |
Por mais voltas que dê o rio. |
|
|
253 – Mulher |
|
Mulher de dezanove anos |
Atraente é jovial. |
A de vinte e nove é igual |
Mas já não cai nos enganos |
|
De exigir o mundo à volta. |
A primeira é uma insolência, |
Tem de cadete a envolvência, |
Outra é a combatente solta. |
|
É um excesso de atenção |
Que traz confiança à mais nova. |
A mais velha põe à prova |
O poder que tem à mão. |
|
Ambas os anos vindoiros |
Não antecipam, no medo, |
Vivem no absoluto credo |
De nunca haver maus agoiros. |
|
|
254 – Foge-nos |
|
A vida foge-nos, foge, |
Voam mais rápido os dias |
Que arvéloa sem ter que a aloje, |
Pedra ao ar que lançarias |
|
E que na queda acelera |
Trinta e dois pés por segundo, |
Ao quadrado, flecha mera |
No abismo a tombar profundo. |
|
Horrível velocidade |
A que de nós se aproxima |
A morte, a fatalidade, |
Através de qualquer clima. |
|
Como o tempo gostarias |
Que fora tão lento, lento, |
Como em criança o verias |
Sem ter nele o pensamento, |
|
- Sempre, na brisa ligeira, |
Cada dia a vida inteira! |
|
|
255 – História |
|
É da História o que ocorreu |
E o que tempos fora ocorre |
E é também discurso meu |
Narrando o que em terra morre. |
|
Quanto mais escavo ali |
A raiz de nosso ser, |
Mais longe os limites vi |
Carnais de mais “eus” que houver. |
|
Isto determina o dia, |
Aproxima, em hora certa, |
O momento em que diria |
Que sou quem ali desperta, |
|
Tal se a carne fora minha |
De todo tempo e lugar. |
Que fardo a vida adivinha |
Ter então de suportar! |
|
Mas como digno me acalma |
O nosso sentido de alma! |
|
|
256 – Debaixo |
|
Tal se debaixo dos pés |
O chão fora transparente, |
De camadas de través |
De cristal alvinitente |
|
Que descem cada vez mais |
Até mesmo ao infinito, |
Aos ignotos abismais, |
Iluminados, se os fito, |
|
- Em minha carne revivo |
Os eventos do passado |
Que preenchem todo o arquivo |
Dos fundos donde sou nado. |
|
E assim é que em mim resumo |
Do Universo inteiro o sumo. |
|
|
257 – Disfarce |
|
O pensamento é roupagem, |
Disfarce de aspirações, |
Antes de qualquer linguagem, |
Dois corsos de foliões. |
|
Está disposto a mentir |
Antes mesmo de falar. |
Se honesto o termo surgir, |
Não é dele o falsear, |
|
- É que anda no pensamento |
A máscara que eu invento. |
|
|
258 – Espera |
|
Uma espera é uma tortura |
E ninguém aguentaria |
Uma semana a postura, |
Sentado ali todo o dia, |
E menos se dura um mês, |
Um ano tal entremez. |
|
Melhor aguenta umas horas |
Tal espera tais demoras. |
|
Quando o tempo se prolonga |
Não se alonga tal tormento, |
Enfraquece quão mais longa |
For a talhada que enfrento, |
Que as ocupações do dia |
Distraem quem as avia |
|
E no esquecimento cai |
A dor que a espera então trai. |
|
As horas de pura espera |
São mais temíveis, cruéis, |
Para a paciência mera |
Do que as esperas fiéis |
Que se estendem vida fora |
Por decénios de demora. |
|
Aurora que se anuncia |
Morre se não nasce o dia. |
|
O que espero logo em frente |
É pela proximidade |
Que afecta precisamente, |
Estímulo que me invade, |
Que é muito mais penetrante |
Por me estar logo adiante, |
|
Transforma-me a paciência |
Na arrasadora premência. |
|
Uma espera a longo prazo |
Deixa-me em paz e permite, |
Obriga a cuidar, dar azo |
A qualquer outro palpite, |
A mil rumos empreender, |
Porque tenho de viver. |
|
Quão mais tempo se alongar, |
Mais fácil nos é esperar. |
|
|
259 – Marcha |
|
A marcha não vem de fora, |
De dentro de ti provém. |
A legião de mortos mora |
Por cerrada noite além, |
|
Léguas de profundidade, |
E de lá sobem os gritos, |
Camadas de cada idade |
São dentro em ti mil conflitos. |
|
Homem, és o mais profundo, |
Escavado entre os mais pulcros, |
Espalhado pelo mundo, |
O mais vasto dos sepulcros. |
|
|
260 – Hoje |
|
Para mim o hoje não é, |
De amanhã sofreguidão. |
Ora, amanhã, morte em pé, |
Já perdi de vez o chão. |
|
Só dou por tudo o que é belo |
Quando já passou por mim, |
Já não ressuscito o apelo, |
De vez mergulho no fim. |
|
Há só na vida um momento, |
Um momento que sorri, |
É de agora este elemento |
Que tudo concentra em si. |
|
Se pelo absurdo o troquei |
É só da morte que sei. |
|
|
261 – Eclipsa |
|
Papa que eclipsa uma igreja, |
Rei que substitui seu reino: |
Que excelente um só se veja, |
Não todos juntos, em pleno. |
|
E que preguiçosamente |
Se vão resignando os mais |
Ao culto dum eminente |
Como a norma dos sinais |
|
Da natureza das coisas. |
- E assim, mundo, tu repoisas. |
|
E, por mor desta preguiça, |
O mundo inteiro se enguiça. |
|
|
262 – Exigência |
|
O que nunca ponho em causa |
É exigência radical |
De, em todo o campo e sem pausa, |
|
Pôr tudo em causa, leal. |
Com temor mais alegria, |
Por ser breve, chamo a tal |
|
Deus, tal como é no meu dia. |
Conforme a visão de Deus, |
- Senhor ou Rei, numa via; |
|
Revolvendo Terra e Céus, |
Em outra, em alternativa – |
Dois lados nos camafeus |
|
Se abrem à fé de que viva: |
A religião do poder, |
Dos crimes em recidiva; |
|
Ou, derrubando quen quer, |
A da Humanidade inteira, |
De Homem como de Mulher, |
|
- Que a todos nos emparceira. |
|
|
263 – Mandamento |
|
Jesus fez da caridade |
O seu mandamento novo? |
Não é, não! Não é verdade, |
Mas do amor mútuo que provo, |
Mas da reciprocidade. |
|
Caridade é o movimento, |
Que é sempre unilateral, |
Por aquele objecto amado: |
Nem por ser amado real |
Mais é que um objecto dado, |
Fora de mim no momento. |
|
O amor requer dois sujeitos, |
Toca igual ambos os peitos. |
|
|
264 – Reside |
|
Mais nos povos que em governos |
Reside a força da História. |
Do corpo deles, supernos, |
|
Mais do dos pobres sem glória |
E dos marginalizados, |
Brotam germes de memória, |
|
Do Deus da vida habitados. |
No corpo dos povos mora, |
A partir dos deserdados, |
|
Quanto a História revigora. |
|
|
265 – Juntos |
|
De viver juntos capazes |
Ou somos em relação, |
Cooperações audazes, |
|
Cada qual do outro irmão |
- Isto então será Política – |
Ou uns outros caçarão, |
|
Cada qual a fera mítica, |
Um lobo para quenquer, |
E a guerra será mefítica |
|
- Isto então será Poder. |
Eis a verdade apodíctica: |
Entre os dois há que escolher. |
|
|
266 – Inviável |
|
Se com Jesus entre o povo |
Fica inviável continuar |
A manter, sem mais renovo, |
|
Um mundo mui regular |
Em que o doutor, sacerdote, |
Fariseu, gente do altar, |
|
Governador, o zelote, |
O terratenente, o rei |
Têm garantido o dote, |
|
São os senhores da lei |
Bajulados e temidos, |
Vivem do suor da grei; |
|
- Se com Jesus os bramidos |
Gritam não e ultrapassaram-no, |
Tais reis, já não garantidos, |
|
- Vai daí, crucificaram-no! |
|
|
267 – Política |
|
Política de verdade |
E jamais de ideologia, |
De justiça que persuade |
E não de demagogia, |
|
Toda feita de ternura |
E nunca de violência, |
Misericórdia que apura |
As vítimas da existência |
|
Do poder, religião |
E do cinismo a evidência |
Rejeite em condenação |
Contra qualquer prepotência, |
|
De solidariedade |
Feita até à doação |
Da própria vida, pois há-de |
Privilégios pôr ao chão, |
|
Política de serviço |
Da dignidade roubada |
Do Poder por todo o enguiço |
A cada mente castrada, |
|
Que jamais, como convém, |
Domina sobre ninguém, |
|
- Eis a política a sério: |
Quer servir, não quer o império. |
|
|
268 – Monstro |
|
O rico devém deveras |
Um monstro de forma humana |
Se o pobre não vê, nas eras, |
Que aos milhões dele dimana. |
|
Quanto mais acumulada |
A riqueza que tiver, |
Menos humana a fachada |
Com que ele há-de aparecer. |
|
No limite se mascara |
De humano quando, em verdade, |
De humano não tem a cara, |
Tem dum monstro a realidade. |
|
|
269 – Mostra |
|
Deus não se mostra em milagres |
Nem mesmo em sinais do céu |
Que são os meis e os vinagres |
De alienar o sandeu, |
|
Que oprimem e que amedrontam |
Indivíduos e nações. |
Mas antes onde se contam, |
Se livram de alienações, |
|
Das opressões e dos medos |
Dos deuses embora até, |
Os que a vida enfrentam, ledos, |
E a tomam em mãos de pé. |
|
|
270 – Paredes |
|
Deuses das religiões |
Que vivem paredes meias |
Com palácios de mandões, |
De ricos de panças cheias, |
|
E que se fazem servir |
Por padres subservientes |
Dos grandes que cada vir, |
De ricos incontinentes, |
|
Não são nunca o Deus da fé |
Que é sempre outro totalmente. |
Não ergue altares de pé, |
Não mora em templo que mente, |
|
Mas anda sempre a cruzar |
A história da Humanidade |
Como um fogo a incendiar |
Tudo e que então tudo invade, |
|
Do pobre ouvindo o clamor |
Com entranhas de piedade |
E que não poupa o suor |
Para o livrar da maldade. |
|
|
271 – Falta |
|
Falta de padres é graça, |
São graça igrejas vazias. |
Muitos cuidam que é desgraça, |
Trocam fé por miopias. |
|
A hierarquia emurchece, |
Tem menos a quem sugar. |
Confunde, enquanto falece, |
Isto com Deus a mingar. |
|
“Igreja de padre e bispo”, |
Anda o Espírito a clamar, |
“Não é, não, de Jesus Cristo, |
Esta de povo é vulgar. |
|
Não é só de homens, machista, |
É de homens e de mulheres, |
Nem de eunucos, passadista, |
Mas dos lares que quiseres. |
|
É Igreja povo de Deus |
Com ministérios variados |
Servindo a todos, que seus |
São todos que forem nados. |
Também tem quem coordene, |
Unifique, autoridade… |
Mas não tem quem o condene |
A sacral ser entidade. |
|
Construirá tanta ponte, |
Será tão pontifical |
Que dentro em seu horizonte |
Cabe toda a fé real, |
|
Venha lá donde vier, |
Seja cristã ou judaica, |
Budista, hindu, de quenquer, |
Seja maometana ou laica… |
|
A todos fiel servirá |
Nas carências que tiverem |
E a todos libertará |
Das opressões que sofrerem. |
|
A igreja de Jesus Cristo |
Não é de hierarquia e templos, |
Resume-se apenas nisto: |
- É de amor a dos exemplos!” |
|
|
272 – Ruma |
|
Em vez da comunidade |
Que ruma à humanização |
Com todos protagonistas, |
Que cultiva e persuade |
Aos valores do perdão, |
Da ternura e das conquistas, |
Da comum fraternidade |
E solidariedade, |
|
Do mútuo acolhimento, |
Da paz e felicidade, |
Da festa da liberdade |
Que atende cada elemento, |
Integral o valoriza, |
Nele atenta e o realiza, |
|
Em vez disto estará sendo |
A sociedade do avesso, |
Cínica e fria correndo, |
Uns doutros feitos tropeço, |
|
Todos de costas voltadas |
Como anónimos, estranhos, |
Com diversões alienadas, |
Robôs a granel e ganhos, |
|
E cada qual é ninguém, |
Nem sequer um inimigo |
Que se odeia um tempo além, |
Uma coisa sem perigo |
|
De que as outras se desviam, |
Coisas tudo em solidão, |
De asfixiar (nem se viam…) |
Numa incomunicação. |
|
- Escasso aquilo, a mais isto, |
Que é que quero, a que resisto? |
|
|
273 – Trampolim |
|
A política, das artes |
É porventura a maior. |
Corrompida, tem apartes |
Duma epidemia-mor |
|
Que sem piedade ceifa |
A população inteira. |
Não é física a tarefa |
Com que a mata, é mais leveira. |
|
Tira ao povo a consciência, |
Faz dele gato-sapato, |
Um trampolim da eminência, |
Não o preserva a recato, |
|
Ser ele próprio o não deixa, |
Tira-lhe o protagonismo, |
Tapa-lhe a boca, se queixa, |
Ameia iminente sismo. |
|
Em resumo, a falcatrua |
É que o povo sempre desça: |
Faz com que ele diminua |
Por que o político cresça. |
|
|
274 – Posto |
|
Muda o tempo e a liderança |
É tal qual a do passado. |
Cuidam que o que o posto alcança |
É mais, de tão elevado, |
|
Muito mais do que ser povo: |
Presidir é ter poder, |
Domínio sobre o renovo, |
Maior bolo que quenquer, |
|
Privilégios sobre os mais. |
E cuidam que é natural |
Morar em palácios reais |
Com carrão junto ao portal, |
|
De graça e com motorista, |
Com proventos bem acima |
Da média de qualquer lista, |
Reforma que o resto encima, |
|
Doirada e muito exclusiva… |
E outros privilégios mais |
Perversos e em recidiva |
Que os líderes, como tais, |
|
Reivindicam e usufruem |
Com a naturalidade |
De não ver, em quanto fruem, |
Que é tudo perversidade. |
|
Não querem prestar serviço, |
- Mas liderar é só isso! |
|
|
275 – Trepa |
|
Quão mais trepa a hierarquia |
Pelos degraus do poder |
Mais decresce, em simetria, |
Naquilo que logra ser. |
|
Quem quer ser mestre e senhor |
Não faz disto um privilégio, |
Mais serve com mais amor, |
Criativo sortilégio. |
|
O senhor não é quem manda, |
É quem dar a vida quer |
Por aqueles que comanda, |
Se a ocasião o requer. |
|
Ele nunca infantiliza |
Com ensinamento e norma |
E dependentes não giza, |
Jamais súbditos conforma. |
|
Promove antes crescimento, |
A livre cidadania, |
Responsável o elemento |
Que cada qual anuncia |
|
Até mestre ser também |
De igual jeito e qualidade, |
Prolongando um passo além |
A aposta da liberdade. |
|
Por não ver isto, o empresário |
Crê que é dele enriquecer |
Com o suor proletário |
Dum subalterno qualquer, |
|
Que pode pôr e dispor |
Do tempo do contratado, |
O reles trabalhador, |
Pondo-lhe a vida de lado, |
|
Sem escrúpulos viver |
Um estatuto social |
Muito acima de quenquer |
Com requinte oriental… |
E nem vê que isto é uma afronta |
Aos demais membros da empresa, |
Ao País que a pouco monta, |
Ao pobre que ele despreza. |
|
|
276 – Aberto |
|
Em vez de cada vez mais |
Devir o povo ilustrado, |
De olho aberto e consciente |
Das estruturas causais |
Do mal de que anda marcado |
Sempre impenitentemente, |
|
O que o mobilizaria |
Contra o mal de que padece |
Num combate dia a dia |
E que então não esmorece, |
|
Continua a ser levado |
A acreditar que é castigo |
Todo o mal que padecer, |
Que é de incapaz ser talhado, |
Ou dum fado sem abrigo, |
Ou dum mistério qualquer… |
|
E é um povo então conformado |
E resignado à desdita, |
Pronto a ser manipulado |
Por quem jamais o desquita. |
|
|
277 – Ministros |
|
De ministros é o governo |
Que são os criados, servos, |
Nunca de seu povo os donos, |
Nem o seu patrão superno, |
Nem no privilégio os nervos |
Dos que sofrem abandonos. |
|
São ministros entre os povos |
E sempre, sempre com eles, |
Em comunhão de renovos, |
Fundindo músculo e peles. |
|
Tal como nos corpos nossos |
Formam um a carne e os ossos. |
|
|
278 – Rituais |
|
Rituais sem vida, amor, |
Regularmente nos templos, |
Encenações de senhor, |
Têm-se em conta de exemplos |
De quem é profissional, |
De Deus funcionário real. |
|
Entretêm e enganam |
Multidões no mundo inteiro, |
Os que de medo se esganam, |
Até do Deus mais cimeiro, |
Peados por moralistas |
Sem moral deles nas pistas. |
|
Quanto mais os frequentarem |
Mais impedidos acabam |
De dentro se libertarem, |
De crescer, que menoscabam |
Ser, primeiro, solidários |
E responsáveis primários. |
|
|
279 – Grandes |
|
O homem, em maioria, |
É tal qual grande criança: |
O medo a Deus preferia |
A pôr nele a confiança, |
|
O culto religioso, |
À comunhão solidária, |
Opressões dum poderoso, |
À liberdade primária, |
|
A dependência de alguém |
Com um ar de benfeitor, |
À independência que vem |
Dum clima comum de amor. |
|
Preferem ser oprimidos |
Por um escol poderoso |
Que já desde tempos idos, |
Atrevido, habilidoso, |
|
Se lhes tem apresentado |
Como de oficiais de Deus |
Dentro da Igreja ou do Estado, |
Com poder vindo dos céus, |
|
Auréola que os diviniza. |
Escol que aquilo que faz |
Será que os desumaniza, |
Quando não arrasta atrás |
|
Quanto ao Homem demoniza. |
|
|
280 – Cumeeira |
|
Da cumeeira da encosta |
Tomba em cascata a miséria |
Dos telheiros e da bosta, |
Da poeira, da galdéria, |
Gargalhando de alegria |
Na meninada bravia, |
Com pés nus a batucar |
Sonhos de sol e luar. |
Junto ao cais, gruas, suor, |
Trabalho de estiva e mestre |
Mascarando doutra cor |
Quem em ser feliz se adestre |
Fugidio, fugidio |
Corpo de fome e fastio. |
|
Entre os de cima e os de baixo |
Outros há que nunca encaixo. |
|
Aferrolham no caixote |
A faúlha de infinito, |
O infindo do alto com mote, |
Como o do mar com o grito. |
Guardaram-no a sete chaves, |
Com armas, torres e traves… |
|
- O esquecimento, leveiro, |
Cobre-os como o nevoeiro. |
|
|
281 – Dista |
|
Dista o colonizador |
Sempre do colonizado. |
Nunca fim tem tal pendor, |
Tal fora maldito fado, |
|
Anti-humano isolamento, |
É do valor o total, |
Total desconhecimento |
Do que noutrem nada iguale. |
|
Assim finda empobrecido |
De ambos o mundo e o sentido. |
|
E ganha uma nova pista |
Toda a pegada racista. |
|
|
282 – Poeta |
|
O poeta que não seja |
Realista é que está morto, |
Mas o que apenas o almeja |
Já da morte busca o porto. |
|
Se for irracionalista, |
Só ele e a amante se entendem. |
Mas, se for racionalista, |
Asnos mesmo o compreendem. |
E até um triste se contrista |
Com os vazios que vendem. |
|
É que nestas equações |
Não há, não, cifras na pauta, |
De Deus não há decisões, |
Do Diabo, a pata incauta, |
|
Apenas luta constante |
Entre pendor e pendor |
Na poesia tacteante |
Em busca de esquiva flor. |
|
Quem vence, quem é vencido |
Na perene luta armada? |
Que importa? Tudo medido, |
Poesia com sentido |
Não pode ser derrotada. |
|
|
283 – Profundezas |
|
A poesia é uma vertente |
Das profundezas do homem. |
Germinou, luminescente, |
As liturgias que o domem, |
|
Salmos e religiões. |
O poeta defrontou |
Da natureza os trovões |
E, quando balbuciou, |
|
Foi xamã, foi sacerdote |
Preservando a vocação. |
Hoje a rua tem por dote, |
Por fermento, a multidão. |
|
Agora, muito civil, |
Pobretana ou com negócio, |
Representa o mais viril, |
Mais antigo sacerdócio. |
|
|
284 – Tormenta |
|
Cada qual ao se escapar |
Correrá tormenta além |
Por razão particular. |
|
Para além desta, porém, |
Outra que é comum a todos |
Empurra a todos também. |
|
Mais exigente que engodos |
De individuais motivos, |
Mal se lhe notam os modos, |
|
De tão abismais e esquivos: |
É manter a integridade, |
É manter-nos, factos vivos, |
|
Paixão com que a Humanidade |
Nos penetra a toda a pressa |
Tentando a perenidade. |
|
Para o fado em que tropeça, |
Comum à realidade, |
Fugir do nada que a meça. |
285 – Adorar |
|
Adorar a divindade |
Julgam os homens deveras |
Quando, afinal, a verdade |
É que deles as quimeras |
|
É o que apenas conheceram: |
Meras representações |
De madeira que veneram |
Como de oiro, emanações |
|
De incenso, tinta, palavras, |
De ideias ou de sistemas… |
- Confinam deles nas lavras |
Do Infinito quaisquer lemas. |
|
E os que nunca reconhecem |
Nenhum Deus de modo algum? |
Se a imagens não obedecem, |
Se não vêem Deus nenhum, |
|
Mais próximos, se calhar, |
Que qualquer outra pessoa |
Do Deus vero irão andar |
Que nega o que se apregoa. |
|
|
286 – Distingue |
|
Por que nunca fala o céu |
A quem tem a majestade? |
Não se distingue o que é seu |
Do poder de quem o invade. |
|
Um homem humilde então, |
Assim que ele resplandece, |
Testemunha dum clarão |
Que só nele transparece. |
|
E será que ele revela |
Um segredo do Universo? |
Não, que aquilo a que ele apela |
É o que dentro de mim verso. |
|
- Nunca escutamos, de sós, |
Senão nossa própria voz. |
|
|
287 – Centelha |
|
Igual centelha divina |
Mora igual em todos nós, |
Não é duma raça sina, |
Casta de raros cipós, |
|
Não é de homem ou mulher… |
Cada qual alimentá-la |
De beleza e de saber, |
A fazê-la resplender, |
Há-de sem qualquer cabala. |
|
É somente pela luz |
Que existe nele que um homem |
É grande. E que nos seduz |
Nos fogos que nos consomem. |
|
|
288 – Fronte |
|
Qualquer homem com os mais |
Guarda, sob a fronte externa, |
A que não fia jamais, |
Que por trás guarda a luzerna. |
|
Só mesmo esgaravatando |
Tal invólucro podemos |
A verdade ir desnudando |
Daquilo que nós seremos. |
|
Despojado de mentiras |
Apenas por trás te miras. |
|
|
289 – Lianas |
|
Indivíduos que estudaram |
Toda a forma de pensar |
Findam por se enclausurar |
Nas lianas que enrolaram |
E que encobrem, de momento, |
Todo o próprio pensamento. |
|
E se mesmo esta verdade |
Gritante lhes for aos olhos, |
Confundem-na com escolhos, |
Lutam contra a adversidade, |
Tapam a brecha, por norma, |
Ao pensar de qualquer forma. |
|
Grande é o número de peças, |
De mecânicas respostas |
De que dispõe, sobrepostas, |
Quem ao socorro dá pressas. |
Crê que pensar tem em mente |
Mas lhe escapa totalmente. |
|
|
290 – Ilusão |
|
A ilusão de controlar |
O meu e doutrem destino |
E sempre ao fim a mandar |
O decreto clandestino, |
A derradeira palavra |
Que acima de nós nos lavra! |
291 – Sadia |
|
A sadia tradição, |
Se bem fundo nela cavo, |
É que indivíduo ou nação |
Nunca dela seja escravo. |
|
Não temos rígidas normas, |
Nenhuma regra inflexível. |
Se com qualquer te conformas, |
É por te devir credível. |
|
Ages pelo que crês justo, |
Guiado pelo passado, |
Por hoje que vês a custo, |
Por porvir adivinhado, |
|
- Sem dogma algum nem certezas, |
Na dúvida que sopesas. |
|
|
292 – Murmura |
|
O céu murmura: não me chamo eternidade. |
Chamai-me Deus, se o bem quiserdes, todos vós, |
Que todos vós no paraíso, de verdade, |
Morais sem ver: de árvore a folha é uma deidade, |
O tronco e os galhos são um éden e os cipós |
|
São paraíso como a nuvem, como o vento, |
Como a campina, como o mar ou como a praia… |
Um turbilhão, porém, de penas ao relento |
Para o regato é despejado e, enquanto caia, |
|
Rápido corre em direcção ao oceano. |
Ser arrastados para aí todos nós vamos |
E pouco importa tudo quanto, por engano, |
Nós bem saibamos, actuemos ou digamos: |
- No fundo Além ao deus que somos lá chegamos. |
|
|
293 – Gramática |
|
A gramática é um sistema |
Para o tempo dominar. |
Escrever “foi, é, será”, |
É no passado agarrar, |
Prender o presente ao lema |
Com o porvir que houver cá. |
|
Completados os sinais, |
Já não nos escapam mais. |
|
|
294 – Metáfora |
|
Na metáfora, a linguagem |
É radicalmente aberta. |
À vida depois da morte |
Tende na sua viagem, |
Dum ignoto descoberta. |
É incurável, desta sorte, |
Porque nem chega a morrer, |
- É o dia sempre a nascer. |
|
|
295 – Estancam |
|
Os pobres são como os rios, |
Da terra estancam a sede, |
Fazem inchar os pavios |
Das raízes mais os fios |
Das plantas que a fome pede. |
|
Acarretam grão, sementes, |
Moem o pão nos moinhos. |
Da terra, pois, entrementes, |
A vida são que lá sentes |
E da divina adivinhos. |
|
Construíram catedrais |
De dor que lhes fere os braços, |
Secaram os tremedais… |
- Sem eles entre os varais |
Findarão da vida os laços. |
|
|
296 – Inspiro |
|
Inspiro, às vezes, temor, |
Mas é de si que tem medo |
Cada qual, é de supor, |
Não de mim nem de meu credo. |
|
É o monstro que anda escondido |
No abismo de cada qual |
Que o aterra, distorcido, |
Focinho dele animal, |
|
Que às vezes ergue a cabeça |
Das profundezas do ser. |
Tão maior o horror começa |
Quão mais ignoram tal ter. |
|
O que espanta é ver surgir |
À flor de água aquele ignoto |
Com nada a coincidir |
Com nada que antes lá noto. |
|
Quando acima do alçapão |
Não aparece, em paz de alma |
Impassíveis seguirão |
De rosto liso e com calma. |
|
|
297 – Sorte |
|
A sorte da humanidade, |
O inevitável do esforço, |
É que o labor, em verdade, |
Nunca passará de escorço. |
|
A nossa cultura apenas |
É tentativa qualquer |
De inacessíveis empenas |
Além de nosso poder. |
|
É uma cultura sem lar, |
Truncada, trágica, um torso, |
Não tem onde se acoitar. |
E, de entrudo neste corso, |
|
O espírito humano é mais |
Do que um torso entre juncais? |
|
|
298 – Procura |
|
A procura da verdade |
Tornar-nos-á mais felizes? |
Julguei tê-la em minha herdade. |
Por vezes, nalguns matizes, |
|
Julguei contemplar o céu |
Onde ela vive talvez… |
Porém, nunca o céu cedeu |
Deveras, mesmo rés-vés. |
|
Nunca os meus olhos puderam |
Medir o espaço infinito |
Cujos nós então perderam |
A chave do mais que fito. |
|
Só que além é proibido, |
Todo o esforço finda em vão. |
O que toco é concebido |
A meio e termina então, |
|
Pois apenas o incompleto |
Marca tudo o que eu criar. |
Deixo sempre o lar sem tecto, |
Meu lema é o de inacabar. |
|
|
299 – Inventa |
|
Deus não inventa castigos |
A aplicar ao pecador |
Nem provêm de inimigos |
Que seriam de supor. |
|
Deus nunca fez nenhum mal, |
É o pecador como tal. |
|
Este que a Deus não se inclina |
É que talha a própria ruína: |
|
Aquilo que sempre almeja |
É o inferno em que se veja. |
|
|
300 – Terror |
|
Que diríamos de alguém, |
Na terra os pés bem assentes, |
Que em terror vive também |
De cair, cerrando os dentes, |
Enfiado terra abaixo |
Como de pedras um cacho? |
|
Diríamos, sem desconto, |
Que seria mesmo tonto. |
|
E se, então, vive em família |
Que de sempre muito o ama |
Mas se aterrar, em vigília, |
Com medo de alguma trama |
Por parte de esposa e filhos |
A que o prendem mil cadilhos? |
|
Diríamos, sem desconto, |
Que seria mesmo tonto. |
|
Que dizer então de alguém |
Que, entregue nas mãos de Deus |
Que infinitamente além |
O ama que qualquer dos seus, |
Lamenta ao fim dele a sorte, |
Teme o azar da vida e morte? |
|
É mesmo um tolo deveras |
O ingrato, em todas as eras. |
|
|
301 – Agitado |
|
Lograr a imobilidade |
No agitado torvelinho, |
Ficar quieto e transparente |
Da luz, como a claridade |
Nas copas armando ninho |
Por muito que o dia vente |
- Eis o projecto de vida |
A que o tempo nos convida |
|
E a marca de eternidade |
De toda e qualquer idade. |
|
|
302 – Língua |
|
A língua não tem avesso, |
Não tem direito nem lados. |
Se no que a teço desteço, |
Aparecem-nos os dados. |
|
A realidade é o reverso |
Do tecido da palavra, |
Na metáfora converso |
Do chão que os termos me lavra. |
|
A realidade é viagem |
Do outro lado da linguagem. |
|
|
303 – Dança |
|
A dança a sentir-nos bem |
Com a nossa própria pele |
Nos ajuda. Então além |
Nosso corpo nos impele |
A sentir que é mesmo nosso, |
Que movê-lo sempre posso, |
Como flecti-lo, alongá-lo. |
Leva a música a escutar |
Com muito mais que os sentidos: |
O som vou mesmo aplicá-lo, |
É minha forma de estar, |
De tecer laços vividos, |
|
As pequenas relações |
Entre a graça e o equilíbrio, |
A mão que arqueia emoções |
Pelo voo de ludíbrio |
E toda a camaradagem |
De alinhar em grupo a imagem… |
|
A lição fica alojada |
Algures no inconsciente |
E a pessoa melhorada |
Finda indefinidamente |
E logo num pé de dança |
Vive tudo quanto alcança. |
|
|
304 – Fervilhar |
|
Cada qual de vocês conta |
Com o fervilhar do medo. |
O medo não cura, aponta, |
Descura ao rezar o credo. |
|
Através do medo erigem |
Castelos de aberrações, |
Os obeliscos que exigem |
As vaidades e os senões. |
|
Será da magia o medo, |
De quanto se não entende, |
É do ignoto que o levedo, |
O que não domino o prende. |
|
É o que mais afasta o bem: |
O medo inventa a sentença, |
Contrabalança o que vem, |
O medo sobrecompensa |
|
Através doutros caminhos, |
Doutras escolhas de acaso. |
Como escapo a tais cadinhos? |
Libertando-me sem prazo, |
|
Passando por ele e agindo. |
Logo que eu enfrento os medos, |
Ao que me apavorar indo, |
Sofro com estes degredos, |
|
Mas de vez me livrarei. |
O Homem pode passar |
Pelo medo, como lei, |
Ou fugir dele tentar. |
|
Eis a escolha, aqui ninguém |
Poderá substituí-lo: |
Ou a rota é o que convém |
Ou perde o rumo, intranquilo. |
|
|
305 – Certeza |
|
A certeza é perigosa |
Porque pouca margem deixa |
De manobra a quem a goza. |
A certeza se desleixa |
|
Para dar poder ao ego, |
Para que este mais não grite. |
Com a certeza, delego |
Na informação que me evite. |
|
De novas ao entupir-me, |
A que será que isto leva? |
Desfalecimento firme |
De nervos centrais em treva. |
|
O ego, para ter espaço, |
Precisa dum alimento |
Constante, jamais escasso |
E sempre, sempre em aumento. |
|
É por isto que as certezas |
São deveras perigosas. |
Pouca dúvida ali prezas |
E a que nelas não entrosas, |
|
Base da sabedoria, |
É a que faz nascer o dia. |
306 – Metade |
|
Metade da humanidade, |
Tal qual como num espelho, |
Revê-se noutra metade: |
A imagem não a regala, |
Não gosta da mão, do artelho, |
E tenta logo mudá-la. |
|
Ao espelho a ver-se está, |
Dela própria, pois, não gosta. |
Tentar mudar acolá |
É nela própria que tenta |
Mas, ao não saber da aposta, |
Falha o tiro do que inventa. |
|
Não muda nunca, que pensa |
Que outrem é que há-de mudar, |
Continua a ver-se intensa |
No espelho ali projectada |
Sem a muda ter lugar |
E não desmonta a charada. |
|
Então perde a paciência |
E declara guerra à imagem |
Projectada na evidência |
Do espelho que tem diante. |
Mata com toda a coragem, |
Parte o espelho doravante. |
|
Que o inimigo matou |
Julga quando, ao atirar, |
O espelho apenas quebrou |
E então deixou de se ver. |
Na guerra de egos vingar |
Crê, por outrem morto haver. |
|
De homens a outra metade |
Nada entendeu desta história, |
E a atirar se persuade |
Contra a sua própria imagem |
No outro espelho. E a vitória |
Crê lograr desta triagem. |
|
O ser humano só vê |
Nos outros o que não gosta |
Nele mesmo e ainda crê |
Que o outro é que tem defeito. |
Em olhar-se nunca aposta, |
Ao espelho mau afeito. |
|
Ao deixar de projectar |
Em tão maléfico espelho, |
Para si mesmo há-de olhar. |
Algo há-de ver finalmente |
A corrigir no que é velho, |
A mudar urgentemente. |
|
|
307 – Escolha |
|
Tranquila e sem sobressaltos, |
A escolha humana provém |
De harmonizar cumes altos |
Entre o que o cérebro tem |
E a emoção de que andam faltos. |
|
E o que o homem intuir |
Tem maior prioridade |
Sobre o mais que vê lhe advir, |
Resto de vulgaridade |
Só de oiro a se travestir. |
|
Teremos então vencido |
A batalha da matéria. |
Ninguém mais anda corrido |
Fora de si, na miséria |
De buscar, sempre iludido, |
Má segurança por séria. |
|
Não requer mais componentes |
Do exterior para provar |
Quem é, que quaisquer vertentes |
No interior há-de arrolar: |
Respeita o que sinto e sentes. |
|
O que intuir respeitando, |
O que sentir de raiz, |
É bem compelido quando |
Faz o que o fizer feliz |
E em festa os céus põe cantando. |
|
|
308 – Fiel |
|
Fiel à minha energia, |
Escuto o meu coração |
E a importância que devia |
Ao que me diz dou então. |
|
Ao fazê-lo é que ensinado |
Vou sendo a seguir com ele |
Um caminho atribulado, |
Desconfortável, que apele |
|
Ao que me vem de seguida: |
Uma vida deslumbrante, |
De abundância desmedida |
Que o caminho traz adiante. |
|
Mas por quê tal abundância? |
É um caminho para mim, |
Confere com minha ânsia, |
O Cosmos é meu afim. |
|
Então tudo volta a ser |
Como antes de haver nascido: |
Abundante, a surpreender, |
Brincalhão, descomedido. |
A vida passa a escorrer |
Como água a cantar na fonte |
E tudo como quenquer |
A seu lugar faz a ponte. |
|
Quem a energia concita |
Tem abundância infinita. |
|
|
309 – Mortos |
|
Quando teus mortos se vão, |
Vai brindar em festa ao céu, |
Junta-te aos que neste irão |
Festejar quem lhes nasceu. |
|
Acende fogueiras, canta, |
Dança à luz da Lua Cheia, |
Veste a cor que o morto encanta, |
Abre a casa à brisa alheia. |
|
Da energia poderosa |
De toda a transformação |
Deixa-te imbuir e goza, |
Que outros mundos brotarão. |
|
Quando os mortos não andarem |
Mais por cá por entre nós |
Deixa as saudades chorarem |
Os que nos deixaram sós, |
|
Não os corpos que restaram. |
Quando os enterras de vez, |
Ergue os olhos que choraram, |
No céu repara, que vês |
|
A subida da energia, |
Cosmos de novo em fusão. |
Acredita então, confia, |
Entrega-te à comunhão. |
|
|
310 – Poço |
|
Aquele que culpa os mais |
Do estado de sua vida |
Num poço está sem beirais, |
Sem mais fundo nem medida, |
|
De auto-comiseração. |
Quem se responsabiliza |
Por males que ocorrerão, |
Por tudo aquilo que o visa, |
|
Um futuro bem melhor |
Logo obterá de verdade, |
Por aprender o pendor |
Da responsabilidade |
|
E da coragem de optar. |
As consequências de facto |
São com que ele vai arcar, |
Responsável por seu acto. |
|
Para o pior e o melhor |
Fica, por fim, bem maior. |
|
|
311 – Interna |
|
Homem sem revoluções |
É sempre um homem perdido: |
Meta interna não propões, |
Não rectificas sentido. |
|
Ser mais interveniente |
E mais participativo |
É revolução presente, |
A manter-me o gesto vivo. |
|
Para alguém se sentir homem |
Requer a revolução, |
Mas só se internas o tomem |
Dela as mudas que advirão. |
|
Dentro é que tudo acontece, |
Devem as trocas sentir-se. |
Povo que lento fenece |
Sob o tirano a esvair-se |
|
Só ficará preparado |
Para mudar o sistema |
Se por dentro houver mudado, |
Se mudar-se for o lema. |
|
Caso contrário virá |
Contrair sistema igual |
E subjugado será |
De novo ao fado ancestral. |
|
Mas, se se mudar por dentro, |
Repele o mesmo cenário |
Que só lhe ocupará o centro |
Para mudar-lhe o fadário. |
|
Analisa o que não queres, |
Aquilo que te não serve, |
Muda dentro o que entenderes, |
Que o íntimo então referve |
|
Com os erros e traições. |
Corrigi-los poderás |
Após com revoluções, |
Que então vai ser eficaz. |
|
Se dentro a mudança implantes, |
Nada mais fica como antes. |
|
|
312 – Distingue |
|
A emoção do sentimento |
Distingue, mais do desejo. |
A incongruência que vejo |
Os separa em cada evento. |
|
Basta ver como reagem |
À conjuntura de perda. |
Com desejo os que interagem |
Vitimização mui lerda |
|
É o que sentem no momento: |
Ficam revoltados, cheios |
Duma fúria sem tenteios |
Que os escraviza ao tormento. |
|
Aquele cuja emoção |
É ligada ao sentimento |
Vai reagir à perda, são, |
Com tristeza e sofrimento. |
|
Ao sentimento ligada, |
A emoção devém centrada, |
|
Desliga-se do desejo |
E a pessoa que ali vejo |
|
De vez desactiva a luta |
E ali finda a ansiedade. |
A ansiedade é da disputa |
Que vem da necessidade |
|
De buscar o que se quer |
Sem mais ponderar sequer. |
|
Neste caso as perdas vêm |
Até se aprender a olhar |
E os sinais que nos convêm |
Seguir sem tergiversar. |
|
|
313 – Busquem |
|
Ninguém tem de se matar |
Para que os outros entendam. |
Ao contrário, se calhar, |
Abrir olhos que se vendam |
|
Destes irá requerer |
Que a luz busquem do alimento, |
Pois terão de merecer, |
Merecer o entendimento. |
|
Não é portando-se bem, |
Gentes sendo tais quais são, |
Que o merecerão também. |
É procurando o desvão |
|
De devirem elas mesmas. |
Cada qual, se a tal se inclina, |
Mais na vida escreve as resmas |
Da essência dele divina. |
|
É dentro de cada qual |
Que mora a voz e o mistério. |
Ou reconhece o sinal |
Ou longe anda do que é sério. |
|
|
314 – Difícil |
|
É tão difícil viver, |
Na matéria colocar |
A força que o céu tiver |
Tendo em conta de levar |
|
Da terra os imponderáveis! |
É preciso meditar |
Mas aos filhos incansáveis |
Também urge atenção dar. |
|
Cada qual é ser quem é |
Mas não pode preterir |
A opinião que de pé |
Outrem tem-lhe a referir. |
|
É importante ser sensível, |
Porém deixar de pensar |
Vai ser omissão punível |
Que não há-de compensar. |
|
Enfim, importa ser anjo |
Sem jamais deixar de ser |
Um homem com todo o arranjo |
Que puder acontecer. |
|
|
315 – Cabeça |
|
Os homens nem querem ver |
Quais são deles os caminhos, |
A cabeça de quenquer |
Anda tão entorpecida |
Com mil preitos adivinhos |
A cuidar como é que a vida |
|
Então deveria ser, |
Que já nem consegue olhar |
O evento como ocorrer. |
Aí nasce a ilusão do ego: |
Querer as coisas mudar |
Para serem, em sossego, |
|
O que queria que fossem. |
Ora, todo o Cosmos pára |
Quando alguém quer que se endossem, |
Não as leis da natureza, |
Outra força que a anulara, |
Que o real Universo lesa. |
|
Quando alguém quer outra coisa |
O Cosmos pára, atrofia |
Tal energia, onde poisa |
Como um vento traiçoeiro. |
- E o homem tal prenuncia |
Que falha por derradeiro. |
|
|
316 – Prepotência |
|
A prepotência é defeito, |
Por mais que ande tudo certo, |
Por mais que tenha razão. |
Quando à força alguém é afeito |
Nunca o longe fica perto, |
O equilíbrio tomba ao chão. |
|
Cai na zona radical |
Do comportamento humano |
Sem virtude nem moral, |
Todo o trilho trará dano. |
|
De Deus é o bem como o mal. |
Quem se crê dono do mundo |
Que não tem dono, afinal, |
Não viu nada até ao fundo. |
|
Vão tombar da altura os montes, |
Suprir o que falta aos vales |
E hão-de novos horizontes |
Doer se a eles te iguales. |
|
|
317 – Países |
|
Os países dividiam |
Tudo em castas sociais, |
Hoje os bens nos baniriam |
Uns doutros, se calhar, mais. |
|
Mantém-se a casta, portanto, |
Em cada país do mundo. |
A humanidade, entretanto, |
Não perde nunca o infecundo |
|
Defeito primordial: |
Aquela necessidade |
De ter mais poder real |
Que outra individualidade. |
|
Aqui é que ela radica |
Todas as desuniões. |
A humanidade pontifica |
A inversão destes senões. |
|
Nesta somos almas vivas |
Nesta terra confinadas |
Para as tarefas esquivas |
De evoluir programadas, |
|
Todos, todos por igual, |
Marcados deste sinal. |
|
|
318 – Ignorância |
|
A ignorância, um pé |
De árvore de frutos, |
Germina calada, |
Pequenina até, |
Subtil nos produtos |
Que espalha na estrada. |
|
Mas aos poucos vai crescendo, |
Tomando corpo, ficando |
Forte, cheia de raízes. |
Cada vez mais tal mantendo, |
Cada vez mais germinando |
Prepotentes vão matrizes. |
|
Depois de algum tempo mais |
Desata a reproduzir-se. |
Nascem frutos da ignorância |
Cujas sementes letais |
Plantadas findam a ir-se |
Em mentes que vivem de ânsia. |
|
A ignorância tem sido responsável |
Por aniquilações e por mil guerras, |
Difamações de dor interminável, |
Por discórdias com chãs tornadas serras. |
É fértil a ignorância e mui robusta |
E o Homem verga e pára, dela à custa. |
|
Imobilizada para a evolução, |
A sabedoria travada, hoje em dia, |
Por imbecis temas sempre de arrastão, |
A humanidade aí anda à mercê do guia |
Que mais a transporte: |
A lei do mais forte. |
|
A cultura, a erudição, |
Sensibilidade, história, |
Atrevimento hoje são |
Mal vistos, mera vanglória. |
|
Porque doravante impera |
A rainha gorda e choca, |
Sem músculo ou esqueleto, |
Que nada sabe nem gera, |
Nem quer saber, lá na toca |
Sem luz, vestida de preto. |
|
Não abandona a mesmice, |
Contradiz tudo o que avança. |
Manda em tudo o que se visse, |
Em todo o mundo que alcança. |
|
A ignorância abafa tudo |
Aquilo que vir à frente. |
Ouve mal, vê mal, contudo, |
No paço é dona presente. |
|
Grita para os empregados, |
Deveras inexistentes, |
Brada aos céus sempre calados |
Uivos de fera dementes. |
|
A ignorância se desfaz |
Com ruptura espiritual |
Mas o ignaro é um incapaz |
Não vê nunca que anda mal, |
E ao invés, no seu traslado, |
Julga-se muito elevado. |
|
Ficamos então à espera |
De o cruzar alguma luz, |
Que o empedernido que era |
Sinta o fundo que o traduz. |
|
O instante de elevação |
Os séculos de ignorância |
Pode anular logo então |
- Num germe de eterna infância. |
|
|
319 – Quer |
|
Deus não quer nada de nós, |
Não precisa que o adorem |
Nem que o sigam logo após, |
Lhe obedeçam, o edulcorem, |
|
Nem que o atinjam sequer |
De determinada forma, |
Para conseguirem ter |
Salvação conforme à norma. |
|
Isto põe de vez em causa |
As religiões do planeta. |
Foram, de facto, uma pausa |
Até visar-se outra meta. |
|
A muitos darão sentido |
Ainda por um tempo mais, |
Mas tê-lo-ão nos mais perdido, |
Que outra é a fonte dos sinais. |
|
|
320 – Devolve |
|
O mundo inteiro é um espelho |
Que devolve o teu reflexo. |
Se sentes o destrambelho |
E que tudo é desconexo, |
|
Se sentes não ser ouvido, |
Que não contas para nada, |
Que não és compreendido, |
Talvez seja porque, à entrada, |
|
É assim que fazes que os mais |
Se sintam enquanto tais. |
|
Se mudas, mesmo um pouquinho, |
Logo outro será o caminho. |
|
|
321 – Ganho |
|
O ganho imediato |
É nosso inimigo, |
Não vale um pataco |
E a quanto me obrigo! |
|
Não querem perder |
O lucro imediato, |
O brusco prazer, |
Os que vão no trato. |
|
São de vistas curtas, |
Não logram já ver |
Nas bateiras surtas, |
Nem reconhecer |
|
Quanto prejuízo |
Irão provocar, |
Na pesca sem siso, |
A quem vá pescar, |
|
A si como aos mais, |
Quando, a longo prazo, |
Não houver sinais |
Do mar que hoje arraso. |
|
O ganho imediato |
É nosso inimigo. |
Se mal me precato, |
Já nem tenho abrigo. |
|
|
322 – Parte |
|
Que é parte de Deus teu imo |
Sabe intuitivamente, |
Mantém, pois, continuamente |
O longe e o perto do Cimo. |
|
Viver a unificação |
Com o Todo, aquilo que É, |
É universal união, |
Do Cosmos ao imo até. |
|
Primeiro unido com Tudo, |
Depois parte individual, |
Uno e distinto, contudo |
Ambos vive por igual, |
|
Tal qual como tua mão, |
Embora a teu pé ligada |
No mesmo corpo em fusão, |
Vive dele separada. |
|
|
323 – Essência |
|
Teu corpo não é quem és, |
Mas algo que tens presente. |
A mente não é quem és, |
Algo é que usas procedente. |
|
A essência de quem tu és, |
Que é teu derradeiro arrimo |
Onde preservas a calma, |
É sempre apenas teu imo, |
- És sempre meramente alma. |
|
|
324 – Contacto |
|
O contacto é de teu imo, |
Qualquer alma liga a Tudo. |
O corpo divide o limo, |
Casca externa a que me grudo. |
A mente entre ambos, então, |
É quem faz a ligação. |
|
|
325 – Objectivo |
|
O objectivo do poder |
Não é nunca controlar, |
Que então esmaga quenquer, |
Antes sempre é o de criar. |
|
Quando o poder for usado |
Para controlar, não cria. |
De controlo um obcecado |
Nada faz, não conseguia. |
|
E se for governador, |
Votem embora em excesso, |
Vai ser ainda pior, |
Menor ainda o sucesso. |
|
O controlo, eis a má fada |
Duma qualquer criação, |
Que criação controlada |
É sempre contradição. |
|
|
326 – Liberdade |
|
Liberdade verdadeira |
É o verdadeiro poder. |
Neste estado de alma inteira |
Está Deus, dentro, em quenquer. |
|
Estão também os humanos |
Com gestos que ali não cabem, |
Gerados em mel de enganos: |
- É que os homens não o sabem… |
|
Buscam então o poder |
E livres deixam de ser. |
|
|
327 – Floco |
|
Tu és um floco de neve, |
Um floco de neve humano, |
Cais do céu de Deus, mui leve, |
Milagre incarnas mundano |
|
Duma vida individual, |
Inigualável de espanto. |
Chegas à Terra e ao panal |
De brancura, canto a canto, |
|
De todos os mais te juntas, |
Todos maravilhas únicas |
A formar, assim conjuntas, |
Dobras de brilhantes túnicas, |
|
Uma deslumbrante imagem |
Cobrindo o corpo do mundo. |
Findas a tua viagem, |
No branco onde te confundo, |
|
Tua forma derretendo, |
Um corpo único a fundir |
Que, em ribeiro uno escorrendo, |
Sem esforço há-de fluir. |
|
Desaparecer pareces, |
Continuando no invisível, |
Quando aos Céus ao fim regresses |
Na aventura imperecível. |
|
|
328 – Basta |
|
As pessoas acreditam |
Que não há suficiente |
Nem dinheiro, nem comida, |
Nem casas para quenquer. |
Aliás, a vida evitam |
Ao crerem que o existente |
De qualquer coisa da vida |
Não basta a sobreviver. |
|
É crendo nisto que julgam |
Que uns contra os outros hão-de ir |
Competindo, pois divulgam |
Que o raro é de garantir. |
|
Do insuficiente a ilusão |
É a maior entre os humanos, |
Infundada decisão, |
E muito rumo de acção |
Dela se funda em enganos. |
|
Quando alguém crê realmente |
Que, para sobreviver, |
De algo não há o suficiente, |
Luta feroz para obter |
O mais que puder daquilo: |
É de há milénios o estilo. |
|
Transformámos tudo, tudo |
Em meras competições. |
A economia, a miúdo, |
Compete contra nações |
E recebe o vencedor |
Do bolo o naco maior. |
|
Os políticos sistemas |
Competem e quem vencer |
Trepa, em todos os esquemas, |
Aos píncaros do poder. |
|
Todas as religiões |
São também competições |
|
Onde cada vencedor |
Do deus colhe a bênção-mor. |
|
Até mesmo o Paraíso |
Crêem-no insuficiente |
Todos, todos cujo viso |
For garanti-lo ao presente. |
Então põem-se a lutar |
Uns com outros para entrar! |
|
- A verdade, mundo adiante, |
É que há de tudo o bastante |
|
A alimentar qualquer vida, |
Se é justo o rumo e a medida. |
|
329 – Perdoa |
|
Deus nunca perdoa nada, |
Não há nada a perdoar. |
Perdoar é da agravada |
Gente que eu prejudicar. |
|
Mas ninguém logra ofender |
Nem prejudicar a Deus: |
Muito acima de quenquer, |
Ninguém manchar pode os céus. |
|
Andas, pois, transpondo em Deus |
O que são critérios teus. |
|
|
330 – Milagre |
|
O milagre verdadeiro |
É que tudo torna a Deus |
Qualquer que seja o sendeiro |
Que trilhem os pés incréus. |
|
E tudo retorna a Ele |
Porque não há mais onde ir: |
É Tudo o que há, quanto impele, |
- Nada há fora ou a seguir. |
|
Não há inferno, há uma vivência |
Da separação de Deus, |
Mas a dorida experiência |
Termina por votos meus |
|
Quando eu muito bem quiser, |
Noutra vida ou nesta aqui. |
Princípio-fim, Deus é o Ser, |
Alfa e ómega o senti, |
|
É sempre o Todo no todo. |
Ninguém, pois, pode evitar |
O seu destino feliz |
Nunca nem de nenhum modo. |
|
Pode apenas adiar, |
Mas é mesmo por um triz. |
|
|
331 – Único |
|
Nós somos aquele único animal |
Capaz de meditar na própria morte. |
Construímos o luto e o memorial, |
Meditamos, oramos com transporte. |
|
E em raras ocasiões, quando enganar |
Conseguimos a morte, isto persuade, |
Nem que seja em momento singular, |
A crer na aposta da imortalidade. |
|
|
332 – Religião |
|
A religião do inefável |
Tenta falar sempre em vão. |
Fala só do praticável, |
Que do resto é mesmo inviável, |
Do que dela é vocação. |
|
Ter o indizível à mão |
Não será nunca fiável, |
Tenha embora a pretensão |
Disso qualquer religião. |
É um fruste esforço louvável |
Que finda em desilusão. |
|
|
333 – Segredo |
|
O segredo mais profundo |
É a vida não ser processo |
De me descobrir e ao mundo |
Mas de criar quanto meço. |
|
Não te estás a descobrir |
Mas a te criar de novo. |
Quem és não busco inquirir, |
- Quem queiras ser é que aprovo. |
|
|
334 – Volta-te |
|
Volta-te para Mim, teu imo-deus, |
E afasta-te de tudo diferente. |
Não há trilho de crentes nem de ateus, |
Não há caminho errado, é indiferente, |
|
Porque nesta viagem tu não podes |
Não chegar ao lugar aonde vais: |
Tudo é questão apenas, quando acodes, |
De que velocidade há nos varais, |
|
Meramente é questão de quando chegas. |
No entanto, é uma ilusão, pois não há quando, |
Nem antes nem depois, tirando às pegas, |
Somente existe o agora, eterno andando, |
|
O momento de sempre, com tal arte |
Que nele vais premente experienciar-te. |
|
|
335 – Proporciona |
|
De Deus o soldo proporciona mais |
Que o reconforto espiritual que traz; |
Conforto físico arrastou atrás. |
E a ironia de vivências tais |
|
Será que, quando experiencias dEle |
O espiritual soldo-conforto, então |
O derradeiro fito teu, função, |
É o alor físico que ali te impele. |
|
Esta união de corpo e mente alia |
O todo e a parte, o que jamais se via. |
|
|
336 – Pecado |
|
É pecado original |
Mas não é pecado nosso. |
É o primeiro mundanal |
Pecado com que no fosso |
|
O mundo nos encafua, |
Um mundo que nada sabe |
Dum Deus que por nós actua |
E que de Deus menoscabe |
|
Cuidando que Ele algum dia |
Criar o imperfeito iria. |
|
É que é mesmo original |
Cuidar que Deus gera o mal! |
|
O mal é mal-para-mim, |
Para Deus é indiferente, |
Nunca lhe toca o confim |
De Todo em tudo presente. |
|
|
337 – Chamas |
|
É pelo que chamas mau |
Que defines o teu tom |
E que então saltas a vau |
À margem do que crês bom. |
|
O maior mal era então |
Confirmar que nem verás |
(Por nem haver no teu chão) |
As coisas que sejam más. |
|
Com que metro medirias |
O trilho de tuas vias? |
|
|
338 – Derradeiro |
|
O derradeiro mistério: |
Nossa relação com Deus. |
- Nós somos o corpo dEle. |
O que teu corpo é de sério |
Para a mente e o imo teus |
Assim és, na tua pele, |
Para a mente e alma de Deus: |
Tudo o que Ele experiencia |
É através de ti – a via. |
339 – Errado |
|
O pecado original |
É o primeiro pensamento |
Errado sobre o momento, |
Sobre um dado do real. |
|
Este erro então retomado |
É muitas vezes, se tens |
Uma e outra vez trilhado |
Tal rota com teus améns. |
|
Ao Espírito no fundo |
Da fundura tua cabe |
Inspirar-te um outro mundo |
Até que teu erro acabe. |
|
|
340 – Contrário |
|
O contrário da alegria |
É o Inferno que assedia. |
|
Irrealização pessoal, |
É saber o que tu és |
Sem nunca vivenciar tal |
E então sofres o revés. |
|
Por conseguinte, é ser menos. |
E não há maior inferno |
Que este para qualquer alma: |
Ver desertos os terrenos |
Sem gota que o fogo interno |
Da sede algum dia acalma. |
|
|
341 – Existe |
|
A vida depois da morte |
Das teologias do medo |
Não existe em tal recorte, |
Por muito que o queira o credo. |
|
Há, porém, uma vivência |
Tão triste, tão incompleta, |
Do todo tão sem ciência, |
Tão desgarrada da meta, |
|
Tão separada de Deus |
E da sublime alegria |
Que a qualquer alma sem véus |
Isto é o inferno algum dia. |
|
Não é Deus quem para lá |
Manda, contudo, quenquer, |
Nem tal evento fará |
Que imposto seja sequer. |
|
É cada qual que tal cria |
Quando se alheia da mais |
Sublime ideia que havia |
De dele dar os sinais. |
|
Criamos tal experiência |
Quando a nós próprios negamos |
E quem somos, à evidência, |
Realmente rejeitamos. |
|
|
342 – Forma |
|
Deus não tem forma ou feição |
Que possamos entender, |
Adoptar pode qualquer, |
Mas todos partem então |
|
Do princípio de que viram |
A fronte única de Deus, |
Em vez duma dentre os seus |
Aspectos mil que surgiram. |
|
As pessoas acreditam |
Que Ele é como elas o vêem |
E deveras jamais crêem |
Que é o que não vêem que citam. |
|
É que Ele é o grande invisível, |
Não o que se obriga a ser, |
Será o que não é sequer |
Num momento definível. |
|
É do não-ser que Ele vem |
E sempre torna ao não-ser. |
No entanto, ao aparecer |
Numa forma que convém, |
|
Atribuem-lhe tal cara |
Logo para toda a história. |
E, caso apareça em glória |
Noutra forma em qualquer ara, |
|
Logo os primeiros dirão |
Que o não viram os segundos, |
Pois os aspectos facundos |
Como os deles não serão. |
|
Qualquer que seja a maneira |
Ou a forma desejável |
Que Ele adopte à nossa beira |
Nunca alguma é incontestável. |
|
|
343 – Sabe |
|
Qualquer alma, como a tua, |
Sabe tudo o tempo todo, |
Nada oculto, vê-se nua, |
Nada ignoto como engodo. |
Não basta saber, porém, |
Ela quer experienciar. |
Podes saber que és também |
Mui generoso, sem par, |
|
Que, se algo tu não fizeres |
Dando generosidade, |
É um conceito o que tiveres |
Meramente em vacuidade. |
|
Podes saber que és amável, |
Que, se uma amabilidade |
A quenquer não dás, prestável, |
É só ideia a identidade. |
|
O voto de qualquer alma |
É transformar o conceito |
Que mais alto lhe ergue a palma |
Num acto do maior preito. |
|
Enquanto o conceito não |
Se tornar experiência |
É mera especulação, |
Aliena toda a vivência. |
|
|
344 – Profetas |
|
“Eu por ti nada farei |
Que por ti mesmo não faças” |
- É dos profetas a lei |
De Deus nas pegadas baças. |
|
O mundo no clima está |
Em que está por nossa causa, |
Por escolhas feitas cá |
Ou não feitas, feita a pausa, |
|
Que não decidir foi já |
Tomar uma decisão. |
A Terra, pois, estará |
Em tremida situação |
|
Pelas opções que fizemos |
Ou deixámos de fazer. |
A própria vida que temos |
Vem só do que eu escolher. |
|
Não há nunca outra matriz, |
Olhando bem de raiz. |
|
|
345 – Maior |
|
O maior ensinamento |
De Cristo não foi poder |
Vida eterna eu vir a ter, |
É tê-la neste momento. |
|
E não é que poderei |
Ter em Deus uma irmandade, |
Mas que a já tenho por lei, |
É de minha identidade. |
|
Não que posso vir a ter |
O que quer que a Deus implore, |
Mas que o tenho sem sequer |
Precisar que por tal chore. |
|
Por isso basta sabê-lo, |
Pois nós somos criadores, |
Da realidade o selo, |
E a vida não tem motores, |
|
Nem consegue revelar-se |
Senão da forma em que nós |
Julgarmos que ela há-de armar-se, |
Ato-a da escolha ao retrós, |
|
Crio-a, a todo o momento, |
Logo com o pensamento. |
|
|
346 – Propósito |
|
Deus na tristeza e no riso |
Está, no amargo e no doce. |
Um propósito diviso |
Por trás do que quer que fosse, |
|
Uma presença divina |
Que em tudo comigo atina. |
|
Quem Deus não vê, no profano |
E no sublime, a perder |
Anda metade, ao engano, |
Da História que acontecer. |
|
Deus é tudo e tudo invade, |
Isto é que é mesmo a verdade. |
|
|
347 – Enquadre |
|
Vocês não podem criar |
Nem uma coisa que seja, |
Um evento singular, |
Um objecto que se almeja, |
Um pensamento a aclarar, |
|
Vivência de qualquer tipo, |
Que não se enquadre, integral, |
No inteiro vinho do pipo, |
No plano de Deus total, |
Tear do linho que ripo. |
|
Porque é do plano de Deus |
Que criemos tudo, tudo, |
Dar corpo a sonhos meus, teus, |
O que quisermos, no entrudo |
Da vida de sob os céus. |
|
De Deus como Deus vivência, |
Será nesta liberdade |
Que Deus faz dEle experiência, |
Experiência de entidade |
Para a qual, com evidência, |
|
Nos criou mesmo à medida: |
- Isto é que é a própria vida. |
|
|
348 – Outrem |
|
Se o pecado fora coisa |
Que existira, sê-lo-ia |
Permitires ser a loisa |
Em que outrem escreveria, |
|
Tornares-te aquilo que és |
Doutrem por mor da vivência, |
Não da vitória e revés |
Que vem da tua vivência. |
|
Pecado é que cometemos |
Todos nós: não esperamos |
Nosso acto donde viemos, |
No dos outros embarcamos |
|
Como em evangelho à letra. |
Quando encontramos depois |
Experiência que me impetra |
Que nela leia arrebóis, |
|
Levo para ali a carga |
De tudo o que já sabia: |
Minha realidade amarga |
É quanto me trairia. |
|
Se o não fizera, teria |
Uma vivência diversa |
Que acaso me levaria |
A suspeitar, na conversa, |
|
Dos erros de qualquer mestre |
Ou da fonte inicial. |
Depois de quanto me amestre |
Não admito o principal: |
|
Que nossos pais, as escolas, |
Religiões, tradições, |
As escrituras que enrolas, |
Bíblias, Toras, Alcorões, |
|
- Acaso estejam errados. |
Minha vivência negar |
Irei em favor dos dados |
Que me andaram a ensinar. |
|
Esta funda alienação |
É a nossa condenação. |
|
|
349 – Falta |
|
Como é que uma divindade |
Há-de ter necessidade? |
|
Tudo o que é, precisamente |
Isto será: que É somente. |
|
E, portanto, não quer nada, |
Nada lhe falta, de entrada. |
|
Assim, por definição, |
De nada tem precisão. |
|
E muito menos de mim, |
Este nada ante o Sem-Fim. |
|
|
350 – Soma |
|
Qualquer alma (subconsciente, |
Id, espírito, passado…) |
É a soma total presente |
De todo o vivenciado, |
|
Dos actos que já viveram, |
De gestos que antes criaram. |
Memórias que recuperam |
De antigamente que aparam |
|
São mais do que uma lembrança, |
São a carne do momento, |
São deveras remembrança |
Que opera o remembramento. |
|
Pois estou a re-membrar-me, |
Ou seja, a juntar, com arte, |
Num todo, a reagrupar-me |
Reagrupando cada parte. |
|
Quando reagrupas as partes |
De ti da cabeça aos pés, |
Remembrado eis como acartes |
Aquele que realmente és. |
|
|
351 – Eterna |
|
Vocês, vocês nunca morrem, |
A vida é eterna, imortais |
São todos quantos percorrem |
Das eras os pedregais. |
|
Mudam apenas de forma. |
Nem tiveram de fazê-lo, |
Mas decidiram a norma |
De temer da morte o apelo. |
|
Duravam eternamente. |
Assim, vítimas da sombra |
Que daqui tudo vos mente, |
Nem vislumbram quanto assombra |
O passeio de presente |
Dos céus pela verde alfombra. |
|
|
352 – Desejar |
|
Em nossa mentalidade |
Não é lá muito correcto |
Alguém desejar morrer, |
De acordo estar com a morte. |
Como morrer de verdade |
Não querem, largar o tecto, |
Não conseguem nunca ver |
Que alguém queira aquela sorte. |
|
Mas há muitas conjunturas |
Em que a morte é preferível |
À vida que se tiver. |
Isto, porém, não te ocorre |
Quando as faces fitas puras |
De alguém que escolhe, visível, |
Morrer antes que viver. |
E ele sabe isso e não morre. |
|
Ele logra perceber |
Que grau de aceitação reina |
À decisão que tomou. |
Repara na quantidade |
Dos que aguardam, até ver |
Vazio o quarto e bem leina |
A vigia que o tomou, |
Para morrer de verdade. |
|
Depois, quando o fiel guardião |
Partiu, fazem logo o mesmo, |
Partem do corpo guardado. |
Se contassem aos parentes: |
“Só desejo morrer. Vão |
Viver vossa vida a esmo!”, |
“A sério não hás falado” |
- Retorquiam, renitentes. |
|
Os técnicos de saúde |
São treinados a manter |
Todo o moribundo vivo, |
Não a tê-lo confortável, |
O que teria a virtude |
De lhe permitir morrer, |
Sem parecer fugitivo, |
Com a dignidade viável. |
|
Para o médico, a enfermeira, |
A morte é sempre um fracasso. |
Para um amigo ou parente |
É tragédia em consumpção. |
Para tal alma pioneira |
É que a morte é um bem escasso, |
Um alívio, de repente, |
Deveras libertação. |
|
|
353 – Claro |
|
Deixa ficar claro o imo |
Que este corpo abandonar |
Não é nenhuma tragédia. |
É tragédia neste limo |
Em muito aspecto ficar |
Dentro do corpo sem rédea. |
|
Qualquer alma encara a morte |
Duma forma diferente, |
Como diferente, a vida. |
A frustração que transporte, |
Como ansiedade que sente |
Um indivíduo, medida |
|
Em grande parte será |
De a mensagem dacolá |
|
Não se lograr entender, |
Nem sequer ouvir nem ler. |
|
|
354 – Como |
|
Como é que pode ser-se alto |
Se nunca baixo se for, |
Como é, se na esquerda falto, |
Que a direita vou supor, |
|
Como ser quente se o frio |
Jamais vi em tempo algum, |
Do bem dar lume ao pavio |
Se do mal sei lá o fartum? |
|
Alma alguma há-de poder |
Escolher algo se não |
Houver nada que escolher |
A que possa deitar mão. |
|
Experienciar a grandeza |
É saber o que ela é. |
É inviável ter tal presa |
Se só grandeza há de pé. |
|
Qualquer alma entende então |
Que a grandeza que procura |
Só existe na contramão |
Do que a não tem na figura. |
|
Por isso jamais condena |
O que não é grandioso, |
Abençoa: é uma pequena |
Parte dela a que me entroso, |
|
Que deve existir, que ateste |
Que a outra se manifeste. |
|
|
355 –Argumentar-te |
|
Perdes tua vida toda |
A argumentar-te que és mau. |
Não só mau, que em tua roda, |
Ao agir, piora o grau. |
|
O sexo é mau e o dinheiro |
Mau é, bem como a alegria, |
O poder é mau parceiro |
E ter muito, em fantasia |
|
Ou noutra coisa qualquer, |
É mau, como duvidar? |
As religiões a crer |
Nos levaram que dançar |
|
É mau, a música é má, |
Gozar a vida mau é. |
Não tarda, sorrir dará |
Também tratos de polé |
|
E rir é mau, como amar. |
Podes nunca ter certezas, |
Mas uma tens para dar: |
Tu, teu desejo, as belezas, |
|
Tudo é mau, sem mais apelo. |
Tendo feito este juízo |
Sobre ti mesmo, o atropelo |
Aponta então o alto viso. |
|
Pois olha que estará certo, |
Em tudo é visar o cume. |
Mas repara que mais perto |
Há um caminho que o assume: |
|
De quem e daquilo que és |
Desde agora a aceitação |
E ligeiro apor teus pés |
De tal em demonstração. |
356 – Inviável |
|
Pensar, falar e gir algo |
Em que deveras não creias |
É inviável, feito a meias. |
No saber és tu fidalgo, |
|
A rota da criação |
Engloba crença e saber: |
De absoluta fé desvão, |
Mais que esperança é tal crer, |
|
É o saber duma certeza, |
“Pela fé serás curado”. |
Da criação a inteireza |
Tem saber sempre integrado. |
|
É no íntimo uma clareza, |
Este pleno acolhimento |
Feito da total certeza |
De algo como real evento. |
|
|
357 – Monitorar |
|
A monitorar aprende |
Teu pensamento: a pensar |
Sobre quanto estás pensando. |
Se teu pensamento rende |
Um negativo cuidar, |
Se o conceito for negando |
|
Elevado em que te tens |
A ti próprio, na fundura |
Do coração que te apura, |
Pensa de novo teus bens. |
|
Se cuidas que a conjuntura |
É difícil, entalada, |
Que nada de bom supura |
Da ferida já infectada, |
Pensa outra vez, à chegada. |
|
Se cuidas que o mundo é mau, |
Cheio de eventos perversos, |
Pensa outra vez, salta a vau |
Os escolhos nele imersos. |
|
Se cuidas que tua vida |
Se andará desmoronando |
E jamais reconstruída |
A verás ao vento brando, |
Pensa outra vez e outra vez |
E a luz se fará talvez. |
|
Podes sempre, aliás, treiná-lo: |
Treinaste bem a evitá-lo! |
|
|
358 – Saberás |
|
Saberás que trilhaste o sendeiro de Deus, |
Saberás que encontraste o teu Deus nos sinais, |
Nestas metamorfoses dos ânimos teus, |
Nestas transmutações a devir-te reais. |
|
1 – Com todo o coração amas a Deus, com a mente, |
E nenhum outro Deus colocar hás-de em frente: |
|
Jamais venerarás um amor humanal, |
Dinheiro, poder, êxito algum principal, |
|
Nem nenhum outro símbolo a vir a existir; |
Pões de lado tais coisas, criança a bulir |
|
Que abandona os brinquedos, não de ínvios serem, |
Mas desinteressantes, sem mais convencerem. |
|
2 – Não usarás o nome de Deus nunca em vão, |
Nem o vais invocar por mesquinha tenção. |
|
Entendes o poder de pensar, da palavra, |
E nunca pensarás invocar, por tua lavra, |
|
Este nome de Deus duma forma profana. |
Em vão não usarás dEle o nome que irmana |
|
Porque tu não o podes: seu nome, o Eu-Sou, |
Jamais é usado em vão, sem efeito, onde estou, |
|
Nem jamais poderá sê-lo: quando encontrares |
A Deus saberás isto, teu fundo ao olhares. |
|
3 – Lembrar-te-ás de guardar para Deus certo dia, |
Irás chamar-lhe santo, não vás na magia |
|
Da ilusão tu ficar, antes leve a lembrar- |
-Te quem e o que tu és. Em breve hás-de chamar |
|
De Deus todos os dias e santo ao momento, |
Que em todos os instantes de Deus corre o vento. |
|
4 – Honrarás pai e mãe0, saberás que de Deus |
És o Filho ao honrares Deus Pai-e-Mãe teus |
|
Em todas as coisas que disseres, fizeres, |
Pensares… E ao honrar Deus e os pais que tiveres |
|
Honrarás igualmente, humanístico, a todos, |
Distinguir-te-ás no amor por enfim teres modos. |
|
5 – Vês Deus ao perceber que não hás-de matar, |
Não voluntariamente e a razão sem dar. |
|
Não podes acabar com um ser vivo então, |
Que toda a vida é eterna, energia em função, |
|
E a energia vital, dum a outro dos modos, |
Sem o justificar tu não mudas, sem bodos. |
O teu novo respeito da vida fará |
Que honres todas as formas que nela terá, |
|
Árvores, animais incluindo e as plantas, |
Que as destruas apenas por bem que te implantas. |
|
6 – Jamais profanarás a pureza do amor |
Com a deslealdade, os enganos, temor, |
|
Pois adúltero é um acto. Se encontras a Deus, |
Tal adultério nunca farás tu aos teus. |
|
7 – Não tomarás um bem que te não pertencer, |
Não serás conivente a enganar para obter |
|
Algo com prejuízo de alguém postergado, |
Pois seria roubar. Tendo Deus encontrado, |
|
Prometo-te que, enfim, tu jamais roubarás |
E com todos os outros viver vais em paz. |
|
8 – Nem afirmarás nunca uma coisa mentida, |
Um falso testemunho na boca fingida. |
|
9 – Do próximo a mulher não cobiças também: |
Para que hás-de querer a mulher que ele tem |
|
Quando vives que tens por esposas as mais, |
Pois um com tudo e todos em Deus somos tais? |
|
10 – Nem hás-de cobiçar de teu próximo os bens: |
Para que hás-de querer dele os bens se os manténs |
|
Deveras como teus, pois são todos do mundo, |
Este lugar de festa onde tudo é jucundo? |
|
Saberás que encontraste o caminho de Deus |
Estes sinais ao veres, pois quem O procure |
Jamais volta a fazer de seus actos os réus |
De tais comportamentos que a morte figure. |
|
São tuas liberdades e não restrições, |
De Deus os compromissos, não seus mandamentos. |
Deus não manda nas suas febris criações, |
Limita-se a dizer, a qualquer dos momentos: |
|
- É assim que sabereis, no que mais vos apraza, |
Que estareis a chegar, a chegar mesmo a casa. |
|
|
359 – Certeza |
|
Isto de irmos para o céu |
É coisa que não existe: |
A certeza, sob o véu, |
É que lá estás e não viste. |
|
Existe uma aceitação, |
Subtil reconhecimento |
E não uma escravidão, |
A luta sempre em tormento. |
|
Não podes ir para onde |
Afinal tu já lá estás. |
Fazê-lo, jogo de esconde, |
Era voltar para trás, |
|
Donde estás sair, mas isso |
Goraria o fim da viagem. |
O engraçado é que o feitiço |
De mergulhar na voragem |
|
Faz que julgue a maioria |
Ter de sair donde está |
Para ir, em romaria, |
Para um lugar que não há, |
|
Para onde quer estar: |
Portanto deixam o Céu, |
Pelo Inferno vão passar, |
Para o Céu terem de seu, |
|
A fim de lá retornar. |
A lucidez é saber |
Que não há nenhum lugar |
Aonde ir, nada a fazer, |
|
Nem ninguém de ser terás |
Excepto, precisamente, |
Quem neste momento estás |
A ser tu singularmente. |
|
Vais para sítio nenhum, |
O Céu que cuidas por ti |
Não é um sítio tempo algum, |
É mesmo este agora-aqui. |
|
|
360 – Verdadeiro |
|
Um verdadeiro mestre não é quem |
Mais alunos tiver, mas quem criar |
Mais mestres mundo fora, tempo além, |
Até do Mestre já ninguém necessitar. |
|
Um verdadeiro líder não é quem |
Mais seguidores tem, mas quem criar |
Mais líderes em volta até ninguém |
De nenhum líder porventura precisar. |
|
Monarca verdadeiro não é quem |
Mais súbditos tiver, é o que conduz |
À realeza mais súbditos, refém |
De libertar com alegria toda a luz. |
|
Deveras professor não é quem tem |
Maior sabedoria, mas quem faz |
Que larga maioria logo obtém |
Todo o saber que a vai tornar de vez capaz. |
|
Um verdadeiro Deus não tem mais servos, |
Mas serve o maior número, tornando |
Assim deuses os outros, para ver-vos |
Sem deus nenhum já doravante precisando. |
|
Eis a glória, o propósito de Deus: |
Que os súbditos acabem, pois, de sê-lo |
E a conhecê-lo venham, não nos céus, |
Inatingível (lá não chega este escabelo), |
|
Mas como o inevitável. Gostaria |
Que entendêssemos isto: a feliz sorte |
Comum é inevitável. Quem podia |
Perder-se? O inferno é não saber o norte. |
|
|
361 – Identificável |
|
É somente através da relação |
Com outrem, os lugares e os eventos |
Que podes existir como porção, |
Algo identificável por momentos. |
|
Na ausência dos demais tu jamais és, |
Só és em relação com outra coisa, |
É a lei do relativo ser o invés, |
Ao invés do Absoluto que repoisa. |
|
Quando claro o entenderes e admitires, |
Louvarás intuitivo qualquer dado, |
Qualquer encontro humano em que te vires, |
A relação humana de teu fado, |
|
Pois tudo encararás por construtivo |
No sublime sentido que em ti tem. |
É a teia do tecido conjuntivo |
Que te una as peças como mais convém. |
|
Verás que tudo pode ser usado, |
Usado deve ser e a sê-lo está, |
Quer queiras, quer não queiras, por teu lado, |
A construir quem és sempre acolá. |
|
|
362 – Evoluir |
|
Estás a evoluir, a transformar-te, |
Da relação te serves com as coisas |
Para escolher aquilo em que mudar-te. |
Com tal função ao mundo vens e poisas: |
|
Tal alegria é de criar o Eu, |
De conhecer o Eu, de o transmutar |
No que desejas ser, no ser que é o teu, |
Tudo autoconsciência a caminhar. |
363 – Poucas |
|
Bem poucas das decisões |
Sobre o que é certo ou errado |
São tuas, em que te expões |
Com teu saber vivenciado. |
|
Sobretudo as importantes: |
Quão mais importante o assunto, |
Menos provável que plantes |
Teus ouvidos lá bem junto |
|
Mais prontamente pareces |
Mudar em tuas, na essência, |
As doutro e de ti te esqueces. |
|
Que admira que andem danados |
Do mundo os passos trocados? |
|
|
364 – Optar |
|
Terás de optar, arbitrário, |
Decisão que não provém |
Dum prévio saber sumário: |
Criação pura é que convém. |
|
E terás conhecimento, |
Conhecimento perfeito |
De que é naquele momento |
Que o Eu crias ao teu jeito. |
|
A maioria de vós |
Jamais anda interessada |
Em tarefa tão atroz, |
Quer que a outrem seja dada. |
|
Não são, pois, autocriados, |
Mas criaturas afeitas, |
Por outrem degenerados |
E doutrem com as maleitas. |
|
Depois, quando alguém vos diz |
Como sentir-vos deveis |
E tudo isso contradiz |
O que dentro sentireis, |
|
Eis o conflito interior: |
Algo no íntimo murmura |
Que o que outrem vos diz supor |
Não é quem sois na fundura. |
|
Então, então que fazer? |
Aos teólogos correis |
Que foram os que a sofrer |
Vos põem o que sofreis. |
|
Sacerdotes e rabinos, |
Gurus, mestres e pastores, |
Monges e freiras ladinos |
Recomendam, sedutores, |
|
Que deixeis de dar ouvidos |
A vós próprios e de vez. |
Sereis mesmo convencidos |
Pelo pior, através |
|
Do medo: tudo amedronta |
Para que vós ignoreis |
O que a intuição vos aponta |
Como o que certo sabeis. |
|
Falar-vos-ão do diabo, |
Satanás, demónios vis, |
Maligno de que dão cabo, |
Do Inferno que então sentis, |
|
Como da condenação, |
De tudo o que, assustador, |
Leve à consideração |
De quão grande era o error |
|
Do que intuitivamente |
Sabíeis, sentíeis vós, |
E de que o lugar que isente |
De tanta besta feroz, |
|
Onde encontrareis conforto |
É no pensamento deles, |
No ideal deles (em vós morto), |
Na teologia a que apeles, |
|
Deles nas definições |
Do que for certo ou errado |
E deles nas concepções |
De quem és, em ti fundado. |
|
A sedução é tão forte |
Que basta, ao vos aprovarem |
Para vos mudar o norte, |
Basta vocês concordarem. |
|
Alguns chegarão até |
A cantar em altos berros, |
Dançando e agitando o pé, |
Aleluias pelos cerros! |
|
É difícil resistir |
A tal júbilo, a tal festa, |
Só de se alistar, ao ir, |
No rol dos salvos à testa.. |
|
Estas manifestações |
Caracterizam mui raro |
A escolha dos corações. |
Não se festeja o que é caro, |
|
A decisão de seguir |
A verdade pessoal. |
Bem ao contrário, quem vir |
Vai mas é levar a mal. |
|
Vão ridicularizar-vos. |
Por ti mesmo estás pensando? |
E nós quem somos, uns parvos? |
Sozinho te orientando? |
|
A aplicar próprias bitolas |
Como os teus próprios juízos, |
Valores teus a que imolas |
Os de todos tão precisos? |
|
Mas quem é que cuidas que és? |
É a pergunta a que, de facto, |
Vais respondendo através |
De não ter com eles pacto. |
|
E, por muito que lhes custe, |
Eis o que ao fim tudo ajuste. |
|
|
365 – Dinheiro |
|
O dinheiro receber |
Por algo que seja bom |
É difícil a quenquer, |
Não é bom nem de bom tom. |
|
Se uma coisa é muito boa |
O mundo a desvaloriza |
No custo em dinheiro, à toa: |
Se é melhor, menos realiza. |
|
E toda a comunidade |
Acredita em tal asneira. |
Professor na inanidade |
Vive sempre a vida inteira, |
|
Porém ganha uma fortuna |
Qualquer striptíser da moda. |
Um ministro se coaduna |
Mal ao ganho quando o engoda |
|
Dum futebolista a conta, |
Dum treinador um contrato. |
O padre, o rabino aponta |
Pão e água de seu trato, |
|
Mas todos atiram notas |
Ao artista badalado. |
Se um alto valor anotas |
Intrínseco a qualquer dado, |
|
Deve em tua opinião |
Custar deveras barato. |
Do cientista em solidão |
Que uma cura busca, o prato, |
É vazio de finanças, |
Mesmo a implorar porta a porta, |
Enquanto a mulher que às danças |
De bem fornicar exorta |
|
Ganha colossais prebendas. |
Ver tudo ao contrário tende |
A trocar-vos sempre as sendas |
E de errado pensar pende: |
|
É da ideia que tu fazes |
Do que afinal é o dinheiro. |
Ama-lo, nele te aprazes, |
Mas do mal crês que é o parceiro, |
|
Chamas-lhe dinheiro sujo, |
Podre de rico alguém dizes, |
Se ali chegou bem, sabujo |
O suspeitas nas matrizes, |
|
Consideras algo errado… |
Quem optar pelo mais nobre |
Mais mal pago é encaminhado. |
- Mas que há de bom em ser pobre? |
|
|
366 – Ser |
|
Fazer, do corpo é função, |
Ser é uma função das almas. |
O corpo é sempre em acção, |
Ou com fúrias, ou com calmas, |
|
Alguma coisa a fazer. |
Cada minuto do dia |
Em algo se anda a meter, |
Não pára nem cansa, fia. |
|
Fá-lo de alma quer por ordem, |
Quer à sua revelia. |
Os gestos que te remordem |
São balanço da fasquia. |
|
As almas estão a ser |
Sempre, sempre, eternamente. |
Do que o corpo enfim fizer |
São independentemente, |
|
Não por mor do que ele faz. |
Se cuidas que tua vida |
Te deve assentar, capaz, |
No fazer, foi-te mentida, |
|
Ignoras mesmo quem és. |
Teu imo não se preocupa |
Com o que, por tua vez, |
À tua volta se agrupa |
|
De tarefas de ganhar |
A vida que te escolheste. |
Quando a vida te acabar |
Já nisto nada te investe. |
|
Teu imo só visa aquilo |
Que tu vais estar a ser |
Enquanto fazes, tranquilo, |
O que estejas a fazer. |
|
Porque o imo sempre anseia |
É por um nível de ser, |
Não lhe importa, frente alheia, |
Qualquer nível de fazer. |
|
Qualquer alma quanto tenta |
É ser Deus, de vez ao vivo. |
Que ela é Deus, sabe-o, isenta, |
E quer vivenciá-lo, esquivo. |
|
Pois é não fazendo nada |
A rota mais, mais certeira. |
Não fazer, ser de assentada |
Sua aspiração cimeira. |
|
Ser tudo o que quiser ser, |
Feliz, triste, fraco, forte, |
Bom, alegre, homem, mulher, |
- Tudo, tudo à escolha, à sorte. |
|
Tenta o que gostas de ser, |
Que então tu vais ver, vais ver!… |
|
|
367 – Controlar |
|
O corpo e a mente, os dois juntos, |
Não têm de fazer nada |
Para controlar assuntos |
De qualquer alma, de entrada. |
|
O imo é sempre desprovido |
De qualquer necessidade. |
Corpo e mente são sortido |
Dela atulhado, em verdade. |
|
Por isso é que o imo deixa |
Que o corpo e a mente lhe levem |
A palma sempre, sem queixa, |
Quer se abaixem, quer se elevem. |
|
As almas não desejavam |
Que fosse doutra maneira: |
O que és ao criar te davam |
Em todo o acto que peneira, |
|
Então tal vivência deve |
Por consciente volição |
Existir em quem a teve, |
Não por obediente opção |
Meramente inconsciente. |
Obediência não cria, |
Não leva, portanto, em frente |
A salvação que queria. |
|
Obediência reproduz, |
Mas criar é pura opção |
Não imposta, que seduz, |
Nunca exigida ao ganhão. |
|
Opção pura é que conduz, |
Através da criação |
Do ideal que haurir mais luz, |
Conduz mesmo à salvação. |
|
Função de alma é de mostrar |
Dela o desejo em seu pólo, |
Jamais será de tratar |
De vir para fora impô-lo. |
|
É função da mente optar |
Por qualquer alternativa, |
Do corpo é representar |
Tal opção na teia viva. |
|
E, quando alma, corpo e mente |
Em conjunto todos criam |
Em harmonia coerente, |
Deus faz-se carne, anunciam. |
|
Um imo então se conhece |
Na própria dele experiência. |
Dos céus rejubila a messe |
Na colheita de excelência. |
|
|
368 – Expressos |
|
Um pensamento ou palavra |
Expressos constantemente |
Tornam-se precisamente |
Expressos: rasgam a lavra. |
|
Quer dizer, são expelidos, |
Encarnam-se no exterior, |
Realidade a se propor |
Tua, física, aos sentidos. |
|
Eles causam muitas vezes, |
Muitas vezes a desgraça. |
Adorais do drama a traça, |
As tragédias mais soezes. |
|
E, quando os deixam de amar, |
Deixam de adorar a história |
Como a vivem, em vanglória, |
Por mudá-la vão optar. |
|
Para mudar o real |
Basta não pensar assim. |
Pensa: “tenho êxito em mim”, |
Não: “quero êxito”, afinal. |
|
|
369 – Descoberta |
|
É uma altura perigosa |
A descoberta das almas, |
Pois se revela gostosa. |
Ser dentro dum corpo um ser |
E não um ser corporal |
É o que mais apela às palmas. |
Antes de amadurecer |
Neste pendor vicinal, |
Fica às vezes a impressão |
De que o corpo não importa: |
Tem o imo tanta emoção |
De ser descoberto à porta! |
|
A mente o corpo abandona |
E o mais relativo a ele, |
Tudo é ignorado na tona, |
Que às funduras tudo impele. |
|
Ficam relações de lado, |
Desaparecem famílias, |
Um emprego é abandonado, |
Contas ficam por pagar |
E o corpo, dado às vigílias, |
Nem se vai alimentar. |
|
Tudo em alma se concentra |
E em questões de alma se adentra. |
|
Na vida quotidiana |
Pode ser a grande crise, |
Mas nisto a mente se engana, |
Não dá por nada que a avise, |
|
Fica alheia, em beatitude. |
Os mais dirão que perdeste |
A cabeça que te ilude. |
E que outra razão lhes deste? |
|
Pode haver desequilíbrio |
Para o outro lado, o inverso. |
No princípio foi ludíbrio |
Do imo a agir como converso |
|
Dum corpo que é só o que existe. |
Agora, que as almas viste, |
|
Não importa o corpo nada. |
Não é, contudo, verdade |
E, na dor da madrugada, |
Logo o vê cada entidade. |
|
|
370 – Juízos |
|
Não há juízos finais |
No que tu chamas de Além |
Nem vós a vós vos julgais, |
Não se permite também. |
|
Não, não há nenhum balanço, |
Ninguém aplaude nem vaia. |
Os homens, em seu remanso, |
Julgam no goto quem caia |
|
E presumem tudo assim. |
Mas Deus não é como o pintam, |
Verdade a que não dão sim |
Nunca quantos o desmintam. |
|
Mas tens oportunidade |
No Além para rever tudo |
O que fizeste na idade, |
Desde miúdo a graúdo, |
|
E se o mesmo escolherias |
Para ser quem gostarias. |
|
|
371 – Subtil |
|
O pensamento é energia |
Muito subtil, poderosa. |
A palavra é menor guia, |
Mais densa dela na prosa. |
|
Os actos são mais pesados, |
Actuar é uma energia |
De forma física em dados, |
Move as pedras que irradia. |
|
Se pensas, dizes, dás forma |
A um conceito negativo, |
A energia se confroma, |
Tremendo acto criativo. |
|
Então não apanhas só |
Uma constipação mera, |
(Era o mínimo em teu dó) |
Soltas dragões, tudo é fera. |
|
Mui difícil é inverter |
O efeito do pensar negro |
Se no mundo já correr, |
- Só convertido me integro. |
|
|
372 – Ouve-me |
|
Ouve-Me em todo o lugar. |
E, se tens uma pergunta, |
Basta saber, reparar |
Que a resposta ao que ela assunta |
Já ta dei, já respondi. |
Depois abre os olhos bem |
Ao mundo em redor de ti. |
Minha resposta provém |
|
Ou de artigo publicado, |
Ou de homilia já escrita, |
Pronto a ser lido o recado, |
Ou dum filme que a transmita, |
|
Da canção ontem composta, |
Das palavras ao ouvido |
Que te tragam a resposta |
Na voz dum ente querido, |
|
Do coração dum amigo |
Novo que tu vais fazer, |
Do vento que em teu abrigo |
Assobia o que é viver, |
|
Do murmúrio do regato, |
Do ribombar do trovão, |
Da chuva em tique pacato. |
A verdade anda no chão, |
|
É da textura da terra, |
É da fragrância do lírio, |
Da Lua a trepar a serra, |
Do Sol a rir em delírio. |
|
Minha verdade é grandiosa |
Tal como o céu tenebroso |
E confiante e gostosa |
Como um bebé radioso, |
|
Tal coração agitado, |
É ruidosa e com perigo |
Mas queda é um suspiro dado |
Unificado Comigo. |
|
Eu não te abandonarei, |
- Diz Deus – como abandonar-te? |
És criação, minha grei, |
És o meu produto de arte, |
|
A Minha filha, o Meu filho, |
Meu propósito e Meu Eu. |
Seja lá qual for teu trilho, |
Chama por Mim, que o cadilho |
Nos prende: és Meu e Eu sou Teu. |
|
|
373 – Importante |
|
Sempre ocorre por acaso |
O importante que há na vida. |
O esforço com que me arraso |
A ser melhor de seguida, |
|
|
As mil noites sem dormir |
A tentar a vida limpa, |
Decente e honesta a bulir, |
Planos de trepar à grimpa, |
|
Fazer moldes e encaixá-los… |
- De repente, um cataclismo |
Cai sobre nós e os abalos |
Tudo lançam ao abismo: |
|
De vez revira do avesso |
Os gestos com que me teço. |
|
|
374 – Fim |
|
Não é só no fim da vida |
Que nós somos perecíveis. |
Toda a vida é despedida |
Da maior parte de nós, |
Morremos a muitos níveis, |
Desatam-se-nos os nós |
Desde o dia em que nascemos. |
Trocamos as peças mortas |
Pelas novas que criemos, |
Até fecharmos as portas. |
|
Andamos sempre a morrer |
Desde quando se nascer. |
|
|
375 – Falta |
|
Aquele que é narcisista |
Terá falta de empatia, |
Não pode pôr-se na pista |
De quem topa em cada dia. |
|
Tem uma desmesurada |
Quantidade de furor |
Sob a capa refinada |
De quem faz de grão-senhor. |
|
Vive tão auto-centrado, |
É tanto umbigo do mundo, |
Que se nem vê degradado, |
Um fundo que não tem fundo. |
|
|
376 – Vazio |
|
Há um vazio a preencher |
No centro do coração |
Daquele que é narcisista. |
Vai ser por esta razão |
Que ele quer e sempre insista |
Em controlar tudo à mão. |
|
Dele a cólera o ajuda |
A proteger-se da dor |
Por falta de amor desnuda |
E por falta do valor |
Que desde a infância se gruda |
Ao alvo do desamor. |
|
O vazio é preenchido |
Mas é dali devolvido: |
|
Sem apreço algum também, |
Não logra o amor de ninguém. |
|
|
377 – Tratada |
|
Se a criança é frontalmente |
Tratada por desigual, |
Não equitativamente, |
Por discriminação tal |
Que a ofende o favotitismo |
E a joga em escuro abismo, |
|
As objecções, a revolta |
Contra a injustiça, punidas |
Em geral serão em volta |
E as aspirações mantidas |
De trepar do grau menor |
Menosprezo dão maior. |
|
Tais crianças maltratadas |
Aprendem as boas graças |
A capturar, refinadas, |
Manipuladoras traças, |
Indirectas, pacientes, |
Finas treinam, entrementes, |
|
Cólera a não provocar. |
Fazer tal é adaptativo, |
Não é livre germinar: |
Sofre-o a mulher ao vivo, |
Os pobres, o encarcerado, |
- Doutrem o degrau do estrado. |
|
É que sempre a quantidade |
De qualquer livre expressão |
De que goza uma entidade |
Provém da lonjura ao chão |
Que, na escada do prestígio, |
Dela tem algum vestígio, |
|
Como da capacidade |
De amar generosamente, |
Do carácter de verdade |
Dos que um poder eminente |
Sobre ele tenham maior |
E o tratam com tal valor. |
|
Pensamento ou sentimento |
Que, quando expresso, provoca |
Cólera, sanção, tormento, |
Quase sempre desemboca |
Mui longe da consciência |
Calcado, sem evidência. |
|
Então, como resultado, |
Um homem, uma mulher, |
Quenquer desvalorizado |
Acaba, sem o entender, |
Deformado em toda a mente, |
Por mais que o contrário tente. |
|
Toda a aspiração saudável |
Ao poder de se exprimir, |
De se realizar, viável, |
Se atrofia em tal devir: |
Auto-estima a sério falta, |
Não há confiança em alta. |
|
|
378 – Recluso |
|
Quenquer pode ser dragão |
Avarento e desconfiado, |
Recluso ante a multidão, |
Se o tesoiro acumulado |
|
Tiver medo de perder |
Ou poder que haja adquirido. |
Tem então grande prazer |
Em pôr outrem perseguido |
|
Como em atemorizar: |
Poderoso o faz sentir |
De seu poder abusar |
E humilhar quem atingir. |
|
Mas pode-se converter |
Em malsão adulador, |
Se maltratado tiver |
Algo outrora a se lhe opor. |
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E se ele tiver receio |
De quem tiver o poder, |
O dragão dá um gnomo meio |
Na mó baixa se estiver. |
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Porém, se leva a melhor, |
Se doutrem se assenhoreia, |
É o gnomo o dragão pior |
Que assolar vai toda a aldeia. |
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379 – Figuras |
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Figuras de autoridade |
Sobre outros têm poder. |
Não ouvem nunca a verdade: |
Têm medo de a dizer |
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Todos quantos as rodeiam, |
Que o que o rei não quer ouvir |
Não são estes que o ameiam, |
Não vá querê-los punir. |
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Deferência, adulação |
É que a autoridade visam, |
A inchá-la de empolação |
Do que nela divinizam. |
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Fica entortada a visão |
Do que as coisas reais são. |
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380 – Agirmos |
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Agirmos com deferência, |
Suprimindo o sentimento, |
De nossa mente a premência, |
Será o que a cada momento |
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Todos faremos perante |
A presença do poder |
Que pode sempre ir avante |
Contra mim e o que eu quiser. |
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Quando a luz pisca a intervalos |
Da polícia na viatura, |
Na berma encostando os ralos |
Carros, a ver o que apura, |
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Descarga de adrenalina |
É o que logo quenquer sente, |
A ver se à fuga se inclina, |
Se lutar é mais premente. |
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Se o impulso de fugir |
Suprimo, calando o medo, |
Deferente vou agir, |
Que ante o poder é o segredo. |
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E assim cada conjuntura |
Toda a vida configura. |
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381 – Nascente |
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A nascente de água pura |
Traz a cristalina fonte |
Da subterrânea fundura, |
Para a vida rasga a ponte, |
Faz crescer as verdes ervas |
Que são da vida as reservas. |
A sabedoria vinda |
Duma nascente da terra |
Difere da que é provinda |
Do espírito a que se aferra, |
De palavras e conceitos |
Abstractos e sem ter peitos. |
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A da terra em corpo vem, |
É da vida sabedora, |
Feminina, sempre tem |
Na natura raiz, flora, |
Físico reservatório |
Da vida eterno envoltório. |
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Afirma por todo o lado: |
Mundo físico é sagrado. |
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382 – Cultura |
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A cultura comportar-se |
Como personalidade |
Saudável, aberta pode, |
Flexível a acomodar-se, |
Como, com idoneidade, |
A assimilar quanto acode, |
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Toda a nova informaão, |
Novos acontecimentos, |
Pessoas e sentimentos, |
Pensamentos, emoção, |
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De modo que a consciência |
Possa expandir-se e crescer, |
Porém não sem resistência, |
À mudança que advier. |
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Os tempos de transição |
São tempos irregulares, |
De ambivalência em tensão, |
De muita insatisfação, |
Na direcção a tomares, |
De incerteza, hesitação, |
São momentos de verdade, |
Na noite uma decisão |
Em busca da claridade. |
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É o mesmo em instituições, |
Tal como em quaisquer empresas, |
Como em organizações. |
E as culturas que mais prezas |
Não fogem a tais baldões. |
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E os indivíduos, na vida, |
Não fogem a tal medida. |
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Em tudo aqueles momentos |
São de estrutura elementos. |
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383 – Cuidar |
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A criança maltratada |
Vai cuidar de si que é má. |
Fica a acção justificada |
Daquele que a tratará. |
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Assume então normalmente |
Que merece ser punida |
Porque algo mau teve em mente |
Ou porque é má sem medida. |
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Se a criança é perseguida |
E lhe chamam prostituta, |
Porca, parva, delambida, |
Crê que é verdade o que escuta. |
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Poupam pais e guardiães, |
Adoptam para com eles |
Atitudes de reféns |
Ante quem lhes zurze as peles. |
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Sofre então o duplo abuso |
De criança maltratada |
E de assumir que tal uso |
É de justiça acabada. |
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É figura interior triste, |
Maltratada e abandonada, |
Baixa auto-estima persiste, |
Depressão já programada. |
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Quando adulto, repugnante |
Algo crê nele existir, |
Ser um terrível tratante |
- E é donde talha o porvir. |
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384 – Personagem |
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O poder sobre outrem muda |
Duma maneira invulgar. |
Ao personagem se gruda |
E o inverte, singular. |
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Quando numa posição |
Que era de ínfima importância, |
Subserviente era no chão, |
De adular pejado de ânsia |
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Perante algum superior. |
Quando ele é que tem poder, |
Pode ser um ditador, |
Arrogante com quenquer |
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Que estiver abaixo dele. |
Devém tirano mesquinho, |
Sem humor a que se apele |
Nem perspectiva em caminho. |
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Todo o que se identifica |
Com o arquétipo do pai |
Autoritário se aplica |
A ser ditador que vai |
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Ser odiado e temido |
Ou amado e respeitado. |
Porém, em qualquer sentido, |
É assumido e consumado |
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Que é dele uma autoridade |
Sobre outrem no lar e à volta |
E que é dele a identidade |
Da final palavra solta. |
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Este pai autoritário |
De nosso pai colorido |
Em todos vive, arbitrário, |
E às horas trama o tecido. |
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“Quem pensas que és?” – dentro grita |
E assim nos tece a desdita. |
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385 – Pai-tipo |
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O pai-tipo autoritário |
Abafa a criatividade, |
Expressão dos sentimentos, |
De modo atrabiliário, |
Mata a jovialidade, |
Paixão, espontaneidade |
Em qualquer dos elementos |
Em que tiver influência. |
Porque do controlo a essência |
Tem de ser abandonada |
Para abrir-se à experiência. |
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Ora, o controlo é preciso |
Para o pai autoritário |
Ou ele perde o juízo |
E deixa de ser, sumário. |
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Nas culturas patriarcais |
O arquétipo tudo influi, |
Dá uma autoridade aos pais |
Sobre os membros da família |
E mais longe o que se intui |
É que põe tudo em vigília, |
Cada indivíduo inibindo |
No rumo que for seguindo. |
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Assim permanecerá, |
A menos que qualidades |
Igualitárias vão lá |
Semear outras verdades, |
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Compaixão, sabedoria, |
E as tornem mais importantes |
Que o poder que antes havia. |
Desde que a patriarquia |
Existe, existem garantes |
De que quem tem o poder |
Final palavra há-de ter. |
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O arquétipo autoritário |
Continua proeminente |
E o poder atrabiliário, |
Uma obsessão permanente. |
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386 – Criatividade |
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Criatividade é crescer, |
Experimentar, correr |
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Riscos e acaso inventar |
E muitas regras quebrar, |
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Cometer erros ao ir-se |
- E, entretanto, divertir-se! |
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387 – Experiência |
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Experiência acumular |
É do espírito caminho, |
Não glândula a segregar |
Da velhice no cadinho. |
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Por isso há velhos que morrem |
Toda a vida inexperientes |
E jovens que a tal não correm, |
Nascem génios eficientes. |
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388 – Longe |
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Aquele em que a aspiração |
Mais longe anda do que quer |
Tem tendência para ser |
Mais infeliz que o que não |
Em redor vê só deserto, |
Já que os sonhos vê mais perto. |
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389 – Brilhante |
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Ser alguém inteligente |
Não é igual a ser feliz. |
Parece surpreendente, |
Já que o brilhante condiz |
Com quem tem mais rendimento, |
Quem é feliz em aumento. |
Porém, as expectativas |
Vão ser-lhe mais elevadas: |
De vivências negativas |
Vai ter horas inundadas. |
Trepa em igual proporção |
De infeliz ser a noção. |
390 – Risonhas |
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As pessoas mais bonitas |
São, de facto, mais felizes. |
A vida lhes corta as fitas |
Mais risonhas nos matizes. |
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O rosto mais atraente |
É o que mais simétrico é, |
Tem bons genes por semente, |
Por sistema é imune até. |
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Se calhar é mais feliz |
Por saudável de raiz. |
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391 – Crer |
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Crer numa vida de além |
Pode dar significado, |
Propósito que convém |
Ao ser humano isolado, |
Reduz este afecto fundo |
De se sentir só no mundo. |
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Em alturas de tensão |
A crença que nos invade |
Poderosa o turbilhão |
Enfrenta da adversidade. |
E depois há interacção |
E apoio em religião: |
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É receber como dar, |
Quem apoia os outros sente- |
- Se melhor consigo, a par, |
Vive mais tempo, anda em frente. |
Mais que os actos sociais |
Satisfazem tais sinais. |
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392 – Revelaram |
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Revelaram os idosos |
Número igual de emoções |
Positivas ao dos gozos |
Dos jovens, mas os briosos |
Juvenis as previsões |
Perdem ante as negativas |
Que neles são muitas mais |
Se as comparas às furtivas |
Dos velhos enquanto tais. |
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O idoso é mais realista |
Quanto às metas a alcançar, |
Vai apenas ter em vista |
As que puder palmilhar. |
Com o tempo a se esgotar |
Centra-se no que é feliz |
Do mais vai-se desligar, |
Tem mais da vida que quis. |