TECTOS  DE  LIBERDADE

 

 

 

                                               PRIMEIRO  VERSO

 

                                        Na  liberdade  o  verso  principia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     Escolha um número aleatório entre 1 e 141 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 – Tectos de liberdade

 

Na liberdade o verso principia,

Que donde vem ninguém adivinhou.

Porém, mal incarnada, a fantasia

A norma impõe às asas de seu voo.

 

É sempre em nós, portanto, que a ironia

De bom humor constata o que sobrou

De todo este sarcasmo que anuncia

A vida do que a sátira matou.

 

Vai ser, porém, a quadra popular

Que mais condensará o estranho brilho

Dum espartilho donde brota o mar,

 

De tal modo que, as quadras em sarilho

Ondeando sejam, sejam os sonetos,

Épicos se erguem da jornada os tectos.

 

 

2 – Na liberdade o verso principia

 

Na liberdade o verso principia

Com um fado

De magia

Que ninguém há destinado.

É o sentido desta prenda

Que ninguém há desvelado

Que os olhos nos venda.

Ah! O inferno

De o procurar, eterno,

Por todo o lado!

E tudo fechado! E tudo fechado!

 

 

 

3 – Pobreza

 

A solidão

Mata mais que não ter pão.

O abandono

Escraviza mais que ter um dono.

Não ser desejado

No inferno mete qualquer pecado.

Ser pobre não é triste, que tristeza

É o desprezo: e é a pior pobreza!

 

 

4 – Preço

 

Tempo e amor

São as únicas verdades

No mundo e na vida inteira

Que teriam comprador

Se na feira

Das vaidades

Preço houvera de tais nadas.

Jamais podem ser compradas,

Porém, as cimeiras realidades:

Só gozadas!

 

 

5 – Cuidadosas

 

Manipule-as com mãos cuidadosas,

Sejam trágicas, indiferentes ou cómicas,

As palavras, que são mais poderosas

Que bombas atómicas!

 

 

6 – Nascer

 

Ao nascer, uma criança

Prova a verdade:

- Deus ainda não perdeu a esperança

Na Humanidade!

 

 

7 – Livre

 

Um homem não é livre senão

Quando sua liberdade

A dos outros não invade,

Quando doutros em opressão

Se não baseia

A bandeira que a brisa ondeia

Na torre do bastião.

 

 

8 – Cultura

 

A cultura é aquela via

De aprender

Aquilo que nem sabia sequer

Que não sabia!

 

 

9 – Tirar

 

Se te tirar algo alguém,

Dá-lho de presente:

- Assim já ninguém

Roubado se sente.

 

O prejuízo

Acabará com o ladrão,

Se não tomar juízo

A tender o próprio pão.

 

Perdendo de vez a via,

Um dia

Perde a mão.

 

 

10 – Sono

 

O campo desnudado,

O bosque despido de folhas,

A natureza no sono anual,

Depois de ter atirado,

Com as primeiras molhas,

Toda a roupagem fora…

Natureza nua e virginal

Onde a Humanidade mora.

 

 

11 – Ódio

 

Ódio,

Batalha inútil:

Torna fútil

Qualquer bródio

E, em contrapartida,

Nenhum bem empresta à vida.

Ódio,

Aquela batalha

Que, à partida,

Irremediavelmente falha,

De antemão perdida.

Nada, nada remedeia

A fé de quem odeia.

E o pior é que o odiado

Ficará sempre de lado,

Invulnerável, de fora,

Ao ódio que outrem devora.

 

 

12 – Materialismo

 

Não odeias

O materialismo espaventoso

Do Natal?

Pois. Mas não anseias

Pelo gozo

Das prendas que ele te vale?

 

 

13 – Lágrimas

 

 

As almas jamais teriam

Arco-íris algum

Se as lágrimas não cobriam

Os olhos de cada um.

 

 

14 – Jovens

 

Nem fúteis,

Nem mortos-vivos,

Porém com uma incapacidade:

Estes jovens têm relações úteis,

Encontros significativos,

- Ignoram, porém, a lealdade.

 

Ser fiel

A um compromisso

Arranha-lhes a pele…

- Quem quer saber disso?

 

A contingência

É a paga

De quem, se a vida afaga,

Jamais lhe frui a envolvência.

 

Ao renegar o sonho por ilusório

Tornam tudo provisório.

 

 

15 – Acode

 

Pode quenquer

Devir quem a si próprio acode.

De como agir lhe pende o ser

Que tiver.

- Um talento fará o que pode;

Um génio, o que tiver de fazer.

 

 

16 – Discussão

 

Discussão pela discussão,

Só de fracassados.

Quem bem cumpre uma função

Não perde tempo em traslados.

 

 

17 – Desperdiçar

 

Crês apreciar a vida

Teu tempo ao desperdiçar?

Só te pode tal medida

Trazer desfeita:

- O tempo é o teu lar,

É dele que a vida é feita.

 

 

18 – Livre

 

“Faz aquilo em tempo livre”,

Dizem-me sem entender

Que, mesmo se é de lazer,

É o tempo em que me equilibre.

 

Tempo livre

Não existe.

E Deus me livre

Se algum ainde persiste

Que na vida me resiste.

 

É que então

É a vida que insiste

E eu que não

Lhe encontro confim:

 

- Seria o meu fim!

 

 

19 – Ameaça

 

A ameaça pior

À liberdade

É a verdade

Perder o valor.

 

 

20 – Arrogante

 

O descrente

Devém crédulo arrogante:

Quanta gente

Creu no fascismo e comunismo

Para os levar por diante!

O intelectualismo

É a crença apaixonada

Que nos conduz ao nada:

É tão variável a verdade

Quanto o bilhete de identidade.

 

“Sigam o vosso sentimento.

A quanto correcto parecer

Dêem então provimento.

Façam tal como aprouver!”

- O relativismo

Mede a fundura do abismo.

 

O povo ignorante sabe-o,

Ignora-o, porém, o sábio:

A liberdade não cresce

Onde o relativismo acontece.

A liberdade é uma planta

Que a verdade apenas janta,

Se de mentiras a trato,

Logo da vida a desato.

 

A liberdade requer

Famílias sãs e decentes

Em que sem medo quenquer

Ame e respeite os parentes.

São laços de lealdade

Em que empenham a verdade.

 

Uma livre economia

Requer sempre a iniciativa:

Quem empreende é quem guia,

Quem arrisca e a torna viva.

É preciso estar disposto,

Em nome doutro amanhã,

A sacrificar o gosto

Que hoje e aqui nos é proposto,

Para que não seja vã

A geração do futuro.

É preciso ter visão,

Descobrir o que inauguro:

Cada dia é uma invenção.

 

Pode uma comunidade

Ser livre quando as pessoas

Tudo mentem à vontade,

Tidas, impunes, por boas?

Como é que me encontrarei

Se não conto com ninguém,

Se todos zombam da lei?

Como chego a ser alguém?

 

Como pode a liberdade

Sobreviver

Onde, enquanto pão houver,

O que quer toda a cidade

É comer, à compita,

Da reserva o que alimente,

Cruamente

Parasita?

 

Dez milhões de cidadãos

Com um polícia interior

Dispensarão como vãos

Os polícias verdadeiros.

Se um país assim não for,

Nem exércitos inteiros

Chegarão para o compor.

 

Uma só verdade

Acaba por ser mais potente

No presente

Que os arsenais da humanidade.

 

Nossa dignidade humana

Emana a fidelidade

À verdade em que se irmana

Clara e plana a Humanidade.

 

Uma democracia,

Com todas as fracturas,

É sempre melhor via,

Para as criaturas,

Para qualquer minoria,

Do que quaisquer ditaduras.

Nela, os governantes

Prestam contas

E, porque os apontas,

Gozas liberdades constantes.

 

Mercado livre é melhor

Que o comunismo dos pobres:

Sempre foi dele o esplendor

Que estes preferiram

Para lhes polir negros os cobres,

Já que o talento

Aqui viram

Seu melhor investimento

Derivar,

Com a iniciativa a par…

 

E por mais

Que ao invés tenham escrito

Os intelectuais,

Tudo neles é desdito

Dos pobres pelos sinais:

Há século e meio

Que tomam a direcção

Quando emigram, sem receio,

Da livre economia à região.

O pobre procura

Uma oportunidade

Em que, inteiro, em liberdade,

Do poder fora da usura,

Se pode, enfim, sentir vivo:

Quer é ser criativo.

 

A livre sociedade

Não dura uma eternidade,

A tirania

É nossa mais constante via.

De vida curta,

Em zonas pouco numerosas,

Irás depor o ramo de murta

No cadáver da que gozas

Se não tiveres o cuidado

Adequado.

Da História na escuridão

Passará como um cometa

Que ardeu até à extinção

E nunca atingiu a meta.

Pulmão que precisa de ar,

A liberdade,

No meio do vendaval,

Requer virtude e verdade

Ou não pode respirar.

Ou a norteia

A moral,

Ou breve é um monte de areia!

 

 

21 – Arrabaldes

 

O problema em que o porvir morreu

E que faz no presente que te escaldes:

- O mundo sou eu,

Tudo o mais são arrabaldes!

 

 

22 - Poliglota

 

O poliglota

Abre ao cosmopolitismo.

A porta do nacionalismo,

Fica assim mais patriota.

 

 

23 – Palavra

 

A palavra,

Forja da fusão humana,

Quando as línguas em nós lavra,

Aos povos todos irmana:

Em todos reconhecemos

Pátrias iguais às que temos.

 

 

24 – Reputação

 

Muito frágil

É a reputação

Das nações:

Um carro menos ágil,

Alguns encontrões,

E esvai-se no ar

Toda uma secular

Civilização!

 

Sempre do estranho na descrença,

Desde que o farol lhe não pertença.

Para nós

Que nela vamos, a questão

É a imagem dos avós

Que fica apenas com um vago senão.

Só que já nos tolhe a voz,

Tal é a nossa dependência,

Em cada presença, desta ausência.

 

 

25 – Altar

 

Que importa tripudiar?

Onde houver uma mulher

Haverá sempre um altar

Para um ritual qualquer.

 

Que mais não seja,

Uma superstição, um jogo,

Dedos em cruz que se beija,

Totoloto que se almeja

Para ao sonho atear fogo.

 

Não lhe importa

O que o rito quer dizer,

Que o que importa a uma mulher

É ver como rega a horta

Onde um renovo qualquer

Qualquer dia bate à porta

E ela quer vê-lo crescer.

 

No rito

Ela procura a bengala

De apoio que vai levá-la

Deste canto circunscrito

Para as amplidões da sala

De concertos do infinito.

Tudo o mais nela não conta:

- Conta o além que além desponta!

 

 

26 – Bíblia

 

Na Bíblia perpassam lendas,

Fábulas, contos: vacuidade…

- Foram, porém, as prendas

Que deram encanto, esperança, energia

Ao dia-a-dia

De dois mil anos de humanidade.

 

 

27 – Xisto

 

Camadas de que me acamo

Revelaste no meu xisto:

- Amo,

Logo existo!

 

 

28 – Calendário

 

No calendário do coração

Quanto dura a eternidade?

- Dura amor com tal paixão

Que, de dentro do caixão,

Te ressuscite à cidade!

 

 

29 – Cabra

 

O que se ganha

Com livre tentar viver

É ser cabra da montanha

Que após a nocturna luta

Contra o lobo que a disputa

Sempre acaba por perder:

Da madrugada ao clarão

É do lobo a refeição.

Resta-nos a ufania

De combater o senão

Toda a noite e todo o dia.

 

 

30 – Cronometragem

 

A vida é a imagem

Do contratempo:

- Mera cronometragem

De tempo!

 

Uma corrida

Pegada

Com partida

Sem chegada.

 

 

31 – Jantar

 

A hora do jantar,

A pedra de toque

De quanto importávamos no lar,

A vida puxando a reboque.

 

Uns para os outros decisivos

Nas boas e más ocasiões,

No momento da paragem

Éramos vivos

Nas novidades e nos senões,

Nos problemas e na viagem

Que, revisto o dia,

Para o seguinte ali se gizaria.

 

Que é que nos aconteceu

Que, distraídos,

Tanta vida se nos perdeu

Dos sentidos?

 

 

32 – Morrões

 

Se os pais ouvem conversar

Problemas e situações,

Logo os filhos, ao jantar,

Êxitos e decepções

Pretenderão partilhar.

Das brasas destes morrões

Se ateia o lume do lar.

 

33 – História

 

O mais importante

Numa história

É que abre caminho adiante,

Rumo a inesperada glória.

Ao unir-nos num amplexo

De aventuras partilhadas,

Germina um fruto complexo:

- Às ideias abre estradas.

 

 

34 – Infância

 

Da terra da infância

O maior gozo

É que, quanto maior é a distância,

Mais por dentro nela me entroso.

 

Por mais que saia,

É tal o afago

Dos dedos de aia

Que em mim perene a trago.

 

Mais estranho ainda

É que não chega a haver saída:

Entre a ida e a vinda,

Moro lá o resto da vida!

 

 

35 – Coisas

 

As coisas nunca se dão:

Damos nelas os apelos,

São linguagem do valor,

São o projecto e a função.

Dar-receber são os elos

Que à vida emprestam calor:

Desde o primeiro bocado

De comida

São o tecido entremeado

Da vida.

 

 

36 – Estrelado

 

Quando vejo o céu estrelado

Na altura,

Sinto Deus aqui ao lado

Abraçando-me a cintura.

 

 

37 – Metro

 

Por estranho que pareça,

A felicidade

Tem um metro que a meça:

É um amor, é uma amizade.

 

É o que escapa da ilusão:

A felicidade dura

Quanto durar a lonjura

Do que tens no coração.

 

 

38 – Nunca

 

As coisas nunca são o que deviam ser.

Ou serão?…

- Não há maneira de aprender

Que nós é que não!

 

 

39 – Natural

 

Quando da primeira vez

Se entendeu da nossa origem

Como natural se fez,

Só desde então é que vigem,

 

Dolorosas deste intento,

As lesões do isolamento:

- Não mais Deus,

Apenas eu com os meus!

 

 

40 – Barro

 

Nosso maior valor

É este:

- Barro que pergunta ao moldador:

“Que fizeste?”

 

 

41 – Mutação

 

Se me modifico

E reproduzo a mutação,

Evoluo, já não fico

Agrilhoado à prisão.

 

Não temos alternativa:

Só pode continuar

A jogar na vida viva

Quem ganhar.

 

Uma quebra na cadeia

Das gerações

E lá se finou a teia

Das mutações.

 

A evolução

É a esperança

Mais serena

Que a mutação alcança

Duma comutação

De pena.

 

 

42 – Adaptação

 

Adaptação permanente,

Final e sem mais

Duma vida ao ambiente

Não, não há jamais.

 

Com o que almeja

Não se iluda:

É crucial que cada um veja

Que, por mais lento que seja,

Tudo muda.

 

 

43 – Mó

 

No céu

Gira o mundo sua gris

Redonda mó.

 

Não sou eu

Mas ele quem diz:

Tudo é uma coisa só!

 

 

44 – Cosmética

 

Os novos tipos na evolução da vida,

Quando isto não é cosmética,

São pela natureza tão desencorajados

Que isto nos invalida

A questão ética:

Devemos apostar em novos dados

Que apontem adiante

Quando a mudança é tão relutante?

 

 

45 – Catecismos

 

Por cada milhão de organismos

Ferrenhos conservadores

Há um, radical, que sofre as dores

Do parto de novos catecismos.

 

Destes, porém,

Apenas um num milhão

Vislumbra bem

O que visa a novel confissão.

 

A evolução da vida,

Em seus inúmeros destinos vários,

Caminha, afinal, pela avenida

Destes ignotos revolucionários.

 

 

46 – Fumo

 

Quando o coração ruma a um rumo

E a um outro, a cabeça,

A maioria segue o fumo

Onde o coração se aqueça.

 

 

47 – Veneno

 

Veneno das moléculas orgânicas,

O oxigénio, com certeza,

Envenenou as vidas oceânicas

Ao cobrir a Terra de surpresa.

 

A intromissão na atmosfera

Despoletou de antanho a maior crise,

Holocausto duma era

Sem que mais vida se divise.

 

Porém, do aluvião

Deste holocausto

Respirámos um breve hausto

Que nos deu a mão.

 

- E aqui estou, exausto,

No chão!

 

 

48 – Cura

 

O que a vida apura

E lhe os filões desata:

- O que a um cura,

A um outro mata.

 

 

49 – Geológicas

 

A vida jamais teve prudência

Nem sabedoria.

Muito antes da existência

Da civilização,

Já ela poluía

Em escalas de tal imensidão

Que por estas inépcias estultas

Pagou inenarráveis multas.

 

A história das eras geológicas

É de hecatombes de proporções escatológicas.

 

 

50 – Excepção

 

Biliões de espécies de vida

Vivida

E já extinta:

Como é de regra a extinção!

Em sobreviver requinta

Apenas alguma rara excepção.

A vaga chama se ateia

Em nós

E ata e desata os nós

Da intérmina, frágil cadeia.

Até quando

O teimoso desmando

Escapará da teia?

 

 

51 – Engrenagem

 

Microrganismos, animais e vegetais,

Eis as peças da engrenagem,

Veio de transmissão e varais

Da imensa máquina ecológica,

Em perene viagem

Escatológica,

Desde o arrebol

Da vida,

Daqui para o Sol

E do Sol descida.

 

O que mais seduz

Em quanto bole

É que toda a carne é luz

Materializada do Sol.

 

 

52 – Nó

 

A procriação apertou

De novo o nó

Que a morte nos desatou

- E é só!

 

 

53 – Silvestre

 

Erva silvestre,

Germinamos na Primavera.

Túrgidos de verde e sem mestre,

De nossos corações trepa a hera

Abrindo pelo corpo algumas flores.

Cumprido o fado,

Mirrados de amores,

Tombamos para o lado:

Só viemos para dormir e sonhar…

- Talvez um dia descubramos um lar!

 

 

54 – Troca

 

Há mil milhões de anos atrás

Foi feito o acordo:

Os prazeres do sexo terás,

Mudando de bordo,

Em troca da perda temporal

Da imortalidade pessoal.

 

Sexo e morte:

Ninguém pode ter aquele

Sem desta o corte

Entalhado na pele.

 

Durante três mil milhões de anos

Todos tiveram um só progenitor

Que desmultiplicou seus arcanos

Por intérmina cissiparidade:

À progénie garantiu quase o valor

Da perene imortalidade.

 

Das espécies o risco de extinção

Então foi trocado

Pela morte de cada geração

Do sexo no traslado.

 

E a vida assim continua

Assente nos mortos que espalha na rua.

 

 

55 - Inquisição

 

A Santa Inquisição

Disciplinou o velho Galileu

Por defender que a Terra uma rotação

Completa por dia sempre deu,

Contra a velha teoria

Que defendia

Que quem o fazia era o céu.

 

A Igreja Romana impunha a sina

Do conformismo:

Intimida, tortura, assassina,

A todos amarrando ao catecismo.

 

Giordano Bruno queimou vivo

Por ter ideias,

Recusar-se a deixá-las em arquivo,

Jogá-las das ameias.

 

Depois disto

Herói e santo

Não é quem consta do registo,

É quem consegue aguentar tanto

E continua a pisar o risco

De saltar fora do aprisco.

 

 

56 - Complemento

 

Num homem, o pensamento

Muitas vezes é a evidência

Dum vago complemento

Da consciência.

 

 

57 – Rol

 

Há três milhões de anos que nós

À procura rabiamos

Dos contras e dos prós

Do que nem adivinhamos.

 

Restam cinco mil milhões

De potencial sobrevivência

A ver se as ocasiões

Nos bastarão à sapiência.

 

Antes que o Sol

Se acabe

E com ele o rol

De hipóteses que nos cabe.

 

 

58 – Combate

 

Um combate mortal,

Garra a garra, esporão a esporão,

Sai caro a todos em geral,

Ao vencedor, ao vencido

E do grupo à coesão.

Mais bem conseguido

É dispersar uma invasão

Com logros e com negaças,

Violência em pantomina

A abater sobre um intruso,

Representando ameaças.

Se o infractor se domina

E acaba o abuso,

Prevenido pelo aviso

Razoável e discreto,

Ganhar juízo,

Cumpre o decreto.

 

É de longe a comédia da repressão

A forma

Com a qual, para arrumar uma questão,

O planeta Terra se conforma.

 

Violência verdadeira

Só mesmo na extremidade:

A agressão é a derradeira

Possibilidade.

 

O mundo é esperto:

Antes do último recurso, a solução

Que escolhe para a tensão

Fica algures lá por perto.

 

E nós, os homens, com a Terra

Andamos, lentos, a aprender,

Em vez da guerra,

A ser.

 

 

59 – Automatismo

 

Estratégia de sobrevivência,

A agressividade

Vale o que vale a premência

Da necessidade.

 

Coexiste com a compaixão,

O altruísmo, o heroísmo,

O amor terno de emoção,

- De sobrevivência novo automatismo.

 

Eliminar de vez

Deles um qualquer,

Além de estupidez

Ninguém o logra sequer.

 

O que importa é o nível

De ambos equilibrar,

Nem mais nem menos, o exigível

Para a espécie vingar.

 

Nós somos o produto

Da mistura turbulenta:

Permanece eterno o conduto

Que a tensão de opostos

Alimenta

Em nossos rostos.

 

 

60 – Vozes

 

Dentro de nós falam

Inúmeras vozes antigas.

Algumas calam,

Que já não servem às brigas.

Outras, ao invés, se amplificam

Quando com elas se alcança

Um fim onde se autenticam.

- E aqui mora a nossa esperança.

 

 

61 – Combate

 

O mais sublime

Acto de guerra

Não oprime

Nem aterra.

 

Oferta um abrigo

Contra o dislate:

- Domina o inimigo

Sem combate!

 

 

62 – Ancestrais

 

Quanto menor for

A agressividade

Maior a possibilidade

De compor e dispor

Duma comunidade.

 

Quanto mais a infância for

Prolongada

Mais pode o progenitor

Ensinar à cria gerada.

 

Grupos de apoio, alianças,

Reconciliações,

Tranquilizadoras danças,

Perdões,

A rememorar passados,

A planificar futuros,

- Nossos remotos antepassados

Vieram caminhando, inseguros,

Pelas ancestrais matas

Até deles gerarem os primatas

Donde tardiamente

Se nos amadurou a semente.

 

E até nós nos trouxe ela

Isto que de nós, afinal,

Não é nem sinal

Nem distintivo:

Toda aquela

Fóssil sequela

Que em nós é material vivo.

 

 

63 – Programado

 

Expressões faciais, do corpo a postura

Têm nos primatas um significado

Geneticamente pré-programado.

Não são

A fruta madura

Da social convenção:

Esta é um mero bocado

De decoração

No barro há muito modelado.

 

 

64 – Testosterona

 

A agressividade,

A dominância,

A territorialidade,

A sexual ganância

Dos primatas controladas

São pela testosterona,

Dos testículos hormona

Que nos traça as caminhadas.

 

Onde fica

A margem da liberdade

Quando tudo assim lhe invade

O átrio donde pontifica?

 

 

65 – Tema

 

Só poderemos resolver

O nosso problema

Se soubermos que ser

Em nós se tema

E aquele, embora qualquer,

Com que se atrema..

 

 

66 – Sobrevivência

 

Se a inteligência

É a nossa única adaga cortante

Importa aguçá-la para diante,

Torná-la sobrevivência.

 

 

67 – Gato

 

Um gato perdido

Atravessa a ribalta

E pára surpreendido

Ao ver os mil olhos

Da escura plateia.

Um segundo de alta

E escapule-se para os folhos

Dos bastidores, livre da alcateia.

 

Actor é quem o gato domina

Em seu imo,

Enfrenta da plateia a sina

E trepa do terror ao solitário cimo.

 

 

68 – Segredo

 

O verdadeiro segredo

Da despedida

É o coração perder o medo

E falar a vida.

 

 

69 – Buraco

 

Não houve início no início,

No porvir não há porvir:

Dum buraco negro indício,

Do cosmos universal

Somos o buraco a ir,

Tudo e nada por igual.

 

Universo em expansão,

Tudo somado

Não passamos dum balão

Que, qualquer dia furado,

Cai ao chão.

 

 

 

70 – Mistério

 

Na religião, o iniciado

A entregar-se à fé

Há-de ser encorajado:

Mantém-se o mistério tal qual é.

 

O cientista é educado

A perguntar sempre como,

A penetrar no intocado:

Lê-nos do mistério o tomo.

 

O cientista

De hoje é aquele que concito

Como o extremo optimista

Que me oferta o infinito.

 

 

71 – Rastros

 

Em nossa Galáxia o número de astros

É de mais de cem biliões.

No Universo observável deles os rastros

São de mais de cem quadriliões.

 

Todos contidos

De galáxias em mais dum bilião

Em tudo à nossa semelhantes.

 

- E nós para aqui a discutir sentidos

Deste senão

Que somos por uns vagos instantes!

 

 

72 – Cosmo

 

Cada qual pode viver

Sem do Cosmo à imensidade

Atender

Nem ao colapso que a invade.

 

A satisfação obtida

Pelo facto de estar vivo

É de meu gosto a medida

De ser cativo.

 

Posso viver e morrer,

Tranquilo no aconchego,

Sem olhos ao céu erguer,

Do lar no doce refego.

 

Não serei cego, não:

Apenas, desde o início

Me seguro no desvão

Do precipício.

 

73 – Contorno

 

O Homem perfaz o contorno

Do Universo.

Com isto, a si próprio, no reverso,

Opera o retorno.

 

O trabalho oferta ao Homem

O instrumento

Que abre os caminhos que lhe somem

Conhecimento.

 

A bomba de tirar água

Com razão

Trago-a

A mostrar-me o coração.

 

Um computador

Deveras

Explica melhor

Do encéfalo a mecânica e as quimeras.

 

Os meios de comunicação

Prolongam-nos o gesto e a voz.

- As técnicas são

O espelho cuja imagem somos nós.

 

 

74 – Viver

 

Nem sequer

Perguntes o que é melhor:

- Viver

É morrer de amor!

 

 

75 – Façanha

 

Ninguém protagoniza uma façanha

Para morrer.

Só quando uma aventura for tamanha

Se começa a viver.

 

E, quando a vida inteira chega ao fim

Com a heroicidade maior,

Aí, sim,

É que principio da vida a ser senhor.

 

Morrer?! Morrer?!

- Sabeis lá o que é ser!

 

 

76 – Crimes

 

Ninguém conhece Jesus,

Apenas os crimes perpetrados em seu nome.

Martirizados em nome da Cruz,

Crentes e descrentes apenas temos fome.

 

Calcamos a Cruz aos pés

Ao adorá-a como ao rejeitá-la:

Massacrados pela hóstia, no revés

Tratámos todos dela à bala.

 

Consciente ou inconscientemente,

O crente ao descrente

Em absoluto se iguala:

 

- No fundo,

Alguém sabe lá o que é um outro mundo!

 

 

77 – Primeira

 

A primeira casa,

A primeira criança,

A primeira sepultura:

- Eis o bater de asa

Que a terra nos entrança

E connosco a configura.

 

Não se impõe nem se aprende:

É o laço

Cujo abraço

Ao chão nos prende.

 

 

78 – Montanhas

 

Os montes estendem braços

Cheios de ternura,

As montanhas dão abraços

Cujos traços

Têm o amor e a brandura

Da mulher enlanguescida.

Que lenta e funda que é a vida!

 

 

79 – Instrução

 

A instrução

Traz a luz,

Não a educação:

O bem e o mal

Por igual

Reproduz.

 

Nalguns casos, portanto,

Quanto mais a luz aumenta

Mais o mal, entretanto,

Se incrementa.

 

 

80 - Condenado

 

Um condenado da prisão

Sempre um dia sai.

Porém, da condenação,

Não,

Quando na sociedade cai.

 

 

81 – Folha

 

A vida é uma folha breve

Que qualquer brisa revira.

Enquanto delira,

É um ar que a leve!

 

 

82 – Grito

 

Grande é o mar omnipotente,

O céu, porém, é infinito.

Mas o que me acalma

Definitivamente

O grito

É o íntimo da alma.

 

 

83 – Vielas

 

Arrastamos as grevas

Pelas vielas

A transbordar de trevas

Sob o céu cheio de estrelas.

 

 

84 – Fadas

 

As águas-furtadas

Colora-as a ventura

De palácio de fadas.

Na desventura

Um palácio qualquer

Devém casebre de esmoler.

 

 

85 – Passado

 

Respeitamos o passado,

Poupamo-lo por inteiro

Se ele for em todo o lado

Passageiro.

 

Se quer ser cadáver vivo,

Cuidado,

Só trancado num arquivo

Não nos apodrece o fado!

 

A eterna fatalidade

No combate dos miasmas

Da Humanidade

É matar de vez fantasmas.

 

Como pela garganta

Agarrar

A sombra que nos espanta

E anda a par?

 

 

86 – Falcão

 

Somos o falcão planando o voo,

À espera de que nada descalabre,

Suspenso entre o mundo que fechou

E o céu que não abre.

 

 

87 – Pasmo

 

O pasmo duma vida que chega ao termo

Sem nunca haver principiado!

O Homem é um ermo

De sonhos rodeado!

 

 

88 – Trevas

 

Arrastar aos trambolhões o carro

Em lugar de o conduzir

É, nas trevas que me amarro,

Luz demais a luzir.

 

Sectário

Buscar um porto de abrigo

É ter tanto ideário

Que dele me torno inimigo.

 

Ser tanto a favor

Nos desencontra:

A mais o fervor

Uns aos outros nos porá contra.

 

 

89 – Sonho

 

Não há nada como a fé

Para criar o sonho

E nada como o sonho para pôr de pé

O porvir que me proponho.

 

Não foge

A utopia

De hoje:

Em carne e osso

Por minha mão principia

Em tudo aquilo que posso.

 

Então, amanhã

Será o alvor.

E eu terei sido o vago palor

Que adivinhou a manhã.

 

 

90 – Falta

 

O que nos falta nos atrai:

A luz é para onde o cego vai,

O anão olha o gigante

Como o sonho que lhe mora diante.

O sapo anda sempre de olhos no ar

Sem ver a rua:

- Continua porventura a se esbarrar

Mas já atingiu a Lua!

 

 

91 – Glória

 

De que importa uma vitória

Se mesquinho for vencer?

- Glória, verdadeira glória

É convencer.

 

 

92 – Indigência

 

A miséria que é madrasta

Algumas vezes é mãe

De naturezas firmes, de casta,

Em que a indigência convém

À grandeza de alma.

A pobreza lhes alimenta

A altivez serena e calma.

Do infortúnio no leite

Se dessedenta

O magnânimo, quantas vezes,

Em conformado aceite

E gestos corteses!

 

 

93 – Evidência

 

Há uma evidência

Que não encontra lugar

No atoleiro:

O milionário da inteligência

Bem pode lastimar

Os milionários do dinheiro!

 

 

94 – Resto

 

Trabalhar o indispensável na produção material

E o mais possível no impalpável de seu fito:

- Algumas horas à vida real

E o resto ao infinito!

 

 

95 – Acaso

 

Alguém por acaso nos revela,

Sem querer, o caminho para além:

Alguém que traz uma vela

E acaba vela sem ser mais alguém.

 

 

96 – Velhice

 

À velhice acalenta

O sol e a ternura.

A mocidade afável alimenta

O ancião

Como, ao sol, da brisa a brandura

Lhe dá o sabor do chão.

 

 

97 – Absorto

 

Quem vive absorto

Na ciência ou na mania

Para a vida vive morto

Quanto vive em fantasia.

 

Devagar

Recua, forçado à vida,

Enquanto, sem por tal dar,

Ela nele é exaurida.

 

Em sonho, voa

Na amplidão;

Na realidade, esboroa,

Fatal, o chão.

 

 

98 – Ruínas

 

Um avô requer um jovem

Em casa a toda a hora:

- Às ruínas sempre as comovem

Os raios da aurora.

 

 

99 – Lenço

 

Quando amada, à bela

Não a penso:

Sinto a alma dela

Dela até num lenço!

 

 

100 – Treva

 

Na mais profunda treva

Há uma luz latente

Cativa.

O vulcão escuro leva

Lava como presa viva

A libertar brevemente.

 

É deste estranho coma

Que em vida me inundo:

As catacumbas de Roma

São caboucos do mundo.

 

 

101 – Utopias

 

Caminham as utopias

Por subterrâneos canais

Ramificando-se as vias

Onde quer que haja sinais,

Confraternizam

E se encontram,

Deslizam,

Se desencontram…

 

E, depois de inundarem as fundações,

Burilando gradualmente as arestas,

Por entre as contradições,

- Rebentam em campos e florestas!

 

 

102 – Violento

 

Derruba um facto o direito?

Não é coisa que lamento.

O direito triunfa cortando a eito

Sem precisar de ser violento.

Violento é o facto

Que contra a justiça arme seu pacto.

 

 

103 – Duelo

 

Direito e facto em duelo

Andam desde a eternidade.

Removê-lo

É gerar a realidade

Que amalgama a ideia pura

Com a incongruência humana:

A perfeita mistura

Que um homem-deus emana.

 

 

104 – Abismo

 

Se o pensamento é o labor,

A abstracção é o erotismo.

Trocar um noutro é pior

Que ter por festa um abismo.

 

Não é pequeno

Tormento:

Tomar um veneno

Por alimento.

 

Quando bastaria preservar

A cada qual seu lugar.

Aí, a romaria

Acontecia.

 

 

105 – Arde

 

Nas trevas do coração

Arde a lembrança do ente amado ausente,

À solidão

A chama dum poente.

E quanto mais desaparece

Mais resplandece.

 

 

106 – Ladrão

 

Um ladrão

É o avesso dum artista.

Não o impede a prisão

De que em novo crime invista,

Tal dum quadro a exposição

Não leva a que resista

À inspiração,

Simultaneamente,

A tinta

Que novo quadro represente.

 

E o pintor o pinta.

 

 

107 – Aves

 

Por mais que as dores me doam

Uma suspeita superna

Me cala o grito:

- As aves voam

Trazendo à perna

O fio do infinito!

 

 

108 – Germes

 

Dois germes por inteiro vão compor

Da mulher a vida em cada lar:

O desejo de agradar

E o amor.

 

 

109 – Luzeiro

 

Deus habita em tudo e tudo o oculta.

Negro é o Universo, opaca a criatura.

Porém, a vista inculta

Um luzeiro vago apura:

Amar um ente

É torná-lo transparente,

Uma lente de tal aumento

Que vislumbro para além do firmamento.

Ouço longínquo um surdo grito:

O eco do infinito!

 

 

110 – Mito

 

Ao porvir é pertinente

Muito mais o coração

Do que a mente:

Amar enche a amplidão

Da eternidade

E o infinito

Tem do amor a qualidade

De fonte inesgotável de meu mito.

 

 

111 – Masmorra

 

O que intriga na meta adiante

É que a vida morra:

A terra é semelhante

A uma masmorra.

 

 

112 – Fogo

 

Ao aprender a ler

Alumias-te a fogo

Com a sílaba que, soletrada,

Cintila logo.

E vais sofrer

Com a luz gerada

Quando em demasia:

Então queima, não alumia

E o lume cresta-te as asas.

Conseguir voar para além do vestígio

Das brasas,

Eis o nosso prodígio.

 

 

113 – Forçado

 

A gíria é o verbo com pecado,

De grilhetas nos pés.

Gíria é o verbo condenado

Às galés,

A gíria é um forçado.

 

 

114 – Trigo

 

A verdade é nutritiva,

O saber é um grão de trigo.

Para que uma razão viva

O jejum é um inimigo,

Se é de saber, que emagrece.

Pior que um corpo agonizante

Porque lhe falece

O pão,

É o imo a morrer perante

A agonia de clarão.

 

 

115 – Murmúrios

 

Murmúrios de dois amantes,

A melodia por dentro…

Quando fora a reimplantes,

Aquilo em que aqui me adentro

É uma sombra:

Criancices, ninharias,

Futilidades na alfombra…

São tais ridicularias,

Quando eco do som oculto,

O fundo fundo do mundo:

O único culto

Fecundo.

 

 

116 – Mulher

 

A mulher é singeleza,

Transparência, ingenuidade,

Muito mais do que a beleza

É candura,

Fulgor da singularidade,

Alvor de toda a ternura.

Primavera de abril

Em alvorada,

Tem olhos de orvalhos mil,

Luz de aurora condensada.

 

A vida, toda e qualquer,

Tem a forma de mulher.

 

 

117 – Céu

 

A doçura e a profundeza

É o que a mulher tem de seu:

- É a surpresa

Do céu!

 

 

118 – Visão

 

Apura o amor

Um estranho modo de visão:

Fechar os olhos é a melhor

Maneira de ver o coração.

 

 

119 – Velas

 

Quem despregou as estrelas

Neste jeito de quem reza

Para as pôr à minha mesa

Como velas?

 

 

120 – Perigos

 

Os grandes perigos

Têm um condão:

- Fazem dar a mão

Aos inimigos.

 

 

121 – Archote

 

Archote açoitado pelo vento

Lucila de medo,

Pensamento

Perdendo o credo.

Se ao vento assim ardes

Queimas teu leme:

- A prudência dos cobardes

Alumia mal porque treme.

 

 

122 – Incêndios

 

Assim como há incêndios que alumiam

Uma cidade inteira,

Revoluções há que esclareceriam

Do Homem o segredo e a maneira.

O problema é nunca estar na nossa mão

Saber quais são.

E o mais atroz

É que, sempre que acreditámos que sim,

Perdemo-nos de nós,

- Perdi-me de mim!

 

 

123 – Sopro

 

A palavra é um sopro de evidências

Nas frondes sob que te acolhas.

O rumorejar de inteligências

É um rumorejar de folhas.

 

 

124 – Sorriso

 

A juventude

É o sorriso do porvir

Perante um desconhecido

Que, amante distante, ilude.

Felicidade ainda a fremir,

Respira esperança.

Olvido

É o que por fim, adulta, alcança.

- Nela, porém, bebemos, quotidiano, o sentido!

 

 

125 – Primavera

 

A Primavera

É um paraíso

Provisório.

O sol é que nos recupera

A ciência,

O siso

De ter paciência,

Até que um dia nada mais seja ilusório.

 

 

126 – Ignora

 

Quem a verdade ignora

É quem apenas rir daquilo que é:

- Quem não chora

Não vê!

 

 

 

127 – Esfinges

 

Quando os sonhos nunca finges

Para um porvir que é medonho,

São as revoluções esfinges

Olhando obscuras a estrada

E crês-te presa dum sonho

No meio da barricada.

 

 

128 – Viageiro

 

É progredir a maneira

De ser homem.

A Humanidade é viageira,

Com recantos de passagem

Onde as forças retomem

Os cansados da viagem.

E de noite, quando dorme,

Ainda às apalpadelas,

Por via talvez informe,

Procura o novo sentido

Por que passem as vielas

Do progresso adormecido.

 

 

129 – Poesia

 

Um povo progride através da poesia:

A dose de civilização

Medi-la-ia

O metro da imaginação.

Não pelo gozo

Que revista,

Nem pela execução do virtuoso,

Mas por ser artista.

O gesto de arte

Redime:

Convida-nos a tomar parte

Do sublime.

 

 

130 – Dedicação

 

Quem apostar no coração

Veja o que fora lhe esquece:

O nome da dedicação

É o desinteresse.

 

 

131 – Microscópio

 

A filosofia é um tormento,

Quer ver tudo mas é cega,

Verruma a quanto se apega,

Microscópio do pensamento.

Ainda por cima tem peçonha:

Quando em mim entro,

Dispo o lado de dentro,

O da nossa vergonha!

 

 

132 – Infortúnio

 

O infortúnio dilata quanto esmaga

As almas

E o trigo do joio peneira.

Quando a luz se apaga,

Os olhos encegueira

Mas as pupilas dilatam-se, calmas.

No fim, quando tudo a escuridão traduz,

Só vemos a luz!

 

 

133 – Voga

 

Pascem os tempos e repascem,

O juiz, porém, veste sempre igual toga.

As modas renascem,

As antigualhas de novo entram em voga:

As jovens de minha velhice

Trajam de velhas de minha meninice.

 

 

134 – Véus

 

Quem é feliz não ama as trevas,

Não se encobre em véus escuros.

Noites, sim, venham às levas,

Que os sentimentos mais puros

Delas recolhem estrelas

Com o luar que houver nelas.

Depois, quando nada bole,

Acendem por sobre o mundo

O Sol

E tudo em redor é fecundo.

 

 

135 – Custa

 

A vida é justa

Para quem lhe deu sentido:

- Morrer não custa,

Custa é nada ter vivido!

 

 

136 – Fama

 

Muito há quem pela fama,

Julgando-a vida ociosa,

Clama.

Quando ela chega, há momentos

Em que da fama se goza

E o mais são mil e um tormentos.

Quem quer ser rico e famoso,

Primeiro enrique,

Depois então verifique:

Isto lhe basta de gozo.

A fama

É como a língua de fogo:

Atrai-nos a luz da chama

E depois queima-nos logo.

 

 

137 – Perfume

 

Dizem que um perfume

É essência,

Não é um ser nem acidente.

Porém, o que ali assume,

Na aparência,

É que nos mente.

 

Um perfume é uma mulher:

És tu no que para além

Apontas que há também,

Onde eu nem sequer

Sabia

Que um mundo ignoto existia.

 

Parabéns e obrigado,

Mulher,

Por me apontares esse outro lado

Que um homem tanto quer

E, de tão desejado,

Tanto se arrisca a perder.

 

Tu em mim és o perfume

Que o mais da vida resume.

 

 

138 – Correia

 

Um homem honesto

Despreza a religião

Quando nos atemoriza com o manifesto

Da morte na mão.

 

E mais ainda quando ela invalida

A única correia

Que a prende a quem odeia:

- A vida.

 

 

139 – Flecha

 

Como a flecha o corpo fura,

Furam palavras as almas,

Quando abertas as depura,

Arguta, a dissimulação.

Chega a bater-lhes palmas,

Vencido, o coração.

 

 

140 – Chamas

 

Quando as chamas não ateia,

O amor prospera

Na espera.

Então é que se incendeia!

 

 

141 – Perfeição

 

A perfeição do amor, ao lado

De ser constante,

Ainda mais que ser amado,

É ser amante.