TECTOS DE
LIBERDADE
Escolha
um número aleatório entre 1 e 141 inclusive.
Descubra o poema correspondente como uma mensagem
particular para o seu dia de hoje.
1 – Tectos de liberdade
Na liberdade o
verso principia,
Que donde vem
ninguém adivinhou.
Porém, mal
incarnada, a fantasia
A norma impõe às
asas de seu voo.
É sempre em nós,
portanto, que a ironia
De bom humor
constata o que sobrou
De todo este
sarcasmo que anuncia
A vida do que a
sátira matou.
Vai ser, porém, a
quadra popular
Que mais
condensará o estranho brilho
Dum espartilho
donde brota o mar,
De tal modo que,
as quadras em sarilho
Ondeando sejam,
sejam os sonetos,
Épicos se erguem
da jornada os tectos.
2 – Na liberdade o verso principia
Na liberdade o verso principia
Com um fado
De magia
Que ninguém há destinado.
É o sentido desta prenda
Que ninguém há desvelado
Que os olhos nos venda.
Ah! O inferno
De o procurar, eterno,
Por todo o lado!
E tudo fechado! E tudo fechado!
3 – Pobreza |
|
A solidão |
Mata mais que não ter pão. |
O abandono |
Escraviza mais que ter um dono. |
Não ser desejado |
No inferno mete qualquer pecado. |
Ser pobre não é triste, que tristeza |
É o desprezo: e é a pior pobreza! |
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4 – Preço |
|
Tempo e amor |
São as únicas verdades |
No mundo e na vida inteira |
Que teriam comprador |
Se na feira |
Das vaidades |
Preço houvera de tais nadas. |
Jamais podem ser compradas, |
Porém, as cimeiras realidades: |
Só gozadas! |
5 – Cuidadosas |
|
Manipule-as com mãos cuidadosas, |
Sejam trágicas, indiferentes ou cómicas, |
As palavras, que são mais poderosas |
Que bombas atómicas! |
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6 – Nascer |
|
Ao nascer, uma criança |
Prova a verdade: |
- Deus ainda não perdeu a esperança |
Na Humanidade! |
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7 – Livre |
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Um homem não é livre senão |
Quando sua liberdade |
A dos outros não invade, |
Quando doutros em opressão |
Se não baseia |
A bandeira que a brisa ondeia |
Na torre do bastião. |
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8 – Cultura |
|
A cultura é aquela via |
De aprender |
Aquilo que nem sabia sequer |
Que não sabia! |
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9 – Tirar |
|
Se te tirar algo alguém, |
Dá-lho de presente: |
- Assim já ninguém |
Roubado se sente. |
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O prejuízo |
Acabará com o ladrão, |
Se não tomar juízo |
A tender o próprio pão. |
|
Perdendo de vez a via, |
Um dia |
Perde a mão. |
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10 – Sono |
|
O campo desnudado, |
O bosque despido de folhas, |
A natureza no sono anual, |
Depois de ter atirado, |
Com as primeiras molhas, |
Toda a roupagem fora… |
Natureza nua e virginal |
Onde a Humanidade mora. |
|
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11 – Ódio |
|
Ódio, |
Batalha inútil: |
Torna fútil |
Qualquer bródio |
E, em contrapartida, |
Nenhum bem empresta à vida. |
Ódio, |
Aquela batalha |
Que, à partida, |
Irremediavelmente falha, |
De antemão perdida. |
Nada, nada remedeia |
A fé de quem odeia. |
E o pior é que o odiado |
Ficará sempre de lado, |
Invulnerável, de fora, |
Ao ódio que outrem devora. |
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12 – Materialismo |
|
Não odeias |
O materialismo espaventoso |
Do Natal? |
Pois. Mas não anseias |
Pelo gozo |
Das prendas que ele te vale? |
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13 – Lágrimas |
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As almas jamais teriam |
Arco-íris algum |
Se as lágrimas não cobriam |
Os olhos de cada um. |
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14 – Jovens |
|
Nem fúteis, |
Nem mortos-vivos, |
Porém com uma incapacidade: |
Estes jovens têm relações úteis, |
Encontros significativos, |
- Ignoram, porém, a lealdade. |
|
Ser fiel |
A um compromisso |
Arranha-lhes a pele… |
- Quem quer saber disso? |
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A contingência |
É a paga |
De quem, se a vida afaga, |
Jamais lhe frui a envolvência. |
|
Ao renegar o sonho por ilusório |
Tornam tudo provisório. |
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15 – Acode |
|
Pode quenquer |
Devir quem a si próprio acode. |
De como agir lhe pende o ser |
Que tiver. |
- Um talento fará o que pode; |
Um génio, o que tiver de fazer. |
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16 – Discussão |
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Discussão pela discussão, |
Só de fracassados. |
Quem bem cumpre uma função |
Não perde tempo em traslados. |
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17 – Desperdiçar |
|
Crês apreciar a vida |
Teu tempo ao desperdiçar? |
Só te pode tal medida |
Trazer desfeita: |
- O tempo é o teu lar, |
É dele que a vida é feita. |
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18 – Livre |
|
“Faz aquilo em tempo livre”, |
Dizem-me sem entender |
Que, mesmo se é de lazer, |
É o tempo em que me equilibre. |
|
Tempo livre |
Não existe. |
E Deus me livre |
Se algum ainde persiste |
Que na vida me resiste. |
|
É que então |
É a vida que insiste |
E eu que não |
Lhe encontro confim: |
|
- Seria o meu fim! |
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19 – Ameaça |
|
A ameaça pior |
À liberdade |
É a verdade |
Perder o valor. |
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20 – Arrogante |
|
O descrente |
Devém crédulo arrogante: |
Quanta gente |
Creu no fascismo e comunismo |
Para os levar por diante! |
O intelectualismo |
É a crença apaixonada |
Que nos conduz ao nada: |
É tão variável a verdade |
Quanto o bilhete de identidade. |
|
“Sigam o vosso sentimento. |
A quanto correcto parecer |
Dêem então provimento. |
Façam tal como aprouver!” |
- O relativismo |
Mede a fundura do abismo. |
|
O povo ignorante sabe-o, |
Ignora-o, porém, o sábio: |
A liberdade não cresce |
Onde o relativismo acontece. |
A liberdade é uma planta |
Que a verdade apenas janta, |
Se de mentiras a trato, |
Logo da vida a desato. |
|
A liberdade requer |
Famílias sãs e decentes |
Em que sem medo quenquer |
Ame e respeite os parentes. |
São laços de lealdade |
Em que empenham a verdade. |
|
Uma livre economia |
Requer sempre a iniciativa: |
Quem empreende é quem guia, |
Quem arrisca e a torna viva. |
É preciso estar disposto, |
Em nome doutro amanhã, |
A sacrificar o gosto |
Que hoje e aqui nos é proposto, |
Para que não seja vã |
A geração do futuro. |
É preciso ter visão, |
Descobrir o que inauguro: |
Cada dia é uma invenção. |
|
Pode uma comunidade |
Ser livre quando as pessoas |
Tudo mentem à vontade, |
Tidas, impunes, por boas? |
Como é que me encontrarei |
Se não conto com ninguém, |
Se todos zombam da lei? |
Como chego a ser alguém? |
|
Como pode a liberdade |
Sobreviver |
Onde, enquanto pão houver, |
O que quer toda a cidade |
É comer, à compita, |
Da reserva o que alimente, |
Cruamente |
Parasita? |
|
Dez milhões de cidadãos |
Com um polícia interior |
Dispensarão como vãos |
Os polícias verdadeiros. |
Se um país assim não for, |
Nem exércitos inteiros |
Chegarão para o compor. |
|
Uma só verdade |
Acaba por ser mais potente |
No presente |
Que os arsenais da humanidade. |
|
Nossa dignidade humana |
Emana a fidelidade |
À verdade em que se irmana |
Clara e plana a Humanidade. |
|
Uma democracia, |
Com todas as fracturas, |
É sempre melhor via, |
Para as criaturas, |
Para qualquer minoria, |
Do que quaisquer ditaduras. |
Nela, os governantes |
Prestam contas |
E, porque os apontas, |
Gozas liberdades constantes. |
|
Mercado livre é melhor |
Que o comunismo dos pobres: |
Sempre foi dele o esplendor |
Que estes preferiram |
Para lhes polir negros os cobres, |
Já que o talento |
Aqui viram |
Seu melhor investimento |
Derivar, |
Com a iniciativa a par… |
|
E por mais |
Que ao invés tenham escrito |
Os intelectuais, |
Tudo neles é desdito |
Dos pobres pelos sinais: |
Há século e meio |
Que tomam a direcção |
Quando emigram, sem receio, |
Da livre economia à região. |
O pobre procura |
Uma oportunidade |
Em que, inteiro, em liberdade, |
Do poder fora da usura, |
Se pode, enfim, sentir vivo: |
Quer é ser criativo. |
|
A livre sociedade |
Não dura uma eternidade, |
A tirania |
É nossa mais constante via. |
De vida curta, |
Em zonas pouco numerosas, |
Irás depor o ramo de murta |
No cadáver da que gozas |
Se não tiveres o cuidado |
Adequado. |
Da História na escuridão |
Passará como um cometa |
Que ardeu até à extinção |
E nunca atingiu a meta. |
Pulmão que precisa de ar, |
A liberdade, |
No meio do vendaval, |
Requer virtude e verdade |
Ou não pode respirar. |
Ou a norteia |
A moral, |
Ou breve é um monte de areia! |
|
|
21 – Arrabaldes |
|
O problema em que o porvir morreu |
E que faz no presente que te escaldes: |
- O mundo sou eu, |
Tudo o mais são arrabaldes! |
|
|
22 - Poliglota |
|
O poliglota |
Abre ao cosmopolitismo. |
A porta do nacionalismo, |
Fica assim mais patriota. |
|
|
23 – Palavra |
|
A palavra, |
Forja da fusão humana, |
Quando as línguas em nós lavra, |
Aos povos todos irmana: |
Em todos reconhecemos |
Pátrias iguais às que temos. |
|
|
24 – Reputação |
|
Muito frágil |
É a reputação |
Das nações: |
Um carro menos ágil, |
Alguns encontrões, |
E esvai-se no ar |
Toda uma secular |
Civilização! |
|
Sempre do estranho na descrença, |
Desde que o farol lhe não pertença. |
Para nós |
Que nela vamos, a questão |
É a imagem dos avós |
Que fica apenas com um vago senão. |
Só que já nos tolhe a voz, |
Tal é a nossa dependência, |
Em cada presença, desta ausência. |
|
|
25 – Altar |
|
Que importa tripudiar? |
Onde houver uma mulher |
Haverá sempre um altar |
Para um ritual qualquer. |
|
Que mais não seja, |
Uma superstição, um jogo, |
Dedos em cruz que se beija, |
Totoloto que se almeja |
Para ao sonho atear fogo. |
|
Não lhe importa |
O que o rito quer dizer, |
Que o que importa a uma mulher |
É ver como rega a horta |
Onde um renovo qualquer |
Qualquer dia bate à porta |
E ela quer vê-lo crescer. |
|
No rito |
Ela procura a bengala |
De apoio que vai levá-la |
Deste canto circunscrito |
Para as amplidões da sala |
De concertos do infinito. |
Tudo o mais nela não conta: |
- Conta o além que além desponta! |
|
|
26 – Bíblia |
|
Na Bíblia perpassam lendas, |
Fábulas, contos: vacuidade… |
- Foram, porém, as prendas |
Que deram encanto, esperança, energia |
Ao dia-a-dia |
De dois mil anos de humanidade. |
|
|
27 – Xisto |
|
Camadas de que me acamo |
Revelaste no meu xisto: |
- Amo, |
Logo existo! |
|
|
28 – Calendário |
|
No calendário do coração |
Quanto dura a eternidade? |
- Dura amor com tal paixão |
Que, de dentro do caixão, |
Te ressuscite à cidade! |
|
|
29 – Cabra |
|
O que se ganha |
Com livre tentar viver |
É ser cabra da montanha |
Que após a nocturna luta |
Contra o lobo que a disputa |
Sempre acaba por perder: |
Da madrugada ao clarão |
É do lobo a refeição. |
Resta-nos a ufania |
De combater o senão |
Toda a noite e todo o dia. |
|
|
30 – Cronometragem |
|
A vida é a imagem |
Do contratempo: |
- Mera cronometragem |
De tempo! |
|
Uma corrida |
Pegada |
Com partida |
Sem chegada. |
|
|
31 – Jantar |
|
A hora do jantar, |
A pedra de toque |
De quanto importávamos no lar, |
A vida puxando a reboque. |
|
Uns para os outros decisivos |
Nas boas e más ocasiões, |
No momento da paragem |
Éramos vivos |
Nas novidades e nos senões, |
Nos problemas e na viagem |
Que, revisto o dia, |
Para o seguinte ali se gizaria. |
|
Que é que nos aconteceu |
Que, distraídos, |
Tanta vida se nos perdeu |
Dos sentidos? |
|
|
32 – Morrões |
|
Se os pais ouvem conversar |
Problemas e situações, |
Logo os filhos, ao jantar, |
Êxitos e decepções |
Pretenderão partilhar. |
Das brasas destes morrões |
Se ateia o lume do lar. |
|
33 – História |
|
O mais importante |
Numa história |
É que abre caminho adiante, |
Rumo a inesperada glória. |
Ao unir-nos num amplexo |
De aventuras partilhadas, |
Germina um fruto complexo: |
- Às ideias abre estradas. |
|
|
34 – Infância |
|
Da terra da infância |
O maior gozo |
É que, quanto maior é a distância, |
Mais por dentro nela me entroso. |
|
Por mais que saia, |
É tal o afago |
Dos dedos de aia |
Que em mim perene a trago. |
|
Mais estranho ainda |
É que não chega a haver saída: |
Entre a ida e a vinda, |
Moro lá o resto da vida! |
|
|
35 – Coisas |
|
As coisas nunca se dão: |
Damos nelas os apelos, |
São linguagem do valor, |
São o projecto e a função. |
Dar-receber são os elos |
Que à vida emprestam calor: |
Desde o primeiro bocado |
De comida |
São o tecido entremeado |
Da vida. |
|
|
36 – Estrelado |
|
Quando vejo o céu estrelado |
Na altura, |
Sinto Deus aqui ao lado |
Abraçando-me a cintura. |
|
|
37 – Metro |
|
Por estranho que pareça, |
A felicidade |
Tem um metro que a meça: |
É um amor, é uma amizade. |
|
É o que escapa da ilusão: |
A felicidade dura |
Quanto durar a lonjura |
Do que tens no coração. |
|
|
38 – Nunca |
|
As coisas nunca são o que deviam ser. |
Ou serão?… |
- Não há maneira de aprender |
Que nós é que não! |
|
|
39 – Natural |
|
Quando da primeira vez |
Se entendeu da nossa origem |
Como natural se fez, |
Só desde então é que vigem, |
|
Dolorosas deste intento, |
As lesões do isolamento: |
- Não mais Deus, |
Apenas eu com os meus! |
|
|
40 – Barro |
|
Nosso maior valor |
É este: |
- Barro que pergunta ao moldador: |
“Que fizeste?” |
|
|
41 – Mutação |
|
Se me modifico |
E reproduzo a mutação, |
Evoluo, já não fico |
Agrilhoado à prisão. |
|
Não temos alternativa: |
Só pode continuar |
A jogar na vida viva |
Quem ganhar. |
|
Uma quebra na cadeia |
Das gerações |
E lá se finou a teia |
Das mutações. |
|
A evolução |
É a esperança |
Mais serena |
Que a mutação alcança |
Duma comutação |
De pena. |
|
|
42 – Adaptação |
|
Adaptação permanente, |
Final e sem mais |
Duma vida ao ambiente |
Não, não há jamais. |
|
Com o que almeja |
Não se iluda: |
É crucial que cada um veja |
Que, por mais lento que seja, |
Tudo muda. |
|
|
43 – Mó |
|
No céu |
Gira o mundo sua gris |
Redonda mó. |
|
Não sou eu |
Mas ele quem diz: |
Tudo é uma coisa só! |
|
|
44 – Cosmética |
|
Os novos tipos na evolução da vida, |
Quando isto não é cosmética, |
São pela natureza tão desencorajados |
Que isto nos invalida |
A questão ética: |
Devemos apostar em novos dados |
Que apontem adiante |
Quando a mudança é tão relutante? |
|
|
45 – Catecismos |
|
Por cada milhão de organismos |
Ferrenhos conservadores |
Há um, radical, que sofre as dores |
Do parto de novos catecismos. |
|
Destes, porém, |
Apenas um num milhão |
Vislumbra bem |
O que visa a novel confissão. |
|
A evolução da vida, |
Em seus inúmeros destinos vários, |
Caminha, afinal, pela avenida |
Destes ignotos revolucionários. |
|
|
46 – Fumo |
|
Quando o coração ruma a um rumo |
E a um outro, a cabeça, |
A maioria segue o fumo |
Onde o coração se aqueça. |
|
|
47 – Veneno |
|
Veneno das moléculas orgânicas, |
O oxigénio, com certeza, |
Envenenou as vidas oceânicas |
Ao cobrir a Terra de surpresa. |
|
A intromissão na atmosfera |
Despoletou de antanho a maior crise, |
Holocausto duma era |
Sem que mais vida se divise. |
|
Porém, do aluvião |
Deste holocausto |
Respirámos um breve hausto |
Que nos deu a mão. |
|
- E aqui estou, exausto, |
No chão! |
|
|
48 – Cura |
|
O que a vida apura |
E lhe os filões desata: |
- O que a um cura, |
A um outro mata. |
|
|
49 – Geológicas |
|
A vida jamais teve prudência |
Nem sabedoria. |
Muito antes da existência |
Da civilização, |
Já ela poluía |
Em escalas de tal imensidão |
Que por estas inépcias estultas |
Pagou inenarráveis multas. |
|
A história das eras geológicas |
É de hecatombes de proporções escatológicas. |
|
|
50 – Excepção |
|
Biliões de espécies de vida |
Vivida |
E já extinta: |
Como é de regra a extinção! |
Em sobreviver requinta |
Apenas alguma rara excepção. |
A vaga chama se ateia |
Em nós |
E ata e desata os nós |
Da intérmina, frágil cadeia. |
Até quando |
O teimoso desmando |
Escapará da teia? |
|
|
51 – Engrenagem |
|
Microrganismos, animais e vegetais, |
Eis as peças da engrenagem, |
Veio de transmissão e varais |
Da imensa máquina ecológica, |
Em perene viagem |
Escatológica, |
Desde o arrebol |
Da vida, |
Daqui para o Sol |
E do Sol descida. |
|
O que mais seduz |
Em quanto bole |
É que toda a carne é luz |
Materializada do Sol. |
|
|
52 – Nó |
|
A procriação apertou |
De novo o nó |
Que a morte nos desatou |
- E é só! |
|
|
53 – Silvestre |
|
Erva silvestre, |
Germinamos na Primavera. |
Túrgidos de verde e sem mestre, |
De nossos corações trepa a hera |
Abrindo pelo corpo algumas flores. |
Cumprido o fado, |
Mirrados de amores, |
Tombamos para o lado: |
Só viemos para dormir e sonhar… |
- Talvez um dia descubramos um lar! |
|
|
54 – Troca |
|
Há mil milhões de anos atrás |
Foi feito o acordo: |
Os prazeres do sexo terás, |
Mudando de bordo, |
Em troca da perda temporal |
Da imortalidade pessoal. |
|
Sexo e morte: |
Ninguém pode ter aquele |
Sem desta o corte |
Entalhado na pele. |
|
Durante três mil milhões de anos |
Todos tiveram um só progenitor |
Que desmultiplicou seus arcanos |
Por intérmina cissiparidade: |
À progénie garantiu quase o valor |
Da perene imortalidade. |
|
Das espécies o risco de extinção |
Então foi trocado |
Pela morte de cada geração |
Do sexo no traslado. |
|
E a vida assim continua |
Assente nos mortos que espalha na rua. |
|
|
55 - Inquisição |
|
A Santa Inquisição |
Disciplinou o velho Galileu |
Por defender que a Terra uma rotação |
Completa por dia sempre deu, |
Contra a velha teoria |
Que defendia |
Que quem o fazia era o céu. |
|
A Igreja Romana impunha a sina |
Do conformismo: |
Intimida, tortura, assassina, |
A todos amarrando ao catecismo. |
|
Giordano Bruno queimou vivo |
Por ter ideias, |
Recusar-se a deixá-las em arquivo, |
Jogá-las das ameias. |
|
Depois disto |
Herói e santo |
Não é quem consta do registo, |
É quem consegue aguentar tanto |
E continua a pisar o risco |
De saltar fora do aprisco. |
|
|
56 - Complemento |
|
Num homem, o pensamento |
Muitas vezes é a evidência |
Dum vago complemento |
Da consciência. |
|
|
57 – Rol |
|
Há três milhões de anos que nós |
À procura rabiamos |
Dos contras e dos prós |
Do que nem adivinhamos. |
|
Restam cinco mil milhões |
De potencial sobrevivência |
A ver se as ocasiões |
Nos bastarão à sapiência. |
|
Antes que o Sol |
Se acabe |
E com ele o rol |
De hipóteses que nos cabe. |
|
|
58 – Combate |
|
Um combate mortal, |
Garra a garra, esporão a esporão, |
Sai caro a todos em geral, |
Ao vencedor, ao vencido |
E do grupo à coesão. |
Mais bem conseguido |
É dispersar uma invasão |
Com logros e com negaças, |
Violência em pantomina |
A abater sobre um intruso, |
Representando ameaças. |
Se o infractor se domina |
E acaba o abuso, |
Prevenido pelo aviso |
Razoável e discreto, |
Ganhar juízo, |
Cumpre o decreto. |
|
É de longe a comédia da repressão |
A forma |
Com a qual, para arrumar uma questão, |
O planeta Terra se conforma. |
|
Violência verdadeira |
Só mesmo na extremidade: |
A agressão é a derradeira |
Possibilidade. |
|
O mundo é esperto: |
Antes do último recurso, a solução |
Que escolhe para a tensão |
Fica algures lá por perto. |
|
E nós, os homens, com a Terra |
Andamos, lentos, a aprender, |
Em vez da guerra, |
A ser. |
|
|
59 – Automatismo |
|
Estratégia de sobrevivência, |
A agressividade |
Vale o que vale a premência |
Da necessidade. |
|
Coexiste com a compaixão, |
O altruísmo, o heroísmo, |
O amor terno de emoção, |
- De sobrevivência novo automatismo. |
|
Eliminar de vez |
Deles um qualquer, |
Além de estupidez |
Ninguém o logra sequer. |
|
O que importa é o nível |
De ambos equilibrar, |
Nem mais nem menos, o exigível |
Para a espécie vingar. |
|
Nós somos o produto |
Da mistura turbulenta: |
Permanece eterno o conduto |
Que a tensão de opostos |
Alimenta |
Em nossos rostos. |
|
|
60 – Vozes |
|
Dentro de nós falam |
Inúmeras vozes antigas. |
Algumas calam, |
Que já não servem às brigas. |
Outras, ao invés, se amplificam |
Quando com elas se alcança |
Um fim onde se autenticam. |
- E aqui mora a nossa esperança. |
|
|
61 – Combate |
|
O mais sublime |
Acto de guerra |
Não oprime |
Nem aterra. |
|
Oferta um abrigo |
Contra o dislate: |
- Domina o inimigo |
Sem combate! |
|
|
62 – Ancestrais |
|
Quanto menor for |
A agressividade |
Maior a possibilidade |
De compor e dispor |
Duma comunidade. |
|
Quanto mais a infância for |
Prolongada |
Mais pode o progenitor |
Ensinar à cria gerada. |
|
Grupos de apoio, alianças, |
Reconciliações, |
Tranquilizadoras danças, |
Perdões, |
A rememorar passados, |
A planificar futuros, |
- Nossos remotos antepassados |
Vieram caminhando, inseguros, |
Pelas ancestrais matas |
Até deles gerarem os primatas |
Donde tardiamente |
Se nos amadurou a semente. |
|
E até nós nos trouxe ela |
Isto que de nós, afinal, |
Não é nem sinal |
Nem distintivo: |
Toda aquela |
Fóssil sequela |
Que em nós é material vivo. |
|
|
63 – Programado |
|
Expressões faciais, do corpo a postura |
Têm nos primatas um significado |
Geneticamente pré-programado. |
Não são |
A fruta madura |
Da social convenção: |
Esta é um mero bocado |
De decoração |
No barro há muito modelado. |
|
|
64 – Testosterona |
|
A agressividade, |
A dominância, |
A territorialidade, |
A sexual ganância |
Dos primatas controladas |
São pela testosterona, |
Dos testículos hormona |
Que nos traça as caminhadas. |
|
Onde fica |
A margem da liberdade |
Quando tudo assim lhe invade |
O átrio donde pontifica? |
|
|
65 – Tema |
|
Só poderemos resolver |
O nosso problema |
Se soubermos que ser |
Em nós se tema |
E aquele, embora qualquer, |
Com que se atrema.. |
|
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66 – Sobrevivência |
|
Se a inteligência |
É a nossa única adaga cortante |
Importa aguçá-la para diante, |
Torná-la sobrevivência. |
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67 – Gato |
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Um gato perdido |
Atravessa a ribalta |
E pára surpreendido |
Ao ver os mil olhos |
Da escura plateia. |
Um segundo de alta |
E escapule-se para os folhos |
Dos bastidores, livre da alcateia. |
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Actor é quem o gato domina |
Em seu imo, |
Enfrenta da plateia a sina |
E trepa do terror ao solitário cimo. |
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68 – Segredo |
|
O verdadeiro segredo |
Da despedida |
É o coração perder o medo |
E falar a vida. |
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69 – Buraco |
|
Não houve início no início, |
No porvir não há porvir: |
Dum buraco negro indício, |
Do cosmos universal |
Somos o buraco a ir, |
Tudo e nada por igual. |
|
Universo em expansão, |
Tudo somado |
Não passamos dum balão |
Que, qualquer dia furado, |
Cai ao chão. |
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70 – Mistério |
|
Na religião, o iniciado |
A entregar-se à fé |
Há-de ser encorajado: |
Mantém-se o mistério tal qual é. |
|
O cientista é educado |
A perguntar sempre como, |
A penetrar no intocado: |
Lê-nos do mistério o tomo. |
|
O cientista |
De hoje é aquele que concito |
Como o extremo optimista |
Que me oferta o infinito. |
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71 – Rastros |
|
Em nossa Galáxia o número de astros |
É de mais de cem biliões. |
No Universo observável deles os rastros |
São de mais de cem quadriliões. |
|
Todos contidos |
De galáxias em mais dum bilião |
Em tudo à nossa semelhantes. |
|
- E nós para aqui a discutir sentidos |
Deste senão |
Que somos por
uns vagos instantes! |
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72 – Cosmo |
|
Cada qual pode viver |
Sem do Cosmo à imensidade |
Atender |
Nem ao colapso que a invade. |
|
A satisfação obtida |
Pelo facto de estar vivo |
É de meu gosto a medida |
De ser cativo. |
|
Posso viver e morrer, |
Tranquilo no aconchego, |
Sem olhos ao céu erguer, |
Do lar no doce refego. |
|
Não serei cego, não: |
Apenas, desde o início |
Me seguro no desvão |
Do precipício. |
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73 – Contorno |
|
O Homem perfaz o contorno |
Do Universo. |
Com isto, a si próprio, no reverso, |
Opera o retorno. |
|
O trabalho oferta ao Homem |
O instrumento |
Que abre os caminhos que lhe somem |
Conhecimento. |
|
A bomba de tirar água |
Com razão |
Trago-a |
A mostrar-me o coração. |
|
Um computador |
Deveras |
Explica melhor |
Do encéfalo a mecânica e as quimeras. |
|
Os meios de comunicação |
Prolongam-nos o gesto e a voz. |
- As técnicas são |
O espelho cuja imagem somos nós. |
|
|
74 – Viver |
|
Nem sequer |
Perguntes o que é melhor: |
- Viver |
É morrer de amor! |
|
|
75 – Façanha |
|
Ninguém protagoniza uma façanha |
Para morrer. |
Só quando uma aventura for tamanha |
Se começa a viver. |
|
E, quando a vida inteira chega ao fim |
Com a heroicidade maior, |
Aí, sim, |
É que principio da vida a ser senhor. |
|
Morrer?! Morrer?! |
- Sabeis lá o que é ser! |
|
|
76 – Crimes |
|
Ninguém conhece Jesus, |
Apenas os crimes perpetrados em seu nome. |
Martirizados em nome da Cruz, |
Crentes e descrentes apenas temos fome. |
|
Calcamos a Cruz aos pés |
Ao adorá-a como ao rejeitá-la: |
Massacrados pela hóstia, no revés |
Tratámos todos dela à bala. |
|
Consciente ou inconscientemente, |
O crente ao descrente |
Em absoluto se iguala: |
|
- No fundo, |
Alguém sabe lá o que é um outro mundo! |
|
|
77 – Primeira |
|
A primeira casa, |
A primeira criança, |
A primeira sepultura: |
- Eis o bater de asa |
Que a terra nos entrança |
E connosco a configura. |
|
Não se impõe nem se aprende: |
É o laço |
Cujo abraço |
Ao chão nos prende. |
|
|
78 – Montanhas |
|
Os montes estendem braços |
Cheios de ternura, |
As montanhas dão abraços |
Cujos traços |
Têm o amor e a brandura |
Da mulher enlanguescida. |
Que lenta e funda que é a vida! |
|
|
79 – Instrução |
|
A instrução |
Traz a luz, |
Não a educação: |
O bem e o mal |
Por igual |
Reproduz. |
|
Nalguns casos, portanto, |
Quanto mais a luz aumenta |
Mais o mal, entretanto, |
Se incrementa. |
|
|
80 - Condenado |
|
Um condenado da prisão |
Sempre um dia sai. |
Porém, da condenação, |
Não, |
Quando na sociedade cai. |
|
|
81 – Folha |
|
A vida é uma folha breve |
Que qualquer brisa revira. |
Enquanto delira, |
É um ar que a leve! |
|
|
82 – Grito |
|
Grande é o mar omnipotente, |
O céu, porém, é infinito. |
Mas o que me acalma |
Definitivamente |
O grito |
É o íntimo da alma. |
|
|
83 – Vielas |
|
Arrastamos as grevas |
Pelas vielas |
A transbordar de trevas |
Sob o céu cheio de estrelas. |
|
|
84 – Fadas |
|
As águas-furtadas |
Colora-as a ventura |
De palácio de fadas. |
Na desventura |
Um palácio qualquer |
Devém casebre de esmoler. |
|
|
85 – Passado |
|
Respeitamos o passado, |
Poupamo-lo por inteiro |
Se ele for em todo o lado |
Passageiro. |
|
Se quer ser cadáver vivo, |
Cuidado, |
Só trancado num arquivo |
Não nos apodrece o fado! |
|
A eterna fatalidade |
No combate dos miasmas |
Da Humanidade |
É matar de vez fantasmas. |
|
Como pela garganta |
Agarrar |
A sombra que nos espanta |
E anda a par? |
86 – Falcão |
|
Somos o falcão planando o voo, |
À espera de que nada descalabre, |
Suspenso entre o mundo que fechou |
E o céu que não abre. |
|
|
87 – Pasmo |
|
O pasmo duma vida que chega ao termo |
Sem nunca haver principiado! |
O Homem é um ermo |
De sonhos rodeado! |
|
|
88 – Trevas |
|
Arrastar aos trambolhões o carro |
Em lugar de o conduzir |
É, nas trevas que me amarro, |
Luz demais a luzir. |
|
Sectário |
Buscar um porto de abrigo |
É ter tanto ideário |
Que dele me torno inimigo. |
|
Ser tanto a favor |
Nos desencontra: |
A mais o fervor |
Uns aos outros nos porá contra. |
|
|
89 – Sonho |
|
Não há nada como a fé |
Para criar o sonho |
E nada como o sonho para pôr de pé |
O porvir que me proponho. |
|
Não foge |
A utopia |
De hoje: |
Em carne e osso |
Por minha mão principia |
Em tudo aquilo que posso. |
|
Então, amanhã |
Será o alvor. |
E eu terei sido o vago palor |
Que adivinhou a manhã. |
|
|
90 – Falta |
|
O que nos falta nos atrai: |
A luz é para onde o cego vai, |
O anão olha o gigante |
Como o sonho que lhe mora diante. |
O sapo anda sempre de olhos no ar |
Sem ver a rua: |
- Continua porventura a se esbarrar |
Mas já atingiu a Lua! |
|
|
91 – Glória |
|
De que importa uma vitória |
Se mesquinho for vencer? |
- Glória, verdadeira glória |
É convencer. |
|
|
92 – Indigência |
|
A miséria que é madrasta |
Algumas vezes é mãe |
De naturezas firmes, de casta, |
Em que a indigência convém |
À grandeza de alma. |
A pobreza lhes alimenta |
A altivez serena e calma. |
Do infortúnio no leite |
Se dessedenta |
O magnânimo, quantas vezes, |
Em conformado aceite |
E gestos corteses! |
|
|
93 – Evidência |
|
Há uma evidência |
Que não encontra lugar |
No atoleiro: |
O milionário da inteligência |
Bem pode lastimar |
Os milionários do dinheiro! |
|
|
94 – Resto |
|
Trabalhar o indispensável na produção material |
E o mais possível no impalpável de seu fito: |
- Algumas horas à vida real |
E o resto ao infinito! |
|
|
95 – Acaso |
|
Alguém por acaso nos revela, |
Sem querer, o caminho para além: |
Alguém que traz uma vela |
E acaba vela sem ser mais alguém. |
|
|
96 – Velhice |
|
À velhice acalenta |
O sol e a ternura. |
A mocidade afável alimenta |
O ancião |
Como, ao sol, da brisa a brandura |
Lhe dá o sabor do chão. |
|
|
97 – Absorto |
|
Quem vive absorto |
Na ciência ou na mania |
Para a vida vive morto |
Quanto vive em fantasia. |
|
Devagar |
Recua, forçado à vida, |
Enquanto, sem por tal dar, |
Ela nele é exaurida. |
|
Em sonho, voa |
Na amplidão; |
Na realidade, esboroa, |
Fatal, o chão. |
|
|
98 – Ruínas |
|
Um avô requer um jovem |
Em casa a toda a hora: |
- Às ruínas sempre as comovem |
Os raios da aurora. |
|
|
99 – Lenço |
|
Quando amada, à bela |
Não a penso: |
Sinto a alma dela |
Dela até num lenço! |
|
|
100 – Treva |
|
Na mais profunda treva |
Há uma luz latente |
Cativa. |
O vulcão escuro leva |
Lava como presa viva |
A libertar brevemente. |
|
É deste estranho coma |
Que em vida me inundo: |
As catacumbas de Roma |
São caboucos do mundo. |
|
|
101 – Utopias |
|
Caminham as utopias |
Por subterrâneos canais |
Ramificando-se as vias |
Onde quer que haja sinais, |
Confraternizam |
E se encontram, |
Deslizam, |
Se desencontram… |
|
E, depois de inundarem as fundações, |
Burilando gradualmente as arestas, |
Por entre as contradições, |
- Rebentam em campos e florestas! |
|
|
102 – Violento |
|
Derruba um facto o direito? |
Não é coisa que lamento. |
O direito triunfa cortando a eito |
Sem precisar de ser violento. |
Violento é o facto |
Que contra a justiça arme seu pacto. |
|
|
103 – Duelo |
|
Direito e facto em duelo |
Andam desde a eternidade. |
Removê-lo |
É gerar a realidade |
Que amalgama a ideia pura |
Com a incongruência humana: |
A perfeita mistura |
Que um homem-deus emana. |
|
|
104 – Abismo |
|
Se o pensamento é o labor, |
A abstracção é o erotismo. |
Trocar um noutro é pior |
Que ter por festa um abismo. |
|
Não é pequeno |
Tormento: |
Tomar um veneno |
Por alimento. |
|
Quando bastaria preservar |
A cada qual seu lugar. |
Aí, a romaria |
Acontecia. |
|
|
105 – Arde |
|
Nas trevas do coração |
Arde a lembrança do ente amado ausente, |
À solidão |
A chama dum poente. |
E quanto mais desaparece |
Mais resplandece. |
106 – Ladrão |
|
Um ladrão |
É o avesso dum artista. |
Não o impede a prisão |
De que em novo crime invista, |
Tal dum quadro a exposição |
Não leva a que resista |
À inspiração, |
Simultaneamente, |
A tinta |
Que novo quadro represente. |
|
E o pintor o pinta. |
|
|
107 – Aves |
|
Por mais que as dores me doam |
Uma suspeita superna |
Me cala o grito: |
- As aves voam |
Trazendo à perna |
O fio do infinito! |
|
|
108 – Germes |
|
Dois germes por inteiro vão compor |
Da mulher a vida em cada lar: |
O desejo de agradar |
E o amor. |
|
|
109 – Luzeiro |
|
Deus habita em tudo e tudo o oculta. |
Negro é o Universo, opaca a criatura. |
Porém, a vista inculta |
Um luzeiro vago apura: |
Amar um ente |
É torná-lo transparente, |
Uma lente de tal aumento |
Que vislumbro para além do firmamento. |
Ouço longínquo um surdo grito: |
O eco do infinito! |
|
|
110 – Mito |
|
Ao porvir é pertinente |
Muito mais o coração |
Do que a mente: |
Amar enche a amplidão |
Da eternidade |
E o infinito |
Tem do amor a qualidade |
De fonte inesgotável de meu mito. |
|
|
111 – Masmorra |
|
O que intriga na meta adiante |
É que a vida morra: |
A terra é semelhante |
A uma masmorra. |
|
|
112 – Fogo |
|
Ao aprender a ler |
Alumias-te a fogo |
Com a sílaba que, soletrada, |
Cintila logo. |
E vais sofrer |
Com a luz gerada |
Quando em demasia: |
Então queima, não alumia |
E o lume cresta-te as asas. |
Conseguir voar para além do vestígio |
Das brasas, |
Eis o nosso prodígio. |
|
|
113 – Forçado |
|
A gíria é o verbo com pecado, |
De grilhetas nos pés. |
Gíria é o verbo condenado |
Às galés, |
A gíria é um forçado. |
|
|
114 – Trigo |
|
A verdade é nutritiva, |
O saber é um grão de trigo. |
Para que uma razão viva |
O jejum é um inimigo, |
Se é de saber, que emagrece. |
Pior que um corpo agonizante |
Porque lhe falece |
O pão, |
É o imo a morrer perante |
A agonia de clarão. |
|
|
115 – Murmúrios |
|
Murmúrios de dois amantes, |
A melodia por dentro… |
Quando fora a reimplantes, |
Aquilo em que aqui me adentro |
É uma sombra: |
Criancices, ninharias, |
Futilidades na alfombra… |
São tais ridicularias, |
Quando eco do som oculto, |
O fundo fundo do mundo: |
O único culto |
Fecundo. |
|
|
116 – Mulher |
|
A mulher é singeleza, |
Transparência, ingenuidade, |
Muito mais do que a beleza |
É candura, |
Fulgor da singularidade, |
Alvor de toda a ternura. |
Primavera de abril |
Em alvorada, |
Tem olhos de orvalhos mil, |
Luz de aurora condensada. |
|
A vida, toda e qualquer, |
Tem a forma de mulher. |
|
|
117 – Céu |
|
A doçura e a profundeza |
É o que a mulher tem de seu: |
- É a surpresa |
Do céu! |
|
|
118 – Visão |
|
Apura o amor |
Um estranho modo de visão: |
Fechar os olhos é a melhor |
Maneira de ver o coração. |
|
|
119 – Velas |
|
Quem despregou as estrelas |
Neste jeito de quem reza |
Para as pôr à minha mesa |
Como velas? |
|
|
120 – Perigos |
|
Os grandes perigos |
Têm um condão: |
- Fazem dar a mão |
Aos inimigos. |
|
|
121 – Archote |
|
Archote açoitado pelo vento |
Lucila de medo, |
Pensamento |
Perdendo o credo. |
Se ao vento assim ardes |
Queimas teu leme: |
- A prudência dos cobardes |
Alumia mal porque treme. |
|
|
122 – Incêndios |
|
Assim como há incêndios que alumiam |
Uma cidade inteira, |
Revoluções há que esclareceriam |
Do Homem o segredo e a maneira. |
O problema é nunca estar na nossa mão |
Saber quais são. |
E o mais atroz |
É que, sempre que acreditámos que sim, |
Perdemo-nos de nós, |
- Perdi-me de mim! |
|
|
123 – Sopro |
|
A palavra é um sopro de evidências |
Nas frondes sob que te acolhas. |
O rumorejar de inteligências |
É um rumorejar de folhas. |
|
|
124 – Sorriso |
|
A juventude |
É o sorriso do porvir |
Perante um desconhecido |
Que, amante distante, ilude. |
Felicidade ainda a fremir, |
Respira esperança. |
Olvido |
É o que por fim, adulta, alcança. |
- Nela, porém, bebemos, quotidiano, o sentido! |
|
|
125 – Primavera |
|
A Primavera |
É um paraíso |
Provisório. |
O sol é que nos recupera |
A ciência, |
O siso |
De ter paciência, |
Até que um dia nada mais seja ilusório. |
|
|
126 – Ignora |
|
Quem a verdade ignora |
É quem apenas rir daquilo que é: |
- Quem não chora |
Não vê! |
|
|
|
127 – Esfinges |
|
Quando os sonhos nunca finges |
Para um porvir que é medonho, |
São as revoluções esfinges |
Olhando obscuras a estrada |
E crês-te presa dum sonho |
No meio da barricada. |
|
|
128 – Viageiro |
|
É progredir a maneira |
De ser homem. |
A Humanidade é viageira, |
Com recantos de passagem |
Onde as forças retomem |
Os cansados da viagem. |
E de noite, quando dorme, |
Ainda às apalpadelas, |
Por via talvez informe, |
Procura o novo sentido |
Por que passem as vielas |
Do progresso adormecido. |
|
|
129 – Poesia |
|
Um povo progride através da poesia: |
A dose de civilização |
Medi-la-ia |
O metro da imaginação. |
Não pelo gozo |
Que revista, |
Nem pela execução do virtuoso, |
Mas por ser artista. |
O gesto de arte |
Redime: |
Convida-nos a tomar parte |
Do sublime. |
|
|
130 – Dedicação |
|
Quem apostar no coração |
Veja o que fora lhe esquece: |
O nome da dedicação |
É o desinteresse. |
|
|
131 – Microscópio |
|
A filosofia é um tormento, |
Quer ver tudo mas é cega, |
Verruma a quanto se apega, |
Microscópio do pensamento. |
Ainda por cima tem peçonha: |
Quando em mim entro, |
Dispo o lado de dentro, |
O da nossa vergonha! |
132 – Infortúnio |
|
O infortúnio dilata quanto esmaga |
As almas |
E o trigo do joio peneira. |
Quando a luz se apaga, |
Os olhos encegueira |
Mas as pupilas dilatam-se, calmas. |
No fim, quando tudo a escuridão traduz, |
Só vemos a luz! |
|
|
133 – Voga |
|
Pascem os tempos e repascem, |
O juiz, porém, veste sempre igual toga. |
As modas renascem, |
As antigualhas de novo entram em voga: |
As jovens de minha velhice |
Trajam de velhas de minha meninice. |
|
|
134 – Véus |
|
Quem é feliz não ama as trevas, |
Não se encobre em véus escuros. |
Noites, sim, venham às levas, |
Que os sentimentos mais puros |
Delas recolhem estrelas |
Com o luar que houver nelas. |
Depois, quando nada bole, |
Acendem por sobre o mundo |
O Sol |
E tudo em redor é fecundo. |
|
|
135 – Custa |
|
A vida é justa |
Para quem lhe deu sentido: |
- Morrer não custa, |
Custa é nada ter vivido! |
|
|
136 – Fama |
|
Muito há quem pela fama, |
Julgando-a vida ociosa, |
Clama. |
Quando ela chega, há momentos |
Em que da fama se goza |
E o mais são mil e um tormentos. |
Quem quer ser rico e famoso, |
Primeiro enrique, |
Depois então verifique: |
Isto lhe basta de gozo. |
A fama |
É como a língua de fogo: |
Atrai-nos a luz da chama |
E depois queima-nos logo. |
137 – Perfume |
|
Dizem que um perfume |
É essência, |
Não é um ser nem acidente. |
Porém, o que ali assume, |
Na aparência, |
É que nos mente. |
|
Um perfume é uma mulher: |
És tu no que para além |
Apontas que há também, |
Onde eu nem sequer |
Sabia |
Que um mundo ignoto existia. |
|
Parabéns e obrigado, |
Mulher, |
Por me apontares esse outro lado |
Que um homem tanto quer |
E, de tão desejado, |
Tanto se arrisca a perder. |
|
Tu em mim és o perfume |
Que o mais da vida resume. |
|
|
138 – Correia |
|
Um homem honesto |
Despreza a religião |
Quando nos atemoriza com o manifesto |
Da morte na mão. |
|
E mais ainda quando ela invalida |
A única correia |
Que a prende a quem odeia: |
- A vida. |
|
|
139 – Flecha |
|
Como a flecha o corpo fura, |
Furam palavras as almas, |
Quando abertas as depura, |
Arguta, a dissimulação. |
Chega a bater-lhes palmas, |
Vencido, o coração. |
|
|
140 – Chamas |
|
Quando as chamas não ateia, |
O amor prospera |
Na espera. |
Então é que se incendeia! |
|
|
141 – Perfeição |
|
A perfeição do amor, ao lado |
De ser constante, |
Ainda mais que ser amado, |
É ser amante. |