Escolha
um número aleatório entre 391 e 491 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem aprticular para o seu dia de hoje.
391 – A norma impõe às
asas de seu voo
A norma impõe às asas de seu voo
A liberdade assim condicionada.
Tal caminheiro temeroso a estrada
Tomo, segura, a garantir que vou.
Então aquilo que sou
Contradita declarada
Será do que na jogada
É o ponto onde começou.
Vou ser então aquilo que não dou,
De mim em falta sempre até ao fim.
Como esperar jamais, se o que findou
Era afinal a escada para mim?
392 – Raças |
|
Viver no mundo actual |
Contra a igualdade das raças |
É no Alasca erguer sinal |
Contra a neve a que te abraças: |
|
Se da neve me desfaço |
De mim não resta mais traço. |
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393 – Como |
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O livro alimenta |
Como o leite ensina: |
O que o livro inventa |
O leite o germina. |
|
Desde o berço à escola |
Marcham combinados, |
Tal se desenrola |
Nossa vida aos dados. |
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394 – Rapidez |
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É já tanta a rapidez |
Que meus pais não são meus pais, |
Nem meus avós, meus avós: |
Coexistimos talvez |
Nos espaços siderais, |
Mas no tempo estamos sós. |
|
Andamos nas mesmas ruas, |
Dormimos sob igual tecto |
Mas nossas memórias nuas |
Vivem o encanto secreto |
|
Que há nas estrelas cadentes: |
- Com roteiros tão comuns, |
Moramos como nenhuns |
Em planetas diferentes! |
395 – Realidade |
|
A realidade não é |
Aquilo que imaginamos: |
As coisas grandes e nobres |
Em que pomos maior fé, |
Se as razões delas olhamos, |
São das mais banais e pobres. |
|
São fruto do compromisso |
Entre um míope egoísta |
E a boa sorte imprevista |
Que à História acende o chamiço. |
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396 – Partilha |
|
A partilha do trabalho |
Para emprego garantir |
Troca as cartas do baralho, |
Nada muda ao repartir. |
|
É que, se não há retoma, |
Morre a economia ali: |
Querem tratar do sintoma, |
Não tratam do mal em si |
|
Do labor manter o posto |
Não vai diminuir os custos, |
Do novo não cria o gosto… |
- Somos, ao fim, mais injustos! |
|
Crescimento sustentado |
São empresas a expandir-se, |
Não a encolher cada lado, |
Novos frutos a exibir-se |
Dando lucros por contado. |
|
Novos campos para agir, |
Novos bens, novos serviços |
É trabalho garantir, |
Em vez de encobrir sumiços |
Ao que deixou de existir |
|
Recuperar da injustiça |
E curar de vez a dor |
É estimular para a liça |
Quem for empreendedor, |
Matar de vez a preguiça. |
|
Urge evitar a miséria |
Que humilha e nos mata em vida. |
Mas a pobreza quer féria, |
Aguça o engenho e convida |
À luta. Ao invés, pretere-a |
|
A segurança, a fartura… |
O meio termo intermédio |
É o que melhor nos augura: |
Nem os excessos do nédio, |
Nem as pelancas da usura. |
|
Vamos garantir as custas |
De sobreviver a custo. |
Do mercado então nas justas, |
Com o suor mais adusto, |
Virão as prendas augustas |
|
Com que a vida se melhora |
De todos e cada um, |
A caminho desde agora |
Sem desperdício nenhum. |
Vamo-nos daqui embora |
|
Rumo às veredas de além |
Que é o amanhã que convém! |
|
|
397 – Recompensas |
|
As recompensas da vida |
Advêm do capital: |
Do financeiro ou humano. |
Herdado, aquele invalida |
Os trilhos do bem e mal. |
Este, porém, de ano em ano, |
Pode apurar seu escorço |
Com o treino e com o esforço. |
O falhado, a vida inteira |
Ignorará, comezinho, |
Ser esta a trilha primeira |
Que o leva ao outro caminho. |
|
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398 – Patrão |
|
Se algum dia for patrão, |
Nunca trabalho mais tente |
Que o que pode ter à mão |
Quem for o seu assistente. |
|
Ele é quem goza da fama |
De à tarefa andar afeito: |
Mais labor por seu reclama, |
Vai auferir mais proveito. |
|
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399 – Imediato |
|
Quando tens algo a fazer, |
Fá-lo logo de imediato, |
Que não há tempo a perder |
Ao preparar para o acto. |
|
Quem gasta em preparativos |
O tempo de começar |
Não lhe sobra nos arquivos |
Nenhum mais com que avançar. |
|
Da espera neste compasso |
Perdeu mais que o próprio passo: |
- Perde de vez o lugar! |
|
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400 – Galho |
|
Para evitar atrapalho |
Convém que cada qual herde |
Tempo e modo de seu galho. |
Um perfeccionista perde |
Como o que adia o trabalho. |
|
Dentro dum prazo previsto |
Um projecto é o que melhor |
Cada qual se pode impor |
E que a tempo leva o visto. |
|
Nunca será de somenos |
Este equilíbrio entre os mais: |
Perfeição nunca de menos |
E tempo nunca demais. |
|
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401 – Aventura |
|
Os fardos, a papelada, |
O mesmo sempre à mistura? |
- Abre do espírito a entrada |
Com vislumbres de aventura. |
|
Não vejas filas de contas, |
Números à desfilada, |
Vê nisto férias que apontas, |
Vê teus clarins de alvorada. |
Se por trás de cada linha |
Descobres sonho a caminho, |
Cada dia te adivinha, |
Generoso, o melhor vinho |
E aos festejos te encaminha |
Com oiros de teu cadinho. |
Em vez de fanar de tédio, |
Teu tempo é pejado e nédio. |
|
|
402 – Presente |
|
Fica sempre enternecido |
Quem oferece um presente: |
De costas pega o bandido |
Do egoísmo que alimente, |
Abre um pequeno postigo |
Na avareza natural |
A que, animal, pede abrigo, |
Por onde então cada qual |
Solta em onda que o invade, |
Livre, a generosidade. |
|
|
403 – Cordeiro |
|
Não deve um homem mostrar |
Ao lobo seu semelhante |
Mais que o jeito de reinar: |
Todo o seu poder pensante. |
|
Ao cordeiro, porém, |
Importa que empreste |
O coração que tem |
- Ou dele o que reste! |
|
|
404 – Caravana |
|
Toda a gente aqui se irmana |
Neste planeta, ao formar |
Uma imensa caravana |
Rumando a nehum lugar. |
|
Todos nesta caminhada |
Marchamos confusamente, |
Peregrinação demente, |
Incansável, rumo ao nada. |
|
Cerca-nos a natureza |
Inconsciente, impassível, |
Que não nos vê com certeza, |
Não entende a nenhum nível |
|
E, portanto, não podemos |
Dela aguardar nem socorro, |
Lenitivo ao que sofremos, |
Nem cura a quanto aqui morro. |
|
Só nos resta dirigir, |
Na rajada que nos leva, |
Nossa mão a quem cair, |
Antes que o apague a treva. |
|
É na partilha do pão, |
No manto que se comparte |
No braço que ergue do chão |
Que a alegria toma parte. |
|
É por esta simpatia |
Que, a não haver mais verdade, |
Dignos cumprimos o dia |
Quando a noite nos invade. |
|
Nesta escura debandada |
Todos correm para a morte. |
A beleza da jornada |
É desafiar a sorte: |
|
Quem sabe se nalgum dia, |
Quando menos se aguardar, |
Outro rumo principia, |
Rompemos noutro lugar? |
|
|
405 – Cantar |
|
O trabalho principia. |
Parece que em Portugal |
É mais uma fantasia, |
É mais a festa que o guia |
Do que o produto final. |
|
Alegria interminável |
Numa alquimia sem par, |
Por mais inimaginável, |
- O labor nos é agradável: |
O povo fá-lo a cantar! |
|
|
406 – Batalha |
|
Não batalhes na batalha, |
Que, quando penetras nela, |
Não te escapas à metralha |
|
Com que teu lado atropela |
A justeza das razões |
Que o inimigo revela. |
|
Nele só verás senões |
E nos teus, só maravilhas. |
A decência que te impões |
|
Morre afogada nas ilhas |
Que a tempestade combate |
Quebrando-te tuas quilhas. |
|
A meio deste dislate, |
Como ver num inimigo |
A justiça que eu maltrate, |
|
Que obrigo a correr perigo? |
Antes que a vida as mãos te ate |
Descobre nele um amigo. |
|
|
407 – Lareira |
|
Ao borralho da lareira |
Converso chamas e lume |
E o calor, à minha beira, |
|
Da resina no perfume |
Com os pinhais nos irmana, |
Todos num só nos resume. |
|
Até que o sono dimana |
A piscar olhos mortiços, |
Pardos, da braseira plana, |
|
Com os morrões dos chamiços |
A tombarem, num bocejo, |
Sobre os carvões quebradiços. |
|
E na modorra me vejo |
Com os demais a sonhar, |
Breve cinza em vago arquejo, |
|
Todos fundidos no lar: |
Ao fim somos nós, no ensejo, |
O brasido a lucilar. |
|
|
408 – Frio |
|
No mais frio Fevereiro, |
Como num frio qualquer, |
Por mais que seja polar, |
O que o mundo tem primeiro |
A que melhor se agarrar |
Não será o fogo acender: |
- Como em qualquer fuga aos ermos, |
Um ao outro é nos prendermos! |
|
|
409 – Pessoas |
|
Há pessoas em que a ira |
Se grava em pedra, em granito: |
O tempo gira que gira |
E o rancor não trava o grito. |
|
Há também quem é de areia: |
Fácil a raiva o desenha; |
Vem a onda e se passeia |
A apagar-lhe toda a sanha. |
|
Há quem seja água corrente, |
Nada escreve lá o rancor, |
Todo o mal dilui em frente, |
Mantém límpido o frescor. |
|
E se alguém há que, seguro, |
Leve uma vida fiável |
É quem logra ficar puro, |
Água fresca imperturbável. |
|
|
410 – Palmatória |
|
Sentirei que ao perdoar |
Dou a mão à palmatória: |
No fim sou quem mais apanha. |
Só que, abrindo a porta ao ar, |
Não é doutrem a vitória, |
É quem perdoa quem ganha. |
|
|
411 – Perdão |
|
Perdão é matar a raiva, |
Restabelecer respeito, |
Ofertar a tolerância. |
Descobre o modo onde caiba |
Um presente ao fim atreito |
A acartar teu fardo de ânsia. |
Livre a mão e o coração, |
Podes então construir |
Um nova relação |
Onde germine o porvir. |
|
|
412 – Detrás |
|
Por detrás daquele monte, |
Por detrás daquele outeiro, |
No limite do horizonte, |
Negaceia-me, certeiro, |
Um mistério interessante: |
Algo anda ali a ocorrer |
Que me obriga a percorrer |
A encosta que tenho diante. |
Assim da vida o presente |
Se resume na corrida, |
A trepar pela vertente |
A ver se alcanço a subida. |
Um tesoiro é o que anuncia |
A aurora de cada dia. |
|
|
413 – Gerações |
|
Avançam as gerações |
E as novas que vão nascendo |
Das antigas os guiões |
Apagam como não sendo. |
|
Assim é que é deserdado |
Um homem de seu passado. |
|
Não por amnésia qualquer, |
Lobotomia ou lesão, |
Mas por breve a vida ser |
E o tempo, uma imensidão |
|
Em que incontáveis se exigem |
Contas que afinal não bastam |
Para nos levar à origem |
Das pegadas que nos gastam. |
Quando ali é que se engastam, |
Mais aquém de nossos passos, |
Do rumo os perfis e os traços. |
|
|
414 – Órfãos |
|
Como órfãos nós nos culpamos |
De ter sido abandonados. |
A culpa nós retraçamos: |
Demasia de pecados, |
|
Inapeláveis augúrios… |
Inseguros, agarramos |
Lendas e contos espúrios, |
Com o sagrado os armamos |
E a quem deles duvidar |
Duras penalizações, |
Não se vá perder o lar, |
Cobrem povos e nações. |
|
Era melhor do que nada, |
Que admitir que abandonados, |
Nus, indefesos na estrada, |
Somos somente enjeitados |
|
Numa soleira de porta |
Que, por mais que nós batamos, |
Connosco nada se importa, |
- Jamais nos dá quaisquer amos. |
|
Assumirmos a alforria, |
Mais que uma consolação |
É a certeira decisão |
Que resta à sabedoria. |
|
|
415 – Pedra |
|
A pedra me conta a história |
Imperfeita e conservada |
Do mundo cuja memória, |
Escrita em língua empedrada, |
|
Tem registo variável |
Em difíceis dialectos. |
Detemos aqui viável |
A actual ficha dos decretos: |
Apenas aqui e além |
Um capítulo guardado, |
Uma página refém, |
Umas linhas de traslado… |
|
E destas palavras soltas |
É que eu irei discernir |
Em quantas reviravoltas |
Dá o mundo rumo ao porvir. |
|
|
416 – Escadaria |
|
Desce a negra escadaria |
Por onde subiu a raça |
E vê que onde principia |
Nada lhe indicia a traça. |
|
Com escamas, barbatanas |
Quem é que adivinharia |
As aventuras humanas |
Dali vindo à luz do dia? |
|
Com sussurros e rosnidos |
De cegos e surdos fetos, |
Já são olhos e ouvidos |
Que então se buscam discretos. |
|
Entes unicelulares |
Sentindo o sol que não vêem |
Estendem tentaculares |
Dedos rumo ao que nem crêem. |
|
Nos desencontros do acaso |
Encontramo-nos por fim, |
Fruto a que um nada deu azo |
Em busca de seu confim. |
|
|
417 – Convivas |
|
Por trás da diversidade |
De todas as coisas vivas |
Somos afinal convivas |
No mais fundo em unidade. |
|
Somos todos descendentes |
Dum comum antepassado |
Que a todos nos faz parentes |
Em variável traslado. |
|
Há quatro mil milhões de anos |
Começou esta aventura |
Que, sem o ver, dos arcanos, |
Ao fim, cega, nos depura. |
|
E hoje tudo continua |
Por nós e pelos demias |
Conforme a evolução crua |
Do acaso cruze os sinais. |
Onde é que isto irá parar |
Ninguém logra predizer, |
Somos o fruto do azar, |
Resta-nos sobreviver. |
|
|
418 – Sidéreo |
|
Afinal, todo o mistério |
Se resume apenas nisto: |
Explode, implode o sidéreo |
E, pelo meio, eu existo, |
- Um fogo-fátuo de nada |
Brilhando vago na estrada. |
|
|
419 – Amiba |
|
Parte-se uma amiba em duas, |
Divide-se em mil milhões |
Transcorridas duas luas. |
De quantas aqui dispões |
Todas são a primitiva |
Reduplicada, afinal, |
Morta, não, antes mais viva, |
Que o tempo lhe não faz mal. |
|
Em nós a eterna procura |
De fruste imortalidade |
Da perca da amiba é cura |
Sob a forma de saudade. |
|
A que hoje existe é a primeira |
Desdobrada desde início. |
De nós a herdada peneira |
Fez efémero resquício! |
|
|
420 – Impulsos |
|
A vida troca o prazer |
Duma refeição presente |
Por um benefício a haver |
No porvir que se pressente. |
|
E, se é tudo um egoísmo, |
Um ele é no curto prazo, |
Outro o que aposta no abismo |
Do que ao longe vai ter azo. |
|
A minha vontade erguida |
No manto ancestral a enrolo: |
Muito antes de mim, a vida |
Em meus votos tem controlo. |
|
|
421 – Parentes |
|
Nós somos todos parentes. |
Que é que importa um sacrifício |
Se nos traz o benefício |
Da Terra plena de gentes? |
|
Por mais que se mostre avara |
A sorte quando a pressentes, |
Toda a vida é uma seara |
Que brotou de iguais sementes. |
|
Selecção de parentesco, |
A natural selecção |
Sou sempre eu que me repesco |
Mesmo se me perco em vão. |
|
Já que noutrem continua |
Esta intérmina aventura, |
Vida é sempre o que se apura |
No novo lanço da rua. |
|
|
422 – Sublimidade |
|
Na história da humanidade |
Em memória veneramos |
Seres de sublimidade |
Que, conscientes, sem amos, |
|
Pelos mais sacrificado |
Se houveram sem qualquer paga. |
Mas, por cada um contado |
Nesta inenarrável saga, |
|
Medimos a imensidade |
Dos demais, pela calada, |
Pequenez que a vida invade, |
Que a vida vivem de nada. |
|
|
423 – Todo |
|
O fígado, o coração, |
O cérebro como os rins |
Normalmente dão a mão, |
Juntos buscam iguais fins. |
|
Operam bem todos juntos, |
Não competem entre si, |
São um todo em que os assuntos |
Em comum, sem alibi, |
|
Resolvem. E, com tais artes, |
Que é o todo assim muito mais |
Que a mera soma das partes: |
Disto é que somos sinais. |
|
|
424 – Paixões |
|
Paixões do sexo e da vida |
Dentro de nós são formadas |
Sem que alguém de tal decida, |
Foram já pré-programadas. |
|
Ambas lutam arduamente |
Para em comum produzir, |
Descendente a descendente, |
As condições do porvir. |
|
Haver muitos descendentes |
É uma etapa essencial, |
Se ao de leve diferentes, |
Da selecção natural. |
|
Nós somos a ferramenta |
Incônscia, paga com gozo, |
De que a selecção inventa |
O robô mais prestimoso. |
|
|
425 – Coexistem |
|
Coexistem dentro de mim |
De dois mundos o sinal: |
Um ao animal diz sim, |
Outro, ao espiritual. |
|
No discurso de cotio |
Balanço do sentimento, |
De que sempre desconfio, |
Até ao meu pensamento. |
|
Dentro de nossa cabeça |
São dois modos de lidar: |
Sentir – a vida começa; |
Pensar – vai-a continuar. |
|
|
426 – Volteante |
|
Um insecto volteante, |
Por mais que ele ande ou desande, |
Põe-nos a todos perante |
Algo ou alguém que o comande? |
|
Ou será uma mera soma |
De funções cujo arquitecto |
É da evolução a coma |
Sem nenhuma alma de insecto? |
|
|
427 – Modelo |
|
Animais com sensações |
Tão diferentes das nossas, |
Que divergentes visões |
Do mundo serão as vossas? |
A cada espécie um modelo |
E nenhum deles completo, |
Impresso no cerebelo. |
Falta a todos um aspecto. |
|
Por não estarem completos |
Mais tarde ou mais cedo advêm |
Surpresas que abatem tectos: |
- São os milagres de além! |
|
|
428 – Inspiração |
|
O mais sublime do evento |
Que se chama inspiração |
Envolve algum pensamento |
Ou vem debaixo do chão? |
|
A nossa melhor ideia |
Surge-nos do inconsciente |
Quando eu urdo ou armo teia |
De algo que é-lhe indiferente. |
|
Nossa inspiração pressente |
O que se anda encadeando |
Muito imperceptivelmente |
Por sob os trilhos onde ando. |
|
Não me vem da consciência |
Mas do degrau dela abaixo, |
Vem antes da pura ausência: |
Quando a calo é que enfim acho! |
|
|
429 – Trilionésimo |
|
Trilionésimo dum grama |
Pesa a modesta bactéria. |
Uma hora após se derrama |
Por duas de igual matéria. |
|
Estas se desdobrarão |
Na hora que for segunda: |
Quatro bactérias já são. |
Ninguém vê se algo isto inunda. |
|
Porém, cem horas depois |
E cem gerações passadas, |
O peso que ali constróis |
São dum monte as toneladas. |
|
E nas cento e trinta e cinco |
Horas de iguais gerações |
São o piso onde me finco: |
A Terra a pesar milhões! |
|
Se atingem cento e cinquenta, |
A incomensurável mole |
Ninguém o peso lhe aguenta: |
Pesa tanto como o Sol. |
Após cento e oitenta e cinco |
Imparáveis gerações, |
Eis o que dá tal afinco: |
Da Via Láctea os baldões! |
|
Isto só não ocorreu |
Porque falta o alimento, |
Mas sempre a vida existiu |
À procura deste intento. |
|
Se, então, me não ponho em guarda, |
A vida fora de mim |
Como a que dentro me aguarda |
Em breve nos leva ao fim. |
|
|
430 – Corrida |
|
É a vida humana a corrida |
De um só contra umas centenas |
De milhões desde a partida. |
O espermatozóide apenas |
|
Tem de ser melhor que os mais. |
Todos são competitivos |
Desde o início, com reais |
Gestos mais do que impulsivos. |
|
Tal competitividade |
Procura por objectivo |
Cooperar de verdade |
No mais íntimo e mais vivo. |
|
Duas células se fundem |
Numa só, se intercombinam, |
Dois seres num se confundem |
E as gnéticas atinam. |
|
Fabricar um ser humano |
É um misto de oposições: |
Um combate desumano, |
Perfeitas cooperações. |
|
Tão perfeitas que, na estrada, |
Identidades distintas |
Dos parceiros dão em nada, |
Um só vem das duas tintas. |
|
Seria uma incongruência |
Quem vem da rivalidade |
E forma tal convergência |
Vituperar a verdade. |
|
E a verdade é que uma delas |
Vale o que vale a rival, |
Formam ambas as parcelas |
Que um homem somam total. |
|
|
431 – Hierarquia |
|
Hierarquia definida |
Sem quaisquer ambiguidades |
Assegura qualquer vida |
Contra vãs atrocidades. |
A violência acontece |
Quando uma organização |
De pouco firme fenece |
Ou muda de situação. |
|
Quando um jovem macho tenta |
Ocupar a hierarquia, |
Às vezes luta sangrenta, |
Até morte ocorreria. |
|
Hierarquias dominantes |
De paz criam ambiente, |
Não há surpresas gritantes, |
Compensam bestas e gente. |
|
Por mais que inconvenientes |
Elas arrastem consigo, |
Estáveis dão, permanentes, |
À vida o melhor abrigo. |
|
|
432 – Parte |
|
Quando nós fazemos parte |
Da hierarquia de mando, |
Combina-se em nós, com arte, |
A obediência ao comando |
|
Que respeitamos de cima |
Com o jeito de mandar |
Nos ombros a que se arrima |
Meu pé que os põe no lugar. |
|
Quanto mais complexos foram |
Os desafios da vida, |
Mais complexos se decoram |
Os seres que então valida. |
|
|
433 – Destrezas |
|
Aves que são nadadoras, |
Pinguins debaixo de água, |
Perdem como voadoras, |
Como as que são corredoras: |
Cada qual em sua frágua |
Estas destrezas motoras |
Especializou sem mágoa |
De outras perder entretanto. |
|
A selecção obrigou |
A escolher por uma, enquanto |
Outra adaptação gorou. |
|
O ser que se agarra a todas |
As alternativas tende |
A ser expulso das rodas |
Que o palco do mundo atende. |
|
Sobregeneralizar |
Será um erro evolutivo, |
O que nunca dá motivo |
A sobrespecializar. |
|
Quem é extremamente bom |
Mas num só nicho ecológico |
Tende, breve, a uma extinção, |
Se muda o quadro biológico. |
|
Celebra um pacto faustoso, |
Troca um viver duradoiro |
Pelas lisonjas e gozo |
Dum dia pejado de oiro. |
|
Se o meio ambiente altera, |
Fabricantes de barricas |
Quando a cuba de aço impera, |
Ferreiros nas chafarricas |
A matutar na galera |
Quando já mudámos de era |
E hoje impera o automóvel, |
Artesão a atar as réguas |
De cálculo em dorso de éguas, |
No tempo intrépido imóvel, |
Quando é uma calculadora |
Que aqui no meu bolso mora, |
- Enfim, os profissionais |
Somente especializados |
Morrem pelos matagais, |
Do rio da vida aos lados. |
|
Irão devir obsoletos |
Tão depressa, tão depressa |
Que de morte nos seus leitos |
Nem de virar a cabeça |
Lhes dá tempo a evolução: |
Sepulcros é o que já são. |
|
Entre os extremos importa |
À vida talhar os rumos |
E fender a estreita porta |
Sem a qual tudo são fumos. |
|
|
434 – Espécie |
|
Somos animais, não plantas, |
Bactérias nem quaisquer fungos. |
Estes serão o que jantas |
De prazer entre resmungos. |
|
Temos vertebral coluna, |
Não somos invertebrados |
Onde tudo se desuna, |
Moluscos, vermes pisados. |
|
Temos seios que amamentam |
Os filhos, não somos aves |
Nem réptéis que, quando aumentam, |
Não é o leite que os faz graves. |
|
Somos primatas e não |
Ratazanas ou gazelas, |
Nem guaxinins que serão |
Doutros modos e sequelas. |
|
Depois somos hominídeos |
Mas orangotangos, não. |
Lémures também elide-os, |
Bem como o macaco-cão. |
|
Homo – género que temos |
Duma espécie que se isola. |
E o chimpanzé que além vemos |
A nosso orgulho se imola. |
|
Já que a nós mais semelhante |
É que qualquer outro símio, |
Pomo-lo de nós distante: |
O nosso medo deprime-o. |
|
|
435 – Limo |
|
Toda a carga emocional |
De pelo alfa ser tratado, |
Comparada, é tal e qual |
Ao dom nas mãos trespassado |
|
De Xamãs e curandeiros, |
Carismáticos e reis, |
Endireitas, feiticeiros, |
Todos quantos têm fiéis. |
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E todos estes, portanto, |
Só trazem bem ao de cimo |
O que de longe, estretanto, |
Foi o nosso ancestral limo. |
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436 – Normas |
|
Dos chimpanzés a nação |
Tem normas verificáveis |
E os membros em regra são |
Delas cumpridores fiáveis. |
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Obediente ao superior, |
Toda a fêmea se submete, |
Carinho ao progenitor |
Com as crias se repete. |
Têm um patriotismo, |
Seu próprio grupo defendem |
Contra o perigoso sismo |
Dos estranhos que contendem. |
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Partilham os alimentos |
E abominam todo o incesto. |
Só não têm elementos |
Que legislem tal apresto: |
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Não têm tábuas de pedra |
Nem quaisquer livros sagrados |
Onde se inscreve e onde medra |
A lei que combina os fados. |
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Apesar de tudo, é |
Similar a uma moral |
O que opera o chimpanzé, |
Já que entre humanos é tal. |
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437 – Duzentas |
|
Nós, humanos, não viemos |
De nenhuma das duzentas |
Mais espécies de primatas |
Que hoje vivem e que vemos. |
Ao invés, nossas ementas, |
Desde as avoengas datas |
Evoluíram conjuntas |
De comuns antepassados. |
- Se genealogias juntas, |
Juntas parentes chegados. |
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438 – Evolutiva |
|
Os gorilas bifurcaram |
Desta linha evolutiva |
Oito milhões de anos antes. |
Os chimpanzés desviaram |
Connosco em igual deriva |
A um milhão de tais instantes. |
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Nós e eles, entretanto, |
Nos vimos desenvolvendo |
Cada qual para seu canto. |
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E assim, vivendo e morrendo, |
Divergiram os destinos. |
|
Num planeta que é habitado |
Há mil vezes estes finos |
Nacos de tempo passado, |
Foi muito recentemente: |
É como se, de repente, |
Em cinco anitos de vida |
Eu vivesse aqui somente |
Quinze dias de seguida. |
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439 – Cinquentenário |
|
Somos há um dia de vida |
Dum qualquer cinquentenário, |
- Assim nos pode ser lida |
A rota do itinerário. |
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Vinte e cinco milhões de anos: |
Macacos do Velho Mundo |
Largaram nossos arcanos |
Marcando outra rota a fundo. |
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Há dezoito, eis os gibões, |
Há catorze, orangotangos, |
Gorila há oito milhões |
E o chimpanzé come os mangos |
|
Há uns seis milhões apenas. |
E as espécies chimpanzés |
Correm três milhões de penas |
Cada qual pelos seus pés. |
|
O nosso género de Homem |
Tem dois milhões de anos curtos, |
Como homo sapiens se somem |
Por milénios os seus surtos. |
|
Entre cem, duzentos mil: |
- É só um dia de fadário |
A rematar o perfil |
Dum qualquer cinquentenário! |
|
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440 – Genealogia |
|
A genealogia raro |
Chega às trinta gerações. |
Com detectivesco faro, |
De três ou quatro dispões |
Na maioria dos casos. |
Antepassados remotos, |
Meros fantasmas de acasos, |
São pouco menos que ignotos. |
|
Centenas de gerações |
Nos desligam do momento |
Da alvorada em que houve o invento |
Que fez civilizações. |
|
Milhares de elos nos levam |
Da nossa espécie às origens |
E cem mil já nos elevam |
Do primeiro Homo às vertigens. |
|
Quantas gerações nos ligam |
Às moléculas orgânicas? |
As distâncias nos obrigam |
A mais de cem mil milhões |
Rumo às caldeiras satânicas |
Que inventam reproduções. |
A nossa genealogia |
Se encontra dignificada |
Pela mole de inventores |
Que nos tiraram do nada |
E, ao sabor de cada dia, |
Fizeram de nós senhores. |
|
São auto-replicações, |
A célula, a predação, |
As proteicas produções, |
Ainda a cooperação, |
Simbiosa, fotossíntese |
E o respirar de oxigénio |
E de contrários a síntese |
Que o sexo erige com génio. |
|
Invento que nós usamos |
Quase minuto a minuto |
E nunca sequer pensamos |
Donde herdamos tal produto. |
|
Benfeitores ignorados |
Numa intérmina cadeia: |
- Cem mil milhões de elos dados |
Que trepam da base à ideia! |
|
|
441 – Fingir |
|
Vamos deixar de fingir |
Que somos o que não somos: |
Nem bichos por nós medir, |
Nem aparte discutir |
Se nos pomos ou não pomos. |
Entre os extremos mais plenos, |
Com marca de nosso lar |
São os do meio terrenos |
Que podemos cultivar. |
|
|
442 – Ferramentas |
|
Teremos de trabalhar |
Com ferramentas que temos: |
Com que viemos a dar |
No que somos e queremos, |
Com que se há-de ultrapassar |
Um mar de falhas a remos. |
|
Depois então poderemos |
Principiar a criar |
Uma sociedade menos |
Apta a trazer cá por fora |
O pior que em nós demora, |
Buscando sonhos mais plenos. |
|
|
443 – Arcanos |
|
Matámos chefes divinos, |
Libertámos os escravos |
E a mulher já canta os hinos |
De sotaques femininos |
Com o macho de tons cavos. |
|
Acresce a democracia |
Mais os direitos humanos. |
Tão depressa é a correria |
Que quem o apreciaria |
Já nem vê disto os arcanos. |
|
Foi tudo tão de repente |
Que isto sozinho refuta |
Quem o futuro pressente |
Que nos tem pena pendente |
Que já nada nos comuta. |
|
É tal esta rapidez |
Que a selecção natural |
Se perde ao longe de vez, |
Quem a nós isto nos fez |
É o processo cultural. |
|
Ele à tona nos faz vir |
Tendências, disposições |
Enraizadas no devir |
Por onde estamos a ir: |
- Eis as nossas soluções! |
|
|
444 – Ansiedades |
|
O que espanta é que os famosos |
Como nós as ansiedades |
Sentem no meio dos gozos. |
Só que arranjam, pressurosos, |
(Enquanto te persuades, |
De hora em hora, a enfrentá-las) |
A forma de ultrapassá-las. |
|
|
445 – Quebro |
|
No meu tipo de trabalho |
Eu em pânico entraria |
Se o não quebro galho a galho. |
Cada qual enche meu dia |
E assim já não me atrapalho |
Com o peso do produto: |
- Vou colhê-lo fruto a fruto. |
|
|
446 – Professor |
|
Ser bom professor requer |
Um quarto em preparação, |
Três em representação, |
Mais gostar do que fizer: |
- E este mais é, na verdade, |
Que ao fim dita a qualidade! |
|
|
447 – Demora |
|
Cada qual de sua vez, |
Muitas coisas vou fazer. |
Muitas posso, no entremez, |
Evitar de empreender. |
- Das escolhas a demora |
Será meu ganho de agora: |
A fuga ao determinismo |
É da liberdade o abismo. |
|
|
448 – Inexplicável |
|
Por muito que nós tentemos, |
Do inexplicável a peita |
Em nossas vidas espreita |
E aplacá-la só podemos |
|
Crendo o sobrenatural, |
Excepto se preparados |
Formos por todos os lados |
A lhe enfrentar o sinal, |
|
A atacar precisamente |
Aquilo que nos é estranho: |
Àquilo que nunca apanho |
Se o quiser olhar de frente. |
|
|
449 – Gerando |
|
Andamos gerando história |
Há sete mil anos só |
E há cem mil, reza a memória, |
O homo sapiens deu o nó. |
|
O Sol, aparentemente, |
Há cinco biliões de anos |
Que evolui resplandecente |
Nos rumos circadianos. |
A Galáxia foi formada |
Há mais de dez biliões |
E há doze foi a granada |
Cósmica das explosões. |
|
No catálogo do imenso |
Sou eu que talho a medida: |
Perco-me se nisto penso, |
Que é que será nossa vida? |
|
|
450 – Marca |
|
Nenhum de nós quer morrer, |
Mas a morte nos habita, |
Saibamo-lo ou nem sequer, |
Ninguém sabe como a evita. |
|
Todo o ser vivo começa |
Logo a morrer mal nasceu, |
Ninguém foge ao que o processa, |
Ser mortal é um selo meu. |
|
Morte é a marca decisiva |
Que torna uma coisa viva. |
|
|
451 – Estrela-neutrão |
|
A estrela-neutrão |
É a bola homogénea |
Tão densa no chão |
Que lá pesa em média |
|
Uns mil biliões |
De vezes o peso |
Das águas que pões |
Nas bilhas por vezo. |
|
De fósforos uma caixa |
Um milhão de toneladas |
Pesará se nela encaixa |
Daquilo umas colheradas. |
|
Entretanto, são pequenas |
Estas estrelas estranhas: |
Quilómetros vinte apenas |
São os que delas apanhas. |
|
Não têm quaisquer montanhas, |
Já que as mais altas dentre elas |
Têm quinze, em tais estrelas, |
Centímetros de tamanhas! |
|
O mais bizarro, por fim, |
É que as entendo melhor |
Que entendo qualquer confim |
Da Terra em que sou senhor! |
|
|
452 – Crítico |
|
Crítico tamanho |
Duma estrela morta |
A partir do qual |
Dela nada apanho, |
Que fechou a porta |
A todo o sinal, |
É num centímetro apenas |
A Terra apertar que tenho. |
Se a dimensões tão pequenas |
A comprimir teu amanho, |
Nem ela nem o que esteja |
Numa superfície tal |
Libertar-se nunca almeja: |
Seria a prisão total. |
|
Porém, como é que se apura |
Em nossa imaginação |
Que será uma compressão |
Duma tal envergadura? |
|
|
453 – Gémeo |
|
Um gémeo que ganhe a vida |
A voar de foguetão, |
Enquanto que o seu irmão |
Dorme na esteira estendida, |
|
Virá jovem despedir-se |
Do irmão no leito de morte: |
Este, velho, anda a esvair-se; |
Novo, aquele ruma ao norte. |
|
Um relógio em movimento, |
Quanto mais acelerado |
Mais devagar o momento |
Nele tomba no passado. |
|
Assim é que, acelerado |
Trezentos mil por segundo |
De quilómetros, um dado |
Eterno mora no mundo: |
O tempo fica parado. |
|
E devém ele infinito, |
Tornado energia pura: |
- É a meta que identifico, |
Termo de minha amargura? |
|
|
454 – Mortalidade |
|
Aceito a mortalidade |
Mas quero que minha luta |
Pelo futuro, em verdade, |
Preserve toda a labuta. |
|
Esperamos atingir |
Parte da imortalidade |
Como herança do porvir, |
Do filho à vindoira idade. |
|
Mas teremos de aceitar |
Que este imortal é impossível: |
Biliões de anos vão passar |
E um buraco negro, é crível |
|
Finda por nos capturar. |
O nosso futuro é incerto |
E, por mais longe que olhar, |
Meu jogo joga aqui perto. |
|
|
455 – Objectivos |
|
Os mais altos objectivos, |
Aceites sem objecção, |
São de nos mantermos vivos, |
Geração a geração. |
|
A ausência deles implica |
O fim de todos os mais. |
Sobreviver é o que explica |
A estrada por onde vais. |
|
Vale por si e por meio |
Ser por onde outrem prossiga. |
E assim a vida é o enleio |
Da teia que tudo liga. |
|
|
456 – Imortalidade |
|
Temos a imortalidade |
Num Universo oscilante: |
Explode, implode. E o que invade |
O meio tempo, adiante, |
De vida é fecundidade. |
- O Cosmos ei-lo perante |
Um modo da eternidade. |
|
|
457 – Subliminar |
|
A mente subliminar, |
Lixo com pepitas de oiro, |
Tenta sempre apresentar |
Um palpite ou um agoiro. |
|
E o pensamento desperto |
Cobra ali conhecimento |
Como desperto decerto |
Não cobra em nenhum momento. |
|
É todo o mundo submerso |
Duma personalidade |
Que nos encanta num verso |
Que é um eco da eternidade. |
|
|
458 – Acreditar |
|
Acreditar não é assim |
A atitude positiva |
Sobre a coisa, com o fim |
De a manter de mim cativa. |
|
É a reserva de energia |
Que me posso armazenar |
Para a poder libertar |
Quando tal me conviria. |
|
A esperança das pessoas |
É que uma prece resulte |
Devido à carga de loas |
Concentrada no que indulte |
|
E não por mor das palavras, |
Das chaves ou frases feitas |
Com que a terra virgem lavras |
Sempre achacada às maleitas. |
|
Anima-as a intensidade |
E uma forma especial: |
- Isto o ignoto (creio) invade, |
Põe-nos lá de igual a igual. |
|
Igreja ou superstição, |
A diferença é nenhuma: |
As formas de adoração |
Todas são apenas uma. |
|
|
459 – Ritual |
|
Quando as bruxas se empenhavam |
Em cumprir o ritual |
Com uma emoção total |
Tudo então multiplicavam. |
|
Se ao trigal falo, hoje em dia, |
Mesmo sem já usar vassoira, |
Muito mais trigo se aloira, |
Como na ancestral magia. |
|
Crer na verbalização |
Dos desejos é o inato |
Do homem na concepção |
Em que me aos princípios ato. |
|
Diga-se a palavra exacta |
E as coisas ocorrerão, |
Diga-se a errada e desata |
A maior complicação. |
|
As palavras são gatilhos, |
Ferramenta de crianças |
Com que da acção os nodilhos |
Desatas de quanto alcanças. |
|
|
460 – Extra-sensorial |
|
A positiva energia |
Força a coisa a acontecer, |
Extra-sensorial magia, |
Permite enfrentar o dia |
Sem receio de perder. |
|
As pessoas correspondem |
A quanto se espera delas |
E os amigos não escondem, |
Que aguardavam já o que apelas. |
|
Um homem fica feliz: |
É o autocarro à tabela, |
Um encontro que nos diz |
Que nosso labor condiz… |
- Todo o sonho tem sequela! |
|
|
461 – Sonhador |
|
Excêntrico é um sonhador |
Que anda com passos de lua: |
Ninguém lhe atura o calor |
Dos nadas em que flutua. |
|
Porém, pode ser também |
A imaginação desperta |
Que abarca o infindo que tem |
A possível descoberta. |
|
Liberto assim das grilhetas |
Das verdades consumadas, |
O explorador ganha aletas |
Do mistério nas estradas. |
|
|
462 – Ligue |
|
Um homem terá de ter |
Qualquer coisa a que se ligue, |
Que à terra prenda quenquer |
E que consigo não brigue, |
|
Que dele esteja tão perto |
E seja tão pura e sã |
Que ele possa ficar certo |
De a lá encontrar de manhã. |
|
|
463 – Nuvens |
|
Enormes nuvens inchadas, |
Como de algodão pejado, |
Trepam do mar em levadas, |
Pousam no cume empinado |
|
E depois voltam ao mar |
Como aéreos navios |
Que a terra vão vigiar, |
Soltando líquidos fios |
|
Entre os músculos do vento. |
São uma guarda avançada |
Para o reconhecimento |
- E ao fim a vida é chegada! |
|
|
464 – Miniatura |
|
Haverá homens nascidos |
Bem além da humanidade, |
Ou tão humanos são tidos |
Que os mais não são de verdade. |
|
Assim é que em miniatura |
Um deus viverá na terra |
De vez em quando, em figura |
A que a fé se nos aferra. |
|
Como os montes que se somem |
Quando enfloram vida a rodos, |
Esse homem não será um homem |
A menos que seja todos. |
|
|
465 – Evangélico |
|
Que de evangélico há mais |
Do que esta delicadeza |
Sem prédicas nem morais, |
Sem a reza que despreza? |
|
Há lá maior compaixão |
Por quem tem uma ferida |
Do que obrigar-me a que não |
A toque nem de fugida! |
|
|
466 – Animais |
|
Moram animais num homem |
Desde a amiba até às águias |
E o rosto lhe não consomem, |
Embora o gesto lhe afaguem. |
|
Para que lho não apaguem, |
Ele dentre eles é um só. |
Ocorre que em breve o traguem: |
Uns poucos mudam-no em pó! |
|
|
467 – Vento |
|
Passa o homem como o vento. |
Porém, o trabalho dum |
Doutro somado ao intento |
Não deixa canto nenhum |
Como ao primeiro momento. |
|
Labor a labor somado, |
Morto o autor e já esquecido, |
Lento o mundo vai mudado |
E um novo mundo é erigido. |
|
|
468 – Revolução |
|
Nunca uma revolução |
Deveras vai ser vencida, |
É da Providência a mão |
Com o fado por medida. |
|
Rebenta e desaparece |
E nunca mais se desdobra, |
Só que onde menos parece |
Prolonga secreta a obra. |
|
Acabaram as espadas, |
Dos disparos os fulgores, |
É o tempo de abrir estradas, |
É o lugar dos pensadores. |
|
|
469 – Corda |
|
Quando a uma ilusão já demos corda, |
Ela trabalha pelo tempo além, |
Mesmo depois que em nós já nada acorda. |
O relógio não pára de repente, |
Pois a pilha de alimento ainda o mantém |
Mesmo quando já dele se perdeu a gente. |
|
|
470 – Devaneio |
|
Se eu pudera penetrar |
Na carne da consciência |
Doutrem eu ficara a par. |
E mais pelo devaneio |
Do que pelo que pensar. |
O pensar sofre a influência |
Da vontade pelo meio. |
No devaneio espontâneo |
Sou de mim contemporâneo. |
|
|
471 – Emulação |
|
Distribuir por igual |
É abolir a emulação, |
Mata a força laboral, |
É preguiça em vez de acção. |
|
Um magarefe tal qual |
É quem usa uma tal arte: |
Ao entalhar o animal, |
Mata aquilo que reparte. |
|
E quem matar a riqueza |
Como pode reparti-la |
Se, de tanto que a despreza, |
A mata fila por fila? |
|
|
472 – Limites |
|
Ir ver a nascer o sol |
No cume dum monte ameno |
É aquele prazer sereno |
De quem nos limites bole: |
- Dos que entrando vão na vida, |
Dos que já vão de saída. |
|
|
473 – Criancice |
|
Um amor é criancice, |
Outras paixões, pequenez. |
O que nestas é sandice |
Devém naquele a prenhez |
Que gera, em vez do pequeno, |
Da criança o sonho pleno. |
|
|
474 – Caldeira |
|
Se na caldeira houver força, |
O poder só o há na mente. |
O que ao mundo após si força |
Não são as locomotivas |
Mas estoutras coisas vivas: |
- As ideias que eu invente! |
|
|
475 – Piropo |
|
Quando dirijo um piropo |
À mulher a quem amar, |
É uma carícia no escopo, |
Meia audácia a intentar. |
|
Aproveitar um ensejo |
De vislumbrarmos o céu, |
A amabilidade é um beijo |
Dado por cima dum véu. |
|
|
476 – Barricada |
|
De que é feita a barricada? |
Do entulho de seis andares |
Damolidos para a estrada? |
Ou da estrada que os vagares |
Rasgam da cólera unida? |
Tem o rosto da ruína |
Mas é coisa construída. |
- E da destruída é sina! |
|
|
477 – Germe |
|
Vem o germe da igualdade |
Duma educação gratuita. |
É que o alfabeto se há-de |
Em folha semear muita |
|
E à fome ofertar colheita |
Em que duma escola idêntica |
A Pátria, ao iníquo atreita, |
Gere uma equidade autêntica. |
|
Mais instrução é mais luz: |
A letra duma revolta |
Em luz tudo nos traduz, |
Dela vem e a ela volta. |
|
|
478 – Portagem |
|
Na avenida do futuro |
Horas de revolução |
Um preço pagam e duro. |
É a portagem por caução |
De que compensa a função |
De quanto então inauguro. |
|
|
479 – Rio |
|
Um rio sempre tranquilo |
Não pode ser o progresso. |
Podem pedras impedi-lo |
Se de ondas houver excesso. |
|
No açude escumam as águas |
Com a violência com que há-de |
Romper a teia das mágoas |
Que agitam a humanidade. |
|
|
480 – Leis |
|
Tudo quanto as leis humanas |
Alguma vez perseguiram, |
Gestos que despertam ganas, |
Protestos que se insurgiram, |
Refúgio sempre encontrou |
Nas catacumbas urbanas, |
Nos esgotos do que sou. |
- Sob a terra, permanente, |
É que germina a semente. |
|
|
481 – Pão |
|
Felicidade sozinha |
É tal qual um pão singelo, |
Come-se bem na cozinha, |
Não é o jantar a que apelo. |
|
O que não serve de nada, |
Demasias da ternura, |
É o que traz à jantarada |
As mãos dadas da ventura. |
|
|
482 – Chão |
|
Sempre o sonho aproveitai |
E subi das terras chãs, |
Que ao arreardes o estai |
No charco dareis em rãs. |
|
Quem a brisa houver, afague-a, |
Seja, por uns tempos, águia! |
|
|
483 – Ingrata |
|
Muito ingrata é a natureza! |
Entre toda a criatura |
Corta as que chegam, que preza, |
Das que partem, que descura. |
|
As que partem têm a frente |
Para a sombra já virada. |
Quem chega tem-na voltada |
Para a luz que há no presente. |
|
Daqui vem o afastamento |
Que nos velhos é fatal |
E nos novos é elemento |
Inconsciente e vital. |
|
A bifurcação dos ramos |
Gradualmente aumentando, |
Por ela no tronco damos |
E no fim mal se vê quando. |
|
Sem nunca se desprenderem |
Nem se perderem de vista, |
São velhos a se esquecerem |
Dos novos que a vida invista. |
|
Até ao fim sempre unidos |
Como que a pedir desculpa, |
São de distância fundidos |
E de tal ninguém tem culpa. |
|
|
484 – Dois |
|
Quando dois fazem amor, |
São duas mentes na cama, |
Dois os sentidos da trama |
Que única se irão propor. |
|
Observar o parceiro |
Enquanto se faz amor |
Excita a meias, primeiro, |
Vê-lo a ver-nos é melhor. |
|
Na trança feita em comum, |
Já não são dois mas só um. |
|
|
485 – Erros |
|
Os homens mais virtuosos |
São moldados pelos erros |
E no bem são mais airosos |
Quão mais erros põem a ferros. |
|
Cada queda é ocasião |
Para de vez melhorarmos, |
Saber emendar a mão |
Leva a nos agigantarmos. |
|
Melhor não é quem não erra, |
É o que em melhorar se aferra. |
|
|
486 – Forte |
|
Em qualquer família forte |
A repetição constante |
É a raiz da aprendizagem. |
E aquilo que marca o norte |
São as regras que, adiante, |
Explicadas, nos coagem. |
|
A norma com a razão |
Aos filhos firme dá chão. |
|
|
487 – Altura |
|
Uma altura especial |
Para se atender aos filhos |
Jamais foi um ideal. |
Ultrapassar os sarilhos |
É atender ao imprevisível: |
- Andar sempre disponível. |
|
|
488 – Ritual |
|
Uma família feliz |
Respeita o seu ritual. |
É a fonte que mais condiz |
Com sua força motriz, |
Partilha tradicional |
Onde a planta tem raiz: |
Só daí mostra o que vale. |
|
|
489 – Tarefa |
|
Numa família que é forte |
Todos trabalham a par, |
Adultos como crianças. |
Não é trabalho de morte, |
Mas tarefa regular |
Que entre todos ata as tranças. |
|
|
490 – Humor |
|
Uma família feliz |
Tem a marca registada |
Do bom humor, com cariz |
De brincadeira acabada: |
Jamais é malicioso |
Humor com que a mim me gozo. |
|
|
491 – Longe |
|
Um amante a agigantar |
A efervescência da amada |
Longe é que assenta o lugar |
Donde a torna requestada. |
|
É que em amor uma espera, |
Bem longe de fazer mal, |
O fôlego recupera |
Quando já nada lhe vale. |
|
A presença diminui |
A fama que alguém tivera |
E a distância restitui |
A luz a qualquer quimera. |
|
O valor perderá brilho |
Se tocado em demasia. |
Mais que à vista corre o trilho |
Longe, longe, a fantasia. |