SEXTO VERSO

 

 

De bom humor constata o que sobrou

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 566 e 641 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

566 - De bom humor constata o que sobrou

 

De bom humor constata o que sobrou

Nas cinzas de cotio

A nossa reserva de fastio

E a rir me vou.

O riso engana o destino

Na fronteira do que sou

E, clandestino,

De contrabando a prenda que me dou

É o vestígio do que tenho de divino.

 

 

 

567 - Conversar

 

Arte de bem conversar

É dar ao trânsito abrigo

Com placas onde parar,

Em locais onde há perigo.

 

 

568 - Viagem

 

A viagem de ida e volta

Ao trabalho que interessa?

- Ao ir, imagino à solta

O que farei, peça a peça;

À vinda, explico o cariz

Das razões por que o não fiz!

 

 

569 - Meteorologista

 

Quando o meteorologista

Céu parcialmente nublado

Previu para a festa em vista,

Se é um nevão que após é o dado

Contra o qual o grupo invista,

A tentação que nos tenta

 

É gritar ao cientista

Enquanto o nevão assenta:

“Pega na pá e, cuidado,

Anda já cá remover

O palmo aqui a crescer

De parcialmente nublado!”

 

 

570 - Inteligente

 

- Que criança inteligente:

Com oito meses e anda!

- Esperta mais, é evidente,

É aquela que nos comanda,

Logo da idade mais breve,

Que no colo outrem a leve!

 

 

571 - Carteiro

 

Se tens amor verdadeiro,

Não lhe escrevas todo o dia,

Que, ao fim dum ano, a magia

Fá-lo-á casar co’o carteiro!

 

 

572 - Hora

 

A hora ideal

De as crianças pôr na cama

Sofre dum grave senão:

A hora que não fará mal

À paz de quem as ama

- É quando elas vão!

 

 

573 - Multidão

 

Cantar numa multidão

Tem a vantagem

De eu poder cantar sem tom,

Com a voz em derrapagem.

 

Tem a desvantagem

Do desencanto

Quando a meu lado adivinho

Qualquer vizinho

A fazer outro tanto!

 

 

574 - Maçadora

 

Por que é que uma pessoa maçadora

Nunca está rouca?

A toda a hora

A vida é louca!

 

 

575 - Vizinho

 

Sempre quando à meia-noite

Do vizinho a luz do carro

No sono te cospe o escarro,

No descanso dá um açoite,

 

Resmungas quanto ele foi-te

Violar da miga o tarro,

Lacrau por sob o chaparro,

Quão tal irrespeito doi-te.

 

E, afinal, aconteceu

Até uma noite em vigília.

Queixas-te para a família:

 

- É que em toda a madrugada

O tipo não deu entrada!

Que raio! Que o impediu?

 

 

576 - Aldeia

 

Numa aldeia, em Portugal,

Linda casa em cantaria

E, ao lado, no chavascal,

Uma estranha moradia.

 

“É dum que trabalha em França”

- Informa um ganhão na apanha.

“ E a maior, que mal se alcança,

É dum outro da Alemanha”.

 

“Então já sei” - lhe respondo -

“Que ao paço a que além me vou

Da América lhe anda pondo

Alguém milhões que ganhou”.

 

“Nada disso! Cá da terra”

- Me retruca o jornaleiro -

“Quem erguendo vai na serra

Maior palácio é o pedreiro!”

 

 

577 - Gabar

 

Homem de noventa e três

Anos anda-se a gabar,

Após casar-se outra vez

Com uma jovem sem lar,

Que ora um filho está a aguardar,

Enfim, da esposa em prenhez.

 

Conto-lhe a história da caça

Em que um homem, distraído,

Em vez de arma, o que sobraça

É um guarda-chuva perdido.

Vê uma fera e, surpreendido,

Dispara e mata a pacaça.

 

“Ah, não!” - clama o inocente.

“Alguém disparou por ele.

Alguém o fez!” Convincente,

Sem lhe rogar pela pele,

Confirmo, antes que interpele:

“Pois é isso exactamente!...”

 

 

578 - Inversa

 

Na inversa vida de agora

Ninguém com a norma atrema:

- Vou, de hábito, jantar fora,

Volto a casa a ver cinema!

 

 

579 - Sorriso

 

O sorriso tem origem

No arreganhar dos dentes,

Com as mensagens que afligem:

“És comida, não me tentes!

 

Porém, embora equipado

Para te comer, comigo

Ficas seguro a meu lado

Porque, enfim, sou teu amigo.”

 

 

580 - Macacos

 

Se os macacos são

Nossos parentes chegados

Que é que revelarão

De nossos dados?

- Fomos mesmo apanhados! Fomos mesmo apanhados!

 

 

581 - Simiescos

 

Somos todos simiescos,

Macacóides, até ver:

Nossos gestos principescos

Nem nossos serão sequer.

 

Se for chimpanzé o parente,

Das raças a mais chegada,

Como é que a gente se sente

A tal gente aparentada?

 

Falo com gestos exímios,

Escolho, terei opções...

Tal e qual como estes símios:

- Somos todos macacões!

 

 

582 - Chimpanzé

 

Meu mais próximo parente

Vem a ser o chimpanzé.

Do chimpanzé igualmente

Será o homem quem o é.

 

Não será o orangotango

E também não o gorila.

São as pessoas, não mango,

Dele o primo anel da fila.

 

Só depois, longinquamente,

De homens e de chimpanzés

É o gorila ainda parente

Da cabeça até aos pés.

 

Somos primos mais inatos

Do que os burros e os cavalos,

Que as ratazanas e os ratos,

Do que os perus e os galos.

 

E agora quem me diria,

Por sobre a minha eminência,

Que vinha encontrar-me um dia

Dum chimpanzé na aparência?!

 

 

583 - Dominância

 

A hierarquia

De dominância

Desarma e guia

Qualquer instância.

 

Impede a luta

Dos subordinados,

Que qualquer disputa

Obedece aos brados

Que programados

Geneticamente

Tornam obediente

Qualquer dos descuidados

De qualquer patente.

Dois ou três gritos

Logo nos soldados

Inibem conflitos.

Em todos os lados

Igual é o apresto:

Em símios danados

E em homens ao resto.

 

 

584 - Sobrepovoamento

 

Quando há sobrepovoamento

Os chimpanzés são afáveis,

Acalmam raiva e tormento

E as discussões evitáveis

 

Impedem, bem educados.

O papel é feminino,

Com os constantes recados

A ordenar o desatino.

 

Isto só nos encoraja,

Na política mundial,

A que mais mulheres haja

Em soma proporcional.

 

 

585 - Corneado

 

Na selva ou no cativeiro,

O macaco corneado,

Quando o descobre, primeiro,

É contra a fêmea assanhado.

 

Logo a ataca,

Arrasa, aplana,

Que, porventura, a macaca

Foi por demais leviana.

 

E depois é mais seguro

Não ir contra o destino:

Atacá-la é menos duro

Do que um rival masculino.

 

Na selva ou no cativeiro

Nós temos cada parceiro!

 

 

586 - Galho

 

Seis milhões de anos atrás

A árvore da evolução

Bifurca o galho que faz

Do chimpanzé nosso irmão.

 

 

587 - Armazém

 

O cérebro dos primatas

É um armazém de rancores.

Se és macaco, não empatas,

São minutos teus furores.

 

Se és um chimpanzé, porém,

Durarão horas ou dias,

Mesmo se a fêmea mantém

Actos contra o que ousarias.

 

Se os ódios são entre as fêmeas

Podem durar toda a vida,

Não há bolos, não há sêmeas,

Nada à paz de vez convida.

 

Entre humanos durarão

De minutos a milénios,

Depende de como são

Os motivos e os convénios.

 

Dos macacos até nós,

Um qualquer ressentimento

Pode ir até aos avós

E aos netos, sem linimento.

 

Quem genéticas diria

As balas duma escopeta

 

Que as tragédias inicia

De Romeu e Julieta?

 

 

588 - Primatas

 

Os programas dos primatas

São abertos, adaptáveis

E flexíveis, ajustáveis

Como os que em ti mesmo acatas.

 

É constante a ambivalência

Bem como a complexidade,

É comum a incoerência...

- És primata de verdade!

 

 

589 - Arsenal

 

Os assassínios em massa

Não existem, nem couraça,

Nem um bélico arsenal

No demais reino animal.

 

Destes tais antepassados

Menosprezamos arcanos

Quando os culpamos dos dados

Que são culpa dos humanos.

 

 

590 - Banca

 

Nós confiamos na banca

Para nos guardar dinheiro

E a banca fora nos tranca,

Nem nos empresta um tinteiro!

 

 

591 - Lâmpada

 

Uma lâmpada fundida

Cinco políticos quer

Para a muda que é devida:

O que a muda há-de fazer,

Mais quatro, em contrapartida,

Que juram por quanto houver

Que não estava fundida!

 

 

592 - Livro

 

Da mulher eu não me livro

De me ser complementar:

- Enquanto eu mudo de livro,

Ela muda-o de lugar!

 

 

593 - Exposição

 

O que é ter falsa cultura?

É haver uma exposição

Em que, com toda a candura,

Alguém confunde no chão

Qualquer de algo protecção

Com obra de estilo, pura

E com tanta ou mais proposta

Que outra ali ao lado exposta!

 

 

594 - Estatísticas

 

Estatísticas são contas,

São números à procura

Daquilo que os assegura:

- Argumentações já prontas!

 

 

595 - Educação

 

Educação é o que fica

Quando já nos esquecemos

De tudo o que qualifica

Tudo aquilo que aprendemos.

 

 

596 - Insónia

 

A melhor cura da insónia

Tem a mezinha caseira

Que trata sem acrimónia:

- O alvor de segunda-feira!

 

 

597 - Cadeiras

 

Talha teu lugar

Por entre as carreiras:

Escolhe uma e vai.

Quem se quer sentar

Em duas cadeiras

Entre as duas cai.

 

 

598 - Sintetizar

 

As relações pais e filhos

Podem-se sintetizar

Não tanto pelos sarilhos

Mas dum modo circular.

 

Quando alguém tem cinco anos

No pai verá, sobretudo,

Não fraqueza e desenganos,

Mas alguém que sabe tudo.

 

Porém, quando se tem doze,

Qualquer certeza se esvai

E, enquanto as dúvidas cose,

Já não sabe tudo o pai.

 

Aos dezoito se consuma

A arrasante caminhada

E o que se conclui, em suma,

É que o pai não sabe nada.

 

São depois os vinte e cinco

E, ao constatar quanto pranto

Paga as lutas com afinco,

Sabe o pai, afinal, tanto!

 

Se trinta e cinco se tem,

Perante o vazio agudo:

“Quem me dera o pai e a mãe!

Eles, sim, sabiam tudo!”

 

 

599 - Vira-vento

 

Muito pior que um tormento

É apagar-se nossa estrela:

A mulher é um vira-vento,

Só um louco se fia dela!

 

 

600 - Estelar

 

Muitos ainda não acreditam

Que o telefone estelar já se montou,

À espera de que eles emitam...

...Apenas ainda ninguém ligou!

 

 

601 - Ovnis

 

A atitude da Força Aérea

É simples e linear:

- Os ovnis são uma léria

Mas os aviões têm ordem para os atacar!

 

 

602 - Vaca

 

Passa um ovni. Quando passa,

Somos a vaca no prado

A olhar o comboio, lassa,

Ruminando ali de lado!

 

 

603 - Disparates

 

Caos tradicionalista,

Esta igreja de dislates

Demoli-la tenho em vista.

Porém, logra-se-me a pista:

- Logo há novos disparates!

 

 

604 - Atracção

 

O que busca o peregrino

No local da aparição

É espectáculo divino:

O milagre é uma atracção!

 

 

605 - Vender

 

Quando um artista aprender

Pretende num seminário

Como a pintura vender,

Vai correr um mau fadário.

 

“Em arte vendes-te a ti!”

- Diz o mestre da sessão.

“Se és vanguarda, um alibi

É vestir sem convenção;

 

Se és paisagem realista

Com gestos de povo ao vivo,

Importa que isso te vista,

Tal se lá foras cativo.”

 

“É quanto basta, querida!”

- Ouvirás ao lado tu. -

“No resto da tua vida

Não pintas mais nenhum nu!”

 

 

606 - Tempo

 

Se queres ver algo feito,

A quem não tem tempo o pede;

Se o não queres a preceito,

A quem tempo tem o cede.

 

Quem não tem tempo é que faz

Tudo o que tem a fazer;

Quem o tem é que lhe apraz

Não cumprir nenhum dever.

 

 

607 - Galáxia

 

Se a alguém disser que haverá

Na Galáxia biliões de astros,

É certo que me crerá.

Será que quer deixar rastros

 

Quando pintado de fresco

Lhe aponto o banco da rua

E lhe põe logo a mão nua

A confirmar o que atesto?

 

 

608 - Céu

 

Um homem é uma pessoa

Que, quando uma mulher diz:

“Farei isso numa boa”,

A deixa fazer, feliz.

 

Por sua vez, a mulher

É quem, dizendo-o de entrada,

Se o homem deixa-a fazer,

Ficará, no fim, danada!

 

E um homem é quem, depois,

Não entendendo o que vê,

Ainda espicaça os bois:

“Danada agora, porquê?”

 

E mulher é quem replica:

“Se não sabes, não sou eu,

Não sou eu, não, quem te explica!”

- E eis como a família é o céu!

 

 

609 - Jardineiro

 

Se o jardineiro se apruma,

Não lhe levante quezília

Quando dele este é o princípio:

“Aqui não há planta alguma

Que seja duma família,

Todas são do município.”

 

É que a família das plantas

Para ele não vigora

E, se com ela te encantas,

O encanto nele não mora,

Que só vive, de hora a hora,

Que é família onde tu jantas.

 

 

610 - Profetizado

 

Do mundo o fim eminente

Tem sido profetizado

E o crente

Põe toda a vida de lado.

 

Até houve a profetiza

Que convenceu os fiéis

A terem careca lisa

E só, no topo, uns anéis.

 

Podiam ser agarrados

Por anjos que os salvariam,

Pendurados,

Do fim que os mais sofreriam.

 

No alto andaime de madeira

Entretanto construído

Trepou, ligeira,

Após ter os mais subido.

 

Aos anjos facilitavam

No alto a localização.

Logo, porém, desabavam

No chão.

 

Foi de facto o fim do mundo

Para os fiéis que morreram

No segundo

Das quedas que então se deram!

 

 

611 - Encantos

 

Se em fantasmas te perguntam

Se crês, diz com teus encantos

Aos que a gozar-te se juntam:

- De modo algum, já vi tantos!

 

 

612 - Crime

 

Um crime, quando é famoso,

Tanto imaginário afaga

Que esquecemos, com o gozo,

Que somos nós quem o paga.

 

 

613 - Cornos

 

Nascem cornos ao diabo

Às dúzias, quando um caduca,

Que cornudo, ao fim e ao cabo,

Já nem é, é uma peruca!

 

 

614 - Demónio

 

O demónio possuiu

A Terra há milhares de anos.

Breve foi que respondeu

O homem daquele aos danos.

 

Tal como, porém, sucede

Aos países conquistados,

Velhos costumes, sucede,

Continuam praticados.

 

E o diabo, sorrateiro,

Às claras ou disfarçado,

Continua o ano inteiro

A mandar em todo o lado.

 

 

615 - Café

 

Onde haurir café tão forte que me mantenha acordado

Mesmo havendo já contado três dias além da morte?

 

O retorcido que acolhas, quando dele alguém converse

Vai dizer que anda a esconder-se por detrás dum saca-          -rolhas.

 

Na vida não há batota e terei de ser tão duro

Que os dentes limpo e apuro com pregos de galeota.

 

 

616 - Mãe

 

Uma mãe é tanto mãe que esta é sua identidade,

Pois uma mãe, na verdade, nenhum outro nome tem.

 

Nenhum nome lhe convém senão ser mãe de fulano,

Já que é mulher de cicrano e mais não há para além.

 

Ninguém disto fica forro: se depois criar um cão,

Na clínica lhe dirão - “É a mãe deste cachorro?”

 

 

617 - Três

 

Qualquer coisa que queiramos, sempre haverá três maneiras para que ao fim consigamos obtê-la sem mais canseiras.

 

Todas três sendo certeiras, a primeira é que a façamos: logo então dela te abeiras sem gerar servos nem amos.

 

Mas tens outra alternativa: mandarás alguém fazê-la que, de a fazer, sobreviva. Porém, a terceira viela é dar ordem proibitiva aos filhos: - vão logo a ela!

 

 

618 - Dedo

 

O problema reformista não é uma questão de credo, é sempre a ponta do dedo que aponta o que tem em vista.

 

A revolução que exista não perece pelo medo mas por não ver o segredo que distorce quanto invista.

 

O profeta, quando aponta, jamais para o dedo olhou e só vai tomar em conta aquilo a que ele apontou; os sequazes tornam credo a sua ponta do dedo!

 

 

619 - Papel

 

Se Deus tivera contra si o diabo

Saltaria a feliz dificuldade,

Deste inimigo nem veria o rabo

Reduzido à suprema nulidade.

Quando enfrenta, porém, da pena o cabo,

Escrita no papel crua verdade,

Aqui d’el-rei que Deus está perdido

À mão de quem escreve, esse bandido!

 

 

620 - Custa

 

Toda a gente requer viver à custa

Não dele próprio, porém do Estado,

Entendem todos que é medida justa,

Que têm um direito redobrado

A quanto cada qual dali degusta.

Por todos anda sempre obliterado

Que se do Estado tudo quer viver,

De tudo à custa também ele quer.

 

 

621 - Vegetais

 

A preocupação com vegetais

Que geneticamente são mudados

Não é de cancerígenos sinais,

Nem sequer dos efeitos controlados,

Ou de com eles não vivermos mais

Vegetais com os fins pré-programados,

- É só que minha filha, há tempo algum,

Ao que parece, anda a sair com um!

 

 

622 - Mosquitos

 

São uns mosquitos as crianças frágeis,

A volitarem por aqui, ali,

Tão ao de leve e com tais modos ágeis

Que conta ninguém dá do frenesi.

Quando os mosquitos se nos tornam fáceis,

Como crianças que pequenas vi,

Não é que se aquietem, não: em suma,

Estão a preparar-se para alguma!

 

 

623 - Jumento

 

Como um jumento de elevada carga

Que por procuração já se engrandece,

A si atribuindo o que o não larga

No lombo carregado que enaltece,

Assim o potentado a vista alarga,

Convencido de que é quanto parece,

Quando é um burro que o mundo tem honrado,

Não por si, pela carga do costado!

 

 

624 - Rir

 

Já que se nasce a chorar,

No dia de alguém partir

Para o último lugar,

Se algo aprendeu, vai-se a rir!

 

 

625 - Ambição

 

Manda em nós tanto a ambição

Que a ferro marca o que bole:

Ferra os cavalos e o chão,

Ferra o ar e a luz do sol!

 

 

626 - Concordância

 

O que quero e o que preciso

Não têm fácil concordância:

Nunca quero ter juízo

Mas preciso desta instância!

 

 

627 - Pés

 

Aos pés se arrastar dos reis

Traz prebendas e librés.

E os reis nisto é que vereis:

- Só têm ouvidos nos pés!

 

 

628 - Confusão

 

Uma ingénua confusão

Deita os tronos a perder:

- Tomar um soldado a obedecer

Pelo consentimento da nação.

 

 

629 - Insulsos

 

Os mais insulsos maridos

São enganados maiores

De esposas, perdidas flores,

Por andarem distraídos

A fazerem de entendidos

Como amantes sedutores

De quem nem lhes presta ouvidos!

 

 

630 - Bofetada

 

Libertar uma mulher

É esquivá-la à bofetada

Que seu marido lhe der,

Porém, evitando a estrada

Em que ela se queixa ao pai

Pedindo que vingue a afronta,

Se esta ajuda dele atrai

Como justiça de monta:

 

- Em que face te bateu?

- Na direita - chora ela.

- Na esquerda te bato eu

E assim resolvo a querela.

 

E esta ideia ao fim partilha,

De novo após lhe bater:

- Minha terrível vingança

Deste modo aqui se alcança:

Se ele me bateu na filha,

Eu lhe bati na mulher!

 

 

631 - Correctivo

 

Um gato

É um correctivo.

Deus criou o rato

E, ao vê-lo vivo,

Descobriu que era uma asneira.

Acrescentou-lhe a errata

Por brincadeira.

E agora temos à mão

A obra exacta

Da Criação.

 

 

632 - Pistola

 

Qualquer homem sem mulher

É pistola sem gatilho,

É que ela faz de qualquer

Chispar do disparo o brilho.

 

 

633 - Afinidade

 

Qual a estranha afinidade

Entre a pública mulher

 

E o homem público que a cidade

Tiver?

Qual é a coisa, qual é ela

Que ele não mostra à janela?...

 

 

634 - Ceptros

 

Tantos ceptros, tantos ceptros

De oiro, ferro ou flor-de-lis,

Tão reduzidos a espectros

Nas revoluções que fiz!

 

Como uma cana cortada

Em qualquer canavial

Pelas mãos esmigalhada

Deles não há mais sinal.

 

Agora revoluções

Quem as faz contra um lencinho

A acenar aos corações,

Cada qual o mais sozinho?

 

Assim bordada de sonho

Na mão de cera e cristal,

Quem não ama o que medonho

Da mulher há no sinal?

 

 

635 - Muros

 

Andamos há milhões de anos,

Homem-mulher lado a lado,

Dos muros saltando os panos

A amar com terno cuidado.

 

O diabo, que é esperteza,

Desata a odiar o homem.

E o homem, que ama a beleza,

Antes que as teias o domem,

 

Mais esperto que o diabo,

Desata a amar a mulher.

E na soma, ao fim e ao cabo,

Fica o diabo a perder.

 

 

636 - Segredos

 

Dos segredos que nos são confiados

Dois serão os tipos com que depararmos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- Os que nem merecem ser guardados

E os bons demais para os guardarmos!

 

 

637 - Eleitorais

 

Campanhas eleitorais

São vidros mas mal limpados:

A sujidade e o mais

Sempre estão dos outros lados!

 

 

638 - Pontual

 

Ser pontual só tem problema

Por não haver no lugar

Quem nos siga o mesmo lema

Para o poder constatar.

 

 

639 - Golfinho

 

O golfinho é inteligente:

Horas após o cativeiro

Já um homem treinou, eficiente,

A atirar-lhe peixe para o viveiro!

 

 

640 - Inverter

 

Nascemos de olhos fechados

E boca aberta.

A vida são esforços denodados

A inverter ambos os lados

Em busca da forma certa.

 

 

641 - Engenho

 

O engenho para espantar

Terá por prémio o consenso.

Os homens vão adorar

E que são néscios nem penso.