SÉTIMO VERSO
De todo este sarcasmo que anuncia
Escolha um número aleatório entre
642 e 715 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
642 - De todo este sarcasmo que anuncia
De todo este sarcasmo que anuncia
A raiva,
O que hoje e sempre me perderia
É a porfia
Daquilo em que eu não caiba.
Quando bato no que bato
É porque sinto
Que, se ali não bato, minto
Porque então me lento mato.
643 - Fingido |
|
Quando um livro
é interrompido |
Por TV comercial, |
É que tem
leitor fingido: |
- Homem, não; é
um animal! |
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644 - Patetas |
|
O que é mais
surpreendente |
Com tantas jovens vedetas |
É que o mundo
decadente |
As leve a sobreviver |
- Para lhes fazer caretas |
Quando não forem sequer |
Mais do que uns
velhos patetas! |
|
|
645 - Rio |
|
Quando tombamos no rio |
Não somos mais pescadores: |
“Eu tornado
pesca a frio?! |
Vamos é ser nadadores!” |
|
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646 - Político |
|
Tentação universal |
Do político a subir: |
Gritar para o maralhal |
O que o símio
quer ouvir! |
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647 - Paradoxo |
|
O paradoxo do fumador: |
Em novo fuma |
Para parecer maior; |
Em grande, porque costuma |
E nem força nem
valor |
Evitam mais o tabaco; |
Os novos então
retomam dele o mito, |
Vendem-se ao
fumo a pataco... |
E a estupidez
continua ao infinito. |
|
|
648 - Fumar |
|
Como fumar é barato, |
Cada qual anda fumando |
Só para fugir
ao acto |
De pensar de
vez em quando. |
|
É que pensar
custa tanto! |
Por isso é que
meu País |
Queima as florestas enquanto |
Foge a pensar
de raiz. |
|
Um país que
fuma incêndios |
Como as pessoas cigarros, |
A mesma loucura
acende-os |
Do que se
esfuma nos charros. |
|
É que pensar e
fumar |
Este país os confunde, |
Ambos vão
jogando ao ar |
Nuvens que um
ar breve funde. |
|
Pior é que os
confundindo, |
País e gentes também, |
Tudo assim se diluindo |
Acaba p’lo tempo além. |
|
E se do nada um
país |
Pode trepar na jornada, |
Se se esvai em
nadas vis, |
Não é país nem
é nada. |
|
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649 - Amolgado |
|
Ainda bem que
os poderosos |
Têm um ar amolgado: |
- Somos, ao
fim, bem manhosos |
Nas caneladas de lado! |
|
|
650 - Fraqueza |
|
A fraqueza nos enlaça |
Tanto a nós, os
portugueses, |
Com a
indulgência mais lassa |
Que sempre termina escassa |
A ordem que,
tantas vezes |
Na indisciplina ultrapassa |
Os costumes mais soezes. |
Somos um couto
de caça |
Com povoados corteses. |
O estranho que
aqui perpassa |
Topa os varapaus malteses, |
Crê que somos
doutra raça, |
Crê que os paus
são ameaça |
Para se conter
as rêses. |
Não vê que tudo
não passa |
Duma imitação barata. |
Quando ele mal
se precata, |
Encostado ao
pau só resta, |
Ali, regaladamente, |
Um ganhão que
dorme a sesta |
Enganando toda a gente! |
|
|
651 - Inimigo |
|
Se um inimigo criou |
Obra que as
alturas meça |
Não descanso
enquanto o voo |
Ao chão raso
lho não desça. |
|
|
652 - Lérias |
|
Ser feliz,
viver de férias |
Por toda uma
vida inteira... |
- Das sereias nestas lérias |
É que a vida ao
fim se esgueira. |
|
|
653 - Rede |
|
Segurança social |
É rede de segurança, |
Não cama de
rede à qual |
Cada qual cai e
descansa. |
|
|
654 - Colombo |
|
Colombo nem sabia |
Para onde ia, |
Tinha uma tripulação |
Em amotinação |
E dependia por inteiro |
Do empréstimo financeiro: |
- Que enorme,
hoje em dia, |
Candidato político daria! |
|
|
655 - Cautela |
|
É preciso ter cautela |
Contra o hábito patriótico |
A que um país
qualquer apela |
De disparar um
convicto murro |
Neurótico, |
Inesperadamente, |
No queixo casmurro |
Da gente! |
|
|
656 - Poder |
|
O problema do poder |
É que é um
poder traiçoeiro: |
Nunca o tem
quem tem o ser, |
Tem-no quem tem
o dinheiro. |
|
|
657 - Selecção |
|
A selecção natural, |
Dentre outros sentidos nobres, |
Justifica ao capital |
Oprimir fracos e pobres. |
|
|
658 - Bactérias |
|
Bactérias e leveduras |
Exploram destiladores |
Que, delas sem sinecuras, |
São os seus reprodutores |
|
Numa escala nunca vista |
Tanto a nível mundial, |
Como, para que resista, |
Com apuro industrial. |
|
Só porque adoramos beber |
Até cair para o
lado |
Resíduos microbianos de qualquer |
Uva ou malte fermentado. |
|
Se as bactérias falaram, |
Da esperteza |
Talvez se vangloriaram |
Com que dominam
esta humanidade |
Que tanto preza |
Uma pretensa superioridade! |
|
Tão estúpidos somos |
Que as fezes delas |
A recolhê-las |
Nos pomos |
Para no fim
bebê-las! |
|
|
659 - Maníacos |
|
Os maníacos do sexo |
Andam bem acompanhados, |
Que animais,
plantas sem nexo |
Lhes multiplicam o amplexo: |
- Todos são dele apanhados! |
|
|
660 - Máquina |
|
A existência de inimigos |
Comuns vai fazer rosnar, |
Contra eminentes perigos, |
A máquina de atacar. |
|
É toda uma engenharia |
Social que mobiliza, |
Unida no mesmo dia |
Em que o risco
se divisa. |
|
A mais poderosa força |
Que unifica os animais |
De fora é que
se reforça |
E nós somos
como os mais. |
|
|
661 - Verniz |
|
Por sob a fina
camada |
Deste verniz cultural |
É simiesca esta arrancada |
Contra o convénio social. |
|
As ânsias de rebentar |
Com as absurdas farpelas, |
Convenções de
falta de ar, |
E a raiva
contra as sequelas |
|
Não são, acima
de tudo, |
Tons de civilização, |
São o começo do
entrudo, |
São os símios
no salão. |
|
|
662 - Política |
|
Quando a política externa |
Não respeita a
boa-fé, |
O político se interna. |
- É o reino do
chimpanzé: |
Dele, de facto,
este primo |
Sempre segue aquele arrimo. |
|
|
663 - Metro |
|
Nos relatos das
imprensas diárias, |
Nos populares
livros de ficção, |
Nas crónicas da
antiga civilização, |
Nos livros
sacros de religiões várias, |
De Ésquilo e
Shakespeare nas tragédias, |
- O mais
perturbador dos elementos |
É que às
atitudes humanas mede-as |
Do chimpanzé o
metro dos comportamentos. |
|
|
664 - Fantasia |
|
De mulheres há
uma minoria |
A que excita a
fantasia |
Da violação. |
E as que foram
violadas |
Por um conhecido são |
Surpreendentemente inclinadas |
A sair mais com
o agressor |
Do que as que à
tentativa |
Lograram se opor. |
Não ser esquiva |
Em tal ocorrência |
Encontra irmãs gémeas |
No padrão de aquiescência |
Das chimpanzés fêmeas! |
|
|
665 - Tarado |
|
Um tarado sexual |
É um macaco retardado |
Que se enganou
deste lado. |
Na era primordial |
Já devia ter mudado |
Rumo àqueloutro ancestral. |
|
|
666 - Aceite |
|
Requer-se uma geração |
Para que o deleite |
Duma invenção |
Seja aceite. |
|
Não gastes os
teus patacos |
A desfazer os nós: |
Aquilo é com os
macacos |
E é igual entre
nós. |
|
A prova física provada |
Em laboratório |
Apenas de vez
será acatada |
Dos velhos
físicos após o velório. |
|
|
667 - Crítico |
|
Experiências comprovam |
Que os
chimpanzés são capazes |
De analogias que inovam, |
De inferir do
que lhes fazes. |
|
Vêem além do
que se vê, |
Qualquer deles
como nós intui: |
Se “A é B” e “B é C”, |
Então “A é C”
também conclui. |
|
Porém, o mais curioso |
É que entre nós
muito crítico cita |
Que a fórmula descrita |
É grego do mais
tenebroso |
Para si |
E do chimpanzé
no pensar provado ali |
Apesar disso não acredita! |
|
|
668 - Memória |
|
Não nos marca a
memória |
Como típico elemento. |
Esta fingida glória |
É a do nosso
esquecimento |
Dos sinais |
Que marcam os animais. |
|
Não é por recordar |
Que sobre eles
temos qualquer |
Vitória a hastear... |
- Só se for por
esquecer... |
Ou por demais ignorar! |
|
|
669 - Fala |
|
Numa escala surpreendente |
Filósofos e cientistas |
Afirmam veementemente |
Que os símios
da fala não têm as pistas. |
|
Depois, triunfantes, |
Ignoram as provas |
Que contradizem, gritantes, |
Deles as pretensas novas. |
|
E o mais
espantoso produto |
É que não
perdem de sábios o estatuto! |
|
|
670 - Sanguinário |
|
O animal dentro
de nós |
Leva a um acto
sanguinário? |
- Pode ser de
teus avós |
E não de animal
cenário... |
|
|
671 - Parentesco |
|
Quem pensa que
o parentesco |
Com os outros animais |
Nos afronta a dignidade |
Ignora que o
mais grotesco |
É sermos parentes mais |
De Estaline, Hitler - verdade |
Que, se os não
incomodar, |
Dá mesmo então
que pensar! |
|
|
672 - Aldrabões |
|
Isto é um mundo
de aldrabões: |
Deram-me uma
nota falsa! |
Sorte é ver se,
entre uns tostões, |
Dela a gente se
descalça... |
|
|
673 - Dificuldade |
|
Quando a
notícia ou tragédia |
Barram duras o porvir, |
Toda a
gravidade mede-a |
O que sente a
humanidade: |
A real dificuldade |
Em dormir. |
- É que acaba
de acordar |
E assim ocupa o
lugar! |
|
|
674 - Insónias |
|
Não os matou a
camorra, |
Foi apenas por saberem |
Que perderam
todos os chãos: |
Há muito quem
de insónias morra |
Por do cosmos
os verem |
Incógnitos irmãos! |
|
|
675 - Segredo |
|
O segredo é
sempre bom: |
O acto mais inofensivo |
Mudará logo de tom |
Se é secreto o
seu arquivo. |
|
Um homem vulgar requer |
Participar no segredo, |
É impelido a pertencer |
Aos sábios de
qualquer credo. |
|
É muito sagaz manter |
Segredos feitos sagrados: |
- Todo o mundo
vai correr, |
Carneiro, para tais lados! |
|
|
676 - Fátima |
|
Em Fátima,
deixo o carro |
Numa garagem sagrada |
Duma pousada sagrada |
Por um preço
que é um escarro |
Herético |
Que, de
imediato, a qualquer crente |
Inteligente |
Deveria tornar céptico! |
|
|
677 - Ex-votos |
|
Os ex-votos nos
garantem |
As promessas atendidas. |
Não há muro
onde se implantem |
Todas as desiludidas. |
|
|
678 - Braseiro |
|
O milagre verdadeiro |
É que num tabu
se pega |
E nos fica num
braseiro |
A mão que nele
se adrega. |
|
|
679 - Vazio |
|
Nunca vi |
Ninguém |
Mais vazio do
que quem |
Vive cheio de si! |
|
|
680 - Pantera |
|
Ninguém logra transformar |
A pantera num gatinho |
Só com no lombo
lhe ir dar |
Festas com todo
o carinho. |
|
|
681 - Erro |
|
Num erro
qualquer um cai. |
Acaba por ter estilo |
Confessá-lo:
ei-lo se esvai... |
Um tonto quer
repeti-lo! |
|
|
682 - Vão |
|
Uma vida bem vivida |
Tem amor, disposição: |
Amor que a
torne entendida, |
O mais que
aguente o que é vão! |
|
|
683 - Depressa |
|
O poder tem um
senão, |
É de mão baixa
e depressa: |
Corre mais de
mão em mão |
Que de cabeça
em cabeça. |
|
|
684 - Feiticeiro |
|
Quem primeiro descobriu |
Foi um feiticeiro astuto |
E o preço de
ser arguto |
Pagou-o quem o
não viu. |
|
Quem detém conhecimento |
Para dizer às pessoas |
Quais as luas
que são boas |
Para colher o frumento |
|
Pode convencer ignaros |
Que são ofícios
e ritos |
Os adequados preparos |
Que nos vergam infinitos. |
|
Quando é apenas
o poder |
Dum saber raro, intocado, |
O que usa a seu
bel-prazer |
E os mais
tornou no seu gado. |
|
|
685 - Frigideira |
|
Embora |
A Terra pareça
tão ameaçadora |
Que nos impele
a fugir logo, |
Sem ver para
onde nem de que maneira, |
O problema é
que talvez estejamos a saltar |
Da frigideira |
Para o fogo |
E não resta
qualquer outro lugar! |
|
|
686 - Analfabeto |
|
Como é que em
nosso projecto |
A vida algum
dia bole |
Se cá todo o
analfabeto |
É um doutor em
futebol? |
|
|
687 - Estupidez |
|
Cura da razão,
pois és |
A razão do que
é teu chão |
E, depois, a estupidez |
Até Deus
combate em vão! |
|
|
688 - Crueldade |
|
Enquanto Jesus, o Cristo, |
Ignorando a cristandade, |
Prega o amor, à
custa disto |
Rege a Igreja a
crueldade! |
|
|
689 - Cão |
|
A latir e a
uivar, |
Cá vamos todos ganindo, |
Cães que somos,
ao luar... |
“Como estás?”
“Cão vamos indo!...” |
|
|
690 - Envergadura |
|
Um homem que
houver montado |
Um bote de envergadura |
É no conceito elevado, |
Esquecem-lhe a pisadura! |
|
|
691 - Urso |
|
Há quem se aprovisione |
De Deus,
prevenindo o inferno, |
Como qualquer urso come |
Para aguentar um Inverno. |
|
|
692 - Superfícies |
|
As crianças não aprovas, |
Mas aprovas seu dirfarce: |
- Tantas superfícies novas |
Que podem de
vez riscar-se! |
E depois cantarás trovas |
Quando o tecido
se esgarce... |
Vê mas é se te
renovas |
Antes que
alguém vá vingar-se! |
|
|
693 - Semelhantes |
|
Semelhantes mais ao homem |
Do que a um
animal qualquer |
São bichos que
se não domem: |
- Não querem mesmo aprender! |
|
|
694 - Violência |
|
Isto é que é
democracia, já ninguém manda em ninguém, nos pais bate todo o dia o
filho que já não têm! |
|
E quem mais
insultaria,serão os filhos à mãe ou o pai que assim os cria dos palavrões no
vai-vém? |
|
Há cenas de
violência, sai o filho dos varais sem controlo, há só demência, são o invés
dos comensais: senta-se à mesa a falência - os filhos são pais dos pais! |
|
|
695 - Caso-problema |
|
O problema dos
meninos que são um caso-problema é o problema dos pepinos sujeitos ao
padrão-lema. |
|
Quando são bem
pequeninos, crescem à força, não trema o mercado dos destinos com um não que
não atrema. |
|
E bem verdes
são colhidos sem sabor nem resistência, para uma escola expedidos que se
queixa da evidência de frutos |
tão mal
nutridos: dentro são só putrescência! |
|
|
696 - Cilícios |
|
Cada qual sonha
ter o mundo aos pés |
E a vida
inclina a aproximar tal meta, |
Enfrenta
qualquer dor, qualquer revés |
Desde que
aquilo ao fim se lhe prometa. |
E quando, tarde
ou cedo, é a sua vez |
De a cornucópia
ter demais completa, |
Sonha cilícios
com os nós de esparto, |
Boceja tédios
como um leão farto. |
|
|
697 - Metais |
|
“Tem tão bom
coração!” - e assim se mata |
Qualquer homem
nas altas sociedades. |
Quer um coração
de oiro, quer de prata |
Naquelas nunca
valem as verdades |
Dos metais que
qualquer delas acata. |
Bom coração é o
dito das vaidades |
Que quer dizer
naquele que o aponte: |
Na estupidez
será um rinoceronte! |
698 - Conta |
|
“Perdeste a tua
mãe, teu pai perdeste...” |
- Como adoçar
esta cruel verdade? |
No mundo a
crueldade que reveste |
Reveste mais a
cor da falsidade, |
Porquanto não
há dor maior que a deste |
Desastre que
lhe incarna a brutidade: |
- Perdeste por
inteiro quaisquer bens, |
És doravante a
conta que não tens. |
|
|
699 - Pedante |
|
É quando um
falador for um pedante |
Que a fala se
tornou no inútil bicho |
Que andará para
trás, para diante |
Sem do sentido
retomar o nicho. |
Tão pesado é o
discurso bem falante |
Que o pedante
só fala por capricho. |
- Ainda que
esteja a ver morrer-lhe o pai |
Dar-lhe socorro
sem falar nãovai! |
|
|
700 - Zoilos |
|
Vós, ó zoilos,
que roeis |
As obras de
quem é sábio, |
Em vão os
dentes mordeis, |
Que mordeis o
vosso lábio! |
|
|
701 - Anão |
|
Não são sonhos,
não são meios |
Que bastam ao
que intentamos: |
Um anão perde
os receios |
Se encontra a
dormir os amos. |
|
|
702 - Caça |
|
Caçar o animal
é caça |
Muito indigna e desleal: |
Caçar homens é
que traça |
Caça de igual
para igual! |
|
|
703 - Seixos |
|
Qualquer dia despachamos |
Os adultos com
dois seixos |
E então,
crianças, nós vamos |
Ter o mundo a
andar nos eixos! |
|
|
704 - Gota |
|
Uma só gota de
vinho |
Avermelha um
copo de água |
Como a mulher
do vizinho |
Enche, bela, as
mais de mágoa. |
|
|
705 - Trevo |
|
Se na vida, ou
comer devo |
Ou deixar-me
então comer, |
- Em vez da
folha de trevo, |
Vou ser um
dente qualquer! |
|
|
706 - Ninguém |
|
Não és ninguém? |
Consegue alguma coisa, consegue! |
Já que o oiro é
doiradura |
Para o vulgo
que te tem, |
Persegue o que
ele persegue, |
Não busques a
forma pura |
Mas, fácil, a
que a imitar. |
Não sou eu que
ao fim te julgo, |
Mas o vulgo |
E o vulgo adora
o vulgar! |
|
|
707 - Abutre |
|
Um homem não amado |
Paira, abutre, |
Sobre as
amantes dos mais. |
De lado |
Nutre |
Discretos ritos canibais. |
|
|
|
708 - Acolhimento |
|
Para um bom acolhimento |
Exigem-te uma
coisa imaculada. |
A consciência,
não, mas as botas: |
As que deves
lamber como alimento |
E as que usas
na estrada. |
As consciências
podem continuar rotas! |
|
|
709 - Braço |
|
Não há nada diligente |
Como o braço popular |
Para construir contente, |
Sem atender ao lugar, |
O que, mesmo desavindo, |
Se construir demolindo! |
|
|
710 - Bodes |
|
Guerra de religiões, |
Escorneando fito a fito, |
É tal dois
bodes marrões, |
Na ponte para o
infinito |
Noite fora aos encontrões: |
- Ignoram da
aurora o grito! |
|
|
711 - Catarata |
|
A verdade às
vezes mata, |
Tão violenta é
a evidência: |
É a dor duma
consciência |
Operada à catarata. |
|
|
712 - Esterco |
|
Por fora tão lavadinho, |
De cara tão barbeada, |
E por dentro
que camada |
De esterco a
feder a vinho! |
Deixá-lo-ia sozinho, |
Se o vira,
qualquer labrego |
Que ainda se
assoara ao dedo! |
|
Porém, se for a
ganância, |
Só porque não
mete medo |
Vive desta discrepância, |
Ninguém a vota
ao degredo. |
|
|
713 - Criado |
|
Um barão
sê-lo-á mormente |
Para o criado, |
Que do título é
contente |
Com havê-lo partilhado. |
Ser o criado do
rico |
É da vida o
sumo intento: |
Dos amos colhe
um salpico, |
Oh, que desvanecimento! |
|
|
714 - Grupos |
|
Há dois grupos
de pessoas; |
Os sonhadores |
Atiram moedas à
fonte dos desejos; |
Os realistas
pescam-nas, predadores. |
No fim todos
cantam loas: |
Após a troca de
ensejos, |
Teve cada qual
as próprias broas. |
Ajustam-se os sentidos: |
Uns comem,
outros são comidos. |
|
|
715 - Bagagem |
|
Crianças de lar
em lar, |
Restos de desfeitos casais, |
São bagagem
perdida dos pais |
Que já se não
podem suportar. |
|
De serem gente |
Que sente |
Apenas dão vagos sinais, |
Abandonados no cais. |
Até que alguém
encontre um nicho |
Onde se despeje
de vez o lixo! |