OITAVO VERSO
A vida do que a sátira matou
Escolha um número aleatório entre
716 e 788 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
716 - A vida do que a sátira matou
A vida do que a sátira matou
Simula quem ilude,
À espera de que mude
A espreita de quem nele atentou.
Comanda-o o medo
Do dedo
Apontado
Que lhe espeto engatilhado,
Ameaçadoramente,
Não de frente,
De viés cá deste lado.
Assim, com uma gargalhada,
Ponho o quadrilheiro em debandada.
717 - Dotados |
|
Político dos dotados |
É o que, na
bifurcação |
Da estrada, em
vez duma opção |
Segue por ambos
os lados! |
|
|
718 - Livra-te |
|
Livra-te do costume |
De crer que
tens de urdir sentença |
Sobre quanto
vem a lume |
E que ao
momento pertença. |
|
De endireitar a vida |
Arroja os fardos |
De toda a gente
perdida |
Aos cardos. |
|
Livra-te de enumerar |
Intérminos pormenores, |
Vai direito ao lugar |
Sem os arredores. |
|
Escuta o sofrimento alheio, |
Paciente. |
Sela teus
lábios a meio, |
Quando és o doente. |
|
Aprende que a glória |
Te mora ao lado: |
Aceita só, na
tua história, |
Que às vezes
andas enganado. |
|
Não queiras ser santo, |
Difíceis são alguns deles, |
Só que um velho
azedo e sem encanto |
Do diabo veste
as peles. |
|
Descobre o que
houver de bom |
No lugar inesperado, |
O talento e o
melhor tom |
De quem hajas ignorado |
|
E, depois, jamais esqueças: |
Importa que lho reconheças. |
|
Sê pensante, |
Não melancólico, |
Prestável a
todo o instante, |
Sem piroso ser bucólico. |
|
A imensa sabedoria |
Que levas na bagagem |
É pena que a
não uses cada dia... |
- Mas precisas
de manter contigo |
Algum amigo |
Para a viagem! |
|
|
719 - Prenda |
|
O que quer a
maioria |
Como prenda de Natal, |
Para o moldar
tal e qual |
Como o sonha a
fantasia, |
É mais um mês
de folia, |
Com dias todos cativos |
- Só para os preparativos! |
|
|
720 - Intelectuais |
|
Erro de intelectuais |
Não é o de
serem herméticos |
(Estes já nem
dão sinais), |
É que são todos
heréticos. |
|
A verdade nua e
crua |
Tem sempre
outros mais vectores |
Do que os que
rouba a gazua |
Duns quantos ladrões menores. |
|
|
721 - Lema |
|
Não há questão |
Que não tenha solução. |
Para o filósofo
que somos, porém, o lema |
É, para cada
solução, seu problema. |
|
|
722 - Honesto |
|
O pior é que
ele é honesto: |
Fala a sério |
Quando diz o
que diz. |
De resto, |
Não há mistério |
No amanhã que o
contradiz: |
À fruta no cesto, |
A cada estação,
seu cariz. |
|
O que importa é
ser fiel |
A cada momento crítico: |
É o leite e o
mel |
Do político. |
|
Prega |
Ao eleitor as promessas. |
O tempo é que
se encarrega |
De lhas virar
às avessas. |
|
Do político a sinceridade |
Nada a ultrapassa. |
...Dura apenas, é verdade, |
O momento que passa! |
|
|
723 - Defeito |
|
A democracia |
Tem um defeito: |
Apenas da
oposição a minoria |
Sabe governar de jeito. |
|
|
724 - Prudência |
|
O que resta a
cada um |
Por prudência, é reunir, |
Por conta, pecúlio algum |
E um revólver adquirir. |
|
Quando alguém
te bate à porta |
Tens de ver a
quem se iguala, |
Serves-lhe
então o que importa: |
Dás-lhe o pão
ou dás-lhe a bala. |
|
|
725 - Conforto |
|
Quem vive para
o conforto |
Vive dele tão cativo |
Que só quer,
depois de morto, |
É que o não
enterrem vivo! |
|
|
726 - Pensões |
|
Pensões aumentam o preço |
De produtos e serviços: |
São menos competitivos. |
E o desemprego
do avesso |
Mais gente
pões: tais esquissos |
Mais peneiram pelos crivos |
Despesas com segurança. |
Volta o ponto
de partida |
E ninguém mais
vê saída |
Do abismo onde
isto nos lança. |
Quem destroi o vicioso |
Círculo em que
em vez de gozo |
Se nos esvai
lenta a vida? |
|
|
727 - Charco |
|
Um charco de
amibas cheio |
Como é que
salta a represa |
Se transforma, por tenteio, |
Na Academia Francesa? |
|
|
728 - Oxigénio |
|
O oxigénio que
tanto nos cai no goto |
É libertado
para o ar |
Simplesmente
como quem despeja o esgoto |
Das plantas no mar! |
|
|
729 - Galinha |
|
Galinha não é galinha: |
Modo de um ovo
fazer |
Outro ovo, ora adivinha |
Para que te
serve ser! |
|
|
730 - Painel |
|
Todos nós,
mamíferos e aves, |
Um painel de comando |
Cheio de teclas suaves, |
Por aí eis-nos
andando. |
|
Bem à vista o
painel, |
De fácil acesso, |
Treinamos o papel |
Premindo a
tecla do processo. |
|
Uma vez premida, |
Desencadeia a sequência |
De reacções desinibida, |
Como se fora
uma evidência. |
|
Forças potentes, |
Intensas, mortais... |
E a Natureza as
sementes |
Sem controlar mais. |
|
Se me não prevenir, |
Ainda sou a refeição |
De quem a tecla
premir |
Por distracção. |
|
|
731 - Esperta |
|
Quase que não
há nenhuma |
Espécie bastante esperta |
Como a humana
quando, em suma, |
Inventou a guerra aberta! |
|
|
732 - Alfa |
|
Um chefe alfa,
na intenção |
De atacar um inferior, |
Depressa desarma a mão |
Se este deixa
de se opor. |
|
Posturas de submissão |
Ante o chefe incontestado |
E sente este a
obrigação |
De poupar o transviado. |
|
Não há código moral |
Nem tábuas de mandamentos, |
Mas um bicho é
tal e qual |
Como os nossos sentimentos. |
|
|
733 - Descendemos |
|
Descendemos dos macacos?! |
Meu Deus, mas
será verdade?! |
Se atrás tenho
tais buracos |
Antes que dê
tudo em cacos, |
Esconde a realidade, |
Que eu até pago
uns patacos |
Para elidir esses nacos |
Do maldizer da cidade! |
|
734 - Estranhos |
|
Os símios nunca suportam |
Os odiosos estranhos, |
As pernas
sempre lhes cortam, |
Com excepção destes ganhos: |
|
Doutro sexo os exemplares, |
Mesmo inimigos gritantes, |
São tão belos,
com tais ares, |
Que devêm excitantes! |
|
Assim é que
nestas guerras |
Intérminas, ancestrais, |
Tu sempre as
maçãs lhes ferras |
Como aqueles animais! |
|
|
735 - Trejeitos |
|
É tal um
chimpanzé macho |
Em patrulha ou
sobre a copa |
Como os
trejeitos que eu acho |
Num mancebo que
ia à tropa. |
|
|
736 - Descendência |
|
O objectivo |
Da selecção natural |
É a maior descendência. |
Só por este motivo |
A hierarquia tem aval |
No roteiro evolutivo: |
Aumenta a competência. |
É que um chefe
é o preferido |
Das belas, no
sonho principesco, |
Seja humano ou simiesco |
Delas o sentido. |
|
|
737 - Coligações |
|
Lei da selva
não opera |
Entre chimpanzés jamais: |
Toda a gente coopera |
E o chefe dos
animais |
Enfrenta coligações |
Que o limitam, eficazes. |
|
Quando é que,
Homem, tu dispões, |
Como estes primos capazes, |
Do melhor das soluções? |
|
|
738 - Acontecemos |
|
Dos chimpanzés não descendemos, |
Nem vice-versa. |
Então por que
juntos acontecemos |
Na comum conversa? |
|
Hereditárias partilhamos |
Iguais predisposições: |
Nós só as
inibimos, reorientamos, |
Latentes que
estão nos fundões. |
|
Por debaixo do verniz |
Da lei, civilização, |
Da fala, de
actos gentis |
Ou viris, |
- Notável realização |
Que nos diferencia, - |
Atrás e da
cabeça aos pés, |
Que diferimos dos chimpanzés? |
|
|
739 - Babuínos |
|
|
Os babuínos que
procuram alimento, |
Ao depararem
com um predador, |
Cerram fileiras num momento, |
Caminhando com mais vigor. |
O comportamento |
Que temos por militar |
É um afloramento |
Desta ancestral e larvar |
Postura antiga |
Contra uma ameaça |
Que, inimiga, |
Desde então já
nos congraça. |
|
|
740 - Chimpanzé-pigmeu |
|
Entre um chimpanzé-pigmeu |
E um pigmeu que
um homem é, |
Fica a pergunta
de pé: |
- Qual deles
serei mais eu? |
|
|
741 - Escravos |
|
Mascarando amargos travos, |
Não gostamos de
tomar por iguais |
Os animais |
Que tornamos nossos escravos. |
|
Como, aliás,
foi de norma e ganho |
Com os demais |
Nossos iguais, |
Nas escravaturas de antanho. |
E, se não nos
precatamos, |
Qualquer dia ainda voltam |
Das sementes que guardamos |
De servos e de
amos |
Nos juízos que
se soltam! |
|
|
742 - Virtudes |
|
Pensam uns que
os animais |
Nos humilham, empobrecem, |
Quando entre eles acontecem |
Virtudes das mais morais. |
|
Vejo amizade, altruísmo, |
Amor e fidelidade |
Invenção, curiosidade, |
Coragem e quanto crismo |
De inteligência também. |
E, se formos
mais além |
Nas totais expectativas, |
Era de vestir
de gala |
Por nossas iniciativas |
Serem de maior escala. |
|
Quem nega ou desacredita |
Da natureza animal |
Subestima o que
não fita, |
Vê a parte pelo
total. |
|
Quando o símio
um pedregulho |
Atira levando ronha, |
Dá-me motivo de
orgulho |
Tanto quanto de vergonha. |
|
Quando um macaco prefere |
Passar fome a
lucrar mais, |
Recusando quanto fere |
Companheiros e iguais, |
|
Nosso futuro optimista |
Decerto bem mais seria |
Se nossa moral
em vista |
Sempre tivera tal via. |
|
|
743 - Rugido |
|
Reduz-se o
crime violento |
Entre iguais
bichos da mata |
A um rugido de
momento. |
- Entre nós não
se constata! |
|
|
744 - Lisonja |
|
Lisonja, arte de contar |
Exactamente à pessoa |
Aquilo que confirmar |
O quanto ela se
crê boa! |
|
|
745 - Segunda-feira |
|
A segunda é um
naco |
De vida perdida: |
- Que grande buraco |
Na estrada da vida! |
|
|
746 - Aventura |
|
Quando um homem
de ciência |
Dela se aventura além |
Não tem mais inteligência |
Do que um
qualquer pedro-sem. |
|
Insensato e obstinado, |
Quanto mais inteligente |
Mais perigoso e danado |
O porvir que
talha à gente. |
|
Interesse nem dinheiro |
Nos perverte esta sequela, |
- É só que este
sapateiro |
Subiu além da chinela! |
|
|
747 - Farpa |
|
Eu vivia sossegado |
E a dúvida, de
repente, |
Me crava a
farpa de lado: |
-Nos astros
mora lá gente! |
|
|
748 - Politiqueira |
|
Como eu adoro a
política |
E então a politiqueira! |
- Atira-se ao
ar a crítica, |
Pega de qualquer maneira! |
|
|
749 - Génios |
|
Os cientistas há decénios |
Que andam a
fugir de ovnis |
Com medo de que
por génios |
Os não tomes
quando ris. |
|
|
750 - Mártires |
|
Quantos mártires cristãos! |
- E nenhum
consta da lista |
Dos que lhes
morrem às mãos, |
De quem aos
cristãos resista! |
|
|
751 - Aparição |
|
Nos locais de aparição |
Onde surja uma madona |
Milagres brotam do chão |
E os santos
vogam à tona! |
|
|
752 - Fé |
|
Tem a fé sempre
algum filho, |
Filho que lhe
dá sentido, |
Atam-se ambos
num cadilho |
E o milagre é o
preferido. |
|
|
753 - Bicicleta |
|
Olha que cais à
valeta |
Se a vida nunca
mais vai: |
A vida é uma
bicicleta, |
Quando mais não
anda, cai! |
754 - Experiência |
|
Experiência é o
que ganhamos |
Quando obter |
Não logramos |
Aquilo que se quer! |
|
|
755 - Escuridão |
|
Quando a verdade resiste |
Para além de
quanto a invista |
A escuridão não existe, |
Há mas é falta
de vista! |
|
|
756 - Pavimento |
|
Na rádio, televisão, |
Das estrelas o incremento |
É aplaudir como
no chão |
Gotas de chuva
no vão |
Se aplaudem do pavimento. |
|
|
757 - Gnomos |
|
Se a terra dos
gnomos fosse |
Alguma vez descoberta, |
Mais que de
abelhas um doce, |
De homens ficava coberta. |
|
|
758 - Fantasmas |
|
Nas histórias de fantasmas |
Crêem seitas bem secretas |
Que em público
juram miasmas |
Serem de certos patetas. |
|
|
759 - Magia |
|
A magia influencia |
E não é por
preconceito, |
Ou é por telepatia |
Ou por telecinesia |
Que os demais
ponho a meu jeito. |
|
Sejam ervas ou pessoas, |
Nossos investigadores |
Descobrem as coisas boas |
E os primitivos ecoas |
Como teus mestres doutores |
|
Quando, após teres falhado |
A síntese dos produtos, |
Redescobres, humilhado, |
Que eles
sempre, em todo o lado |
Te deram salvo-condutos. |
|
Só terás de os
ir buscar |
Como qualquer feiticeiro |
Àquele próprio lugar, |
À luz do sol ou
luar, |
Em Janeiro ou Fevereiro, |
|
Onde eles sempre existiram. |
O pobre do cientista, |
Com orgulhos que faliram |
E pretensões que deliram, |
É apenas curto
de vista. |
|
|
760 - Bandido |
|
Se qualquer Zé
do Telhado |
Consegue os grandes burlar, |
Põe-se o
bandido de lado, |
Fica o herói no
seu lugar. |
|
|
761 - Inimigo |
|
Um inimigo,
faça o que fizer, |
Não deverá
jamais, jamais fazê-lo: |
Por isso de
inimigo então quenquer |
Se livre de
ostentar o menor selo, |
Nem o de ser
pelos demais visado, |
Nem o de algum
ter deles em tal lado. |
|
|
762 - Moldura |
|
Casa linda em
feia aldeia |
- É tal uma
obra de arte |
A que da
moldura a ideia |
Falta sempre em
toda a parte. |
|
763 - Topadas |
|
Se alguém é
demais feliz |
Estraga a felicidade, |
Que logo quebra
o nariz |
Nas topadas da maldade. |
|
|
764 - Insulto |
|
A maneira
graciosa de um insulto acobertar |
É ignorá-lo. Se
em lugar de assim o apagar da lousa, |
|
O rememora,
supere-o. Porém, se o não conseguir, |
A melhor
resposta é rir. Se lhe ficar sob o império, |
|
Se rir não
tiver sentido, é que então, provavelmente, |
O insulto que
tanto sente é um insulto merecido! |
|
|
765 - Messiânico |
|
Somos povo
messiânico que nunca gera o messias, |
Que o pare
todos os dias para lhe fugir em pânico. |
|
Em lugar de o
incarnar na carne de cada evento, |
Dissolvemo-lo
em tormento, guitarra e fado a chorar. |
|
Sou o povo das
quimeras que sonho o que propicio |
E que, mal as
inicio, pois já foram doutras eras! |
|
|
766 - Ambiente |
|
O problema do
ambiente não mora na informação cuja busca coerente termina acertando a
acção. |
|
Ora, quem
busca, premente, a última inovação corre tanto na corrente que só faz
poluição |
|
Com o carro ou avião, comendo o cachorro quente a deitar papéis no chão, já que tudo é tão urgente. Destrói-se na correria: tal vai esta ecologia! |
|
|
767 - Comprometida |
|
Aceitamos de
bom grado um médico tratamento quando noventa por cento nos dizem haver
curado. |
|
Quando, porém,
dez por cento que morreram é informado, já todos pomos de lado acolher tal
instrumento. |
|
Um
enquadramento igual com decisão tão distante revela- |
-nos a real
dimensão raciocinante: a razão comprometida da emoção é uma medida. |
|
|
768 - Cacos |
|
Com meu
padrinho aqui no bairro em baixo |
As portas a me
abrir e a proteger, |
Que importa que me perca? Sempre eu acho |
Que os meus não
serão cacos de quenquer. |
Então, quando
eu entrar de cambalacho |
Nos céus com a
madrinha que tiver, |
Firmado aqui na
terra e nas alturas, |
De vez as
sortes me serão seguras! |
|
|
769 - Cofres |
|
A burguesia
verdadeira a crença |
Simula ter para
que o povo creia |
Que o custo
actual da falta de mantença |
É o preço da
vindoira vida cheia, |
|
Para que a paz
eterna lhe pertença |
Na terra
importa não fundar na areia. |
- E assim é que
dos cofres bem repletos |
Lhe distrai a
atenção e os afectos. |
|
|
770 - Botas |
|
Há quem
dinheiro a mais gaste nas botas, |
Que a mais
valor não tem que se proponha, |
Em seus
caminhos próprios não há rotas |
Em que ao fim
qualquer Índia se suponha, |
Entre o ser e o
vestir competem notas |
E só deste não
há que ter vergonha. |
Bem mais vale
do que eles, que os exalça, |
Um par de botas
novo que se calça. |
|
|
771- Posição |
|
Enquanto o
Ministério for dum homem, |
Adorem-no com
fundos rapapés. |
Quando cair,
ajudem os que o comem |
E à vala os
osssos joguem-lhos de viés. |
Enquanto o
poder tem, por deus o tomem; |
Vejam-no
esgoto, se na lama, soez. |
- Vida mundana
é tal combinação |
E quem tal joga
é quem tem posição. |
|
|
772 - Satisfeito |
|
Olhar de lince
usais para os defeitos |
Leveiros que os
demais arrastarão. |
E os vossos, de
toupeira, pelos jeitos, |
Os olhos quase
cegos mal verão. |
E como a tal
vivemos bem afeitos, |
O efeito desta
nossa condição |
É cada qual
julgar-se o mais perfeito |
E assim vai
todo o mundo satisfeito! |
|
|
773 - Sempiterna |
|
Há muito quem
concerte gorda a vida |
Sem lei se
concertando a quem governa. |
Fidelidade jura, mas mentida, |
Nas palavras embora sempiterna. |
Dum partido
jogando hoje a partida, |
Se depois outra
vence mais moderna, |
A preferida
estoutra logo fica, |
Rejeita aquela
a que hoje se dedica. |
|
|
774- Sendeiros |
|
Tantos são os
que aparecem |
Sob a pele do
leão |
E que, quando
se conhecem, |
Apenas sendeiros são! |
|
|
775 - Vulgar |
|
Quantas vezes maldizemos |
O vulgar que
nos for útil |
E, por troca, enaltecemos |
Um vistoso balão fútil! |
|
|
776 - Migalha |
|
Uma migalha de gente |
Dizem da miúda
que dança |
Se a miséria
for ingente; |
Se for rica, é
uma criança! |
777 - Tolerante |
|
A melhor forma
de ser |
Tolerante com a festa |
Que um vizinho
esteja a ter |
Será participar nesta. |
|
|
778 - Devaneio |
|
Não há maior devaneio |
Que seguir uma mulher: |
Nunca sabe donde veio |
Nem aonde vai sequer! |
|
|
779 - Níveis |
|
Convém adequar os níveis |
Aos lutos: |
Para corações insensíveis, |
Olhos enxutos. |
|
|
780 - Maldizente |
|
O maldizente dirá |
De quem vê
ganhar dinheiro: |
“É um
negociante!” Se o dá, |
Comentará, zombeteiro: |
“Vão ver que é
um ambicioso. |
Isto traz água
no bico...” |
Porém, se de
honras o gozo |
Repelir, com tal salpico |
Lhe é suspeito
por inteiro: |
“É mesmo um aventureiro!” |
E, se o vê
fugir esquivo |
Da gente-bem ao
conduto, |
Arruma-o de vez
no arquivo: |
“Quem duvida?!
É mesmo um bruto!” |
|
|
781 - Confim |
|
Derramar o sangue popular |
Em nome dum confim |
Ao inverso
conduz que mais receio: |
Alimentar |
O povo é um bom
fim, |
Matá-lo é um
mau meio! |
|
|
782 - Inveja |
|
Não é dos
falsos convénios |
Nem de andarmos distraídos |
Que a injúria
atraem os génios, |
Que os grandes
homens são mordidos. |
Por mais iníquo
que seja |
- É apenas a
lei da inveja! |
|
|
783 - Honra |
|
As leis da
honra, do céu as estrelas, |
Em cada qual
acordam o que tem de monge. |
Por isso tantos
as contemplam e às sequelas |
Muito de longe... |
|
|
784 - Fenda |
|
Não é infalível
a infalibilidade, |
Todo o dogma
esconde um erro, |
Um código só
prevê pela metade, |
|
Não é perfeita
a sociedade, |
É um esburacado aterro, |
A melhor
autoridade é hesitação, |
O imutável sofre abalo, |
Que os juízes
são de humana condição, |
Das leis o intervalo |
Engana-se na ofensa |
E o tribunal
lavra iníqua uma sentença. |
|
Não é lenda, |
É o nosso
interminável tormento: |
Há uma fenda |
No infinito
vitral azul do firmamento. |
|
|
785 - Infâmia |
|
A cidade não desgosta |
De ver a
infâmia em comédia. |
O que exige e
no que aposta |
É que não haja
má fama |
Nem tragédia, |
Só que a lama |
Que a reveste
em toda a parte |
Se mascare de
obra de arte! |
786 - Entrevistador |
|
Qualquer entrevistador |
Menos atende ao
que digo |
Que ao meu modo
de o propor. |
Quando à
matéria só ligo, |
Forma é mero pormenor, |
Fico então meu inimigo: |
Já me não torno
senhor |
Daquilo que então persigo. |
A matéria já
não prendo, |
Que é só o modo
que ele lendo |
Vai através da janela |
Que forço a
rasgar naquela. |
|
|
787 - Crítica |
|
A crítica construtiva |
É aquela que se
concebe. |
Ao invés, a destrutiva |
É sempre a que
se recebe. |
|
|
788 - Vaso |
|
Para muito viver, |
Pouco valer: |
O vaso rachado |
Acaba por fartar |
Por, jamais quebrado, |
Tanto durar! |