DÉCIMO TERCEIRO VERSO
Ondeando sejam, sejam os sonetos
Escolha
um número aleatório entre 1249 e 1370 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1249 -
Ondeando sejam, sejam os sonetos
Ondeando sejam,
sejam os sonetos,
Já que nos seus
recantos acontecem os ecos que, na vida predilectos, apenas na palavra
desvanecem!
A ponte da
palavra até os concretos actos que vida fora sempre esquecem retém-nos na
memória dos afectos, com o mérito ao fim que nos merecem.
Os enredos da
trama de cotio, vestes puídas no tecer dos dias, deslaçarão até ficar no fio.
No tear do soneto um atavio tão à justa afinal de novo fias que indelével
reténs qualquer desvio.
1250 - Futuro
Quanto ao futuro
diremos que quem viver o verá, que hoje quanto nós prevemos é o daqui posto
acolá.
Ora, quando não
for já este hoje que conhecemos, nada é mais aquilo que há e o que não somos
seremos.
Mas dos átomos na
idade, com a bomba a deflagrar, ou muda a mentalidade ou o porvir de lugar: já
não quem viver verá, mas quem vir não viverá!
1251 -
Primária
Governa o homem o
mundo e por ele é governado, tanto no senso profundo como de extensão no lado.
A nossa cultura é
um dado (e a política, no fundo) que cremos por nós gerado mas tem solo mais
fecundo:
O clima tornado
ameno trouxe outrora as invasões de Europa para os terrenos. - Sempre as nossas
expansões dum fimde era glaciária bebem a força primária.
1252 -
Supernova
Uma qualquer
supernova é uma estrela ambivalente: lança, explodindo, a semente de que o
Cosmos se renova,
Como põe a vida à
prova com as poeiras que invente e que espalha eternamente das imensidões na
cova.
Por entre
esperança e risco, somos uma das sequelas que brotou daquele cisco e que abre
ao fim as janelas, grita ao infinito arisco: - Somos filhos das estrelas!
1253 - Terra
Terra, vago grão
de areia numa Galáxia tamanha, num Cosmos tal que encandeia e num só ponto a
arrepanha!
A imensidão não a
ganha do Universo à infinda teia nem do cientista a sanha nem dos tempos a
plateia.
Que importam as
nossas lutas, crises e revoluções, do infinito ante as condutas, do cosmo as
imprevisões? Quantas mais nossas disputas, tanto mais somos anões!
1254 - Biliões
Como a Terra é
velha e lenta! Quatro biliões e meio de anos é quanto acalenta para se olhar em
seu seio
E descobrir de
permeio desde que idade se inventa, quantos anos seu enleio conta até que nisto
atenta.
Tempo igual é
requerido a descobrir, donde está, que perigos seu ouvido ausculta aqui, acolá:
e, se alguns do cosmos vêm, pior é a fonte que em nós têm.
1255 -
Paradoxo
Um paradoxo é a
atitude de quem usa bronzeador: desfruta sol e calor enquanto, parvo, se ilude.
Sopra a bisnaga a
virtude sobre a pele, a dar-lhe cor, incônscia de que anda a opor ao ozono o
que o transmude.
Enquanto desfruta
a gaia brandura de sol e mar, mais o escudo lhe desmaia que o priva de cancerar
e, ao deitar-se então na praia, mais descai, lento, a enterrar.
1256 - Pandora
Esta caixa de
Pandora feita progresso moderno que a ciência condecora, medicinal cura o
inferno
Que, militar, um
inverno de atómico sol devora e o sonho nos leva eterno pelo cosmos rumo à
aurora,
É indubitável
progresso, mas ao fim resultaria diverso do que, confesso, seria a minha
utopia: enquanto lhe corro as pistas, quebro as pernas, perco as vistas!
1257 -
Esperança
Solto o último
diabo , nesta caixa de Pandora vai restar, ao fim e ao cabo, lá no fundo, o que
a decora
Quando, ignoto,
ali acabo a buscar, com mais demora, o que fica atrás do rabo do diabo à solta
fora.
Espalhados pelo
mundo onde até já nem se alcança, nos demónios se me afundo vejo atrás da negra
dança que persiste, mais profundo, todo o verdor da Esperança.
1258 -
Desfilada
Grande tempo o
que vivemos, a ciência à desfilada e o cocheiro, nos extremos, já com a rédea
quebrada!
A ciência que
bebemos, nossa senhora adorada, atirou todos os demos à berma funda da estrada!
Tem o Homem novo
dono desde que inventou além de seu poder de controlo: hoje não passa dum mono
de que a ciência retém a ameaça e o consolo.
1259 -
Catedrática
As ortodoxas
respostas da ciência catedrática só pecam porque na prática perderão sempre as
apostas.
Por mais verdades
supostas que na linguagem ática nos proponha, tal gramática é só mesmo de
propostas.
Quando o sacrário
lhe invades à ciência, os inocentes são os que tombam no hades se tombam leis
evidentes: não há infalíveis verdades, só teorias mais recentes.
1260 - Músico
Aquele músico
somos que durante a vida inteira só logra tocar certeira da mesma música os
tomos
Que pelos anos
compomos, sem alargar a viseira nem a malha da peneira aos rumos onde não
fomos.
Assim nunca
mudaria a trágica gravidade que os pés nos entorpecia a caminho da cidade. Foi
a distracção que um dia nos mudou a identidade.
1261 - Crença
O mais estranho
da crença é a bizarra relação que mantém com a razão que por sistema dispensa.
Fica numa posição
em que nem sequer licença requer de quanto em mim pensa, põe-no fora da função.
Se acreditas, não
precisas de quaisquer explicações; e se não, quanto divisas nelas são meros
senões: se não crês, para o que visas de nada servem sermões.
1262 - Profeta
Um profeta
verdadeiro é sempre um falso profeta, pois, quando avisa da meta, quer mudar o
caminheiro.
Quando fala, se é
certeiro no futuro que acometa, como a vida à voz lhe é preta, aterra com seu
luzeiro.
Mudam homens e
nações, renovam rumos do mundo e então suas predições, quão mais o efeito é
profundo, mais apuram os pregões: mais falha quão mais fecundo!
1263 - Leis
Não são leis da
natureza dos cientistas a moda, mesmo quando a escola o preza do tempo a medida
toda.
Dos teóricos a
roda ao que houver fora despreza que impertinente incomoda as teias a que está
presa.
Os próprios
pontos de vista identificam as leis a que o mundo não resista, trocando assim
os papéis: tão grandes orgulhos seus não são de homens, são de Deus!
1264 -
Intelecto
Um intelecto é um
bom servo mas um péssimo senhor: quando as ciências observo, dele tomam o
valor.
Que má memória
conservo do que anda a tentar impor da razão o insano verbo contra do mundo o
esplendor!
A formação
arbitrária de mentes mui distorcidas torna em arrogância vária argumentos e
medidas: muda a marca intelectual em arrogância pessoal.
1265 -
Depressa
O cepticismo
decorre dum arrogante mental que é tão mau que mata e morre como um crédulo, afinal.
Qualquer medíocre
acorre à crendice mais boçal e o barco do sábio corre entre um e outro sinal.
Quando vamos de
longada, onde alguém sempre tropeça importa afastar da estrada, que de ir tal é
a lei depressa: entre uma mente arejada e um vazio na cabeça.
1266 -
Aquisição
Nunca fica
terminada a aquisição do saber: interpretá-lo é jornada de sempre a se refazer.
Há-de o monopólio
ter alguém da lei acabada? Pode estar certo quenquer mas em noção falseada!
Por vezes a
situação pode ser clarificada por um amador qualquer e vem-nos a salvação
quando o estranho de mão dada vá o perito socorrer.
1267 - Velho
Quanto mais
velho, mais sábio e, apesar da lentidão, do velho uma decisão é mais experiente
e sabe-o
Quenquer que o
tenha ao serão: o que lhe ditar o lábio trémulo bom é que acabe-o cumprindo
quem vive em vão.
Por vezes pessoas
novas compensam as desvantagens com a rapidez das provas das inexpertas
viagens: jamais, porém, terá pressa o metro que o sábio meça.
1268 -
Afogueado
Fixa um rosto
adivinhado, uma ligação menor, como um lar em que o calor volta à lareira
ateado.
Olha em volta a
ver se o vês: se o não vires um, dois dias, pergunta pelos porquês, que depois
são alegrias: abres-lhe em ti a janela e o mundo ri-te por ela.
1269 - Mentira
A mentira
desejada, se não mesmo a ocasional, arranja pernas na estrada, corre como um
vendaval.
Aos ingénuos, na
passada, arrasta como real, torna-se prova provada para o perverso boçal.
Assim, enquanto
delira a mentir num frenesi, destrói a quantos se atira, fura acolá, fura aqui:
eis porque ao fim a mentira nunca morrerá por si.
1270 - Culpa
Quando alguém
amar alguém, se este alguém lhe então falece, é amor que não comparece ou
riscos que amor contém?
Adulto não é
ninguém e a culpa nos arrefece quando o vazio aparece, órfão que perdeu a mãe.
Quando o amor é
que mantém vivo em nosso coração quem já partiu para além e assim lhe prolonga
a acção, longe de nos trazer culpa é o amor que nos indulta.
1271 -
Emergência
Quando surge uma
emergência, nós somos todos crianças: menos afligem mudanças que dela a não
presciência.
Quem nos empresta
a evidência das vindoiras alianças bem antes que suas tranças atem de vez a
inocência?
É sempre o
desconhecido o que sentimos pior, o negror do nunca ouvido é uma visão do
terror: se o vazio nos invade, fere mais que a realidade.
1272 -
Problema
Quando bate algum
problema à porta de nossa vida, é do fraco a despedida, fará que a família
trema.
“Tudo perdido!”
-eis o lema que abate a bandeira erguida: nunca mais será vivida a canção no
mesmo tema.
Porém, o forte
olha em frente e aposta logo em seguida que mais tarde, novamente, a vereda tem
saída: metódico, lentamente, vai reconstruir a vida.
1273 -
Indignidade
Dum mísero a
indignidade,muitas vezes é de fora que inexorável o invade, sem dar-lhe espaço
nem hora.
Porém, a dura
verdade é que é dentro que lhe mora a vulnerabilidade que mais profunda o
devora.
Assim é que, de
permeio, em solidariedade, há-de limpar fora o seio, dentro a fome elidir
há-de: limpeza e estômago cheio reconstroem dignidade.
1274 - Maior
O dia maior do
ano, que engano mas que alegria! Quando vai subindo o pano, quanta ilusão, que
magia!
“São as férias!”
- sonho, ufano, fora das prisões do dia por onde inteiro me fano, mês a mês,
sem fantasia.
O crepúsculo, ao
cair, cai demorada tristeza, raio de luz a fingir que retém ainda a beleza da
criança, lenta, a se ir, à sonoite, em branda reza.
1275 - Atenção
Quando corres um
perigo, parte duma solução chega-te da minha mão: poderás contar comigo!
Se, porém, for
confusão o que for nosso inimigo, dou-te então este outro abrigo: talvez tenhas
tu razão!
Doutra parte, és
bem capaz de descobrir o desvão para escapar donde estás. Ouve, pois, com
atenção: aquilo que tu farás é o que manda o coração.
1276 - Varanda
Como é bom quando
o Verão espreguiça na varanda a vida a sonhar o chão por onde a vida não anda!
Gelado na minha
mão, o refresco é que comanda o sonho a beber limão na praia que aqui ciranda.
Quando, novo, não
entendo que segredo mora aqui e dele me defendendo sempre então me escapuli, a
idade é que me traria o gosto à sabedoria.
1277 -
Aventura
Dou conta de que
a varanda inimiga da aventura não é jamais de quem anda de sensações à procura.
Janela aberta,
demanda do mundo a escondida usura, vira-o duma e doutra banda, como ele opera
me apura.
Por isso a
varanda é mais, é um amor que dura a vida, que dela traça os sinais da mensagem
recebida. Quem recebe lições tais não lhes dá mais despedida.
1278 -
Pequenas
É a varanda este
local de viver coisas pequenas, de sonhar com as novenas ao lusco-fusco
estival,
De conversar
breves cenas com um sabor cordial, de uma alegria real enxertar por entre as
penas.
A vida leve se
espraia enquanto nela me enlaço. Quando mesmo eu fora caia, aqui sustém-me um
abraço: é a varanda a ancestral aia onde a vida abranda o passo.
1279 - Lugar
Quanto melhor é
um lugar, um lugar que seja nosso, que aquele que, por azar, é para onde ir eu
posso!
E quantos a
procurar andam, a corda ao pescoço, onde a fuga os vai levar da vida ao final
destroço.
Oh, quanto mais
valioso era, nesta conjunção, o lugar do amor gostoso em vez do dinheiro à mão:
o lugar que tem o gozo é o lugar do coração!
1280 - Ramo
Por mais pequeno
que seja, lembra-te de que este ramo o que incansável almeja é o sol que nele
derramo
Quando a chuva
lhe sobeja e o tempo lhe atar o açamo, até que ninguém lhe veja a réstea que
ainda nele amo.
Aprende a dançar
com ele esta brisa de Verão, de ervas maninhas a pele vê crescer desde o botão:
abraça o que germinar no silêncio de teu lar.
1281 - Noite
Quando é noite e
tempestade o romper de tua vida e sempre contra uma grade a liberdade é ferida,
Se nada te
persuade e a dor devém desmedida, olha o inimigo que há-de rasgar-te a final
ferida:
Jamais entres
docilmente nessa noite que seduz, enfurece-te, demente, contra o poente da luz
- assim é que serás gente, em farol ergueste a cruz.
1282 - Tempo
Tempo é pássaro
que voa tão veloz que o não consigo saborear como abrigo, tão depressa corre à
toa.
Ou, caracol, se
esboroa arrastado, olhando o umbigo, e vivo-o como um castigo sem ver mais
bonança à proa.
Se o tempo é o
que dele fiz, o que ele é de pouco monta, mais conta é que nele vou: um homem é
mais feliz quando nem sequer dá conta de como é que ele passou!
1283 - Território
Cada vida é um
território virgem da pegada humana donde um apelo dimana a construir um
empório.
Se consigo o
homem se irmana, descobre um piso marmóreo, qualquer rosto merencóreo sol e
pássaros emana.
Ao tomar tal
incremento, a vida cobre o relvado, trepa os montes com alento, de olhar sempre
deslumbrado e o terreno do momento jamais é cartografado.
1284 -
Desviados
Deveremos
perguntar, nós, adultos desviados, onde é que em tempos passados nos perdemos
do lugar.
Depois de tantos
traslados, ninguém de si anda a par, confunde sol com luar, somos mortos
transladados.
Perdido por
quanto alcanças nas pressas de teu vagar, se pretendes o que almejas, aos
pardais e às crianças é que tens de perguntar qual o sabor das cerejas.
1285 -
Escritor
Um escritor
sucedido, mundialmente famoso, decerto garante o gozo de seu público rendido,
Mas não garante o
sentido que o viver torna gostoso e menos, se doloroso for o rumo consabido.
É que hoje em dia
o pecado tem um preço de tabela: por quanto foi contratado, a garantir a
sequela, pelo editor amestrado a arremedar uma estrela.
1286 -
Rectidão
É fácil a
rectidão quando em paz se rectifica, tendo em paga a gratidão daquilo que ela
edifica.
Mas quando ela
pontifica contra a ordem que no chão esmaga quem não claudica, será difícil
então.
Para os que tarde
criticam um erro de perspectiva, que a receita após indicam sempre em amarga
invectiva, rectidão fácil aplicam só porque é retrospectiva.
1287 - Inimigo
Vale a pena
conhecer quem é que é nosso inimigo, que o saber colhe o perigo à dimensão que
tiver.
Um inimigo
qualquer, se na ignorância o persigo, multiplicado o lobrigo por medo que dele
houver.
E depois, que
mais não seja, quem sabe se qualquer dia, por mais que hoje ninguém veja, o
inimigo, por magia, no melhor que mal se almeja, no amigo se mudaria?
1288 -
Sabedoria
Quantas vezes,
quantas vezes, a sabedoria não nos chega jamais à mão, ficam só gestos
corteses!
Como resultam
soezes os propósitos que vão derribar quem busca em vão sem ter-lhe em conta os
reveses!
Jamais deve
rejeitar-se aquela sabedoria só porque veste o disfarce de ter chegado tardia:
mais vale tarde encontrar-se que de vez perder o dia.
1289 - Osso
Atirar um osso ao
cão jamais será caridade: cumpre a norma da razão, os costumes com verdade.
A caridade, se
não brotar doutra identidade, se não corta o coração, nada tem que sobrenade.
Caridade é
partilhar o meu osso até à pele com o cão mas, se calhar, tudo em mim contra me
impele porque fico aqui, a par, tão faminto como ele.
1290 -
Humilhação
A pior humilhação
não é a que mais humilha, que nesta existe a partilha com quem nos jogar ao
chão.
Pior é quando
quem brilha nos reduz à condição de nem sermos um senão em seu jogo de manilha.
Mais humilha a
humilhação, porém, quando entretimento for apenas, ao serão, momentâneo, do
elemento que pavoneia o fastio, divertido, em nosso frio.
1291 - Teor
Casar por amor,
negócio arriscado de honesto teor... - Só tem Deus ao lado!
Só que é
preferível ter esta virtude, pois é imprevisível como Deus ajude.
Mas, como Ele
ajuda, que é que importa o resto? Todo o mundo muda da colheita o cesto se
outra na viagem é da rota a imagem.
1292 -
Prioridades
Quem fracassa
nunca aprende que escolher prioridades é o que primeiro pretende quem foge às
fatalidades.
Parecem nunca
entender que desistir do menor para o maior acrescer não é uma perda, é um
favor.
O que julgam
sacrifício, que os desespera ou é um ócio é, afinal, um benefício e, no fundo,
um bom negócio: é podar bem a fruteira que dá fruta a vida inteira.
1293 - Juntos
O que importa é
estarmos juntos trabalhando lado a lado, cortar os pães, os presuntos, a mexer
o refogado,
Que logo a
conversa franca estimula as relações, nossa mais forte alavanca para erigir
uniões.
É assim que se
tornam boas todas as ocasiões, é assim que somos pessoas por cima dos
encontrões que, sem peso nem medida, nos surpreendem na vida.
1294 -
Equilíbrio
Dominância e
submissão: o equilíbrio foi a via que desfez a monarquia em busca da redenção.
Mas o que ocorre
hoje em dia é a democratização transmudar-se na questão a que importa encontrar
via.
Continua a
litania: o macho alfa tem condão, brada e tudo obedecia. A humana organização
dos animais mediria a sempiterna função.
1295 --
Transições
A série de
transições que, passo a passo descendem de homens a símios, gibões, que
insensíveis compreendem
Desde o cume
glorioso da criação animal ao degrau menos famoso duma vida vegetal,
É como se a
natureza nos prevenisse a arrogância e, com austera elegância, à razão que em
nós se preza lhe impusesse a descoberta desta porta ao nada aberta.
1296 - Molde
Sobre as
predisposições hereditárias o homem o molde estende de acções, umas que o
prévio retomem,
Outras que opõem
senões. Ou inibem ou consomem os genéticos talões e assim, lentas, é que os
domem.
É, porém, quando
a mulher tem política igualdade que a genética confere a nós a prioridade:
acaba a violação, chega a civilização.
1297 - Bestas
Mesmo que
escandalizados por termos como parentes bestas por todos os lados, o haver
tantos resistentes
Em toda a
história e cultura de eruditos tão famosos contra os quais nada se apura, serão
erros generosos?
De nós que se
aprende acerca quando este erro manifesto pretende evitar a perca de aos
animais, como um resto, me ver atado na cerca? - Só por erro é que ao fim
presto!
1298 -
Novos-ricos
Somos como os
novos-ricos, inadaptados recentes, com o estatuto nos picos, inseguros e
tementes,
A tentar criar
distância entre nós e nossa origem, tal se os parentes de infância, só de
existir, nos exigem
O desmentido
formal duma fátua pretensão. A contrapor à arrogância, que exista um macaco
real vem tolher o orgulho vão do que é a nossa inútil ânsia.
1299 - Crista
Que é que
autoriza uma igreja maometana, budista, judaica ou cristã que seja, Deus a
empoleirar na crista?
E da morte a pôr
na lista quem diverso logo veja e, portanto, lhe resista aos dogmas de quanto
almeja?
Assim é que um
Deus servil passeiam pela coleira, da História pelo carril. Ninguém descobre a
maneira de no-Lo livrar do vil fado desta vida inteira?
1300 - Revolta
Perguntar qual
era a origem desta crescente revolta contra as ciências que vigem é apenas
andar à volta.
Existe a causa
geral, a de vivermos num mundo incompreen-sível, fatal, buracão que não tem
fundo.
Ergo os olhos e
reparo como neste mundo estranho das conjecturas o faro perde tudo quanto apanho.
E invejo os que instalarão na crença toda a ilusão.
1301 - Balão
Nosso mundo
conhecido é tal bojudo balão em que descubro o sentido na superfície do vão.
A incógnita com
que lido é a dos gases que se irão expandindo quando erguido ele for sendo do
chão.
Quanto mais
incha, mais sei da superfície os recessos. Tanto mais descobrirei que
aumentando meus progressos mais aumento, com tal lei, do que não sei os
excessos.
1302 - Luz
Do Sol os quatro
milhões de toneladas de luz que por segundo dispões é o que nele se reduz.
No Tejo isto se
traduz em dez mil os turbilhões de águas em que corre a flux, da fonte à foz
nos baldões.
E, apesar da
hemorragia, o Sol ainda vai durar de anos cinco mil milhões. Quem nos mente a
fantasia de ler nosso nada a par destas tais imensidões?
1303 - Alcança
Quem alcança o
que alcançar ou o tem de herança antiga que de antemão o lugar preserva do que
periga,
Ou então foi com
vagar comprar influência amiga ao padri-nho que, ao calhar, lhe estender a
venal liga.
Mas quem os mais
atropele tem trajecto ameaçado: estes, pois, perdem a pele, não vingam por todo
o lado. Só irá ganhar tudo aquele que não esperar sentado.
1304 -
Entretece
Entre dar e
receber se entretece cada dia, buscando a justa fatia peso igual para qualquer.
Só que ao ganhar
se requer tanto esforço e fantasia que o dar então se atrofia nos cuidados de
quenquer.
Aquilo que nós
ganhamos constitui modo de vida; mas a vida que talhamos é o que damos que a
valida - entre ambas, pois, decidamos qual vai ser nossa medida.
1305 -
Contradição
A contradição da
lida maior que vem do repouso é que neste quando pouso mais aquela me convida.
E é quando nela
mais ouso que a paragem proibida se me antolha, à despedida, um paraíso de
gozo.
Se a vida ficar
danada é caso de reflectirmos: a altura mais indicada para nos descontrairmos é
se nem tempo nem nada resta para o conseguirmos!
1306 - Verdade
É verdade que a
verdade é o que deveras importa. Buscamos, por isso, a porta, até mesmo à
eternidade.
E as migalhas com
que se há-de manter o que nos exorta não serão matéria morta, são o que já
persuade.
Nada importa
recusar um saber que fica perto somente do que é buscado: é melhor, por fim,
estar tendencialmente certo do que exactamente errado.
1307 - Madura
Como a fruta da
rameira se livra quando madura e desde logo emparceira com quanto só de si
cura,
Como a uva da
videira só quando liberta apura o vinho que à bebedeira alegres nos mal segura,
Assim a
interioridade do que sou, que penso e sinto na planta do corpo é que há-de
amadurar se o não minto. E um dia livre se vai do corpo que à terra cai.
1308 - Auxílio
Cada auxílio que
prestamos é um elo duma cadeia, entrelaça-da mão cheia das pontes unindo os
tramos.
Vai e vem e nos
permeia do acolhimento em que os amos deixam nos prados os gamos à luz que lhos
despenteia.
Acaba quanto se
presta como ajuda, andando em volta, por correr os elos lesta e, numa
reviravolta, retornar à nossa mão feito colheita de pão.
1309 -
Suplementar
Um dia
suplementar, como um prazo que é adiado, na vida não tem lugar, nem outra vez
noutro lado.
Semanas sacrificar,
anos à espera do dado que o futuro há-de ligar é não ter nenhum legado.
Semanas,
momentos, horas que ali vão desperdiçados são o tempo que demoras pela vida a
ter cuidados, são os tecidos de agoras vida além abandonados.
1310 - Passada
Não vou caminhar
a vida à espera de conseguir qualquer dia, de fugida, o meu incerto porvir.
A passada
distraída, com o minuto a fugir, aqui não me dá saída e amanhã não há-de vir.
É que viver não
se adia e, se o pensa o pensamento, nada ganha em tal porfia. A vida é um outro
elemento: viver, a todo o momento, é um acto que se inicia.
1311 -
Original
O menos original
que a alguém podemos dizer é a mensagem ideal que mais desejamos ter:
“Amo-te” é frase
banal, mas por tão batida ser, é seu desgaste o sinal de que a não bate
qualquer.
Quando a dizemos
falamos como os selvagens mais puros que não desceram dos ramos mas derrubaram
os muros - descobriram a palavra e é com ela que se lavra!
1312 -
Aparência
Quando um pai,
sem discussão, aceita que um filho deixe de estudar, de ir à lição, só porque
de algo se queixe
E, se para que
ele não de desilusões num feixe devenha por sua mão, na vida nem sequer mexe,
Contribui, sem
fazer nada, ao nada fazer o filho, não a lhe evitar sarilho mas à vida
esvaziada: na aparência de viver, jamais é o filho o que quer.
1313 -
Silêncio
Filhos do
silêncio não os alimentemos mais com as culpas que farão que se não mude
jamais.
Que não sofram a
prisão dos caminhos que trilhais, nem a vida que terão por eles não decidais.
E sobretudo não
fiques para aí sem fazer nada: urge que aos filhos te apliques, senão, ao cair
na estrada, semente a fanar vazia, berma são de erva bravia.
1314 -
Ultrapassa
A vida corre e me
escorre por entre os dedos treinados a jogar os mesmos dados, mesmo se
imprevista ocorre.
Nem os gestos são
pensados nem minha vontade acorre senão quando um acto morre perante os
inesperados.
Para ser pai é
preciso bem mais hoje que ter siso, ser pai é quem principia por inventar cada
dia em cada dia que passa: um pai é quem se ultrapassa!
1315 - Escola
A escola não deve
ser aquele sítio onde apenas as boas notas quenquer procura em todas as cenas.
Uma escola também
quer, por mais que sejam pequenas as instâncias que tiver ou que o pague com
mais penas,
Quer devir
basicamente um lugar onde se aprende, além de qualquer saber, como oriento o
agir e a mente, o valor que lhes impende: quer que se aprenda a viver!
1316 - Loucos
Bem sei que és o
professor daquela turma de loucos. E se tomasses uns poucos dos que inventam o
terror
E lhes viesses
propor que, deixando de ser moucos, te digam, de emoção roucos, a que é que dão
mais valor?
Descobre aquela
criança que, sorridente, perderam algures quando meninos. Verás então que
mudança estes loucos que ontem eram impõem aos desatinos!
1317 -
Adolescentes
Os falsos
adolescentes que andam a fingir de fortes escondem por trás as mortes, quanto
são vivos jacentes:
São as zangas
permanentes, da aproximação os cortes... O princípio dos desnortes vem de dois
factos dementes:
Perdem os pais o
comando, comanda à família o filho ao deus-dará, vagueando; e o professor, no
sarilho, faz de falso liberal e de vez consuma o mal.
1318 -
Gerações
Importante é
perceber que a família já mudou: o filho poder ganhou, tem direito a parecer,
Seu valor pode
valer, dão-lhe jus a afirmar: “Sou!”, como outro membro do voo rumo a um
projecto qualquer.
O que mudou
sobretudo foi o silêncio de quando falavam nossos maiores, o que outrora me pôs
mudo: foi o “posso, quero e mando” de avoengos ditadores.
1319 - Justiça
Importa que haja
justiça porque uma família injusta lidará, fera, na liça do mais frágil sempre
à custa.
Torna-se-lhe a
vida adusta, porém, quando ela se enliça em tal justiça que assusta, que justa
a mais se cobiça.
Porque quem se
preocupa pela igualdade excessiva já do justo não se ocupa mas da ansiedade em
que viva: a justiça a mais lhe custa não ser mais família justa.
1320 - Unto
As refeições em
conjunto quando não são frequentes fazem falta como o unto para untar juntas
rangentes.
Depois, quando
são prementes, não há sabor de presunto, nem queijos, nem cafés quentes que
valham algo por junto.
Se as ceias tarde
acontecem, o entulho já não removem, as falas empalidecam, não há temas que as
renovem e as teias que então se tecem são dos silêncios que se ouvem.
1321 - Perigos
Será bom, filho,
saber que há perigos bem reais, que nos concertos que houver contam os preços e
o mais.
Por isso é bom
nem sequer ter de pensar num jamais, nem que o sim que ao fim te der seja
depressa demais.
Bom é que juntos
pensemos prós e contras do pedido, vale a pena que paremos traçando o rumo
devido: ao fim o que mais quisemos foi este viver unido.
1322 - Íntimo
De amor o
conhecimento é tão íntimo saber que acaba por ser tormento dá-lo alguém a
conhecer.
A família bem o quer,
vai-lhe falhar sempre o intento: o jovem é que irá ser do jovem o fundamento.
Para os pais
resta, talvez, porventura o que é importante: estar lá sempre e de vez, ante o
que venha adiante, dispo-níveis a quenquer para o que der e vier.
1323 - Sem
Vivo sem uma
vitória, sem ser herói do desporto, sem atingir nunca a glória: vivo, não, sou
quase um morto!
Sem amigos me
comporto, sem família na memória: onde buscarei conforto se do que vivo é de
escória?
É preciso que me
imole dia a dia, a toda a hora, seja a pedra que não bole, pelas valetas
demora, vá só vislumbrar o sol que brilha apenas lá fora?
1324 - Bolsa
Se tu tens a
bolsa cheia, terás amantes aos montes ou disto nos dás a ideia para onde quer
que apontes.
Se vazia, os
horizontes terminam na estrada meia: resta jogar-te das pontes, que de amor não
tens candeia.
Porém, é tudo
ilusão, que um amor ou é gratuito ou não passa dum senão e quem diz comprá-lo
muito não sabe nunca o sabor que o pão tem se tem amor.
1325 - Dor
Quando a dor se
fecha em si como uma casca de noz, endu-rece tanto em nós que o rigor que mora
ali
Nem se vislumbra
e após nem é caso de alibi da casca que não parti, dos atilhos nem dos nós.
A dor que se não
partilha breve fará de nós ilha perdida no mar imenso e o vulcão fica mais
tenso. Só dor que é dor partilhada será dor aliviada.
1326 -
Desavindo
Se num casal
desavindo o filho é o juiz de linha, nunca mais ele adivinha o que dum acto é
provindo.
É que um dia o
que é mais lindo é noutro apenas a vinha donde vindima à cozinha um vinagre
jamais findo.
O empate seria a
meta da posição que defende. Porém, sendo a mais correcta, é aquela que mais
propende a eternizar a incompleta contenda com que contende.
1327 - Gesto
Na mulher procuro
o gesto onde combato a carência de afecto, já que não presto para o ter por
excelência.
É de meus pais
velha ausência, de irmãos a falta de apresto que me obrigam à evidência de que
serei vago resto.
Depois, porque
pai e mãe não somos nós que escolhemos, então o que me convém é a mulher de
meus extremos: esco-lho-a para que além do que sou nos encontremos.
1328 - Mortos
Os mortos que nos
afligem são os que não dão razão às vidas enquanto vigem, delas temem maldição.
De temer são os
que infligem, na nocturna condição, álcool, drogas, a fuligem que te irá sujar
o pão.
Os que
cambaleiam, tortos, aos bordos de ambos os lados, que tropeçam pelos hortos,
várzeas, vergéis e tablados, estes, sim, é que andam mortos e jamais são
enterrados.
1329 -
Positiva
Será pela
positiva que as coisas se vencerão, óptimo não é divisa, é um inimigo do bom.
É simples para
quem visa preservar a condição em que se não diviniza mas mede os passos no
chão.
Custará tê-lo
presente, já que somos complicados, dos even-tos na corrente e nos actos
praticados, mas é nisto bem as-sente que o sol vence os céus nublados.
1330 - Mentira
Se a mentira não
termina torna-se aquele veneno tamanho que dita a sina mas não mata, de
pequeno.
E enquanto assim
me enveneno torno a vida pequenina, nada mais ficará pleno do que o sonho me
destina.
A mentira invade
o mundo pela frente e de través, por isso é pouco fecundo dele acreditar nos
pés e assim vivo moribun-do sem morrer nunca de vez.
1331 -
Divórcios
Há lá divórcios
felizes ou casamentos perfeitos! Todos nós temos narizes e os outros, parvos
trejeitos.
Importa mudar
matrizes ou já ninguém verá jeitos de não sofrer das raízes nem de consertar
defeitos.
Tornar bom um
casamento implica tais directrizes que mor-rem os mais atreitos e um divórcio é
um saimento: não há divórcios felizes nem casamentos perfeitos.
1332 -
Identidade
Da perda da
identidade é que vem a violência quando, de ida-de em idade, busca, inglória, a
própria essência.
Se construir, na
verdade, redundar em mera ausência, como é que algum dia se há-de cumprir uma
adolescência?
E eis como o jovem
se agarra à atitude violenta para não pen-sar na amarra com que já se não
aguenta: são violentas as de-fesas se para esquecer fraquezas.
1333 -
Solidário
O ser humano
respira união e afastamento e assim solidário gira dos equilíbrios no invento.
E não é um
apartamento o que enfim nos desunira mas tão só um esquecimento que um doutro
nos dividira.
Nos rumos hoje
vividos, quão mais nos afadigamos menos tempos compartidos temos em quanto
apostamos: não sei se somos unidos; juntos, porém, já não vamos.
1334 - Séria
A vida é uma
coisa séria, mas séria de tal maneira que a seriedade fere-a quando é séria a
vida inteira.
A vida sempre
emparceira, parceira que é da miséria, com as danças da romeira na romaria da
féria.
Só trepará pela
encosta quem gostar mesmo da festa e da vida perde a aposta quem troca a volta
ao que apresta, quem, quando brinca, não gosta e, se não brinca, protesta.
1335 - Gémeos
Gémeos a vida
pariu os membros da Humanidade: assim lo-go preveniu junta nossa mocidade.
Não sei, porém,
se previu que a busca de identidade requer solidão e eu sinto-me em
precaridade.
Só, fico sem pés
nem mãos; juntando-me, não vou indo... Entre ambos semeio os grãos deste meu
ser desavindo: nós somos gémeos irmãos juntos sempre e discutindo.
1336 -
Concretos
Quando os
problemas concretos se tornam dissertação, de reais viram objectos de mera
contemplação.
Mesmo que caiam
os tectos, quando os vejo, tal visão trans-muda-me os meus afectos, são já
beleza em função.
Tomam lugar os
conceitos onde a dor antes feriu, ficamos-lhe então afeitos, já não doi nem
existiu: naturais vemos-lhe os feitos e o feito em nós já morreu.
1337 -
Desgraça
Será que é tão
certo assim que de hoje a maior desgraça é não saber ler por fim tanta gente
ali na praça?
É que ler só terá
graça quando seu princípio, enfim, for vida que dali grassa, não o ler por
frenesim.
A grande desgraça
é não sabermos deste vazio, que os voos rasam o chão se a vida põem no fio: a
desgraça é crer que não há pardais morrendo ao frio.
1338 - Sacola
Despacham-se hoje
as crianças para a escola, para a escola, ainda nem têm tranças nem forças para
a sacola.
Outrora aprendiam
danças, cantavam, tocavam viola; hoje em dia as contradanças da vida é a vida
que imola.
Elas não aprendem
muito, na escola morrem de sono, por mais que seja gratuito este ensino não tem
tono: esconde mal o intuito de tapar tanto abandono!
1339 - Pelém
Nas creches,
jardins de infância, nova espécie de armazém, vão os filhos da ganância vivendo
a vida em pelém.
Às dúzias, a
crescer bem, amadurando com ânsia, a educado-ra não tem como vise a
culminância.
Por mais que
tente e que adore as crianças que tiver, não tem tempo que demore para amar nem
conhecer: não é por darem tormentos, ninguém pode amar aos centos!
1340 - Madura
Como a fruta mal
madura, quem sofre um toque da vida não se aguenta nem segura, cai no chão,
fruta podrida.
O bicho fura que
fura, mina a semente escondida, é nas al-mas que se apura, rói lá por dentro a
saída.
Vivemos todos
doentes da doença que devora desde as almas, com tais dentes que o corpo lhe
não demora: somos frutos decadentes mas de dentro para fora.
1341 - Sonhos
Há quem pense que
o pensar se opõe aos sonhos que sonho mas se deixo de sonhar, meu pensar onde é
que o ponho?
É porque, ao me
emocionar, toda a emoção me proponho que cresce, ao representar, o pensar que
então lhe aponho.
Não é nos livros
que pasce a mente que busca em vão, ao maternal toque faz-se ou nunca brota do
chão: o pensar dos sonhos nasce, deixem-nos sonhar então!
1342 - Mãe
Porque a mãe é
coração, do que um coração é mais: mãe é comunicação, é uma matriz de sinais.
Mãe dá vida,
estende a mão para além destes portais, estende o fio no chão por onde quer que
pisais.
Se a mãe, pois,
como modelo não pensou esta criança, não há mais nenhum apelo, nem recurso, nem
fiança que à cri-ança dê tal elo - e pensar já nem alcança.
1343 - Educar
Educar não é
sistema, não é lei nem tradição, educar é um poema como o dita o coração.
Educar seguindo o
lema não passa duma traição, pois, qual-quer que seja o esquema, de nós não dá
conta, não.
Educar, em
qualquer parte, é fazer, em meu proveito, falhar, com apuro e arte, o sistema a
que, sujeito, jamais fora educativo: de escravos era o cultivo.
1344 -
Professor
Para ser bom
professor multiplicam-se as receitas, as que apostam no fervor, as que
exorcisam maleitas.
E depois nunca o
valor vem dos conceitos nem peitas que acções deixam no estertor tais quais
sempre foram feitas.
Para ser bom
professor, pouco importa o grande som, das teorias o clangor nem dos actos o
bom tom: o que acaba por se impor é ser um professor bom.
1345 - Atitude
Do professor a
atitude é que marca a positiva ou, ao invés, negativa marca de minha virtude.
Espelho da
magnitude ou pequenez com que viva, a imagem tem-me cativa a promessa a que me
grude.
Esta imagem
reflectida em que me vejo e revejo, tijolo a tijo-lo a vida me erige a meio do
brejo: se reforça, é uma saída; se humilha, ser fera elejo.
1346 -
Fascinante
De longe o mais
fascinante de mestre na condição é ser em primeira mão quem lapida o diamante.
Nos degraus da
formação, que a pessoa se agigante vem do que atrás e adiante lhe tocou no
coração.
Que um mestre tem
os alunos na mão quererá dizer ou que consigo os tem unos ou que faz o que
quiser: ambíguo é o poder do mestre, faz com que eduque ou que amestre.
1347 -
Insucesso
O insucesso da
criança, do adolescente, do jovem, mesmo se todos comovem, raramente um nos
alcança:
É sempre dele a
tardança, do aprendiz onde se movem os gestos que não renovem as voltas
a dar na trança.
É uma atitude
perversa: não assume o educador quanto é travão de progresso. Qualquer
insucesso versa dele a pequenez maior: dele próprio é o insucesso.
1348 -
Fracassa
Ante a criança
que fracassa resta uma atitude apenas: louvá-la em coisas pequenas que
vitoriosa congraça.
Dar-lhe os meios
com que faça diminuir, precisa, as penas até que, firme, ultrapassa a falha que
lhe condenas.
Ao viver a
conjuntura de saltar por sobre o abismo, afere a capacidade e o pé, com
desenvoltura, vence qualquer cata-clismo, é uma personalidade.
1349 -
Doravante
Doravante os
filhos falam, os pais ouvem e respondem, estes àqueles não calam e uns já
doutros não se escondem.
Professores
correspondem de vez a alunos que abalam se os saberes neles mondem do rigor com
que os escalam.
Ao fracasso a
vida vence-o quando nos quebra o fastio da rigidez e convence-o a cultivar o
pousio: não mais filhos do silêncio nem alunos do vazio.
1350 - Jamais
Os pais hão-de
procurar amor dar, compreensão mas jamais abdicarão da aposta a que houver
lugar.
E os mestres
hão-de apontar que sonhar não é ilusão e, portanto, exigirão todo o corpo em
que incarnar.
Pois, com efeito,
educar não é mero deixar-se ir, é saber equilibrar um ficar com um seguir: não
será nunca comprar e também não, seduzir.
1351 - Abdicar
Os pais nunca
deverão abdicar de autoridade, evitando a ten-tação duma arbitrariedade.
Com afecto e com
verdade entram na negociação com que facilitarão os degraus da liberdade.
Definir novos
papéis não elimina os antigos, integra-os dou-tros anéis, anexa-lhes mais
abrigos: importa sermos fiéis, os mais fiéis dos amigos.
1352 - Ramos
Pelo corpo nos
respira qualquer alma que tenhamos, como, quando ela se inspira, no corpo é que
o demonstramos.
Alma e corpo,
estes dois ramos, se um deles em nós delira, logo o outro, reparamos, se
transmudou em mentira.
Quando doi um
sofrimento, ou vem do corpo ou da mente: com ambos trepa em aumento, só com um
é decrescente. Porém, logo que me sarne, toda a dor me doi na carne.
1353 -
Comedimento
A razão
comedimento impõe à razão que actua e quando esta sai à rua sem aquela é o
provimento
Do animal que ali
aumento: o irracional desvirtua a razão que, nua e crua, calculava um passo
atento.
Porém, se falta
emoção, acaba a razão inerte, sem nada mais que a desperte a demarcar-nos o
chão: dos acasos instrumen-to, vamos ao sabor do vento.
1354 -
Encéfalo
Meu encéfalo
antigo encarrega-se da cave donde biológico trave o combate de que vivo.
O novo oferece
abrigo dos tectos por sob a trave donde a subtileza grave dos sonhos longos que
sigo.
Dos subterrâneos
ao tecto há uma escada ambivalente: a-queles neste, discreto, têm seu dedo
presente e quando a razão completo é deles quando a alimente.
1355 - Vontade
Sem futura
recompensa, qual a força de vontade que alguém neste agora se há-de propor,
qual a que dispensa?
Quando a mente de
alguém pensa que todo o porvir se evade logo então se persuade que nada a agir
a convença.
A vontade perde a
força, as asas já não lhe voam, que aquilo por que se esforça é que os bens que
longe ecoam, ao vingar no longo prazo, é aqui que deles me abraso.
1356 - Meta
Não tem meta a
evolução ou a evolução tem meta? Sei ape-nas que é forreta, sapateiro remendão:
Toma uma
disposição que nas eras se intrometa, provada em vida correcta, nela enxerta a
inovação.
A evolução é por
saltos mas sempre no mesmo chão e o mais pára na valeta: bem poucos tem pontos
altos. Cose e recose o rasgão, a evolução é forreta!
1357 - Mim
O que me acontece
agora vai de facto acontecer a mim que em mim próprio mora, cuja demora é meu
ser.
No conceito que
tiver de mim que venho de outrora, vem o passado acolher o que ocorre de hora a
hora.
Eu sou quanto em
mim passou até um momento atrás, sou o que fui e mudou, eu que se faz e refaz:
o que está a acontecer sou eu a criar-me ser.
1358 - Apanho
Eu que a mim me
tenho à mão, a mim próprio só me apanho agora que agora não vivo já o que é de
meu ganho.
É o presente este
desvão em que o passado contenho, tram-polim firme no chão rumo ao porvir que
devenho.
Nunca está o
presente aqui, vejo nele o que vivi e quando vivo o que vejo não o penso, tal
ensejo não mo permite a razão: ou vive ou pensa; os dois, não.
1359 - Riscos
Fazer algo contém
riscos, não fazer riscos contém, lá do ve-neno dos iscos, cá do que à vida
convém.
Acreditar nos
petiscos que a natureza nos tem encegueira-nos com ciscos de quem cego se crê
bem.
O que a natureza
dita só pode agradar àqueles que não so-nham melhor dita que ter rasgadas as
peles, que este mundo acham credível que é o melhor mundo possível.
1360 - Mezinha
É absurdo
pretender que a medicina sozinha cure a cultura que houver, para a qual não há
mezinha.
Se a cultura
adoecer, o míldio destroi a vinha e a colheita nem sequer vai render uma
adivinha.
Se a medicina não
cura da cultura uma doença, maior ainda é a loucura de quem nisso já não pensa:
ignorar a peste huma-na devém foco donde emana.
1361 - Derradeira
Tomo a morte com
ternura, tomo-a também com tristeza, to-mo da vida a beleza, a efémera
formosura.
Ambas com igual
finura prezo como o que se preza: uma o caminho despreza que outra com firmeza
apura.
A derradeira
esperança invisto, buscando o rumo, em ambas, a ver se alcança o que busco e
mal presumo: só que entre ambas se balança por igual desfeita em fumo.
1362 -
Barbárie
O que a vida me
ensinou, a mim, homem pequenino, é que é de humano destino quem a si se
confinou,
Mesmo um povo ainda
menino, marcar a fronteira ao voo: para além o que ficou é barbárie, desatino.
Assim, para
qualquer povo, os outros são barbarismo e para estes, de novo, é aquele um
bárbaro abismo: e a raça humana é tão tonta que ninguém disto dá conta!
1363 - Hábitos
Quem somos, de
hábitos velhos, alguns de três milhões de anos, de ouvir, ignorar conselhos, de
violar os arcanos?
Quem somos,
nestes espelhos onde, no jogo dos panos, ta-pamos tortos artelhos, a fugir de
assumir danos?
Nós, neste exíguo
lugar, a sonhar com os espaços, morremos mui devagar e teimando em deixar
traços por quaisquer sen-das e quelhos - nós somos hábitos velhos!
1364 -
Sacrílego
Sacrílego é
pretender domar do ignorado os véus porque os desígnios de Deus não os revela
quenquer.
Não é, porém, por
querer que há sacrilégio nos céus, mas por reclamar por seus, rumos ignotos que
houver.
Tem o homem o
futuro escondido sob o véu e, por baixo deste muro, o porvir que ele elegeu: é
por ambos confundir que se confunde o devir.
1365 - Paixão
A paixão tem por
perfil até às cinzas arder sem deixar nada sequer que mais depois aniquile.
Extingue-se a
paixão, quer em si própria quer nos mil apa-niguados que file, enquanto um morrão
tiver.
Pelo vendaval
sopradas, as cinzas duma paixão recobrem-nos as estradas, não são vias, são
caixão de enterrar almas penadas: e foi, por fim, tudo em vão.
1366 -
Potência
Maior potência do
mundo nas armas, na economia, mesmo nas letras seria sinal de saber fecundo?
Mas quem é que o
mediria, quem é nas gestas facundo ou quem lhe sofre o profundo vinco de quem
se expandia?
Medidas com
coerência, não nos dão igual medida a de quem sofre a influência e a de quem
lhe impõe a vida: do mundo a maior potência não é a mais esclarecida.
1367 -
Competição
Entre o fausto e
a elegância há competição confusa: para atrair, um abusa do que outra repele em
ânsia.
É o fausto que
atrai a infância mas, quando ela se a mais usa, a imaturidade acusa que algo se
perde à distância.
O fausto cede o
lugar, ao vir a maturidade, à elegância devagar e com vernaculidade: uma
elegância sem par é a suma simplicidade.
1368 - Mar
Amo o mar, sou
português, este mar que, de prisão, ao me-nos por uma vez nos deu corpo a uma
ilusão.
Amo o mar porque
talvez nos fechou dentro da mão e o que então se calhar fez livrou-nos da
tentação.
Amo o mar, o mar
imenso, o das frígidas entradas, tão gran-de que não tem senso e com cruzes
tais alçadas que de covais é tão tenso quão de inúmeras estradas.
1369 -
Fronteira
Pouco basta a pôr
um fim a um mundo para durar, a fronteira para um sim vira não num golpe de ar.
Se cada homem,
assim, em mente, em todo o lugar, tivera tal beleguim, muito houvera de mudar.
Agrilhoado à
incerteza como fatal carcereiro, não tinha so-brevivido. Ou, louco, mudou de
presa e hoje temos, por inteiro, um homem enlouquecido?
1370 -
Excessos
Deus os excessos
castiga, por mais que sejam humanos, e uns mais que outros se lobriga que
provocam desenganos.
A bebida é uma
inimiga se dos ódios veste os panos, como a ira nos obriga à mentira dos
enganos.
Contudo, o
excesso pior, até porque em norma ilude, não é o que um bem deteriore, antes o
que ao bem se grude e que o rosto lhe decore: é o orgulho da virtude!