DÉCIMO  TERCEIRO  VERSO

 

 

Ondeando sejam, sejam os sonetos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 1249 e 1370 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

1249 - Ondeando sejam,  sejam os sonetos

 

Ondeando sejam, sejam os sonetos,

Já que nos seus recantos acontecem os ecos que, na vida predilectos, apenas na palavra desvanecem!

 

A ponte da palavra até os concretos actos que vida fora sempre esquecem  retém-nos na memória dos afectos, com o mérito ao fim que nos merecem.

 

Os enredos da trama de cotio, vestes puídas no tecer dos dias, deslaçarão até ficar no fio. No tear do soneto um atavio tão à justa afinal de novo fias que indelével reténs qualquer desvio.

 

 

1250 - Futuro

 

Quanto ao futuro diremos que quem viver o verá, que hoje quanto nós prevemos é o daqui posto acolá.

 

Ora, quando não for já este hoje que conhecemos, nada é mais aquilo que há e o que não somos seremos.

 

Mas dos átomos na idade, com a bomba a deflagrar, ou muda a mentalidade ou o porvir de lugar: já não quem viver verá, mas quem vir não viverá!

 

 

1251 - Primária

 

Governa o homem o mundo e por ele é governado, tanto no senso profundo como de extensão no lado.

 

A nossa cultura é um dado (e a política, no fundo) que cremos por nós gerado mas tem solo mais fecundo:

 

O clima tornado ameno trouxe outrora as invasões de Europa para os terrenos. - Sempre as nossas expansões dum fimde era glaciária bebem a força primária.

 

 

1252 - Supernova

 

Uma qualquer supernova é uma estrela ambivalente: lança, explodindo, a semente de que o Cosmos se renova,

 

Como põe a vida à prova com as poeiras que invente e que espalha eternamente das imensidões na cova.

 

Por entre esperança e risco, somos uma das sequelas que brotou daquele cisco e que abre ao fim as janelas, grita ao infinito arisco: - Somos filhos das estrelas!

 

 

1253 - Terra

 

Terra, vago grão de areia numa Galáxia tamanha, num Cosmos tal que encandeia e num só ponto a arrepanha!

 

A imensidão não a ganha do Universo à infinda teia nem do cientista a sanha nem dos tempos a plateia.

 

Que importam as nossas lutas, crises e revoluções, do infinito ante as condutas, do cosmo as imprevisões? Quantas mais nossas disputas, tanto mais somos anões!

 

 

1254 - Biliões

 

Como a Terra é velha e lenta! Quatro biliões e meio de anos é quanto acalenta para se olhar em seu seio

 

E descobrir de permeio desde que idade se inventa, quantos anos seu enleio conta até que nisto atenta.

 

Tempo igual é requerido a descobrir, donde está, que perigos seu ouvido ausculta aqui, acolá: e, se alguns do cosmos vêm, pior é a fonte que em nós têm.

 

 

1255 - Paradoxo

 

Um paradoxo é a atitude de quem usa bronzeador: desfruta sol e calor enquanto, parvo, se ilude.

 

Sopra a bisnaga a virtude sobre a pele, a dar-lhe cor, incônscia de que anda a opor ao ozono o que o transmude.

 

Enquanto desfruta a gaia brandura de sol e mar, mais o escudo lhe desmaia que o priva de cancerar e, ao deitar-se então na praia, mais descai, lento, a enterrar.

 

 

1256 - Pandora

 

Esta caixa de Pandora feita progresso moderno que a ciência condecora, medicinal cura o inferno

 

Que, militar, um inverno de atómico sol devora e o sonho nos leva eterno pelo cosmos rumo à aurora,

 

É indubitável progresso, mas ao fim resultaria diverso do que, confesso, seria a minha utopia: enquanto lhe corro as pistas, quebro as pernas, perco as vistas!

 

 

1257 - Esperança

 

Solto o último diabo , nesta caixa de Pandora vai restar, ao fim e ao cabo, lá no fundo, o que a decora

 

Quando, ignoto, ali acabo a buscar, com mais demora, o que fica atrás do rabo do diabo à solta fora.

 

Espalhados pelo mundo onde até já nem se alcança, nos demónios se me afundo vejo atrás da negra dança que persiste, mais profundo, todo o verdor da Esperança.

 

 

1258 - Desfilada

 

Grande tempo o que vivemos, a ciência à desfilada e o cocheiro, nos extremos, já com a rédea quebrada!

 

A ciência que bebemos, nossa senhora adorada, atirou todos os demos à berma funda da estrada!

 

Tem o Homem novo dono desde que inventou além de seu poder de controlo: hoje não passa dum mono de que a ciência retém a ameaça e o consolo.

 

 

1259 - Catedrática

 

As ortodoxas respostas da ciência catedrática só pecam porque na prática perderão sempre as apostas.

 

Por mais verdades supostas que na linguagem ática nos proponha, tal gramática é só mesmo de propostas.

 

Quando o sacrário lhe invades à ciência, os inocentes são os que tombam no hades se tombam leis evidentes: não há infalíveis verdades, só teorias mais recentes.

 

 

1260 - Músico

 

Aquele músico somos que durante a vida inteira só logra tocar certeira da mesma música os tomos

 

Que pelos anos compomos, sem alargar a viseira nem a malha da peneira aos rumos onde não fomos.

 

Assim nunca mudaria a trágica gravidade que os pés nos entorpecia a caminho da cidade. Foi a distracção que um dia nos mudou a identidade.

 

 

1261 - Crença

 

O mais estranho da crença é a bizarra relação que mantém com a razão que por sistema dispensa.

 

Fica numa posição em que nem sequer licença requer de quanto em mim pensa, põe-no fora da função.

 

Se acreditas, não precisas de quaisquer explicações; e se não, quanto divisas nelas são meros senões: se não crês, para o que visas de nada servem sermões.

 

 

1262 - Profeta

 

Um profeta verdadeiro é sempre um falso profeta, pois, quando avisa da meta, quer mudar o caminheiro.

 

Quando fala, se é certeiro no futuro que acometa, como a vida à voz lhe é preta, aterra com seu luzeiro.

 

Mudam homens e nações, renovam rumos do mundo e então suas predições, quão mais o efeito é profundo, mais apuram os pregões: mais falha quão mais fecundo!

 

 

1263 - Leis

 

Não são leis da natureza dos cientistas a moda, mesmo quando a escola o preza do tempo a medida toda.

 

Dos teóricos a roda ao que houver fora despreza que impertinente incomoda as teias a que está presa.

 

Os próprios pontos de vista identificam as leis a que o mundo não resista, trocando assim os papéis: tão grandes orgulhos seus não são de homens, são de Deus!

 

 

 1264 - Intelecto

 

Um intelecto é um bom servo mas um péssimo senhor: quando as ciências observo, dele tomam o valor.

 

Que má memória conservo do que anda a tentar impor da razão o insano verbo contra do mundo o esplendor!

 

A formação arbitrária de mentes mui distorcidas torna em arrogância vária argumentos e medidas: muda a marca intelectual em arrogância pessoal.

 

 

1265 - Depressa

 

O cepticismo decorre dum arrogante mental que é tão mau que mata e morre como um crédulo, afinal.

 

Qualquer medíocre acorre à crendice mais boçal e o barco do sábio corre entre um e outro sinal.

 

Quando vamos de longada, onde alguém sempre tropeça importa afastar da estrada, que de ir tal é a lei depressa: entre uma mente arejada e um vazio na cabeça.

 

 

1266 - Aquisição

 

Nunca fica terminada a aquisição do saber: interpretá-lo é jornada de sempre a se refazer.

 

Há-de o monopólio ter alguém da lei acabada? Pode estar certo quenquer mas em noção falseada!

 

Por vezes a situação pode ser clarificada por um amador qualquer e vem-nos a salvação quando o estranho de mão dada vá o perito socorrer.

 

 

1267 - Velho

 

Quanto mais velho, mais sábio e, apesar da lentidão, do velho uma decisão é mais experiente e sabe-o

 

Quenquer que o tenha ao serão: o que lhe ditar o lábio trémulo bom é que acabe-o cumprindo quem vive em vão.

 

Por vezes pessoas novas compensam as desvantagens com a rapidez das provas das inexpertas viagens: jamais, porém, terá pressa o metro que o sábio meça.

 

 

1268 - Afogueado

 

Como vais afogueado a correr para o labor, sem mesmo olhar em redor o anónimo ali ao lado!

 

Fixa um rosto adivinhado, uma ligação menor, como um lar em que o calor volta à lareira ateado.

 

Olha em volta a ver se o vês: se o não vires um, dois dias, pergunta pelos porquês, que depois são alegrias: abres-lhe em ti a janela e o mundo ri-te por ela.

 

 

1269 - Mentira

 

A mentira desejada, se não mesmo a ocasional, arranja pernas na estrada, corre como um vendaval.

 

Aos ingénuos, na passada, arrasta como real, torna-se prova provada para o perverso boçal.

 

Assim, enquanto delira a mentir num frenesi, destrói a quantos se atira, fura acolá, fura aqui: eis porque ao fim a mentira nunca morrerá por si.

 

 

1270 - Culpa

 

Quando alguém amar alguém, se este alguém lhe então falece, é amor que não comparece ou riscos que amor contém?

 

Adulto não é ninguém e a culpa nos arrefece quando o vazio aparece, órfão que perdeu a mãe.

 

Quando o amor é que mantém vivo em nosso coração quem já partiu para além e assim lhe prolonga a acção, longe de nos trazer culpa é o amor que nos indulta.

 

 

1271 - Emergência

 

Quando surge uma emergência, nós somos todos crianças: menos afligem mudanças que dela a não presciência.

 

Quem nos empresta a evidência das vindoiras alianças bem antes que suas tranças atem de vez a inocência?

 

É sempre o desconhecido o que sentimos pior, o negror do nunca ouvido é uma visão do terror: se o vazio nos invade, fere mais que a realidade.

 

 

1272 - Problema

 

Quando bate algum problema à porta de nossa vida, é do fraco a despedida, fará que a família trema.

 

“Tudo perdido!” -eis o lema que abate a bandeira erguida: nunca mais será vivida a canção no mesmo tema.

 

Porém, o forte olha em frente e aposta logo em seguida que mais tarde, novamente, a vereda tem saída: metódico, lentamente, vai reconstruir a vida.

 

 

1273 - Indignidade

 

Dum mísero a indignidade,muitas vezes é de fora que inexorável o invade, sem dar-lhe espaço nem hora.

 

Porém, a dura verdade é que é dentro que lhe mora a vulnerabilidade que mais profunda o devora.

 

Assim é que, de permeio, em solidariedade, há-de limpar fora o seio, dentro a fome elidir há-de: limpeza e estômago cheio reconstroem dignidade.

 

 

1274 - Maior

 

O dia maior do ano, que engano mas que alegria! Quando vai subindo o pano, quanta ilusão, que magia!

 

“São as férias!” - sonho, ufano, fora das prisões do dia por onde inteiro me fano, mês a mês, sem fantasia.

 

O crepúsculo, ao cair, cai demorada tristeza, raio de luz a fingir que retém ainda a beleza da criança, lenta, a se ir, à sonoite, em branda reza.

 

 

1275 - Atenção

 

Quando corres um perigo, parte duma solução chega-te da minha mão: poderás contar comigo!

 

Se, porém, for confusão o que for nosso inimigo, dou-te então este outro abrigo: talvez tenhas tu razão!

  

Doutra parte, és bem capaz de descobrir o desvão para escapar donde estás. Ouve, pois, com atenção: aquilo que tu farás é o que manda o coração.

 

 

1276 - Varanda

 

Como é bom quando o Verão espreguiça na varanda a vida a sonhar o chão por onde a vida não anda!

 

Gelado na minha mão, o refresco é que comanda o sonho a beber limão na praia que aqui ciranda.

 

Quando, novo, não entendo que segredo mora aqui e dele me defendendo sempre então me escapuli, a idade é que me traria o gosto à sabedoria.

 

 

1277 - Aventura

 

Dou conta de que a varanda inimiga da aventura não é jamais de quem anda de sensações à procura.

 

Janela aberta, demanda do mundo a escondida usura, vira-o duma e doutra banda, como ele opera me apura.

 

Por isso a varanda é mais, é um amor que dura a vida, que dela traça os sinais da mensagem recebida. Quem recebe lições tais não lhes dá mais despedida.

 

 

1278 - Pequenas

 

É a varanda este local de viver coisas pequenas, de sonhar com as novenas ao lusco-fusco estival,

 

De conversar breves cenas com um sabor cordial, de uma alegria real enxertar por entre as penas.

 

A vida leve se espraia enquanto nela me enlaço. Quando mesmo eu fora caia, aqui sustém-me um abraço: é a varanda a ancestral aia onde a vida abranda o passo.

 

 

1279 - Lugar

 

Quanto melhor é um lugar, um lugar que seja nosso, que aquele que, por azar, é para onde ir eu posso!

 

E quantos a procurar andam, a corda ao pescoço, onde a fuga os vai levar da vida ao final destroço.

  

Oh, quanto mais valioso era, nesta conjunção, o lugar do amor gostoso em vez do dinheiro à mão: o lugar que tem o gozo é o lugar do coração!

 

 

1280 - Ramo

 

Por mais pequeno que seja, lembra-te de que este ramo o que incansável almeja é o sol que nele derramo

 

Quando a chuva lhe sobeja e o tempo lhe atar o açamo, até que ninguém lhe veja a réstea que ainda nele amo.

 

Aprende a dançar com ele esta brisa de Verão, de ervas maninhas a pele vê crescer desde o botão: abraça o que germinar no silêncio de teu lar.

 

 

1281 - Noite

 

Quando é noite e tempestade o romper de tua vida e sempre contra uma grade a liberdade é ferida,

 

Se nada te persuade e a dor devém desmedida, olha o inimigo que há-de rasgar-te a final ferida:

 

Jamais entres docilmente nessa noite que seduz, enfurece-te, demente, contra o poente da luz - assim é que serás gente, em farol ergueste a cruz.

 

 

1282 - Tempo

 

Tempo é pássaro que voa tão veloz que o não consigo saborear como abrigo, tão depressa corre à toa.

 

Ou, caracol, se esboroa arrastado, olhando o umbigo, e vivo-o como um castigo sem ver mais bonança à proa.

 

Se o tempo é o que dele fiz, o que ele é de pouco monta, mais conta é que nele vou: um homem é mais feliz quando nem sequer dá conta de como é que ele passou!

 

 

1283 - Território

 

Cada vida é um território virgem da pegada humana donde um apelo dimana a construir um empório.

 

Se consigo o homem se irmana, descobre um piso marmóreo, qualquer rosto merencóreo sol e pássaros emana.

 

Ao tomar tal incremento, a vida cobre o relvado, trepa os montes com alento, de olhar sempre deslumbrado e o terreno do momento jamais é cartografado.

 

 

1284 - Desviados

 

Deveremos perguntar, nós, adultos desviados, onde é que em tempos passados nos perdemos do lugar.

 

Depois de tantos traslados, ninguém de si anda a par, confunde sol com luar, somos mortos transladados.

 

Perdido por quanto alcanças nas pressas de teu vagar, se pretendes o que almejas, aos pardais e às crianças é que tens de perguntar qual o sabor das cerejas.

 

 

1285 - Escritor

 

Um escritor sucedido, mundialmente famoso, decerto garante o gozo de seu público rendido,

 

Mas não garante o sentido que o viver torna gostoso e menos, se doloroso for o rumo consabido.

 

É que hoje em dia o pecado tem um preço de tabela: por quanto foi contratado, a garantir a sequela, pelo editor amestrado a arremedar uma estrela.

 

 

1286 - Rectidão

 

É fácil a rectidão quando em paz se rectifica, tendo em paga a gratidão daquilo que ela edifica.

 

Mas quando ela pontifica contra a ordem que no chão esmaga quem não claudica, será difícil então.

 

Para os que tarde criticam um erro de perspectiva, que a receita após indicam sempre em amarga invectiva, rectidão fácil aplicam só porque é retrospectiva.

 

 

1287 - Inimigo

 

Vale a pena conhecer quem é que é nosso inimigo, que o saber colhe o perigo à dimensão que tiver.

 

Um inimigo qualquer, se na ignorância o persigo, multiplicado o lobrigo por medo que dele houver.

 

E depois, que mais não seja, quem sabe se qualquer dia, por mais que hoje ninguém veja, o inimigo, por magia, no melhor que mal se almeja, no amigo se mudaria?

 

 

1288 - Sabedoria

 

Quantas vezes, quantas vezes, a sabedoria não nos chega jamais à mão, ficam só gestos corteses!

 

Como resultam soezes os propósitos que vão derribar quem busca em vão sem ter-lhe em conta os reveses!

 

Jamais deve rejeitar-se aquela sabedoria só porque veste o disfarce de ter chegado tardia: mais vale tarde encontrar-se que de vez perder o dia.

 

 

1289 - Osso

 

Atirar um osso ao cão jamais será caridade: cumpre a norma da razão, os costumes com verdade.

 

A caridade, se não brotar doutra identidade, se não corta o coração, nada tem que sobrenade.

 

Caridade é partilhar o meu osso até à pele com o cão mas, se calhar, tudo em mim contra me impele porque fico aqui, a par, tão faminto como ele.

 

 

1290 - Humilhação

 

A pior humilhação não é a que mais humilha, que nesta existe a partilha com quem nos jogar ao chão.

 

Pior é quando quem brilha nos reduz à condição de nem sermos um senão em seu jogo de manilha.

 

Mais humilha a humilhação, porém, quando entretimento for apenas, ao serão, momentâneo, do elemento que pavoneia o fastio, divertido, em nosso frio.

 

 

1291 - Teor

 

Casar por amor, negócio arriscado de honesto teor... - Só tem Deus ao lado!

 

Só que é preferível ter esta virtude, pois é imprevisível como Deus ajude.

 

Mas, como Ele ajuda, que é que importa o resto? Todo o mundo muda da colheita o cesto se outra na viagem é da rota a imagem.

 

 

1292 - Prioridades

 

Quem fracassa nunca aprende que escolher prioridades é o que primeiro pretende quem foge às fatalidades.

 

Parecem nunca entender que desistir do menor para o maior acrescer não é uma perda, é um favor.

 

O que julgam sacrifício, que os desespera ou é um ócio é, afinal, um benefício e, no fundo, um bom negócio: é podar bem a fruteira que dá fruta a vida inteira.

 

 

1293 - Juntos

 

O que importa é estarmos juntos trabalhando lado a lado, cortar os pães, os presuntos, a mexer o refogado,

 

Que logo a conversa franca estimula as relações, nossa mais forte alavanca para erigir uniões.

 

É assim que se tornam boas todas as ocasiões, é assim que somos pessoas por cima dos encontrões que, sem peso nem medida, nos surpreendem na vida.

 

 

1294 - Equilíbrio

 

Dominância e submissão: o equilíbrio foi a via que desfez a monarquia em busca da redenção.

 

Mas o que ocorre hoje em dia é a democratização transmudar-se na questão a que importa encontrar via.

 

Continua a litania: o macho alfa tem condão, brada e tudo obedecia. A humana organização dos animais mediria a sempiterna função.

 

 

1295 -- Transições

 

A série de transições que, passo a passo descendem de homens a símios, gibões, que insensíveis compreendem

 

Desde o cume glorioso da criação animal ao degrau menos famoso duma vida vegetal,

 

É como se a natureza nos prevenisse a arrogância e, com austera elegância, à razão que em nós se preza lhe impusesse a descoberta desta porta ao nada aberta.

 

 

1296 - Molde

 

Sobre as predisposições hereditárias o homem o molde estende de acções, umas que o prévio retomem,

 

Outras que opõem senões. Ou inibem ou consomem os genéticos talões e assim, lentas, é que os domem.

 

É, porém, quando a mulher tem política igualdade que a genética confere a nós a prioridade: acaba a violação, chega a civilização.

 

 

1297 - Bestas

 

Mesmo que escandalizados por termos como parentes bestas por todos os lados, o haver tantos resistentes

 

Em toda a história e cultura de eruditos tão famosos contra os quais nada se apura, serão erros generosos?

 

De nós que se aprende acerca quando este erro manifesto pretende evitar a perca de aos animais, como um resto, me ver atado na cerca? - Só por erro é que ao fim presto!

 

 

1298 - Novos-ricos

 

Somos como os novos-ricos, inadaptados recentes, com o estatuto nos picos, inseguros e tementes,

 

A tentar criar distância entre nós e nossa origem, tal se os parentes de infância, só de existir, nos exigem

 

O desmentido formal duma fátua pretensão. A contrapor à arrogância, que exista um macaco real vem tolher o orgulho vão do que é a nossa inútil ânsia.

 

 

1299 - Crista

 

Que é que autoriza uma igreja maometana, budista, judaica ou cristã que seja, Deus a empoleirar na crista?

 

E da morte a pôr na lista quem diverso logo veja e, portanto, lhe resista aos dogmas de quanto almeja?

 

Assim é que um Deus servil passeiam pela coleira, da História pelo carril. Ninguém descobre a maneira de no-Lo livrar do vil fado desta vida inteira?

 

 

1300 - Revolta

 

Perguntar qual era a origem desta crescente revolta contra as ciências que vigem é apenas andar à volta.

 

Existe a causa geral, a de vivermos num mundo incompreen-sível, fatal, buracão que não tem fundo.

 

Ergo os olhos e reparo como neste mundo estranho das conjecturas o faro perde tudo quanto apanho. E invejo os que instalarão na crença toda a ilusão.

 

 

1301 - Balão

 

Nosso mundo conhecido é tal bojudo balão em que descubro o sentido na superfície do vão.

 

A incógnita com que lido é a dos gases que se irão expandindo quando erguido ele for sendo do chão.

 

Quanto mais incha, mais sei da superfície os recessos. Tanto mais descobrirei que aumentando meus progressos mais aumento, com tal lei, do que não sei os excessos.

 

 

1302 - Luz

 

Do Sol os quatro milhões de toneladas de luz que por segundo dispões é o que nele se reduz.

 

No Tejo isto se traduz em dez mil os turbilhões de águas em que corre a flux, da fonte à foz nos baldões.

 

E, apesar da hemorragia, o Sol ainda vai durar de anos cinco mil milhões. Quem nos mente a fantasia de ler nosso nada a par destas tais imensidões?

 

 

1303 - Alcança

 

Quem alcança o que alcançar ou o tem de herança antiga que de antemão o lugar preserva do que periga,

 

Ou então foi com vagar comprar influência amiga ao padri-nho que, ao calhar, lhe estender a venal liga.

 

Mas quem os mais atropele tem trajecto ameaçado: estes, pois, perdem a pele, não vingam por todo o lado. Só irá ganhar tudo aquele que não esperar sentado.

 

 

1304 - Entretece

 

Entre dar e receber se entretece cada dia, buscando a justa fatia peso igual para qualquer.

 

Só que ao ganhar se requer tanto esforço e fantasia que o dar então se atrofia nos cuidados de quenquer.

 

Aquilo que nós ganhamos constitui modo de vida; mas a vida que talhamos é o que damos que a valida - entre ambas, pois, decidamos qual vai ser nossa medida.

 

 

1305 - Contradição

 

A contradição da lida maior que vem do repouso é que neste quando pouso mais aquela me convida.

 

E é quando nela mais ouso que a paragem proibida se me antolha, à despedida, um paraíso de gozo.

 

Se a vida ficar danada é caso de reflectirmos: a altura mais indicada para nos descontrairmos é se nem tempo nem nada resta para o conseguirmos!

 

 

1306 - Verdade

 

É verdade que a verdade é o que deveras importa. Buscamos, por isso, a porta, até mesmo à eternidade.

 

E as migalhas com que se há-de manter o que nos exorta não serão matéria morta, são o que já persuade.

 

Nada importa recusar um saber que fica perto somente do que é buscado: é melhor, por fim, estar tendencialmente certo do que exactamente errado.

 

 

1307 - Madura

 

Como a fruta da rameira se livra quando madura e desde logo emparceira com quanto só de si cura,

 

Como a uva da videira só quando liberta apura o vinho que à bebedeira alegres nos mal segura,

 

Assim a interioridade do que sou, que penso e sinto na planta do corpo é que há-de amadurar se o não minto. E um dia livre se vai do corpo que à terra cai.

 

 

1308 - Auxílio

 

Cada auxílio que prestamos é um elo duma cadeia, entrelaça-da mão cheia das pontes unindo os tramos.

 

Vai e vem e nos permeia do acolhimento em que os amos deixam nos prados os gamos à luz que lhos despenteia.

 

Acaba quanto se presta como ajuda, andando em volta, por correr os elos lesta e, numa reviravolta, retornar à nossa mão feito colheita de pão.

 

 

1309 - Suplementar

 

Um dia suplementar, como um prazo que é adiado, na vida não tem lugar, nem outra vez noutro lado.

 

Semanas sacrificar, anos à espera do dado que o futuro há-de ligar é não ter nenhum legado.

 

Semanas, momentos, horas que ali vão desperdiçados são o tempo que demoras pela vida a ter cuidados, são os tecidos de agoras vida além abandonados.

 

 

1310 - Passada

 

Não vou caminhar a vida à espera de conseguir qualquer dia, de fugida, o meu incerto porvir.

 

A passada distraída, com o minuto a fugir, aqui não me dá saída e amanhã não há-de vir.

 

É que viver não se adia e, se o pensa o pensamento, nada ganha em tal porfia. A vida é um outro elemento: viver, a todo o momento, é um acto que se inicia.

 

 

1311 - Original

 

O menos original que a alguém podemos dizer é a mensagem ideal que mais desejamos ter:

 

“Amo-te” é frase banal, mas por tão batida ser, é seu desgaste o sinal de que a não bate qualquer.

 

Quando a dizemos falamos como os selvagens mais puros que não desceram dos ramos mas derrubaram os muros - descobriram a palavra e é com ela que se lavra!

 

 

1312 - Aparência

 

Quando um pai, sem discussão, aceita que um filho deixe de estudar, de ir à lição, só porque de algo se queixe

 

E, se para que ele não de desilusões num feixe devenha por sua mão, na vida nem sequer mexe,

 

Contribui, sem fazer nada, ao nada fazer o filho, não a lhe evitar sarilho mas à vida esvaziada: na aparência de viver, jamais é o filho o que quer.

 

 

1313 - Silêncio

 

Filhos do silêncio não os alimentemos mais com as culpas que farão que se não mude jamais.

 

Que não sofram a prisão dos caminhos que trilhais, nem a vida que terão por eles não decidais.

 

E sobretudo não fiques para aí sem fazer nada: urge que aos filhos te apliques, senão, ao cair na estrada, semente a fanar vazia, berma são de erva bravia.

 

 

1314 - Ultrapassa

 

A vida corre e me escorre por entre os dedos treinados a jogar os mesmos dados, mesmo se imprevista ocorre.

 

Nem os gestos são pensados nem minha vontade acorre senão quando um acto morre perante os inesperados.

 

Para ser pai é preciso bem mais hoje que ter siso, ser pai é quem principia por inventar cada dia em cada dia que passa: um pai é quem se ultrapassa!

 

 

1315 - Escola

 

A escola não deve ser aquele sítio onde apenas as boas notas quenquer procura em todas as cenas.

 

Uma escola também quer, por mais que sejam pequenas as instâncias que tiver ou que o pague com mais penas,

  

Quer devir basicamente um lugar onde se aprende, além de qualquer saber, como oriento o agir e a mente, o valor que lhes impende: quer que se aprenda a viver!

 

 

1316 - Loucos

 

Bem sei que és o professor daquela turma de loucos. E se tomasses uns poucos dos que inventam o terror

 

E lhes viesses propor que, deixando de ser moucos, te digam, de emoção roucos, a que é que dão mais valor?

 

Descobre aquela criança que, sorridente, perderam algures quando meninos. Verás então que mudança estes loucos que ontem eram impõem aos desatinos!

 

 

1317 - Adolescentes

 

Os falsos adolescentes que andam a fingir de fortes escondem por trás as mortes, quanto são vivos jacentes:

 

São as zangas permanentes, da aproximação os cortes... O princípio dos desnortes vem de dois factos dementes:

 

Perdem os pais o comando, comanda à família o filho ao deus-dará, vagueando; e o professor, no sarilho, faz de falso liberal e de vez consuma o mal.

 

 

1318 - Gerações

 

Importante é perceber que a família já mudou: o filho poder ganhou, tem direito a parecer,

 

Seu valor pode valer, dão-lhe jus a afirmar: “Sou!”, como outro membro do voo rumo a um projecto qualquer.

 

O que mudou sobretudo foi o silêncio de quando falavam nossos maiores, o que outrora me pôs mudo: foi o “posso, quero e mando” de avoengos ditadores.

 

 

1319 - Justiça

 

Importa que haja justiça porque uma família injusta lidará, fera, na liça do mais frágil sempre à custa.

 

Torna-se-lhe a vida adusta, porém, quando ela se enliça em tal justiça que assusta, que justa a mais se cobiça.

 

Porque quem se preocupa pela igualdade excessiva já do justo não se ocupa mas da ansiedade em que viva: a justiça a mais lhe custa não ser mais família justa.

 

 

1320 - Unto

 

As refeições em conjunto quando não são frequentes fazem falta como o unto para untar juntas rangentes.

 

Depois, quando são prementes, não há sabor de presunto, nem queijos, nem cafés quentes que valham algo por junto.

 

Se as ceias tarde acontecem, o entulho já não removem, as falas empalidecam, não há temas que as renovem e as teias que então se tecem são dos silêncios que se ouvem.

 

 

1321 - Perigos

 

Será bom, filho, saber que há perigos bem reais, que nos concertos que houver contam os preços e o mais.

 

Por isso é bom nem sequer ter de pensar num jamais, nem que o sim que ao fim te der seja depressa demais.

 

Bom é que juntos pensemos prós e contras do pedido, vale a pena que paremos traçando o rumo devido: ao fim o que mais quisemos foi este viver unido.

 

 

1322 - Íntimo

 

De amor o conhecimento é tão íntimo saber que acaba por ser tormento dá-lo alguém a conhecer.

 

A família bem o quer, vai-lhe falhar sempre o intento: o jovem é que irá ser do jovem o fundamento.

 

Para os pais resta, talvez, porventura o que é importante: estar lá sempre e de vez, ante o que venha adiante, dispo-níveis a quenquer para o que der e vier.

 

 

1323 - Sem

 

Vivo sem uma vitória, sem ser herói do desporto, sem atingir nunca a glória: vivo, não, sou quase um morto!

 

Sem amigos me comporto, sem família na memória: onde buscarei conforto se do que vivo é de escória?

 

É preciso que me imole dia a dia, a toda a hora, seja a pedra que não bole, pelas valetas demora, vá só vislumbrar o sol que brilha apenas lá fora?

 

 

1324 - Bolsa

 

Se tu tens a bolsa cheia, terás amantes aos montes ou disto nos dás a ideia para onde quer que apontes.

 

Se vazia, os horizontes terminam na estrada meia: resta jogar-te das pontes, que de amor não tens candeia.

 

Porém, é tudo ilusão, que um amor ou é gratuito ou não passa dum senão e quem diz comprá-lo muito não sabe nunca o sabor que o pão tem se tem amor.

 

 

1325 - Dor

 

Quando a dor se fecha em si como uma casca de noz, endu-rece tanto em nós que o rigor que mora ali

 

Nem se vislumbra e após nem é caso de alibi da casca que não parti, dos atilhos nem dos nós.

 

A dor que se não partilha breve fará de nós ilha perdida no mar imenso e o vulcão fica mais tenso. Só dor que é dor partilhada será dor aliviada.

 

 

1326 - Desavindo

 

Se num casal desavindo o filho é o juiz de linha, nunca mais ele adivinha o que dum acto é provindo.

 

É que um dia o que é mais lindo é noutro apenas a vinha donde vindima à cozinha um vinagre jamais findo.

 

O empate seria a meta da posição que defende. Porém, sendo a mais correcta, é aquela que mais propende a eternizar a incompleta contenda com que contende.

 

 

1327 - Gesto

 

Na mulher procuro o gesto onde combato a carência de afecto, já que não presto para o ter por excelência.

 

É de meus pais velha ausência, de irmãos a falta de apresto que me obrigam à evidência de que serei vago resto.

 

Depois, porque pai e mãe não somos nós que escolhemos, então o que me convém é a mulher de meus extremos: esco-lho-a para que além do que sou nos encontremos.

 

 

1328 - Mortos

 

Os mortos que nos afligem são os que não dão razão às vidas enquanto vigem, delas temem maldição.

 

De temer são os que infligem, na nocturna condição, álcool, drogas, a fuligem que te irá sujar o pão.

 

Os que cambaleiam, tortos, aos bordos de ambos os lados, que tropeçam pelos hortos, várzeas, vergéis e tablados, estes, sim, é que andam mortos e jamais são enterrados.

 

 

1329 - Positiva

 

Será pela positiva que as coisas se vencerão, óptimo não é divisa, é um inimigo do bom.

 

É simples para quem visa preservar a condição em que se não diviniza mas mede os passos no chão.

 

Custará tê-lo presente, já que somos complicados, dos even-tos na corrente e nos actos praticados, mas é nisto bem as-sente que o sol vence os céus nublados.

 

 

1330 - Mentira

 

Se a mentira não termina torna-se aquele veneno tamanho que dita a sina mas não mata, de pequeno.

 

E enquanto assim me enveneno torno a vida pequenina, nada mais ficará pleno do que o sonho me destina.

 

A mentira invade o mundo pela frente e de través, por isso é pouco fecundo dele acreditar nos pés e assim vivo moribun-do sem morrer nunca de vez.

 

 

1331 - Divórcios

 

Há lá divórcios felizes ou casamentos perfeitos! Todos nós temos narizes e os outros, parvos trejeitos.

 

Importa mudar matrizes ou já ninguém verá jeitos de não sofrer das raízes nem de consertar defeitos.

 

Tornar bom um casamento implica tais directrizes que mor-rem os mais atreitos e um divórcio é um saimento: não há divórcios felizes nem casamentos perfeitos.

 

 

1332 - Identidade

 

Da perda da identidade é que vem a violência quando, de ida-de em idade, busca, inglória, a própria essência.

 

Se construir, na verdade, redundar em mera ausência, como é que algum dia se há-de cumprir uma adolescência?

 

E eis como o jovem se agarra à atitude violenta para não pen-sar na amarra com que já se não aguenta: são violentas as de-fesas se para esquecer fraquezas.

 

 

1333 - Solidário

 

O ser humano respira união e afastamento e assim solidário gira dos equilíbrios no invento.

 

E não é um apartamento o que enfim nos desunira mas tão só um esquecimento que um doutro nos dividira.

 

Nos rumos hoje vividos, quão mais nos afadigamos menos tempos compartidos temos em quanto apostamos: não sei se somos unidos; juntos, porém, já não vamos.

 

 

1334 - Séria

 

A vida é uma coisa séria, mas séria de tal maneira que a seriedade fere-a quando é séria a vida inteira.

 

A vida sempre emparceira, parceira que é da miséria, com as danças da romeira na romaria da féria.

 

Só trepará pela encosta quem gostar mesmo da festa e da vida perde a aposta quem troca a volta ao que apresta, quem, quando brinca, não gosta e, se não brinca, protesta.

 

 

1335 - Gémeos

 

Gémeos a vida pariu os membros da Humanidade: assim lo-go preveniu junta nossa mocidade.

 

Não sei, porém, se previu que a busca de identidade requer solidão e eu sinto-me em precaridade.

 

Só, fico sem pés nem mãos; juntando-me, não vou indo... Entre ambos semeio os grãos deste meu ser desavindo: nós somos gémeos irmãos juntos sempre e discutindo.

 

 

1336 - Concretos

 

Quando os problemas concretos se tornam dissertação, de reais viram objectos de mera contemplação.

 

Mesmo que caiam os tectos, quando os vejo, tal visão trans-muda-me os meus afectos, são já beleza em função.

 

Tomam lugar os conceitos onde a dor antes feriu, ficamos-lhe então afeitos, já não doi nem existiu: naturais vemos-lhe os feitos e o feito em nós já morreu.

 

 

1337 - Desgraça

 

Será que é tão certo assim que de hoje a maior desgraça é não saber ler por fim tanta gente ali na praça?

 

É que ler só terá graça quando seu princípio, enfim, for vida que dali grassa, não o ler por frenesim.

 

A grande desgraça é não sabermos deste vazio, que os voos rasam o chão se a vida põem no fio: a desgraça é crer que não há pardais morrendo ao frio.

 

 

1338 - Sacola

 

Despacham-se hoje as crianças para a escola, para a escola, ainda nem têm tranças nem forças para a sacola.

 

Outrora aprendiam danças, cantavam, tocavam viola; hoje em dia as contradanças da vida é a vida que imola.

 

Elas não aprendem muito, na escola morrem de sono, por mais que seja gratuito este ensino não tem tono: esconde mal o intuito de tapar tanto abandono!

 

 

1339 - Pelém

 

Nas creches, jardins de infância, nova espécie de armazém, vão os filhos da ganância vivendo a vida em pelém.

 

Às dúzias, a crescer bem, amadurando com ânsia, a educado-ra não tem como vise a culminância.

 

Por mais que tente e que adore as crianças que tiver, não tem tempo que demore para amar nem conhecer: não é por darem tormentos, ninguém pode amar aos centos!

 

 

1340 - Madura

 

Como a fruta mal madura, quem sofre um toque da vida não se aguenta nem segura, cai no chão, fruta podrida.

 

O bicho fura que fura, mina a semente escondida, é nas al-mas que se apura, rói lá por dentro a saída.

 

Vivemos todos doentes da doença que devora desde as almas, com tais dentes que o corpo lhe não demora: somos frutos decadentes mas de dentro para fora.

 

 

1341 - Sonhos

 

Há quem pense que o pensar se opõe aos sonhos que sonho mas se deixo de sonhar, meu pensar onde é que o ponho?

 

É porque, ao me emocionar, toda a emoção me proponho que cresce, ao representar, o pensar que então lhe aponho.

 

Não é nos livros que pasce a mente que busca em vão, ao maternal toque faz-se ou nunca brota do chão: o pensar dos sonhos nasce, deixem-nos sonhar então!

 

 

1342 - Mãe

 

Porque a mãe é coração, do que um coração é mais: mãe é comunicação, é uma matriz de sinais.

 

Mãe dá vida, estende a mão para além destes portais, estende o fio no chão por onde quer que pisais.

 

Se a mãe, pois, como modelo não pensou esta criança, não há mais nenhum apelo, nem recurso, nem fiança que à cri-ança dê tal elo - e pensar já nem alcança.

 

 

1343 - Educar

 

Educar não é sistema, não é lei nem tradição, educar é um poema como o dita o coração.

 

Educar seguindo o lema não passa duma traição, pois, qual-quer que seja o esquema, de nós não dá conta, não.

 

Educar, em qualquer parte, é fazer, em meu proveito, falhar, com apuro e arte, o sistema a que, sujeito, jamais fora educativo: de escravos era o cultivo.

 

 

1344 - Professor

 

Para ser bom professor multiplicam-se as receitas, as que apostam no fervor, as que exorcisam maleitas.

 

E depois nunca o valor vem dos conceitos nem peitas que acções deixam no estertor tais quais sempre foram feitas.

 

Para ser bom professor, pouco importa o grande som, das teorias o clangor nem dos actos o bom tom: o que acaba por se impor é ser um professor bom.

 

 

1345 - Atitude

 

Do professor a atitude é que marca a positiva ou, ao invés, negativa marca de minha virtude.

 

Espelho da magnitude ou pequenez com que viva, a imagem tem-me cativa a promessa a que me grude.

 

Esta imagem reflectida em que me vejo e revejo, tijolo a tijo-lo a vida me erige a meio do brejo: se reforça, é uma saída; se humilha, ser fera elejo.

 

 

1346 - Fascinante

 

De longe o mais fascinante de mestre na condição é ser em primeira mão quem lapida o diamante.

 

Nos degraus da formação, que a pessoa se agigante vem do que atrás e adiante lhe tocou no coração.

 

Que um mestre tem os alunos na mão quererá dizer ou que consigo os tem unos ou que faz o que quiser: ambíguo é o poder do mestre, faz com que eduque ou que amestre.

 

 

1347 - Insucesso

 

O insucesso da criança, do adolescente, do jovem, mesmo se todos comovem, raramente um nos alcança:

 

É sempre dele a tardança, do aprendiz onde se movem os gestos que não renovem as voltas a dar na trança.

 

É uma atitude perversa: não assume o educador quanto é travão de progresso. Qualquer insucesso versa dele a pequenez maior: dele próprio é o insucesso.

 

 

1348 - Fracassa

 

Ante a criança que fracassa resta uma atitude apenas: louvá-la em coisas pequenas que vitoriosa congraça.

 

Dar-lhe os meios com que faça diminuir, precisa, as penas até que, firme, ultrapassa a falha que lhe condenas.

 

Ao viver a conjuntura de saltar por sobre o abismo, afere a capacidade e o pé, com desenvoltura, vence qualquer cata-clismo, é uma personalidade.

 

 

1349 - Doravante

 

Doravante os filhos falam, os pais ouvem e respondem, estes àqueles não calam e uns já doutros não se escondem.

 

Professores correspondem de vez a alunos que abalam se os saberes neles mondem do rigor com que os escalam.

 

Ao fracasso a vida vence-o quando nos quebra o fastio da rigidez e convence-o a cultivar o pousio: não mais filhos do silêncio nem alunos do vazio.

 

 

1350 - Jamais

 

Os pais hão-de procurar amor dar, compreensão mas jamais abdicarão da aposta a que houver lugar.

 

E os mestres hão-de apontar que sonhar não é ilusão e, portanto, exigirão todo o corpo em que incarnar.

 

Pois, com efeito, educar não é mero deixar-se ir, é saber equilibrar um ficar com um seguir: não será nunca comprar  e também não, seduzir.

 

 

1351 - Abdicar

 

Os pais nunca deverão abdicar de autoridade, evitando a ten-tação duma arbitrariedade.

 

Com afecto e com verdade entram na negociação com que facilitarão os degraus da liberdade.

 

Definir novos papéis não elimina os antigos, integra-os dou-tros anéis, anexa-lhes mais abrigos: importa sermos fiéis, os mais fiéis dos amigos.

 

 

1352 - Ramos

 

Pelo corpo nos respira qualquer alma que tenhamos, como, quando ela se inspira, no corpo é que o demonstramos.

 

Alma e corpo, estes dois ramos, se um deles em nós delira, logo o outro, reparamos, se transmudou em mentira.

 

Quando doi um sofrimento, ou vem do corpo ou da mente: com ambos trepa em aumento, só com um é decrescente. Porém, logo que me sarne, toda a dor me doi na carne.

 

 

1353 - Comedimento

 

A razão comedimento impõe à razão que actua e quando esta sai à rua sem aquela é o provimento

 

Do animal que ali aumento: o irracional desvirtua a razão que, nua e crua, calculava um passo atento.

 

Porém, se falta emoção, acaba a razão inerte, sem nada mais que a desperte a demarcar-nos o chão: dos acasos instrumen-to, vamos ao sabor do vento.

 

 

1354 - Encéfalo

 

Meu encéfalo antigo encarrega-se da cave donde biológico trave o combate de que vivo.

 

O novo oferece abrigo dos tectos por sob a trave donde a subtileza grave dos sonhos longos que sigo.

 

Dos subterrâneos ao tecto há uma escada ambivalente: a-queles neste, discreto, têm seu dedo presente e quando a razão completo é deles quando a alimente.

 

 

1355 - Vontade

 

Sem futura recompensa, qual a força de vontade que alguém neste agora se há-de propor, qual a que dispensa?

 

Quando a mente de alguém pensa que todo o porvir se evade logo então se persuade que nada a agir a convença.

 

A vontade perde a força, as asas já não lhe voam, que aquilo por que se esforça é que os bens que longe ecoam, ao vingar no longo prazo, é aqui que deles me abraso.

 

 

1356 - Meta

 

Não tem meta a evolução ou a evolução tem meta? Sei ape-nas que é forreta, sapateiro remendão:

 

Toma uma disposição que nas eras se intrometa, provada em vida correcta, nela enxerta a inovação.

 

A evolução é por saltos mas sempre no mesmo chão e o mais pára na valeta: bem poucos tem pontos altos. Cose e recose o rasgão, a evolução é forreta!

 

 

1357 - Mim

 

O que me acontece agora vai de facto acontecer a mim que em mim próprio mora, cuja demora é meu ser.

 

No conceito que tiver de mim que venho de outrora, vem o passado acolher o que ocorre de hora a hora.

 

Eu sou quanto em mim passou até um momento atrás, sou o que fui e mudou, eu que se faz e refaz: o que está a acontecer sou eu a criar-me ser.

 

 

1358 - Apanho

 

Eu que a mim me tenho à mão, a mim próprio só me apanho agora que agora não vivo já o que é de meu ganho.

 

É o presente este desvão em que o passado contenho, tram-polim firme no chão rumo ao porvir que devenho.

 

Nunca está o presente aqui, vejo nele o que vivi e quando vivo o que vejo não o penso, tal ensejo não mo permite a razão: ou vive ou pensa; os dois, não.

 

 

1359 - Riscos

 

Fazer algo contém riscos, não fazer riscos contém, lá do ve-neno dos iscos, cá do que à vida convém.

 

Acreditar nos petiscos que a natureza nos tem encegueira-nos com ciscos de quem cego se crê bem.

  

O que a natureza dita só pode agradar àqueles que não so-nham melhor dita que ter rasgadas as peles, que este mundo acham credível que é o melhor mundo possível.

 

 

1360 - Mezinha

 

É absurdo pretender que a medicina sozinha cure a cultura que houver, para a qual não há mezinha.

 

Se a cultura adoecer, o míldio destroi a vinha e a colheita nem sequer vai render uma adivinha.

 

Se a medicina não cura da cultura uma doença, maior ainda é a loucura de quem nisso já não pensa: ignorar a peste huma-na devém foco donde emana.

 

 

1361 - Derradeira

 

Tomo a morte com ternura, tomo-a também com tristeza, to-mo da vida a beleza, a efémera formosura.

 

Ambas com igual finura prezo como o que se preza: uma o caminho despreza que outra com firmeza apura.

 

A derradeira esperança invisto, buscando o rumo, em ambas, a ver se alcança o que busco e mal presumo: só que entre ambas se balança por igual desfeita em fumo.

 

 

1362 - Barbárie

 

O que a vida me ensinou, a mim, homem pequenino, é que é de humano destino quem a si se confinou,

 

Mesmo um povo ainda menino, marcar a fronteira ao voo: para além o que ficou é barbárie, desatino.

 

Assim, para qualquer povo, os outros são barbarismo e para estes, de novo, é aquele um bárbaro abismo: e a raça humana é tão tonta que ninguém disto dá conta!

 

 

1363 - Hábitos

 

Quem somos, de hábitos velhos, alguns de três milhões de anos, de ouvir, ignorar conselhos, de violar os arcanos?

 

Quem somos, nestes espelhos onde, no jogo dos panos, ta-pamos tortos artelhos, a fugir de assumir danos?

 

Nós, neste exíguo lugar, a sonhar com os espaços, morremos mui devagar e teimando em deixar traços por quaisquer sen-das e quelhos - nós somos hábitos velhos!

 

 

1364 - Sacrílego

 

Sacrílego é pretender domar do ignorado os véus porque os desígnios de Deus não os revela quenquer.

 

Não é, porém, por querer que há sacrilégio nos céus, mas por reclamar por seus, rumos ignotos que houver.

 

Tem o homem o futuro escondido sob o véu e, por baixo deste muro, o porvir que ele elegeu: é por ambos confundir que se confunde o devir.

 

 

1365 - Paixão

 

A paixão tem por perfil até às cinzas arder sem deixar nada sequer que mais depois aniquile.

 

Extingue-se a paixão, quer em si própria quer nos mil apa-niguados que file, enquanto um morrão tiver.

 

Pelo vendaval sopradas, as cinzas duma paixão recobrem-nos as estradas, não são vias, são caixão de enterrar almas penadas: e foi, por fim, tudo em vão.

 

 

1366 - Potência

 

Maior potência do mundo nas armas, na economia, mesmo nas letras seria sinal de saber fecundo?

 

Mas quem é que o mediria, quem é nas gestas facundo ou quem lhe sofre o profundo vinco de quem se expandia?

 

Medidas com coerência, não nos dão igual medida a de quem sofre a influência e a de quem lhe impõe a vida: do mundo a maior potência não é a mais esclarecida.

 

 

1367 - Competição

 

Entre o fausto e a elegância há competição confusa: para atrair, um abusa do que outra repele em ânsia.

 

É o fausto que atrai a infância mas, quando ela se a mais usa, a imaturidade acusa que algo se perde à distância.

 

O fausto cede o lugar, ao vir a maturidade, à elegância devagar e com vernaculidade: uma elegância sem par é a suma simplicidade.

 

 

1368 - Mar

 

Amo o mar, sou português, este mar que, de prisão, ao me-nos por uma vez nos deu corpo a uma ilusão.

 

Amo o mar porque talvez nos fechou dentro da mão e o que então se calhar fez livrou-nos da tentação.

 

Amo o mar, o mar imenso, o das frígidas entradas, tão gran-de que não tem senso e com cruzes tais alçadas que de covais é tão tenso quão de inúmeras estradas.

 

 

1369 - Fronteira

 

Pouco basta a pôr um fim a um mundo para durar, a fronteira para um sim vira não num golpe de ar.

 

Se cada homem, assim, em mente, em todo o lugar, tivera tal beleguim, muito houvera de mudar.

 

Agrilhoado à incerteza como fatal carcereiro, não tinha so-brevivido. Ou, louco, mudou de presa e hoje temos, por inteiro, um homem enlouquecido?

 

 

1370 - Excessos

 

Deus os excessos castiga, por mais que sejam humanos, e uns mais que outros se lobriga que provocam desenganos.

 

A bebida é uma inimiga se dos ódios veste os panos, como a ira nos obriga à mentira dos enganos.

 

Contudo, o excesso pior, até porque em norma ilude, não é o que um bem deteriore, antes o que ao bem se grude e que o rosto lhe decore: é o orgulho da virtude!