O DEVER DE BEM-QUERER

 

 

 

Criticar

 

Criticar, se inevitável,

Só com amor e ternura

E toda a paciência amável

Que então compreender apura.

 

É preciso compreender

Para poder melhorar,

De modo a fortalecer

Toda a relação a par.

 

Não há mesmo outro caminho

Se ter porvir acarinho.

 

 

Prefiro

 

Prefiro que hoje tu chores

Por eu te ter dito “não!”

Ao mal por que tu me implores,

Razão dando ao sem-razão,

 

Do que chore eu amanhã

Por te ter dito que sim

Ao que em vez de ser manhã

Será uma noite sem fim.

 

 

Fazer

 

O que dá gozo é fazer

E jamais o já ter feito.

É de parar se ocorrer

O passado a me tolher

De o melhor ter de meu jeito.

 

É que apenas o presente

Meu pé me diz onde assente.

 

Seja o passado o que for,

Estar aqui é o melhor!

 

 

Beleza

 

Muitas vezes a beleza

É um elefante na sala

E tu serás quem o apresa

Nesse ambiente que ele abala.

 

Terás de arranjar maneira

De as pessoas, sem perigo,

Se te sentarem à beira

Confortáveis lá contigo.

 

É a aprendizagem subtil

De como o bom se assimile.

 

 

Poder

 

O poder das Escrituras

Provém de serem maleáveis:

Sempre nelas tu apuras

O que convém a execráveis

Comportamentos, figuras,

Tanto como a veneráveis.

 

Dão sempre para os dois lados

Que ali findam empatados.

 

A instância de decisão

Tem de ser o coração.

 

 

Regra

 

No desporto há sempre a regra

A garantir segurança,

A vida também a integra

E o caos já não a alcança.

 

Regras para proteger

Ou para próprio proveito?

Inteligente é de ser,

A distinguir-lhes o jeito:

 

Aquelas para cumprir,

Estas para deixar ir...

 

 

Animal

 

Um animal tem direitos?

E a responsabilidade?

Se à fera aqui presto preitos,

Que contraparte persuade?

 

Direito a não ser caçado

Porque tem direito à vida?

Cumpre ele então de seu lado

Não me tornar em comida?

 

Enquanto aqui me remordo,

Ele não respeita o acordo.

 

Não tarda, vírus, bactérias

Serão sagradas matérias,

 

Mesmo quando nos invadem

E à morte até nos degradem...

 

- Os direitos são humanos,

Que as vidas são nossos planos.

 

 

Esposa

 

Ser meramente uma esposa,

Como é que alguém é capaz?

Não há nada nesta prosa,

Para a frente e para trás

Repetindo a mesma glosa,

À espera de que ele volte

Amando-a e que então a solte.

- E nada a soltar a vida

Perenemente esquecida...

 

 

Ignoram

 

Como é que ignoram tão alegremente

Os males que provocam ao seguirem

O próprio coração, varrida a mente?

Egoísmo descarado, ao permitirem

Pensar somente em si. E a demais gente?

 

E então, se o ignorado for parceiro,

É a derrocada ao fim do mundo inteiro.

 

 

Graveto

 

Quando o frio vento norte

Enregela a terra inteira,

Que meu graveto o suporte

Jogado para a fogueira.

 

Quando à míngua tudo morre

Ao redor de cada jeira,

Que a migalha que socorre

Eu junte à comum masseira.

 

Quando o clima nos arrasa

De seca ou inundação,

Que eu espere em minha casa

Sem qualquer poluição.

 

Quando o rico enrica mais

E o pobre de pobre esquece,

Que eu distribua os quintais

Ao faminto, na quermesse.

 

 

Toda

 

Um homem não pode amar

Uma mulher toda a vida?

E o violinista tocar

A música repetida

Sem de violino trocar

Pode mesmo sem medida?

 

Quem é que se anda a enganar,

Passo a trocar na corrida?

Como é que uma ilusão tida

Tantos anda a asfixiar

Sem pegada corrigida?

 

 

Ateia

 

O amor não vem da faísca

Que ateia cá dentro a chama,

Vem do trabalho que a prisca

Persistência em nós conclama,

Com a presença constante

De quem vai só junto adiante.

 

Aquele que nunca a parte

Faz do amor uma obra de arte.

 

 

Vida

 

Há vida por ser vivida

Intensamente, há o amor,

Há o amor na desmedida

Medida do que ele for.

 

É que tem de ser vivido

Até à última gota,

Sem nenhum medo franzido:

Não mata, apenas se embota.

 

Quem perde a oportunidade

Do que mais ao fim lhe agrade?

 

 

Deixem

 

Deixem que os que nunca encontram

O vero amor continuem

A ver que se desencontram

Dele e jamais dele fruem,

Apesar de quem insiste

- Só porque amor não existe.

 

Esta fé pobre fazer

Vai com que mais fácil seja

Para eles ir viver

Sem ter o que cada almeja

E morrer do mesmo passo

Sem ter da vida este abraço.

 

 

Tísica

 

A tísica da paixão

Obriga urgente a variar

Depois a conversação.

 

A palavra repetida

Aborrece ao recantar

Igual melodia ouvida,

 

Por bonito que lá seja

O foguete que estraleja.

 

 

Vinga

 

Amas, amas sem poder?...

Logo vês que te acontece!

A vida logo irás ver

Que se vinga do refece.

O melhor a te ocorrer

É casar, a ver se esquece...

Contudo, é sempre o caminho

Do mal menor no cadinho.

 

 

Juntar

 

O amor é tão mais preciso

Quão mais vizinhos juntar:

Amizade, fé com siso,

Saudade a se apaixonar,

 

A ternura ou a esperança

E o mais que o afecto alcança.

 

Todos se fundem então

Numa só realidade,

Um só sentir de verdade

Em mais do que um coração.

 

 

Momentos

 

Os momentos de ternura

E reconciliação

Valem a pena, vividos

Por entre tanta secura

Que pontua o tempo e o chão,

De fome de amor gemidos,

Mesmo que a separação,

A que a bem jamais eu cedo,

Tenha de vir, tarde ou cedo.

 

 

Deveras

 

O amor deveras não busca

Nem a causa nem o fruto.

E o que melhor nos ofusca

É o que entrega o coração,

Fecha os olhos no reduto,

Sem mais nada ter à mão.

 

Que o coração entregar

De olho aberto é ter a vista

Por prémio do amor na lista.

De olhos fechados amar

É de tal amor no grémio

Nem da vista ter o prémio.

 

 

Tirânico

 

É tirânico e zeloso

Do amor todo o sentimento.

Só recobra todo o gozo

Do amado com o incremento

 

Do sacrifício dos gostos,

Das prisões por quaisquer rostos.

 

É que em amor nada é feito

(Por mais que feito, contudo,

E com tudo o mais perfeito)

Senão se for feito tudo.

 

 

Lutar

 

Amarmo-nos é lutar,

Constante, constantemente,

Contra forças ao milhar

Ocultas, sempre a brotar

De nós próprios, lá do fundo

Evanescente presente,

Ou vindas de todo o mundo.

 

 

Posse

 

O amor quer a posse

Mas não sabe o que é.

Se eu não sou meu, fosse

Lá ser isso o que é,

Como irei ser teu,

Forma de teu pé,

Como irás ser minha,

Se nunca a tal céu

Senda se adivinha?

 

 

Conquistar

 

Para conquistar o amor

Deixe a boca então falar

Com a voz do coração.

Os termos perfume e cor

Só têm ao expressar

A ternura da paixão.

 

Tudo o mais fica de fora

E então todo o amor demora.

 

 

Qualquer

 

Para um homem adorado

Ser sempre por qualquer uma,

É de um pouco amá-la ao lado,

Muito prometer em suma,

 

Fingir sempre um grande amor,

Em palco um perfeito actor.

 

- Embora tudo fingido,

Não o é o preito conseguido.

 

 

Incompatível

 

É o amor duma mulher

Com o amor da humanidade

Incompatível? Qualquer

Amor que a profundidade

 

Busque infatigavelmente

Toca a universalidade,

É o amor de toda a gente.

 

Não só não é incompatível

Como a todos é exigível.

 

 

Desencadeia

 

Muitas vezes é o amado

Que desencadeia a força

Lenta que há se acumulado

No coração de quem ama.

O amor, solitária corça,

Ao descobri-lo se acama

Entre as ervagens que houver,

Que a solidão faz sofrer.

 

 

Fim

 

Meditar no fim do amor

É uma dor bem escusada,

Perder o tempo que for

Precioso na jornada.

 

Quando acaba, precisamos

De toda a dor que tivermos

Para atar os demais ramos

Do que em nós restar em termos.

 

 

Encontro

 

Em cada encontro são almas

A buscar se conhecer.

Tendência de bater palmas

Apenas ao que se quer,

 

Acaba matando o amor,

Cortando pela metade

O amado, seja quem for

Que o coração nos invade.

 

É sempre com pró mais contra

Que cada encontro se encontra.

 

 

Preocupação

 

Amor é preocupação,

Ter coração previamente

Ocupado na tensão

Do mal que se nem pressente

 

Que venha a ferir o amado.

Sofrer mais, num tal estado,

 

De aliviar não poder,

Do que ele próprio sofrer.

 

 

Quarenta

 

Quarenta os anos somados

De caminhos caminhados

 

No itinerário comum

Em que os dois somos mais um,

 

Nas viagens feitas a esmo

Cada qual é mais si mesmo:

 

Tu cada vez és mais prática,

Eu, mais livros, mais gramática.

 

Descobrimos que o amor

Não é nunca um copiador,

 

Não torna ninguém igual,

Senão a si cada qual.

 

Somente, em comum carreiro,

As pegadas por inteiro

 

Cobrem dois trilhos a par,

Um doutro complementar.

 

A ternura assim vai indo

Num roteiro que é infindo,

 

Mais e mais diferenciando

Quanto for unificando.

 

E mais autênticos somos

Quão mais diversos nos pomos.

 

E mais unidos ficamos

Quão diversos nos amamos.

 

 

Desato

 

Só desato a melhorar

Quando deixar nos demais

De me queixar dos sinais

E de mim me, enfim, queixar.

 

E quando eu principiar

A fornecer em redor

O que no mundo faltar,

Seja lá isto o que for.

 

Tudo o mais é fantasia

A me desviar da via.

 

 

Liberdade

 

A liberdade é um dever

Bem antes de ser direito:

O de respeitar quenquer

Que encontre na vida a eito.

 

E sem discriminação:

Somos todos, mundo fora,

Os dedos da mesma mão

Que tão rápido se ignora.

 

 

Como

 

Pensar é pensar

Como amar, amar.

 

Amar é mais raro,

Pensar não é caro,

 

Mais fácil terreno,

Mesmo se pequeno.

 

Para alguém alguém

Ser, é o que amor tem,

 

Porém sem deixar

De poder pensar.

 

Dois campos diversos

Que se dão a mão,

Senão, mal conversos,

Os dois matar-se-ão.

 

 

Até

 

Até para te escrever

Eu me tenho perfumado,

De eu toda te conhecer,

De viver-te inteiro o fado.

 

Em mim a vida é tão funda

Que a madrugada que vem

Me encontra em noite jucunda

Dos sonhos de vida além.

 

Pareço que sobrenado

Mas a fundura do mar

Sob mim é o negro fechado

Que esconde outro mundo a par.

 

Das grossas algas no enleio

De aurora a clarear o amor,

O vazio é de ti cheio,

Sei lá que mar me vais pôr!

 

 

Injúrias

 

As injúrias dos amantes

Nunca ofendem os amados.

Amores arrebatados

Há-os como adocicados.

Em momentos semelhantes,

 

As palavras mais estranhas,

Insultos, o que é pior,

São duma afeição as manhas

Quando ouvidas com amor.

E do afecto que renovas

São tomadas como provas.

 

 

Natural

 

O amor que for espontâneo,

Natural, numa simpleza

De coração conterrâneo

Que assim se alimenta e preza,

 

Sem competições picar

Nem se abastardar no jogo

Da mesquinhez, do lugar

- É o alegre desafogo,

 

A iguaria apreciada

De alma inteira saciada.

 

 

Desespero

 

É um desespero pensar

Que há tantos homens no mundo

Sem nunca se apaixonar,

Que jamais irão voltar

À casa deles, no fundo,

Que o amor, no fundo, é um lar

Onde de calor me inundo,

Sem precisar doutro mundo.

 

 

Silêncio

 

Um silêncio vale mais

Em amor do que linguagem:

Sem termos, todos triviais,

É bom calar na romagem.

 

No silêncio uma eloquência

Há de penetrar além

Do que da língua a fluência

Logra do que à míngua a tem.

 

 

Somente

 

Sempre o amor por um somente

Pode ser barbaridade,

Se à custa de toda a gente,

Se em pó esmaga a humanidade.

 

E assim é do amor por Deus,

Se esmaga os mais por ateus.

 

Ou o amor é universal

Ou é barbárie, afinal.

 

Ou a todos contém num

Ou então não é nenhum.

 

O amor que autêntico for

Vai longe neste pendor.

 

Quanto mais longe em tal ida

Mais autêntica a subida.

 

 

Afectuosa

 

A mulher não pode amar

Um homem em que um olhar

 

De afectuosa simpatia

Nem sequer insinuaria

 

Algum calor no torrão

Do gelado coração.

 

Ausente a correspondência,

Finda ao amor a existência.

 

 

Naufrágio

 

Um amor tempestuoso

É um naufrágio que se adora,

Dor com que brincar gostoso,

Delírio, porém, honroso

Em quenquer que ali demora.

 

Até que, enfim, chegue a hora

De pôr fim à dor do gozo.

 

 

Celebra

 

Quem é que sessenta e um

Anos de vida celebra

Quando em redor mais nenhum

Celebrar os vai sem quebra?

De medicina é milagre

Que a cura faz que consagre?

 

É do regime de vida,

Dieta que se consome?

Do ar limpo que, sem medida,

O pinhal faz que se tome?

Anda tudo a contribuir

Mas outra achega é de ouvir.

 

Mora no mundo interior

Uma espiritual vivência,

De religião sem teor,

Sempre entregue em permanência

Ao Todo, do Cosmos o imo,

Que faz ir até ao cimo.

 

Amparada na ternura

Que empenhou a vida inteira

Na relação que se apura

Trepando à vida a ladeira,

É do amor, por fim, na teia,

Que a vida dura e se alteia.

 

 

Elogio

 

Se recebes elogio,

Saboreia consciente,

A hora feliz é um rio

Que importa que em nós assente.

 

Repara no pormenor,

Em tudo o que mais te agrade,

Para evocar-lhe o teor

Com toda a facilidade.

 

Inverte assim a furtiva

Ferida em ti negativa.

 

 

Longa

 

Um amor de longa data

Ignora os contras e centra

A atenção nos prós que acata,

Por isso tempo além entra.

 

Qualquer duradoiro amor

Sofre de perder peúgas,

Adora o senso de humor...

- E este é que elimina as fugas.

 

 

Tudo

 

Tu és tudo quanto sei,

Quanto sei sobre a ternura.

Não estavas, reparei,

Nem eu, de forma segura,

 

E aprendíamos bastante,

Contudo, para o instante

 

Em que, súbito, parámos

E nos, enfim, encontrámos.

 

 

Outro

 

Amar o outro é respeitar,

Compreender-lhe as decisões,

Perdoar-lhe sem parar,

Os braços de par em par

Abertos aos corações,

 

Coração a descoberto,

À espera, que ele está perto.

 

É ir ao encontro dele

Sempre que ele der um passo

Na direcção que me impele

A responder-lhe ao abraço.

 

 

Força

 

Quem ama tem a razão

E a força para lutar

Contra todo o mal então,

Por maior que seja a par.

 

Pois mais vale derrotado

Morrer do que carregar

Vergonha de acobardado

Por se não querer amar.

 

 

Preciso

 

Preciso é saber vivê-lo,

Ao amor, depois doá-lo.

Quem exclusivo quer tê-lo

Não sente amor, mas o abalo

 

Da posse. Ninguém consegue

Possuir o amor, é impossível,

Andorinha a que persegue

Predador sempre falível.

 

Quem o quiser agarrar,

Tê-lo prisioneiro ao pé,

Sempre lhe ele há-de escapar,

Nunca irá ver o que ele é.

 

 

Cabouco

 

Perfeito amor dura pouco,

É flor muito passageira.

O eterno exige cabouco,

Com dedicação cimeira.

 

Implica uma construção,

A carregar muita pedra

Às costas duma paixão,

Que eterno então é que medra.

 

É o suor de o construir,

Não é só rir e mais rir.

 

 

Separe

 

Éramos sempre proibidos,

Amámo-nos como Deus:

Até que a morte os sentidos

Separe da terra aos céus.

 

Felizmente há muita morte

Cá por experimentar,

Por isso temos a sorte

De inda por aqui andar.

 

Quantas vezes é cortês

Amar-te a primeira vez?

 

 

Alerta

 

Os indivíduos nos servem

Para nos manter ligados,

Alerta, atentos preservem

Embora seus próprios fados.

 

Quando alguém a quem tu amas

Te vier antes desligar,

Já não é por quem tu clamas,

Já não o deves amar.

 

 

Qualquer

 

Qualquer amor principia

No silêncio dum olhar.

Pende a mão noutra por guia,

A que vagueia vadia

Noutro corpo de luar.

 

Silêncio dos abraçados

Lábios trocados, trincados,

 

Sempre num nó desmedido,

Que silêncio distendido!

 

 

Distância

 

Amar à distância apenas

Ocorre quando não se ama.

Mesmo as lonjuras pequenas,

Quando se ama, doem penas

De que todo o amor reclama.

 

Mesmo um beijo é tão distante

Que é demais em quem é amante.

 

 

Enxovia

 

A mulher perfeita é morta

Enxovia em solidão.

Defeito acolhido é porta

Da mulher ao coração.

 

É o defeito tolerado

Que transmudou a vizinha

Que alheia morava ao lado

Na maior aposta minha.

 

Defeito a que não ligámos

É que atou por fim o atilho

À mulher com quem casámos

Que carregou nosso filho.

 

 

Escutar

 

Amar é escutar

Por dentro quenquer,

Sempre atento andar

Ao outro que houver.

 

Honesto e paciente,

Permitir que seja

O que quer tal ente

Em tudo o que almeja.

 

Que cresça infindável

Por todos os dias,

Pois ninguém fiável

Hoje é o que ontem vias.

 

 

Natural

 

Amar, natural apego,

Também obriga a deixar

Outrem a ser, em sossego,

Quem ele for, singular.

 

É abrir mão e permitir-lhe

Que parta ou que fique, a par,

Sem desejar, ao sorrir-lhe,

Senão seu livre adejar.

 

Aprender que há mais valor

Em quem decide ficar

Que em quem fica sofredor

Por partir nunca lograr.

 

 

Dar

 

É bondade generosa

Sempre o amor, é dar o bem.

Dar-se na entrega gostosa,

Fonte do amor que contém,

É dos bens o bem maior

Que atingir é de propor.

 

Sonhar, criar e lutar

Para outrem ser feliz

É por si mesmo o lugar

Maior e sem cicatriz,

Ao invés do que alguém pensa,

Da máxima recompensa.

 

 

Arrisca

 

Amar sempre arrisca tudo

Sem nenhuma recompensa.

Só com a fé, sobretudo,

De que no amor a sentença

 

Cumprimos de nos cumprirmos.

É desprender-se e perder-se,

Abrir-se e, ao nos abrirmos,

Abandonar-se ao que verse

 

A vontade de raiz

De um com o outro ser feliz.

 

 

Simples

 

Nas almas simples o amor

Será mais puro e mais forte.

Na planície quanto for

Fonte à sede, no recorte

 

Dos campos, jorra do seio

Dos penhascos da montanha,

De agrestes sítios de enleio

Onde a lonjura se ganha.

 

Assim, no amor, por receita

É tal paisagem a eleita.

 

 

Namoro

 

Em dia de namorados

Não namoro nada, não:

Chove de todos os lados

Dentro do meu coração.

 

Não me afogo, não me afogo

Porque tu me agarras logo.

 

E é sempre desta magia

Que nasce o amor cada dia.

 

 

Alegria

 

Toda a alegria do amor

Provém do que já ocorreu

E continua a ocorrer.

O porvir não tem valor,

É a morte que inda nem viu

Aquilo que vier a ser.

 

Resta, pois, bem preenchida,

O que foi a nossa vida.

 

E, lado a lado, atulhada,

A fartura da jornada.

 

 

Encontro

 

Conhecer melhor alguém

Como num encontro puro,

É uma alegria que vem

Aparte de quanto apuro.

Apenas de serem feitas,

As perguntas, às maleitas

Já nos ali farão bem.

 

Os amantes perdem horas

Numa conversa de nada.

Importa, nestas demoras,

É das horas a pegada:

É o que marca, na jornada,

O sabor que lá edulcoras.

 

 

Mais

 

Conhecer um pouco o imo

De quem amo, até melhor

Do que o meu a que me arrimo,

É o mais que me hei-de propor.

 

Um acto de amor não falso,

Contraproducente embora,

É um passo sempre no encalço

Dum descobrimento agora.

 

E um descobrimento acerta

Sempre numa porta aberta.

 

 

Imo

 

Urge amarmos o imo inteiro

E ter amor à verdade.

Só no sofrimento o abeiro,

Prova do amor que me grade.

 

Prova certa, mas, no inverso,

Habituo-me a sofrer

Quando sei porque tal verso

E em nome de quê vai doer.

 

O amor não tem preço fixo:

É prazer e é crucifixo.

 

 

Restar

 

Sempre há-de restar o amor.

O resto pode perder-se,

Seja qual for o alicerce.

Mas, ao amar me propor,

Tenho sempre a garantia

De não findar nenhum dia.

 

Amar não acaba nunca,

Mesmo à hora de morrer.

Se o mundo à espera estiver

De mim, ante a garra adunca,

Ao encontro vou da espera

Vida fora, de era em era.

 

 

Longe

 

Quando estamos mesmo longe

É que vemos como amamos.

É triste eu ser este monge

Que não te vê nem nos ramos

Que murmuram tua voz

Que a lonjura apaga após.

 

Ao não ter-te junto a mim,

Não tenho prazer em nada.

Teu retrato diz-me, ao fim,

Quão longe ando aqui na estrada.

Pensa em mim que em ti me afundo

Neste desterro do mundo.

 

 

Brusco

 

O violento é perecível

Como o calmo é duradoiro.

Um amor brusco, irascível,

Irreflectido no agoiro,

Como a chama participa

Da ilusão com que se equipa:

 

A si próprio se consome.

Só crescendo devagar,

Lentamente mata a fome

De amor que queira durar.

Deixa então de ser fortuito

E durar, durará muito.

 

 

Exigências

 

Não queiras condicionar

Uma relação de amor

Com exigências a par

De qualquer ordem que for.

 

Quem amar jamais impõe

Condições no amor vigente:

Ama e tudo no amor põe,

Ama incondicionalmente.

 

 

Dúzias

 

A felicidade a dois

Vem duma dúzia de nadas

Com o carinho depois

Com que andam entrecruzadas.

 

Mas dum nada já provém

Qualquer infelicidade,

Quando inesperado advém

E advém com brutalidade.

 

 

Cuidar

 

Com zelo e com devoção

É de cuidar a quem ama.

Pode ter a duração

Duma eternidade a trama

 

De encontrar um grande amor.

Mas um segundo sem zelo

O segundo pode apor

Do tempo já de perdê-lo.

 

 

Firmeza

 

A firmeza em resistir

Ao amor serve também

A duradoiro o sentir

E violento em quem o tem.

 

O fraco vive agitado

Por paixões e quase nunca

Se irá sentir colmatado

Por elas no chão que o junca.

 

É a cana jogada ao vento,

Não vinga em si sentimento.

 

 

Constância

 

A constância num amor

É uma inconstância perpétua.

A afeição, com o fulgor,

Sucessivamente afecto-a

 

A todo e qualquer pendor

De quem muito bem amar,

À noite um, outro ao alvor,

A preferência a inovar.

 

De modo que tal constância

É uma inconstância constante,

Limitada na pregnância

Toda a vez ao mesmo amante.

 

 

Alguém

 

Alguém é tão mais amado

Quanto ele mais moderar

Expectativas, virado

Ao íntimo entressonhado

De quantos vier a encontrar.

 

A sério, sem fingimento

E jamais por indulgência

De quem olha o sentimento

Com pretensa competência,

Que isto enraíza, se o peso,

Num inconfesso desprezo.

 

Alguém é tão mais amado

Quanto ao coração virado.

 

 

Prazer

 

O prazer do amor

Jamais nos serviu.

Feliz de quem for

Quem o bem mediu:

Só dono quem for

Dele não perdeu.

 

Porém, quem se adona

Dum prazer à tona?

 

E o prazer se apressa

Domando o que o peça...

 

 

Dentro

 

Há muitos que o coração

Dentro de si não terão,

 

Antes bem longe e de fora.

Fora de si, que na hora

 

De si não cuidam sequer.

E longe porque qualquer

 

Cuidado anda só atento

E mais temporal intento

 

E mundano que é o que ele ama.

Que é que o coração lhe clama?

 

- Por mais sorte que haja em sorte,

Este é o caminho da morte.

 

 

Primo

 

A mulher do primo amor

Há-de salvá-lo ou perdê-lo.

Há-de recuar fazê-lo

À inocência de primor

 

Dos primeiros de seus anos,

Ao perfume imaculado

Dos desejos mais arcanos,

Ou, num golpe envenenado,

 

Mostrar-lhe toda a torpeza,

Num furor de cataclismo

Atirá-lo com fereza,

Atirá-lo para o abismo.

 

 

Saudades

 

As saudades me angustiam,

Corpo e mente me aniquilam,

Meus dedos nem te escreviam

Que martírios se perfilam.

 

Se não quiseres que a morte

Quebre os vínculos sagrados,

Anjo da vida, em teu porte

Vem sentar-te nos estrados

 

Junto à minha cabeceira

E a dor então me aligeira.

 

 

Rumo

 

Nem futilidade

Nem divertimento,

Amor sentimento

De profundidade

É que nos decida

O rumo da vida.

 

Que jus arvorar

De o falsificar?

 

 

Falam

 

A jovem que parecer

Não quer como uma leviana

E o homem velho que ser

Ridículo não quiser,

De amor não falam com gana

De quem inda tiver arte

De poder dele ser parte.

 

 

Implantada

 

A implantada autoridade,

Longe de ser veneranda,

De desconfiar entidade

É, que o bom senso o comanda.

 

Padres, políticos, reis

São de se olhar a miúdo,

Ao desempenhar papéis,

Com um olhar carrancudo.

 

 

Ladrão

 

O ladrão que tem juízo

Não mata nunca o roubado.

Dá-lhe tempo a que, com siso,

Reconstrua, piso a piso,

O castelo espoliado.

 

Então, o ladrão soez

Rouba-o de novo outra vez.

 

Nunca mates a galinha

Que os ovos de oiro mantinha.

 

Quem o faz, pior que ladrão,

É um estúpido poltrão.

 

 

Papel

 

É sempre papel dos pais

Acompanharem os filhos

Nos passinhos desiguais

Com que desatam atilhos

Mais e mais longe de nós,

Onde já nem chega a voz.

 

Ordem natural da vida,

A mais comum e normal,

Voam todos, em seguida,

Para longe do pombal.

Que momentos mais felizes,

Momentos mais infelizes!

 

 

Dois

 

Dois países no país,

Dois tipos de regras, leis,

Ricos gordos, pobres vis,

Duas portas que sentis,

Uma fechais, outra abris,

Além, servos, aqui, reis...

 

- Até quando o consentis,

Até quando pactuareis?

 

 

Vidro

 

Serão de vidro as crianças

Diante do desamor:

Se este em cachão nelas lanças,

Logo as partes num clamor.

 

São como o mar ante o amor:

Quanto mais amor lhes deitas

Mais se encherão de vigor,

Sempre a mais amar atreitas.

 

Se o amor chegar à borda,

Mais amor nelas acorda.

 

 

Questão

 

Ela é um problema?

É um problema a vida.

A questão, por lema,

É qual a medida

 

Em que vale a pena

O amor dela em cena.

 

Tudo o mais, no pano,

É nódoa de engano.

 

 

Carácter

 

De carácter umas falhas?

Temos de ver os defeitos

Sempre à luz das qualidades.

Ninguém nunca é só umas tralhas,

Somos de complexos feitos,

Compromisso entre verdades.

 

E tanto é num casamento

Como de amigos no evento.

 

 

Caixa

 

O rico, o privilegiado...

Os países ricos são

Na caixa onde eles estão

E há um mundo outro ali ao lado.

 

Ora, só quem vir de fora

Garante um porvir agora.

 

Um porvir que, ou é comum,

Ou não há porvir nenhum.

 

 

Duravam

 

Tínhamos nós discussões

Que duravam vários dias.

Sofremos um acidente:

Pois agora tais sessões

São minutos, fantasias

De quem delas é descrente.

 

Com o risco a me atacar

Já sei relativizar.

 

Há males, pois, que também

Ocorrem por nosso bem.

 

 

Desperta

 

Todos devem descobrir

Que é que desperta paixão.

Será o que é de repartir

Com o mundo, mão a mão.

Importa mesmo deveras

É de, em todas as esferas,

 

Deixar a comunidade

Melhor do que a que encontrei.

Há sempre uma infinidade

De gente que não tem grei,

Corações indiferentes

Que morrerão sem sementes.

 

A vida é oportunidade,

Mas é de estar bem atento

Quem a reconhecer há-de.

Descobre, pois, teu intento:

Quando a vida te convide,

Ser feliz aí reside.

 

 

Ataque

 

Depois do ataque assassino,

Entendo que tenhas medo

Mas tens de te dominar.

Sempre que ao medo o destino

Cedo, o que ao fim lhe concedo

É a vitória ao crime alvar:

 

Fico cada vez mais fraco

E o criminoso mais forte.

Ao deixar-me dominar

Do medo, fico num caco,

Cego por minha má sorte,

Um prisioneiro a ficar

 

Do criminoso, na lida

Do resto da minha vida.

 

 

Palavras

 

As palavras nunca param,

Algo a quererem mostrar.

É a vida lá fora: andaram

Lá tudo a movimentar.

 

Por ninguém a vida espera

E, por especial que sejas,

Nunca a ti tal te aprouvera.

Decide, pois: que desejas?

 

Se alguém não findar de fora,

É de juntar-se-lhe agora.

 

 

Corre

 

Tudo corre bem na vida

Quando fizermos por isso.

Mesmo o mal se revalida

No bem que o tem por chamiço.

 

É aquilo em que acreditamos

Sobre nós que determina

Como os outros com que andamos

Nos vêem na nossa sina.

 

 

Sei

 

Sei lá bem que é que será,

Sei lá bem que é que serei

No mundo que nem verei,

No mundo que alguém verá!

 

Como então justificar

Que não viva agora aqui

Inteiro quanto senti

Que só aqui vai ter lugar?

 

 

Mostra

 

A mulher, para apanhá-lo,

Mostra um rosto sorridente,

Agradável, um regalo.

Esconde o que tem em mente.

 

Não é melhor para um homem

Poder então entender

Que é que as atitudes somem,

Em que é que se está a meter?

 

Ela cala-se, primeiro,

Nunca discute com ele,

Mais se vir, de olho certeiro,

Que ganha o que não cancele.

 

Sorri muito, quer fazê-lo

Sentir-se grande, o maior,

Um deus dos pés ao cabelo,

E serve-o, que é superior...

 

- E assim, por esta ladeira,

Ele vê uma feiticeira.

 

 

Gosta

 

A mulher gosta dum homem

Imperioso e distante.

Pressentem que se consomem,

Indefesas, no hesitante,

 

Mormente quando conseguem

Pegar numa carga às costas

Sem problemas que lhes leguem

Os pesos de tais apostas.

 

Na presença da mulher

Nunca duvides de ti,

Nem digas não a entender,

Senão patego és ali.

 

Ela adora parecer

Estranha e misteriosa,

Nunca, porém, o quer ser.

O que ela mais quer, gozosa,

 

Transpostos os artifícios,

É um homem forte que a lê,

Amante de sete ofícios

Que guarde o templo de pé.

 

 

Tribalismo

 

Há um urbano tribalismo.

Aborrecidas de morte,

As mulheres, neste abismo,

Gritam contra tal má sorte

 

Porque os maridos cansados

Andam, por fazer dinheiro,

E deixam, de fatigados,

De atenção dar por inteiro.

 

No meio da gritaria,

Em vez de entender porquê,

Eles um ombro que os guia

Buscam fora, ao lado até.

 

Após fartos de falar

Deles próprios e das mágoas,

Para a mulher vão voltar:

Que róseos lumes nas fráguas!

 

Só que dura um tempo curto:

Logo ele de novo cansa,

Nela há o grito em novo surto

E retoma a contradança...

 

A outra feita um sofá

De psiquiatra é o que mais há.

 

 

Nascimento

 

O nascimento dum homem

É sangue, dor, desagrado.

Ou foi, que hoje todos somem

No parto sem dor treinado,

Nascimento sem violência

Que mudam toda a existência.

 

Com a civilização

Igual finda a dor de parto:

Pode hoje doer ou não,

Depende de como acarto

Todo o saber já sabido

Ao meu caminho escolhido.

 

 

Entende

 

Não julgues nunca ninguém,

Antes lhe entende os motivos.

Um homem parece bem

Entrosado nuns furtivos

Arranjos de nada bom

E, de repente, o seu tom

 

É de ir a ferver por dentro,

Mas vê melhor resultado

Da serenidade ao centro

Que de a raiva haver mostrado.

Condena assim o inimigo

Mas diminui-lhe o perigo

 

Ao conhecê-lo, avisado,

Para o fintar dele ao lado.

 

 

Descer

 

Nossos deuses são distantes,

Por natureza, de nós.

Não devem descer, frustrantes,

Ao nosso nível após,

 

Sejam deuses transcendentes,

Ou entre homens imanentes.

 

Aqueles, pois, que endeusares

Largam sozinhos os lares.

 

Pesa bem o benefício,

Senão cais num precipício.

 

 

Resto

 

Alguns só descobrem

Ser inteligentes

Se da escola sobrem

Como desistentes.

 

E o resto da vida

A lamentar andam

A ocasião perdida

Que já não comandam.

 

 

Mais

 

Quanto mais as aberturas

Para gente divergente

Ou minorias que apuras

Em comunidade assente,

Maior é a aceitação

E mais trilhos da razão.

 

Quaisquer organizações

Homogéneas por demais,

Críticas de mil senões,

Não chegam por vias tais,

Nem sequer por preço algum,

Jamais a lugar nenhum.

 

Talento atrai o talento

E cria aquele ambiente

Onde respira o portento,

Onde por fim bem se sente.

Marca o carreiro a seguir,

Nunca o mais que ali se ouvir.

 

 

Pobre

 

Ele é rico de dinheiro

E tu, pobre por inteiro.

 

Mas, em termos pessoais,

És riquíssimo entre os mais

 

E ele, cheio de pragana,

Não passa dum pobretana.

 

No fundo, bem gostaria

De como tu ser um dia.

 

Ora, a inveja pode ser

Danada um dia qualquer.

 

A campanha contra ti

É um fruto que vem dali.

 

É que a tua independência

Toca todos, na pendência.

 

Enquanto muitos se vendem,

Não deixas, aos que te atendem,

 

Nem que imaginem sequer

Tentar vir-te corromper.

 

Quanto maior tua fama

Pior se sentem na lama.

 

Defendem-se deste argueiro

A chafurdar no esterqueiro.

 

Se caíres com fragor

Sentem-se um pouco melhor.

 

Se a polémica te invade,

Dá-lhes algo em dignidade.

 

Pelo menos é o que pensam,

Embora o inverso é que adensam.

 

 

Roubar

 

Se alguém começa a roubar

Doutrem ideias, leveiro,

E com elas a ganhar

Desata muito dinheiro,

 

Já transpôs todo o limite.

Daí, então, o palpite

 

É que nele, sobretudo,

Principia a valer tudo.

 

 

Violência

 

A violência pode

Inspirar respeito,

A afastar acode

Ameaças a eito,

Pode amedrontar,

Pode silenciar.

 

Mas pode também

Ao caos origem

Dar que não convém.

É que isto é vertigem

De efeitos prováveis

Mais que indesejáveis:

 

A rebelião

Daqui toma o chão.

 

- Só pesando a jeito

Equilibra o efeito.

 

 

Luta

 

É sempre a pessoa errada

A da consciência pesada.

 

Ao que causa o sofrimento

Importa-lhe algum momento?

 

É quem luta pelo bem

Que só remorsos retém.

 

Não tens que te incriminar

Se este foi o teu lugar.

 

 

Gostamos

 

Gostamos de viajar

E de retornar a casa

E sempre de ambos a par,

De cada lado uma asa.

 

Para alguém sobreviver

Não é só ser consistente,

É de carreiros correr,

Várias direcções em frente.

 

E assumir contradições

Não é um mal, são as lições.

 

 

Tantas

 

Quando tantas raparigas

Entram na Universidade

Como rapazes, as brigas

Já não são pela igualdade:

 

São de quem o namorado

Logra mais afortunado.

 

Em qualquer revolução

Primeiro passo é traição.

 

É assim mesmo em todas elas,

Ninguém foge a tais sequelas.

 

Por isso é que a transição

Gradual sempre é o melhor chão.

 

 

Humilde

 

É humilde viver o instante

Como quem sábio sacode

Suas roupas já delidas.

Se me afiguro arrogante,

Então Deus inda me pode

Pregar mais umas partidas.

 

É o que a ciência me ensina

De quem parvo se destina.

 

E é o que a crença sempre creu

Quando inda se cria em céu.

 

Os dois lados da moeda

São o todo a que eu aceda,

 

Como dentro e fora em mim:

Só inteiro sou eu assim.

 

 

Refazer

 

Dos homens as tentativas

Para refazer o mundo...

E as leis naturais, esquivas,

Sempre a persistir, ao fundo.

 

A natureza diz Deus

Para crentes ou ateus:

 

Não há como dar-lhe a volta,

É submeter-nos à escolta.

 

 

Enterro

 

Num enterro de criança

Abre-se-nos sob os pés

O chão. A fenda que alcança

Enterrar-nos de través

 

Não encontra resistência:

Que sentido uma existência

 

Tem se abandonar sozinho

Um menino no caminho?

 

Se tivermos mais alguém,

Talvez logremos voltar

Do sepulcro nós também,

Subir a ver o luar.

 

Nada o pode garantir,

Tanto há quem vá desistir.

 

Agora, a sós, um menino,

Como inverter tal destino?

 

 

Desafiados

 

Todos precisam de ser

Desafiados sem fim.

Se eu o for, permanecer

Durável vai tudo em mim.

 

Quem a forma de viver

Na raia verde e crescente

Encontrar, permanecer

Jovem vai eternamente.

 

 

Ajudamos

 

Quando ajudamos alguém,

Alguém de quem nós gostamos,

Sentimos mais nós também

Emoções que acumulamos

 

Positivas: compaixão,

Felicidade discreta,

Aquela satisfação

De ser, da forma correcta

 

E de modos eficazes,

De ajudar sempre capazes.

 

 

Fonte

 

A fonte da juventude

É a nossa mente, o talento,

Criatividade que tento

Que à minha vida se grude

 

Como à daqueles que amamos.

Quando a tal fonte me enlice

Bebendo à sombra dos ramos,

Deveras venço a velhice.

 

 

Muito

 

Há muito quem nos quer bem

E que muito mal nos faz.

Pende do guião que tem

E que nos ata por trás.

 

Então é a vida a correr

Sem sair do mesmo sítio...

- É mesmo isto que alguém quer,

Ou isto, no fundo, omite-o?

 

 

Casar

 

Muitos morrem ao casar,

Embora casar não mate.

Morre-se ao não perguntar,

Na relação que me empate,

Se mais simples e bonito

Fico no lar que concito.

 

 

Quando nós não perguntamos

Que é que queremos por fim

E então nos refugiamos

Noutro, embora nosso afim,

Eis como nos enganemos

De escolhas que não fizemos.

 

Nunca estamos preparados

Seja lá para o que for.

Amamos, somos amados?

Logo esquecemos o amor.

Esquecemos, conveniente,

Mesmo o bom que houver na gente.

 

Lentamente, pouco a pouco,

Em vez de sábio, sou louco.

 

 

Entram

 

É verdade que as pessoas

Que em nós entram jamais saem,

Umas más e outras boas,

Guiam-nos ou nos retraem,

Umas para atrapalhar,

Outras para atormentar.

 

E as que valerem a pena

Muito as irás procurar,

Sempre a rever igual cena

À que te acendeu o olhar.

Até quando aprenderás

Que não se ama a olhar atrás.

 

É que um olhar de quem ama

É sempre um olhar de espanto.

Verdade é que tudo clama,

Jogando-nos canto a canto:
Preparados nunca estamos

Para o belo que enfrentamos.

 

 

Longe

 

Temos pela vida inteira

Tudo, tudo ao pé de nós

Mas então, pela lazeira,

Finda o perto longe após.

 

Dizer amo não demora

Nem dar o abraço em alguém,

Matar saudades na hora

Nada demora também.

 

Ao não me maravilhar

Do que consagro e consagres

É que ao fim sinto faltar

Em minha vida os milagres.

 

 

Pretende

 

Há quem se esconda por trás

Do que pretender mostrar

E quem não seja capaz

De tal modo de actuar.

 

Operou este ao invés

Do que aqueloutro fizer:

Vai-se mostrar através

Do que pretende esconder.

 

 

Retornarmos

 

Coabitar é não saber,

Ao retornarmos a casa,

Se alguém nela se há-de ver

À espera, sem bater asa.

É sentir-se alguém, por dentro,

Um sem-abrigo no centro.

 

Conviver é dizer gosto

De ti de muitas maneiras,

De tantas que nem aposto

Que imaginei tão certeiras.

Menos num longe sem rumo

De vagos sinais de fumo.

 

 

Maioria

 

A maioria das gentes

É estranha a seu coração,

Estranha mesmo aos presentes

Com que convive ao serão.

Tem o coração pejado

De estranhos que, lado a lado,

 

 

Dentro o coração lhe habitam.

Anseiam por um amor

E toda a vida o concitam

Sem ninguém a que o pospor.

Atiram-se então ao sexo

Sem o amor nele conexo.

 

É, de coração nas mãos,

Viver de escada em desvãos.

 

 

Bonitas

 

Por bonitas que pareçam,

Continuam tão sozinhas!

Bonitas que não mereçam,

Se calhar, as vénias minhas

Ou tão humildes não são

Como à vida deverão?

 

 

Preciso

 

Preciso de conhecer-te

Para que deixes de ter

A importância que desperte

Aquela que em mim te der.

Conhecer-te é que então faz

Que em mim tu morras em paz.

 

Ou então para encontrar

Em ti aquele sentido

Que me fará transformar

E não morra aqui perdido.

Conhecer que nos incite

E de vez me ressuscite.

 

 

Difícil

 

Como é difícil o amor!

Desentranha-nos de todos

Mais-ou-menos do torpor

Do conformismo nos modos.

 

Revolve-nos, que ao guardarmos,

Furtivos, o que sentimos,

Ao confronto é que escaparmos

Do que ele traz conseguimos.

 

 

Personagens

 

As personagens de histórias

Vêm aclarar quem somos,

Quem escolher nas vitórias

De que vou colher os pomos.

 

Mas quem vive a nosso lado

Ou nos traz a redenção

Das personagens que brado

Ou faz de mim um pião

 

Das nicas das personagens

De que não se libertou.

Pica-me então das voragens

Do rancor que a amordaçou,

 

Em vez do despojamento

Que renasce para a vida:
Não nasço a todo o momento,

Morro, lento, em cada ida.

 

 

Fogo

 

Há quem imagine o amor

A olhar sempre para trás,

A soprar por um calor

Dum fogo já morto em paz.

 

E há quem olhe sempre em frente,

Amor que vai construindo

À medida que amor sente,

De que não abdica indo.

 

Aquele se lamuria,

Este acredita na via.

 

 

Amante

 

Tratamos todos a vida

Como o amante acobardado

Que não diz: ”vou de saída,

Que aqui já ninguém é amado.”

 

O silêncio que guardamos

É o fruto do mal que amamos.

 

E o silêncio grita o grito

Dos termos do jamais dito.

 

 

Descuido

 

O descuido acumular-se

É fácil na relação,

Desatento sem disfarce

A ir sempre em contramão.

 

Há sempre mil e um apelos...

Que preguiça, só de vê-los!

 

E não fazemos escolhas

E geram-se os desamparos,

O gesto de ombros que encolhas,

Da indiferença os reparos...

 

- E o que sagrado ia sendo

É uma relação morrendo.

 

O silêncio ocupa espaço

Mais que os termos que desgraço.

 

 

Pouco

 

Sempre que nós namoramos

É um pouco mais que casamos.

 

Desistir de namorar

É um pouco se divorciar.

 

Se as paixões não são frequentes,

É que a preguiça, entrementes,

 

Agarrou no meu destino

Muito mais do que imagino.

 

Dar tempo a nos separar

Fazemos sem mais cuidar.

 

Trabalhar a apaixonar-se

Complica até que se esgarce.

 

Tempo é preciso ao amor:

- Todos pecamos um ror...

 

Porque pouco persuade

De nós a melhor metade?

 

 

Exemplo

 

O exemplo doutrem me diz

Que me falta a ser perfeito,

Torna a todos, de raiz,

Menos estranhos a eito.

Ao achegar-nos assim,

É difícil, mas enfim...

 

Ninguém cresce quando quer

Nem ninguém cresce sozinho,

Somos forçados a ser.

Sábio ser é ser cadinho,

Todo o erro a bater na forja.

Não se alcança, a mão na gorja,

 

De costas de vez voltadas

Com quem nos ama enganadas.

 

 

Sente

 

Sente as pessoas e atenta

Que a forma como as tu sentes

Condiciona tua ementa

De vida mais que o que intentes.

 

Que é que sentes te pergunta

E que pensas disto após,

Para a escolha que se assunta

Escolher, por fim, a sós,

 

Sem te deixar arrastar

Na onda do que calhar.

 

 

Prende

 

Se não deres mais um passo

Cada dia, não te assustes:

Não morreste, à vida o laço

Te prende com mais ajustes.

 

É que o que conta deveras

É dares-te a ti, bem antes

Dos passos que tu puderas

Dar em frente, após, constantes.

 

 

Ousar

 

Ousar pedir um desejo

Se, pela primeira vez,

Vivermos seja o que for,

Uns aos outros, neste ensejo,

É dizer: “se algo me fez

Mais sábio, de vida um ror,

Então exijo de mim

Mais amor até ao fim.”

 

 

Batota

 

No passado já morri,

No futuro não nasci.

 

Inteiro se ali me assente,

É batota do presente,

 

Ando, afinal, a fugir.

Se orgulhoso me não vir

 

De muito que fui outrora,

Não é uma vergonha agora:

 

É que entre um e outro ficam

Escolhas que me autenticam.

 

Só é vergonha se escolho,

Ao fim, o que não acolho.

 

 

Antanho

 

Tantos perdemos a vida

Sempre da vida a vingar-nos,

De antanho presos à ermida

E dos demais a exilar-nos:

Nunca nenhum redentor

É como o quer meu humor.

 

Vivemos a olhar atrás

E a olhar atrás nos amamos.

Então ninguém ama assaz

Nem vive entre tais reclamos.

Problema é que isto somemos,

Já que é o que todos fazemos.

 

 

Retorno

 

Falta retorno ao amor

E, com certeza, humildade

De passo a passo me pôr

A ser mais eu de verdade.

De mim, com ou sem gorgulho,

Falta-me também orgulho.

 

Tenho um amor devoluto,

À procura de pessoas,

Agora que faço o luto

Já de tantas ceias boas,

Hoje que não inauguro

Já romagens ao futuro.

 

Serei sempre, queira ou não,

Uma peregrinação.

 

 

Arrisca

 

A pessoa devém feia

Por se sentir mal-amada,

Não arrisca, volta e meia,

Nem por amor nem por nada.

 

Não se divorcia mais

Por de pouco apelativa

Dentro e fora ler sinais.

Morre então, embora viva,

 

Lentamente, cada dia,

Uma pequena fatia.

 

 

Escolhemos

 

Escolhemos quem amamos:

Podemos não escutar

O coração que tenhamos,

A reprimir, censurar,

Até chegar a iludi-lo,

Mas mando no seu estilo.

 

Nada nos faz mais estranhos

Diante do coração

Que tantas perdas e ganhos

De fugir-lhe em contramão,

Para a maneira de estar

Atingi-lo não lograr.

 

 

Fujo

 

Começamos a morrer:

Quem me deve conhecer

 

Antes lhe causo estranheza.

Fujo à verdade que pesa

 

Daquilo que em mim sentir

E o que sou deixo fugir.

 

Torno-me assim um estranho

Mesmo a mim, sem nenhum ganho.

 

 

Não

 

Não os acontecimentos,

Eu é que tenho o poder

De feliz nestes momentos

Ou infeliz me fazer.

 

Eu é que tenho o poder

De escolher como aqui estar.

O ontem vi-o eu morrer,

O amanhã há-de chegar.

 

Só tenho este dia de hoje

E, enquanto ele decorrer,

Vou ser feliz, senão foge

Sem mais o poder reter.

 

 

Luta

 

Vivermos em harmonia

Com a própria consciência,

Com o ambiente por guia,

Com quem amar na existência,

Com amigos, dia a dia...

 

Pode haver indignação,

Luta por ter nisto mão.

 

Ser feliz dá-me outra pista:

Poder nisto ser egoísta.

 

 

Fugir

 

Fugir de medo ao cinzento,

Às madeixas do cabelo,

Às rugas da testa ao mento,

Ao cinzento sem sincelo

Que em nós entra e cava o fosso

Que vai fundo até ao osso.

 

Cinzento a nos consumir

Até a visão afectar,

O mundo à volta a sumir,

Perdida a cor, nada alvar...

- Fugir, fugir, para quê?!

Em vez do nada, antes sê!

 

 

Indeciso

 

O indeciso é eliminado

Do ímpeto do decidido.

Se dormes em teu deserto,

Com a mulher descansado,

Horta atrás no eido sortido,

Na engorda de porco certo,

 

Findarás cheio de artrite

Na morte lenta caseira.

Este é o ideal que te incite,

Esta letal pasmaceira?!

 

 

Mentiras

 

As mentiras piedosas

São feliz lubrificante

Que a comunhão de que gozas

Fazem fluir deslizante,

 

Levam à sociedade

Harmonia de verdade.

 

Eis como a boa mentira

Tem a verdade na mira.

 

 

Apenas

 

Apenas felicidade

Haverá se não exijo

Do amanhã nada, em verdade,

E de hoje, com regozijo,

 

Aceito com gratidão

O que me puser à mão.

 

A hora mágica chega

Sempre ao que a isto se apega.

 

 

Amplo

 

Deixar o nosso interesse

Tão amplo quanto possível

E a reacção que apetece

A qualquer coisa atingível

 

Como às gentes que encontrar

Tão amistosa soar

 

Quanto o puder então ser,

Felicidade é colher.

 

 

Cada

 

A felicidade

É individual.

Conselho algum há-de

Substituir-lhe o aval?

 

Cada qual buscar

Deverá por si

Feliz se tornar

Em seu mundo ali.

 

 

Difícil

 

É difícil ser feliz

Enquanto julgo o passado

Melhor que foi de raiz,

O presente um pior dado

Do que é na sua matriz

E o futuro ainda melhor

Do que será quando for.

 

 

Perco

 

Por cada minuto

Em que nos zangamos,

Sessenta segundos

Perco do produto

(Em todos os ramos

E em todos os mundos)

Da felicidade

Que dali me invade.

 

 

Nascido

 

O homem que se diz

Nascido infeliz

 

Poderia vir

Ao menos sentir

 

A felicidade

De toda a amizade

 

Da família, amigos...

É destes abrigos

 

Que a inveja o priva,

Derradeira esquiva.

 

- Contra a vida torta

Perde a final porta.

 

 

Conformes

 

A felicidade acções

São conformes à virtude,

Não relativa ao que impões,

Mas absoluta a que grude.

 

A virtude relativa

Respeita ao que é necessário;

A absoluta que aqui viva

Tem por fim sumo o sumário,

 

Quer agrade ou não agrade,

Da beleza e honestidade.

 

 

Requer

 

O que requer um adulto

Não é que de fora talhem

Paz, felicidade, culto

De coisas que nem lhe calhem...

 

Quer direito de escolher

O destino que quiser.

 

É o que plenamente impede

A obediência económica

A outrem. E o que sucede

(Isto é que é uma bomba atómica)

 

É que há quem ataque a estes

E aos mais que nem são agrestes.

 

- Por de humano o que aqui deixem

Depois, então, não se queixem...

 

 

Atingir

 

Uma das grandes virtudes

É atingir a perfeição

Na vida à custa de açudes

De levadas que errarão,

 

De imperfeições, falhas, quedas

E de infindos recomeços.

Felicidade são medas

De tropeços e tropeços

 

Que do campo orientarão,

Livre e corajosamente,

Para o bem o carrejão

Duma vida totalmente.

 

 

Segredo

 

O segredo é ser feliz.

Não importa como, tenta.

Tu podes, teu signo o diz,

Mais e mais firme o inventa.

 

Não pende das circunstâncias:

Nem ias acreditar

Quão boas são as instâncias

Em que findas por entrar.

 

Aceita tudo por bem,

Que a tragédia então fenece

Ou alivia também

De forma que o nem parece.

 

Enquanto tu ali estás

Sem demasiado, no fundo,

Mantendo teu fundo em paz,

Esperares tu do mundo.

 

 

Querendo

 

Só querendo ser feliz,

Para tal contribuindo,

Caminho por tal país.

Se ficar, mesmo sorrindo,

 

De espectador impassível,

À felicidade apenas

Deixando a entrada amovível,

Portas abertas, serenas,

 

O que há-de entrar, de certeza,

Há-de ser sempre a tristeza.

 

 

Apreciação

 

A apreciação correcta

Do valor do que se for

Em si, para si é meta,

Se comparado ao teor

 

Do que aos olhos doutro apenas

Se for, do dia nas cenas.

 

Vai contribuir de verdade

À nossa felicidade.

 

 

Superficial

 

Só por superficial uso

Irei desejar a alguém

Que seja feliz. Reduzo-o

À piedade que tem

 

A fraqueza que nos leva

A tomar crianças ao colo.

Desejar faz que se deva

Cumprir sempre alguém sem dolo.

 

Cumprir-se inclui a desgraça

Mais de superar-lhe a traça.

 

 

Máximo

 

Cada qual deverá ser

(Como a si proporcionar)

O mais e melhor que houver,

O máximo que alcançar.

 

E quanto mais assim for,

Mais em si mesmo encontrar

De deleite a fonte-mor,

Tão mais feliz se há-de achar.

 

 

Difícil

 

Se só quiser ser feliz,

Não é difícil demais.

Como mais que os mais eu quis

Ser feliz, eis os panais

Em que me enrolo e tropeço:

Como é que outrem nisto meço?

 

É que os outros mais felizes

Do que realmente são

É o que eu e os mais acharão:

Eis do infeliz as raízes.

Então difícil deveras

É ser feliz com tais veras.

 

 

Teus

 

Sucesso e felicidade,

Se teus, residem em ti.

Decide-te, com vontade,

A feliz manter-te aqui.

 

A tua alegria então,

Em comum contigo inteiro,

Formará uma legião

Invencível no vespeiro

 

Que te trarão as maldades

De quaisquer dificuldades.

 

 

Muitos

 

Muitos são os que já tarde

Entendem que ser feliz

No sorriso anda que guarde

Para dar, bem de raiz,

Água viva no deserto,

A quem de mim andar perto.

 

Muito mais do que nas palmas

Ou do que na admiração

Que posso receber de almas

Que nem sequer sei quem são,

Por muito que gratifique

O ego que isto multiplique.

 

 

Quiser

 

Aquele que quiser ser

Feliz, deve dar-se então.

Ser é amar e amar se não

For dar-se a todo e quenquer

Não será nada sequer,

Mas qualquer contrafacção.

 

Ninguém poderá ser nada

Senão numa relação

Com outrem toda a jornada,

Do mundo com a amplidão.

 

 

Escala

 

Ninguém escala a montanha

Sem tombar algumas vezes.

Alguém julga que se ganha

Felicidades corteses

Através de qualquer jogo

Ou da rifa onde me afogo?

 

A minha felicidade

A pulso foi conquistada,

Com lágrimas de verdade

E com muita cabeçada,

Muita queda e muito engano,

Más escolhas de mau plano...

 

Mistura de que se ganha

Dores muitas mui soezes.

Não se escala uma montanha

Sem tombar algumas vezes.

 

 

Colapso

 

Quando estiver a correr

Sem o corpo alimentar,

A meta não vai cortar,

Vai mas é um colapso ter.

 

É o mesmo com o trabalho:

Se não repousar, na essência,

Vai entrar mesmo em falência,

Não fará nem um negalho.

 

 

Asneiras

 

Não metas numa conversa

As asneiras do passado.

Uma pessoa é mais tersa

Que os erros onde há tombado

 

E não gosta, pelos jeitos,

De ser lida por defeitos.

 

A qualidade é que, instante,

É sempre o mais importante.

 

 

Companhia

 

Se não nos pudermos ver,

Trocar ideias, estar

Em companhia sequer,

O amor vai-se evaporar

No pouco tempo que houver.

Para não perder-se ao vento

Tanto requer alimento!