RECANTO CLÁSSICO
Extremos
Tudo o que na vida é preto
Branco é por igual também.
Não é cinzento, em concreto,
Sempre os extremos contém.
Tudo depende do bem
Ou do mal com que interpreto
Os cenários que me vêm
Defrontar sob o meu tecto.
O que é cinzento na vida
É o que dum ou doutro modo
É tíbio no que ele envida.
Nem bom nem mau pelo engodo,
Destrói mesmo qualquer cor
Que a vida pinte melhor.
Dizermos
Como dizermos o amor?
Todo o dito é sempre errado,
Que quem for apaixonado
Não diz “amo-te!”, é um error,
De ínfimo ser, comparado
À grandeza do fervor
Que o queima de festa e dor
Ao sentir por todo o lado.
Quem disser “amo-te!” esquece,
Não creias neste traslado
Que, mal seja dito, fenece.
Só diz alguém, na quermesse,
“Amo-te!” assim desbocado,
Quando o amor desaparece.
Ninguém
Não sou nunca de ninguém,
Quem me quiser há-de ser
O sol pela tarde além
A iluminar e aquecer.
E outro há-de ser noutro ser
Cada momento que tem
Sem deixar de acontecer
Noutro o mesmo que o sustém.
Força viva em movimento,
Brutal e gentil, contudo,
Astro no azul firmamento
Arrastando no veludo
Das alturas, com mil mastros,
Naus de catadupas de astros.
Itinerário
O amor é um itinerário
Contínuo de acolhimento
E descoberta, sumário.
Não é um arrebatamento
E jamais uma loucura.
É uma inteligência a agir,
Curiosidade que apura
Carinho sem inflectir.
Não pode jamais amar
Nem ser deveras amado
Quem não puder suportar
Da verdade algum traslado
E for incapaz então
De qualquer resignação.
Perfeição
O amor que for verdadeiro,
Um amor sem emboscadas,
A perfeição por inteiro,
Traz o fastio às estradas.
O amor vive algum tormento,
Murcha na felicidade.
Amor feliz é o momento
Da mais perfeita beldade
Que o sonho sonhara um dia.
Ora, tudo o que é perfeito,
De aperfeiçoada magia,
Marca o fim da vida a eito.
Não existe em nossa escala,
Só por mentira regala.
Acolher
Para te acolher a ti,
Consciencializa o que sentes
Sem juízo ou alibi.
Ao nos tornarmos conscientes,
A testemunha interior
Traz a fome emocional
Ao palco que é curador
Duma cura natural.
O abraço incondicional,
Tolerante, compassivo,
Reconfortante, afinal,
É o que nos sacia ao vivo.
Cura a carência de amor
Por nosso imo acolhedor.
Adie
Não adie vida, amor,
Por um porvir ideal
E que se venha a propor
Como perfeito, afinal.
Entre em relacionamentos
Por que se sente atraído
Ao correr destes momentos:
São o que for requerido
No actual contexto de vida,
Muito imperfeitos embora.
São a pegada na ida
Ao que quer ser desde agora.
É a forma de evoluir
Rumo a quem ser a seguir.
Preconceito
É o amor o favorito
Do Cosmos a destruir
O preconceito gratuito,
O pendor onde ferir.
O amor desarruma a crença
Organizada a isolar,
O que visões sem detença
Finda a desencadear:
São eventos em cadeia
A derrubarem barreiras,
Dos medos rasgando a teia,
Do pensamento as asneiras.
Nele esbarrondam-se os tectos
De padrões mil obsoletos.
Sentes
O amor que em teu coração
Sentes te acolhendo a ti,
É tão teu real fundão
Que engano não mora aí.
Nem ideal nem fantasia,
É a base da relação
De qualquer afecto, um dia,
Ao chegar a ocasião.
Nem é preciso mudar
Em nada de grandioso
Este laço singular.
De teu imo atende ao gozo,
Deixa que o amor floresça
A tempo que infindo cresça.
Desejo
Por mor de o nosso desejo
De amar e de ser amado
Ser tão forte é que vicejo,
Deixo de ser mascarado
Do ego confiante, aprumado
Que usamos todos os dias.
O afecto bem apurado
Oferta do amor os guias
Íntimos, gratificantes,
Que estabelecem a base
A partir de que os instantes
Abrem os possíveis, quase
Como se meu crescimento
Fora ao infinito invento.
Abrir
Dado que nos proporciona
A maior das alegrias,
O amor, quando vem à tona,
É tido por abrir vias
Para um nível superior
Da realidade de ser.
Olhado pelo interior
É mais que o afecto a ter
Pelos nossos companheiros,
Amigos, filhos que houver.
Barco é doutros estaleiros
Com cais outros a escolher:
É um farol, do além sinal,
Nossa essência primordial.
Muda
Na forma mais elevada
O amor muda a natureza.
Ternura, afeição gerada
Trocam raiva que despreza
Por compaixão solidária.
Amor, relacionamentos
São temática primária
Se o rumo trocar aos ventos.
É a razão funda da vida,
De nascermos o guião,
A trilha de ser seguida
Ao pisarmos este chão:
Do Universo a natureza
Alinhar no amor que a preza.
Escolhendo
Se o sentimento é inerente
A ser um humano vivo,
É de buscá-lo, premente,
Escolhendo o positivo.
Amar é sempre um esforço.
Quando amamos muito e só,
Sem sombras em nosso escorço,
Transmudamo-nos do pó
Num sol de luz e calor.
As plantas vivas dependem
Da estrela de tal fulgor
Em toda a vida que rendem.
Quando para aqui me viro
É que cósmico respiro.
Quando
Quando alguém amar alguém,
Então a dor se partilha,
O sofrimento também,
Por dura que aperte a cilha.
Não se fecham nunca os olhos
Nem o coração à dor,
Amamos contra os abrolhos,
Dando seja lá o que for,
Sem ligar nada às feridas
Nem os olhos enxugar.
Amamos além das idas
Que a razão pode contar.
É que a razão este além
Nunca entende afinal bem.
Jamais
Amar jamais é foder
E também não, fornicar,
Nem sequer é copular,
Seja homem ou mulher,
E nunca possuir quenquer
Leva amor no coito a entrar,
(É o mecânico bombear
A sós com um par qualquer).
Sozinho ou acompanhado,
É sempre amor simulado
Cativo do imaginário,
Sem pisar o chão primário
Da ternura e dos abraços
Que tecem da vida os traços.
Monstros
A vida é já tão estreita,
Um monstro tão musculado,
Que perder a vida à espreita
Do que é bem ou malfadado,
Quem é decente e quem não,
Quem é príncipe ou é sapo,
Fanatismo ou religião,
Quem político é só papo
De futebol mesmo em clube,
- É não ver a soma zero
Deste desfile que adube.
Quando o vejo, é o desespero
De só ter encarquilhada
Do fim da vida a pegada.
Banal
O amor é mesmo banal,
Por tal é que é tão bonito.
O que ele quer, afinal,
De quem amo, em jeito aflito,
Antes de amar-me também
É que seja saudável,
Que tudo lhe corra bem,
Feliz por tempo infindável.
O mundo não o permite
Mas que importa a realidade?
A razão sofre um desquite
E aguardamos de verdade
Que Deus abra, na ocasião,
Em tal caso uma excepção.
Invulnerável
É o pensar invulnerável,
Jamais o logro evitar:
Faz o mundo, infatigável,
E os outros também pensar.
Tudo, menos quem se amar,
Faz pensar, interminável.
Amar vem contrariar:
Nele é mesmo eliminável,
É o mais simples de elidir.
Não há nada mais comum,
Mesmo sem o prosseguir
Por canhestro gesto algum,
Do que o amor, se calhar,
Para a razão evitar.
Duas
Duas pessoas ungidas
De amor são comunidade,
São tarefas divididas
Dobrando cada metade.
Se uma cai, outra levanta,
Se uma fraqueja, outra inova.
Suas aves, se uma canta,
Do céu de ambas canta a prova.
Uma à outra alimentando,
Unindo no voo o bando
De gorjeios no transporte,
O rumo a que vão rumando,
Em ambas se entremostrando,
É o mesmo no mesmo norte.
Corisca
Um amor é sempre vida:
Nos olhos corisca o belo,
Sob a lágrima vertida
A saudade é o dom singelo
Duma angústia atormentada.
O coração não morreu
Quando os olhos, na jogada,
Pascem ternura no céu.
Mesmo quando se anuvia
Em nocturnas regiões,
A mortalha rasga um dia
E ante o proscrito os clarões,
Tocha de luz no deserto,
Acende ao alvor desperto.
Lindas
Que lindas as criações
Da imaginação de alvor
Duma virgem cujo amor
De sonho sonha aos balcões!
Ansiar indefinido
Por uma realidade
Em que acenam, num gemido,
Uns mancebos sem idade,
De loiro cabelo ondeado,
Em palácios de oiro fino,
De nuvens cujo destino
É de inocência inundado.
Que lindas as criações
Do sonho em desilusões!
Forma
A forma como perdemos
Um filho de modo algum
Altera a perda que temos.
Vazio como nenhum,
Que importa se foi dum rapto,
Homicídio, acidente,
Moléstia sem ninguém apto
À cura conveniente?...
O centro de nossas vidas
Desaparece, amputado.
São, golpe a golpe, extraídas
As ondas do mar gelado.
No âmago de nosso mundo
Um prego se encravou fundo.
Aprender
Amar é aprender
A dizer adeus,
Nunca se nascer
Vai de vez dos seus.
Não se nasce nunca
Somente uma vez:
“Largo esta espelunca,
Tenho o mundo aos pés...”
As memórias teço
Nas teias do amor,
Intenso começo
Na fímbria do alvor.
Devagar, porém,
Porque o sol já vem.
Violência
A violência da violência,
Do mal além do que fez,
É que é sempre, na existência,
Um acto de estupidez.
Vandaliza o pensamento
E as relações que dão vida,
Destruindo, num momento,
Toda a obra construída.
As pessoas corajosas
Aceitam que erram, se enganam.
Não fogem, são grandiosas,
Pegam nos gestos que as danam,
Desculpam-se com verdade:
- É a responsabilidade.
Sacudir
“O que eu podia ter sido
Se me tivessem deixado!”?
Mas que manhoso sentido
De sacudir para o lado!
E as palavras que não quis,
Os gestos que fui guardando,
As escolhas que não fiz,
As traições, de vez em quando?
Umas vezes por vergonha,
Outras, por indiferença,
A acumular a peçonha
Mas a esquivar da sentença.
Não vale a pena, morri
Por minha mão sempre ali.
Episódios
Dos episódios da vida
É bom que me orgulhe a sós,
Tal do que é parte de nós.
Sem ignorar, em seguida,
Nossa vergonha e remorso
Que dão sentido à humildade.
Quando algo daqui me invade,
Torno-me um falhado escorço
Ante os erros cometidos
Mas audaz perante o sonho.
Na memória o ontem ponho,
Hoje são feitos medidos
Ousando escolher futuro:
Em tal chão firme o inauguro.
Calor
Nunca se é feliz sem dor,
Que o amor é condição
De infinito se propor
Ter o calor sempre à mão.
A relação amorosa
É redentora do mundo
E a mais frágil que se goza
Nas profundezas do fundo.
Todas as relações morrem
Quando não forem cuidadas.
Os amores, quando ocorrem,
Abrem-nos sem fim estradas:
Só caminhando-as enfloram
As colheitas que namoram.
Barricada
A barricada é um lugar
Perigoso para o sonho.
Não vejo nada ao olhar,
Nada vejo onde o olhar ponho...
Todo o mundo é a preto e branco,
Já mais ninguém fica a salvo:
Não há um homem no barranco,
Era um ponto negro, um alvo.
Bem quero sair dali,
Alegrar-me com a vida.
Mas, afinal, que é que vi?
Mais desfiles na avenida...
- Será que eles saberão
O que custa a demissão?
Futuro
O futuro é perigoso,
Por mais que prometa o céu:
É que o presente gozoso
Enterra, que não é o seu.
Mós da civilização,
Os avanços mais subidos
Sempre carreiros serão,
Nos por eles protegidos,
Para o fim de malfadados.
Uma civilização
Com tais cumes já trepados
Finda arruinada no chão.
Sempre assim é, história fora:
Naquilo chegou-lhe a hora.
Vitória
A vitória vida além
Não vem da nota da escola
Nem do diploma que obtém
Da Universidade a mola.
É o poder de cooperar,
De controlar emoções,
De o prazer saber adiar,
Centrar onde a atenção pões.
Todas estas competências
São muito mais importantes
Que níveis de inteligências
Ou as notas que levantes.
Daqui pende toda a vida
Rastejar ou ser erguida.