RECANTO DE IRONIA E BOM-HUMOR

 

 

 

País

 

Um país é mesmo assim.

 

À frente marcha a bandeira,

A banda, atrás, faz chinfrim,

Os bandalhos são terceira

Fatia deste festim

E depois os bandoleiros

Aflautam o cornetim.

Os bandidos, cães rafeiros,

Fecham o cortejo, ao fim.

 

Pelas bermas, os papalvos

Abrem as bocas: são alvos!

 

 

Manada

 

Ri porque tu riste,

Chorei porque choraste,

Mais nada?

Despiste

Que baste

 De sermos animais de manada.

 

 

Criança

 

Ser criança é aquele estado

Em que se é catapultado

Ao posto mais avançado

Duma civilização.

E, em dezoito anos de vida,

A notícia recolhida

Da Terra e de sua lida

São familiares que a dão.

 

Ou aquela, por acaso,

Que à televisão deu azo...

 

- Mais que indígena silvestre,

Criança é um extra-terrestre.

 

 

Aluno

 

Se um aluno me chegara

Inteiramente formado,

Inteiramente seguro,

Meu fito que semelhara?

Era a luz ter apagado,

Dar escuridão no escuro?!

 

Tanto mestre que refila

Será que isto é que perfila?

 

 

Abaixo

 

Vivemos à falsa-fé.

Onde será que não me encaixo?

É sempre bom estar de pé

Para deitar alguém abaixo?!

 

 

Engano

 

O amor, no engano das lavras,

Falha leiras comezinhas,

Nada partilha aos serões.

Começa em grandes palavras

Continua em palavrinhas

E termina em palavrões...

 

 

Violino

 

Sendo o amor sempre o lamento

Dum longínquo violino,

É o rangido violento

Das molas da cama em hino.

 

 

Vence

 

A umas mulheres as vence

A gentileza ou talento;

A outras, a valentia

Que contra muros convence;

A outras, moeda em aumento;

A bondade também guia;

Até mesmo a estupidez

Vence alguma alguma vez;

Por fim, o fútil estilo

Dalguma irá consegui-lo...

 

Tantos os trilhos do amor

São que não há contador.

 

Sem contar contrafacções:

Somam milhões e milhões.

 

 

Aventura

 

O tempo que uma aventura amorosa ganhe

Assim a perfila:

Principia no champanhe,

Finda no chá de camomila.

 

 

Sopa

 

À mulher que for amada

Até os cornos se perdoa,

À que não se ama nem nada,

Nem sequer a sopa boa!

 

 

Apaixonar-se

 

Apaixonar-se é a receita

Que, contra o tempo, usa o velho.

Tal virtude a tal se ajeita

Que jovem fica de artelho

Enquanto àquilo se aplica...

- Até que estala a pelica.

 

 

Fora

 

Quando por baixo estiveres

Como por fora de tudo,

Escolhas o que escolheres,

Ninguém quer tal cabeçudo.

 

 

Fanático

 

Se a um fanático disseres

Que sempre o queijo da Lua

Te alimenta a solidão,

Logo de prato e talheres

Desponta na tua rua

A querer tal refeição.

 

Nunca admite outro sentido

Em quanto for dito ou lido.

 

 

Monótono

 

Tão monótono há-de ser

Como o espírito dum homem

O rabo duma mulher

Onde tantos se consomem.

 

 

Estômago

 

Quando alguém apaixonado

Do estômago ouvir o ronco,

Corpo de alma separado,

Fim da unidade no tronco,

Toda a lírica ilusão

De imediato cai ao chão.

 

 

Nivela

 

Quão mais brilhante a luz for,

Mais tudo é de igual jaez:

Nivela o espírito o amor

Com qualquer estupidez.

 

 

Pedir

 

Carinhosa e compreensiva

É minha lista primária.

É pedir muito a uma diva

Várias vezes milionária?

 

 

Risco

 

“Ama os demais como a ti”?

Que grande risco lhe empresto!

Não vejo o que resta ali

Se no fundo eu me detesto.

 

 

Físico

 

Físico prazer do amor,

Se apenas do amor é o guia,

Nos instantes do tremor

É só curta epilepsia.

 

 

Entre

 

Muita gente distinguir

Entre amor e diversão

Não sabe, viajante a rir

Que crê gostar dum torrão

Apenas porque, se calhar,

Lá comeu um bom jantar.

 

 

Ópera

 

É tal ópera o amor,

Aborrece quem está

A seguir lento o cantor,

Mas depois voltamos lá.

 

 

Chego

 

Amo e chego antes da hora;

Amo ainda e chego ao fim;

Já não amo e, na demora,

Chego atrasado ao festim.

 

 

Enfim

 

Tanto quanto o amor é um jogo

Onde jogo o melhor ócio,

Casamento é o desafogo

De enfim ter o meu negócio.

 

 

Carta

 

A melhor carta de amor

Que duma mulher emana

É a que escreve com pudor

Àquele homem que ela engana.

 

 

Asneira

 

Um amor, na pasmaceira

De quanto dele enodoas,

Não vai passar duma asneira

Vinda de duas pessoas.

 

 

Música

 

O amor em música clássica

É sempre de tom maior.

Na romântica, mais básica,

Chora sempre em tom menor.

 

O amor moderno por guia

Tem a fraca melodia

 

E tão mais instrumentada

Que não se ouve quase nada.

 

 

Velame

 

Amor, desfraldado ao vento

O velame a todo o pano,

É o que, após o casamento,

Por norma se chama engano.

 

 

Criado

 

Fui criado a respeitar

Os mais velhos. Então quem,

Sendo eu mais velho do lar,

Devo agora respeitar?

Não respeito mais ninguém!

 

 

Heróico

 

O lado heróico do amor

É a coragem que contém,

O que, como é de supor,

É o lado imbecil também.

 

 

Estranheza

 

A estranheza do segredo

É porque o amor começa

Com garras de gato tredo

E depois se desvaneça,

Com o tempo decorrido,

Num rato meio comido.

 

 

Minutos

 

Não ser à primeira vista

Pode, mas em dez minutos

Logo a mulher faz a lista

Dum homem, dos atributos,

E se irá ou não cair

De amor por ele a seguir.

 

 

Mediocrezinhos

 

Alguns mediocrezinhos

Não gostam de ver mulher

Criadora de mil ninhos

Onde quer que campo houver.

 

 

Donzelas

 

As donzelas admiráveis

Admiro-as com o tacão

Trilhos batendo infindáveis...

E após finda a admiração.

E, na solidão da estrada,

Tudo aquilo fica em nada.

 

 

Tijolo

 

O amor é mesmo um tijolo:

Ou constrói teu lar num horto

Ou afunda, moído, um bolo

No rio, o teu corpo morto.

 

 

Reine

 

Não há paixão onde o amor

Por si próprio reine mais

Poderoso no que for

Do que a do amor que tenhais.

 

Sempre andamos mais dispostos

A sacrificar quenquer

Que amemos de olhos bem postos

Do que o nosso bem perder.

 

Mesmo que seja o repouso,

Cortar no meu? Não, não ouso!...

 

Ergue

 

Ergue o amor sempre uma ermida

Na colina onde se visse.

O amor sempre é ser vencida

A razão pela tolice.

 

 

Mesma

 

A vanguarda dum amor

É por norma a conveniência

E, a rectaguarda ao supor,

Vejo-lhe a mesma evidência.

 

 

Espírito

 

Espírito às raparigas

Dá-lhes um primeiro amor.

O rapaz, menos de intrigas,

Menos parvo é de supor

No segundo que tiver

Com uma outra qualquer.

 

 

Charco

 

Bebido à medida,

Um amor diverte.

Charco de bebida,

Farta o mais solerte.

 

 

Espírito

 

Se algum espírito aos parvos

Um amor ao fim lhes der,

Anda mas é a tirar-vos

Todo o espírito que houver.

 

 

Crédito

 

Um grande amor é uma conta

De crédito a levantar

Dos mil modos a que monta,

De modo que há-de chegar

Fatalmente em sua rota

O dia da bancarrota.

 

 

Importante

 

Menos importante é amar

Qualquer alma de mulher

Do que o corpo dela a par.

Aquela, imortal ao ser,

 

Hei-de ter tempo de sobra

Quando o eterno a vida cobra,

 

Para amá-la como for.

Mas o corpo, com que amor?...

 

 

Imprensa

 

Sabemos que amor existe

Pelo crime passional

Que a imprensa diária registe

Por seu bem e nosso mal.

 

 

Enganar

 

Num amor principiamos

Por nós a nos enganar

E por enganar findamos

Outrem que nos venha a amar.

 

 

Escolar

 

O escolar sempre se ocupa,

Em segredo, em qualquer acto,

Com o que a jovem preocupa

Dentro de seu internato.

 

Elas, do fogo ao calor,

Eles, por trás dos saberes,

Elas falarão do amor,

Eles falam das mulheres.

 

 

Morrer

 

O amor, da pressão

Que nele se tome,

Vai de indigestão

Morrer, não de fome.

 

 

Mentiras

 

Que é que foi sempre um amor

Senão a mais dolorosa

Como a mais voluptuosa

Das mentiras a propor?

 

 

Eficácia

 

O amor vai querer a par

Da eficácia o aparelho:

Útil ao mancebo é amar,

Quase indecoroso, ao velho.

 

 

Espécie

 

A espécie se compromete

Com um casal cujo amor

Um ao outro ambos remete.

Servida, vai sem pudor

Virar costas ao que ganhem

- E que então eles se amanhem!

 

 

Legítimo

 

Porque é legítimo amar

Sempre simultaneamente

Bach, Beethoven, Mozart

E, concomitantemente,

Infiel amar seja, a par,

Algumas contemporâneas

Marias, mesmo Betânias?

 

 

Civilizados

 

Os civilizados

São mais descorteses

Que quaisquer selvagens,

Já que indelicados

Podem, sem reveses

Em quaisquer clivagens,

 

Ser, sem ter receio,

De os rachar ao meio

 

As grosseiras peças

Dos corta-cabeças.

 

 

Todos

 

Filósofos e teólogos,

Todos eles professores,

Não passam de vãos ideólogos

A quererem ser mentores.

 

A certeza com que fica

O que com eles tropeça

É que bebem de igual bica:

Todos doidos da cabeça!

 

 

Gosto

 

Porque não gosto dos ricos?

Pela vitimização:

É sempre a perseguição

O terreno que, aos salpicos,

Salpica a conversação.

Que debicam estes bicos?

Coitados! Nem têm pão!

 

Vivem num mundo tão reles!

Tenho tanta pena deles!...

 

E tão estúpidos são

Que nem que é dar-lhes a mão

 

Vêem quando algo lhes tiro

Para os descalços que afiro.

 

 

Derradeiro

 

Porque é que o que procuramos

Sempre está no derradeiro

Lugar onde o rebuscamos?

- Porque, mal dele me abeiro

Escondido em tal lugar,

Deixo então de procurar.

 

 

Dura

 

A ideia feliz

De estarmos de férias

Dura, em tal cariz,

Por umas galdérias

 

Primeiras semanas,

Depois, só te enganas:

 

É a vida normal

Num lar outonal.

 

 

Alminhas

 

Que se veja,

Não há prendas trocadas

Nem gozo nenhum se apura.

Porque será que vão a igreja

Para ficarem aquelas alminhas ali sentadas

A levar uma descompostura?

 

 

Prefere

 

A turba prefere o prato

Com sabor do cozinheiro,

Da mezinha ao desacato

Do médico mais arteiro.

 

 

Eleitor

 

Mesmo se um eleitor jura

Que ouvir só quer a verdade,

Nenhum quer tal realidade,

Tão intragável a apura.

 

 

Estranhar

 

Ao lavrarmos um acordo

Com um qualquer imbecil,

Não é de estranhar que a bordo

Entrem actos que remordo

Por de imbecil serem mil.

 

 

Anda

 

Um homem anda na rua

Com a mulher à cabeça,

Ora vestida, ora nua,

Conforme a ordem da peça.

 

Sabem que é que aconteceu?

Confunde-a com um chapéu!

 

Não é um tolo, que o convénio

Dos sábios diz que ele é um génio...

 

 

Diante

 

Se pagarmos por igual,

Seremos todos iguais,

Todos diante da lei?

Podes roubar, afinal,

Se ao tribunal pagas mais

Que os mais contra ti da grei...

Se todos podem pagar,

Vence quem vencer o par.

 

 

Público

 

O público funcionário

Não foi feito de verdade

Para, num mundo tão vário,

Andar com velocidade.

 

 

Calmos

 

É o céu aquele lugar

Onde os mais calmos supões

Que acabarão por ganhar

Por inteiro as discussões.

 

 

Importo

 

“Não me importo de ficar

Mais velho” – diz, saboroso –

“Mas diabos levem se, a par,

Acabar ficando idoso!”

 

 

Fim

 

Para mim é o fim da infância

Quando o número de velas

Apresenta discrepância

Entre anos e o bolo delas.

 

 

Idade

 

A idade é um número apenas

Totalmente irrelevante.

Só se alguém for, nestas cenas,

A garrafa de espumante.

 

 

Velho

 

Quando alguém se sentir velho

Como coisa fascinante,

Quanto mais velho e revelho

Mais velho quer ser adiante.

 

 

Crescido

 

Que é que algum crescido alcança?

Nem sequer muda de clima!

Um crescido é uma criança

Mas com camadas por cima.

 

 

Velhos

 

Os velhos tempos bons eram

Porque jovens ignorantes

Fomos de quão ignorantes

São os jovens que os viveram.

 

 

Crime

 

Quem sofreu numa prisão

E o crime não cometeu,

Pode cometer então

O crime que não foi seu?

 

 

Tempo

 

Eu ao tempo descobri-o,

(A escoar-se não senti)

Todo enfatuado de brio,

À medida que o perdi.

 

 

Trejeitos

 

A política trasfega

Muitos trejeitos soezes:

Sempre que nela se nega

Afirma-se duas vezes.

 

 

Acaso

 

O facto de eu existir

Ao sabor do acaso vário

Era a tristeza sentir

Dum efeito secundário.

 

 

Menino

 

O menino da mamã

Protegido em real coche,

Em vez duma vida sã,

Vai viver a de fantoche.

 

 

Falecido

 

Um falecido, a vantagem que tiver

E desmedida

É a de não correr

Perigo de vida.

 

 

Saco

 

Às vezes ficamos burros,

Que é quem, podendo pensar,

Não pensa, é uma vida aos murros,

Feita saco de os levar.

 

 

Portagem

 

Há quem olhe para a vida

A jorrar sempre em repuxo

Como traidora avenida:
Paga portagem de luxo.

 

 

Caixote

 

“É bem mais forte do que eu”?!

- E tu não passas dum bicho

Que no brejo apareceu

Como um caixote de lixo?

 

 

Abandona

 

Aquele abandona o lar,

É do cão de estimação;

Outro vai-se divorciar,

Quer acredites ou não,

Por um motivo cimeiro:

- É por mor dum candeeiro!

 

 

Comprimido

 

“Comprimido cor-de-rosa

E aqui vai felicidade”

- E assim com todo o amor goza

Esta nossa Humanidade!

 

 

Mora

 

Por trás de cada infeliz

Mora sempre um preguiçoso,

Alguém que nunca aprendiz

É nem na dor nem no gozo.

 

 

Infantil

 

Ser feliz o que realiza

É infantil arqueologia.

A riqueza, no que visa,

Dela não dá nem um dia:

Não tem a moeda o perfil

De qualquer sonho infantil.

 

 

Cozinhar

 

“Cozinhar é fácil!”

- Andam-me a gritar.

Mas muito mais fácil

É não cozinhar...

 

 

Base

 

É do relacionamento

O alicerce a honestidade,

Da integridade o elemento

Mais a inteira lealdade.

 

É difícil encontrar

Todas as três num humano.

Qualquer cão é que as quer dar

E no-las dá sem engano.

 

 

Rir

 

Rir é mesmo um bom remédio,

Mesmo um tratamento inteiro,

De antibióticos nédio,

De esteróides curandeiro.

 

A psicose nacional

É por ele reduzida

E aplica a pomada ideal

Da alegria de seguida.

 

 

Esperto

 

Quem é esperto teme a fama,

Que a fama tem de pagar,

Não vá, como ao porco a grama,

Para a matança engordar.

 

 

Máquina

 

A máquina de lavar

Fez bem mais pela mulher

Do que todo o estrondear

Dum feminismo qualquer.

 

 

Rir

 

O rir é lindo, todo ele,

E o melhor de rir até,

Na risada que me impele,

É rir sem saber porquê.

 

 

Gumes

 

Toda a comunicação

Dois gumes implica a par:
Ligam a televisão

Para a mente desligar.

 

 

Frutos

 

Frutos do capitalismo,

Filhos do privilegiado,

Têm tudo com que cismo,

Nada têm do imo ao lado.

De champanhe o coração,

Têm almas de cartão.

 

 

Espanca

 

Aquele que quer dinheiro

De dinheiro por prazer

É da ganância o fueiro,

Espanca o mundo que houver.

 

 

Polícia

 

É a polícia gafanhoto,

Mas gafanhoto de farda,

Cai sobre o campo do ignoto,

Mais vale que o campo lhe arda.

 

 

Desencontrado

 

De desencontrado gela

Quanta vez o amor vivido:
O jovem procura a bela,

A bela, só o bom partido.

 

 

Humor

 

O que o bom humor integre

Quantas vezes é um tabefe!

Nada pode mais alegre

Ser que o bom humor do chefe...

 

 

Oferta

 

Quando alguém me oferta muito,

Procuro então descobrir

Que é que atrás do dom gratuito

Me quer tirar a seguir.

 

 

Qualquer

 

Qualquer homem, um qualquer,

Que esconderá na mão cheia?!

Um homem só quer viver...

Sem nenhuma grande ideia!

 

 

Tempo

 

Dantes havia momentos

De coração inteiro,

Agora não há tempo para os sentimentos,

Andam todos a ganhar dinheiro.

 

 

Óculos

 

Liberdade é, para muitos,

Óculos para macaco:

Ninguém lhe sabe os intuitos,

Logo a vendem a pataco.

 

 

Burocracia

 

A burocracia

Não tem convicções

Nem princípios via

Na turva mania

De tais discussões.

 

Manter o lugar

É que é o principal:

Como antes andar,

As mãos sempre a untar,

De luvas sapal.

 

Só se valoriza

A dedicação

Que a si próprio visa,

Tendo por divisa

O chefe de então.

 

Quem dá de comer

É do chefe a mão:

Nunca o esquecer

É que faz colher

Por dez, um milhão.

 

 

Penduram

 

A verdade do homem é um prego

Do qual todos penduram o chapéu.

Por isso acordam do falso sossego

Todos de cabeça ao léu.

 

 

Costumes

 

Costumes da ditadura:

Servir, curvar-se, saber a quem engraxar,

De que se rir a tempo, antes da purga que o depura,

Quem cumprimentar

E a quem se meça

Ao acenar

Ligeiramente com a cabeça.

 

Para isto, tudo, então,

Calcular

Com antecipação:

Fica ao lado do Presidente

Ou à distância,

É, dentre os eminentes um eminente

Ou uma insignificância?...

 

 

Trepam

 

As revoluções são assim:

Os bandidos trepam ao topo,

Traficantes e cambistas alcançam, por fim,

O poder, seu eterno escopo,

Findamos rodeados de inimigos rapinantes

Bem pior que dantes,

 

Animais entre animais,

Entregues aos chacais.

 

Para quem tirámos as castanhas

Do lume?

Tudo se resume

Aos que, sem escrúpulos, são tudo manhas...

Tínhamos um outro sonho em mente

E, afinal, de repente...

 

 

Distinguir

 

Do País o imenso átrio

Um critério de distinguir atento rege-o:

- Um, solitário, combate pelo solo pátrio,

Todos os mais, pelo privilégio.

 

 

Pena

 

Ninguém está disposto a arrepender-se,

Dá muito trabalho...

Cada qual só tem pena do que dele verse,

De mais ninguém: perante mim, só eu valho.

Quem quiser conversar que converse,

Que lá pegar no malho

Que de seu sagrado eu alguém disperse,

Não, nem um negalho!

 

 

Correm

 

Os idealistas

Correm aos comícios

A aspirar o cheiro da liberdade,

Enquanto, por trás, os patrícios

Realistas

(Que são gente

Que se tem por muito inteligente)

Partilham à vontade,

E sempre em nome da paz,

O petróleo e o gás...

 

Porque é que sonhar é tão difícil, tão,

E manter ao mesmo tempo os pés no chão?

 

 

Causa

 

Os homens não querem apenas viver,

Mas viver para um ideal,

Uma causa grandiosa qualquer

Que lhes sirva de fanal.

 

É por este recanto

Que, de resto,

Faz todo o sentido

Que seja mais fácil encontrar um santo

Que um homem honesto

E bem sucedido.

 

 

Procuram

 

As gentes procuram o amor?

Os homens julgam que a mulher é uma presa

De valor,

De guerra um troféu,

Vítima que pretendem ilesa,

Sem labéu,

E eles são o caçador.

 

As mulheres procuram o príncipe montado,

Não num cavalo branco,

Mas num saco de oiro, escarrapachado

Dono do estanco.

De idade indeterminada,

Até um velho imundo,

Não importa nada!

É o cheiro

Do dinheiro

Que rege o mundo.

 

 

Venderão

 

Se o mundo for feito num oito,

Tudo venderão a pataco:

A uns irão dar o biscoito,

Aos mais, do biscoito o buraco.

 

 

Matou

 

Alguém matou um cão,

Mostraram-no na internet,

Fica o mundo inteiro numa enorme convulsão.

Morreram dezassete

Emigrantes queimados num vagão,

Estrangeiros, como lhes compete:

“Morreram estes” – desinteressam-se – “ outros virão...”

 

E cada dia cena idêntica se repete.

Será que vivemos mesmo num mundo-cão?!

 

 

Cem

 

Quem tem cem carneiros

Tem razão.

Não a tem a meias com outros meeiros,

Tem sempre inteira, inteira razão.

Quem diz cem diz um milhão

Ou outros números parceiros...

 

 

Segundo

 

Se viver segundo o coração,

Sou anormal,

Se contar a verdade, não,

Não acreditam em tal.

Quando mentimos,

Então está bem, anuímos!

 

 

Monte

 

A vida não é um navio branco

De brancas velas,

É um monte de bosta no estanco,

A enganar com balelas

Quem ali se abate,

Uma vez que o enrola em cor de chocolate.

 

 

Burro

 

Burro é quem,

Entre dois fardos de palha,

Morre à fome porque não vê bem

Qual escolher que lhe valha.

 

 

Indício

 

Um indício bem seguro

De que há vida inteligente

Cosmos além é que apuro

Que ninguém quebrou o muro

De nos contactar, demente.

 

- Não há dúvida, asseguro,

Que é de quem é inteligente!

 

 

Noutras

 

A vida noutras estrelas

Poderá ter-se extinguido

Porque os cientistas delas,

Mais avançados que os nossos,

Já devem ter conseguido

Pulverizar-lhes os ossos.

 

 

Encontrar

 

Na pessoa inteligente

Encontrar felicidade

É duma tal raridade

Que é um milagre, se presente.

 

 

Momentos

 

Há dois momentos na vida,

Criança e velho, em que os tons

Da felicidade haurida

São da caixa de bombons.

 

 

Medo

 

Felizes, só por instantes.

Temos medo de viver

Um grande amor que vier

Bater às portas uivantes.

 

Imos muito habituados

Mais a sofrer do que a ser

Felizes em muitos lados.

Então, pois, toca a sofrer!

 

 

Idiota

 

Procuro por todo o lado

Tudo de que sou raiz.

Só o idiota chapado

É totalmente feliz.

 

 

Vantagem

 

Felicidade vantagem

Sobre o dinheiro tem grada:

Seja qual for a triagem,

Ninguém a pede emprestada.

 

 

Separa

 

Para haver tranquilidade,

Separa sexo de amor.

Romântico amor se invade

Nossa vida, é um terror.

 

Há-de nos fazer sofrer.

Mais sossegado viver,

 

Só com tudo separado

...Mesmo se sou já um finado!

 

 

Teorias

 

Terás antes de ter filhos

Seis teorias de os tratar.

Seis filhos após, sarilhos

Terás sem teoria a par.

 

 

Implica

 

Se receber um presente

Implica retribuição,

Não diverte mais a gente,

É negócio de leilão.

 

 

Mais

 

As pessoas importantes

São mais que tudo, na prática,

Mais mesmo do que os constantes

Pontapés pela gramática.

 

 

Gato

 

Diz um gato a outro gato,

Atencioso e com desvelo:

“Vais adorar este fato,

Tudo é feito dum novelo!”

 

 

Cão

 

Mata o caçador um pato

E o cão corre sobre o lago

A trazer-lho de imediato.

 

Ao lado o amigo, ali gago,

Comenta o feito espantoso:

“Eu julgo que não divago:

 

O teu cão finda, com gozo,

De caminhar sobre as águas!

É mesmo miraculoso!”

 

“Nem por isso... As patas trago-as

Dele bem secas, a par,

Que ele não sabe nadar!”

 

 

Ganha

 

É assim que a vida se ganha:

Abandonar a mulher

De nossa vida tacanha

Para ir sobreviver

A tantos euros por mês...

- Mas que enorme estupidez!