RECANTOS DE VIDA OUTRA

 

 

 

Pende

 

O que temos de melhor

É o pior de que dispomos:

Tudo pende do teor,

Do modo como o propomos.

 

 

Fujo

 

Quando fujo dum problema,

O problema nunca foge

De mim, feito meu sistema

Desde então ao dia de hoje.

 

 

Enfrentar

 

Enfrentar a situação

É a minha grande vitória:

Consiga domá-la ou não,

Ninguém me tira tal glória.

 

 

Importa

 

Porque nunca sou perfeito

Poderei não conseguir,

Mas importa é ser atreito

A enfrentar e prosseguir.

 

 

Relação

 

Pende a personalidade

Da relação dum humano

Com outro, de idade a idade,

Num perene mano a mano.

 

 

Defina

 

Não deixes que a maioria,

Seja qual for dela a forma,

Defina em teu dia-a-dia

Qual vai ser a tua norma.

 

 

Invento

 

O mundo ninguém o inventa,

Deve-nos, pois, ser mostrado

E o invento que se intenta

Pode então ser-lhe implantado.

 

 

Não

 

O não sempre é necessário

Na relação a seguir

Mas ninguém nunca, sumário,

Gostará de um não ouvir.

 

 

Afirma

 

Quem não se afirma, por norma,

Faz o que o mandam fazer

E a razão que tal informa

É que não sabe o que quer.

 

 

Suportar

 

Não fará mal dizer “não!”

E após suportar o efeito

Que então me põe contrafeito

- E mudar de opinião.

 

 

Sopro

 

O meu sonho pessoal,

Quando o não experimento,

Revela-se no real

Um mero sopro de vento.

 

 

Escolhas

 

A vida é porta de entrada

De escolhas à exaustão.

A vida é uma caminhada:

Um passo, uma decisão.

 

 

Escravos

 

Aquele que pede ajuda

Muitas vezes não é mais

Que passar a freima aguda

Dele a escravos tais e quais.

 

 

Muda

 

Muda de qualquer teor

Bem mais eficaz se encontra

Se de algo é feita a favor

Do que se for feita contra.

 

 

Prova

 

Quando alguém é posto à prova,

Se não se agarra aos valores,

Não são valores que mova,

São passatempo de humores.

 

 

Trabalho

 

Trabalha como se alguém

Bate o dia inteiro ao malho

Só para atingir além

Tirar-te todo o trabalho.

 

 

Passa

 

Tudo o que aprendi da vida

Resume-o a frase escassa,

Mui sábia de comedida,

Que tudo diz: ela passa!

 

 

Rouxinol

 

Um rouxinol, quando canta,

Não é que a resposta além

Tenha com que nos encanta,

É que é música o que tem.

 

 

Além

 

Qualquer pessoa com quem

Você se cruzar na vida

Sabe alguma coisa além

Da que for por si sabida.

 

 

Serás

 

Serás o que pensas ser?

O mundo é que te dirá

Se a sério te quer por cá

Ou foi só para entreter.

 

 

Pequena

 

A pequena boa acção

Fá-la onde quer que estejas.

Todas maravilharão

O mundo inda que o não vejas.

 

 

Dose

 

Quanta dose de poder

Me vem de não ser, ao fim,

Ocorra quanto ocorrer,

Obrigado a dizer “sim!”

 

 

Publicam

 

Publicam a intimidade

Para alguém os conhecer...

- Ora, a invisibilidade

É que era o super-poder.

 

 

Fardo

 

Para as músicas transponho

O fardo que em mim carrega

E alivia como um sonho

O milagre desta entrega.

 

 

Livro

 

Para quem gosta de ler,

Livro é estrangeira paisagem

E a estante onde o retiver,

A prova de tal viagem.

 

 

Velocidade

 

A velocidade nunca

Deveras matou ninguém,

O que de morte o chão junca

É o brusco “não-mais-além!”

 

 

Auguro

 

Mal qualquer porvir auguro

Logo enganado me abalo.

Para prever o futuro

O melhor é inventá-lo.

 

 

Sonha

 

Sonha fundo sem receio

A lonjura mais distante.

Se a vida nos deixa a meio,

Ao mais ir, é mais adiante.

 

 

Medo

 

Todo o medo, se calhar,

Encontra em mim a razão:

Medo é de me aventurar

Nesta minha escuridão.

 

 

Porvir

 

O porvir se acolhe

Como se concebe:

Quem semeia colhe

E quem dá recebe.

 

 

Cenoura

 

Se não há cenoura hoje,

Pode haver sempre amanhã,

Mas se ao predador não foge,

Fim do jogo, é a morte vã.

 

 

Agradáveis

 

As pessoas agradáveis

Não se apaixonam por loas

Fatalmente, embora fiáveis,

Das agradáveis pessoas.

 

 

Solidão

 

A solidão sem calor

Na vida que nos despreza,

A solidão é pior,

Bem pior do que a pobreza.

 

 

Semeia

 

Ser feliz, não ser feliz

Também pende das palavras:

Mais feliz é quem o diz,

Que o termo semeia as lavras.

 

 

Pobres

 

Tão pobres somos que as falas

Servem com plena igualdade

Das mentiras às cabalas

Como a contar a verdade.

 

 

Excomungam

 

Mundo sem excomunhões:

Não excomungas ninguém

E aos que excomungam impões

Fim ao poder que detêm.

 

 

Velhice

 

A velhice é uma fadiga

De o ancião não saber

(Nem sabe de alguém que o diga)

Para que é que anda a viver.

 

 

Depressa

 

Com o que é desagradável,

Quanto mais depressa ao fundo

Formos, tanto mais provável

É vir à tona do mundo.

 

 

Salte

 

Diz à criança na escola:

“Andas a ser doutrinado.

Inda não vislumbro a mola

Que salte para outro fado.”

 

 

Perigo

 

Leva o perigo à cautela,

Que só quantos são prudentes

Vivem, durante a sequela,

Os anos suficientes.

 

 

Pesadelo

 

Num pesadelo vivido,

Na morte, seja em que for,

É sempre o desconhecido

O que é mais aterrador.

 

 

Duas

 

Se o mal com mal para trás

Jogas, jogas mesmo à toa:

Juntar duas coisas más

Nunca dá uma coisa boa.

 

 

Lótus

 

A flor de lótus seremos

Sublime da cor na trama,

Tão mais quanto imunda vemos

A rodeá-la a podre lama.

 

 

Trina

 

Nunca trina um rouxinol

Por uma resposta ter

Mas por ter lindo no rol

Um trinado a oferecer.

 

 

Exemplo

 

Pelo exemplo o governante,

Se for bom, por bem chefia.

Se for mau, logo adiante

Todo o pé se lhe atrofia.

 

 

Relva

 

Qualquer governante é o vento

E a relva, por baixo dele,

Curva-se, ao sopro do alento,

Rumo ao rumo aonde a impele.

 

 

Grande

 

Sê grande, que a imensidade

Nos abre escassos ensejos.

Grandes almas têm vontade,

As pequenas, só desejos.

 

 

Autoridade

 

É mais fácil exercer

De autoridade o bastão

Que do outro lado sofrer,

Sofrer dela a imposição.

 

 

Basta

 

Basta uma noite de incêndio

A destruir uma casa

E um ano inteiro despende-o

O pobre a erguê-la da vasa.

 

 

Pânico

 

O que pânico gerar

Pode mui rapidamente,

Sempre se dissimular

Há-de convenientemente.

 

 

Quase

 

Quase doente ando, tal todos,

Quase sempre, o que é verdade.

E, depois da vida a rodos,

Nada ao fim... Finalidade?

 

 

Vigiar

 

Aquele que decidir

Qualquer povo vigiar

Acabará por sentir

A vigiá-lo o povo a par.

 

 

Vigias

 

Tu, que vigias o povo,

Tem cuidado ao vigiar,

Que, ao chocar no ninho o ovo,

Te vigia o povo a par.

 

 

Artes

 

Qualquer que seja, ao calhar,

Arte alguma que se afine,

As artes de comandar

Não são nada que se ensine.

 

 

Dor

 

É uma forma de sentir

A dor mais profundamente

Toda a dor eu reprimir

Como quem a dor não sente.

 

 

Diferença

 

A diferença de idades

Que importância nela ponho

Se se vive de deidades

A dançar dentro do sonho?

 

 

Odeias

 

Se tanto odeias a treva,

Então lê-a com minúcia,

Que o que vida dupla leva

Leva o caminho da astúcia.

 

 

Sai

 

Não me devo permitir

Que quem me sai da presença

Melhor se não vá sentir,

Feliz de minha sentença.

 

 

Até

 

Feliz ser pode fingir

Que até teremos razão

Para andar triste, a sumir,

Ou, ao invés, para não.

 

 

Abre

 

De ignorantes a falência

Abre caminho a favor

Da sabedoria e ciência

De quem for conhecedor.

 

 

Longevidade

 

A longevidade calha

Neste pendor convergente:

Tende a ser quem mais trabalha

Quem vive mais longamente.

 

 

Ligá-los

 

O mui próximo, o distante,

Como ligá-los, aflito,

Não vislumbro logo adiante,

Só se ligam no infinito.

 

 

Olho

 

Olho a vida da janela

E, se nunca sair dela,

Era uma vez uma vida:

- Já não vivo, é a despedida.

 

 

Morte

 

A morte, por mais finura

Que lhe empreste no recorte,

Nem suicidada é uma sorte,

Sempre é morte prematura.

 

 

Gosta

 

 

É a vida uma namorada

De quem gostamos acaso.

Mas gosta de nós, de entrada,

Pode um amor ser a prazo?

 

 

Sábio

 

Sábio não é quem o quer,

Que custa trepar aos cerros,

É quem sempre ande a aprender,

Sempre, com os próprios erros.

 

 

Assumir

 

Não é mau alguém errar

Se disto assume os abalos,

Que é sábio que o vai tornar

Ao aprender a evitá-los.

 

 

Antes

 

Às vezes lograrei ver

Um pouco antes de ver mesmo.

É uma harmonia do ser

Que me leva a ser a esmo.