RECANTOS ALONGADOS

 

 

 

Ganhar

 

Se é ganhar a discussão,

Deixa que teu par a ganhe.

Deixa de haver quem se assanhe

E é o que prova haver razão:

É inteligente pendor,

Sabedoria de amor.

 

 

Argumento

 

Fora em catástrofe, o grito

Nunca pode ter lugar.

Bom argumento se cito,

Não preciso de gritar.

E, quanto mais alguém grita,

Mais frágil razão concita.

 

 

Cede

 

Quanto mais for complicado,

Mais é requerida a calma.

Aprende e cede em teu lado,

É um investimento de alma,

Pequeno, olhando o maior

Efeito de paz e amor.

 

 

Funcionando

 

Vida a ser vivida a dois,

Funcionando em harmonia,

Só com cedências depois,

Paciência, amor, fantasia,

Respeito e compreensão,

Arroteando ao dia o chão.

 

 

Chegada

 

Todo o desenvolvimento

Tem isto de interessante:

É da chegada o momento

Que me impele para diante

Quando, afinal, é o processo

Que conta para o que meço.

 

 

Caminhar

 

Quem caminhar a saber

Onde é que ao fim vai chegar,

Quando tal meta alcançar

Sentirá duplo prazer:

Ter chegado ao fim da via

Mais estar onde queria.

 

 

Comum

 

É o amor sempre uma acção,

O que me importa lhe importa,

Em comum temos um chão,

Laços íntimos à porta,

Poderei olhar-lhe os olhos

E encher-me de vida aos molhos.

 

 

Rir

 

Muitos riem num assédio

A uma qualquer convenção

E nunca mais, afinal,

Ela no futuro é igual.

Rir será o melhor remédio

E a melhor revolução.

 

 

Cansar-se

 

Amar acaso é cansar-se

De estar só no dia-a-dia.

Nisto então é cobardia,

Traição a nós num disfarce.

Que ninguém principalmente

Ame então com tal vertente!

 

 

Acima

 

Um amor que for perfeito

É a mais bela frustração:

É um pleito acima do jeito

Que exprimir cada expressão,

Fica sempre muito aquém

Do que visar para além.

 

 

Mais

 

Temos mais inteligência

Do que aquilo que supomos,

Muito embora a consciência

Da insanidade que pomos

No amor nunca dê sentença

Que nos salve da doença.

 

 

Dois

 

Tanto o amor como a razão

São sempre dois viajantes

Que nunca juntos estão

No mesmo hotel de viandantes:

Quando um chega a qualquer parte,

O outro dali logo parte.

 

 

Mistério

 

O amor é um mistério,

Mistério sem fim,

Tal qual o sidéreo

E o amor é afim:

É que não há nada

Que explique esta estrada.

 

 

Odiar

 

Podemos odiar

Aqueles que amamos.

Os outros, a par,

Nós mal os olhamos,

Desvairadas gentes,

- São indiferentes.

 

 

Melhor

 

O melhor do amor

É sentir que é ter

Namoros, um ror,

Quantos se quiser,

Sem limite algum,

- E só termos um!

 

 

Vocabulário

 

Do amor o vocabulário

É restrito e se repete,

Que exprimir o quanto é vário

Ao silêncio só compete.

E é de silêncio fecundo

Que vêm as línguas do mundo.

 

 

Ânsia

 

Existe uma grande ânsia de retorno

A um tempo em que não é precisa a escolha,

Liberto de remorso em que recolha

A perda inevitável que haja em torno

De todas as escolhas que, gostosas

Embora, sempre enjeitam outras glosas.

 

 

Alegria

 

É o amor uma alegria

Acompanhada da ideia

De que fora a propicia

Alguém que apenas medeia.

Nisto, aliás, principia

Tudo quanto o amor norteia.

 

 

Rio

 

É o amor um rio

Onde dois ribeiros

Vão, num corropio,

Misturar-se inteiros

Sem se confundir

No meandro a seguir.

 

 

Andar

 

Andar sem amor na vida

É combater sem tambor,

Sem livro viajar à ida,

Fazer-se ao mar, ao calor,

Sem qualquer estrela-guia

Que dê norte a cada dia.

 

 

Menores

 

A ti próprio como te amas,

Ama os outros igualmente.

Enquanto amares com flamas

Menores um outro em frente

A ti próprio, se calhar,

Já nem consegues amar.

 

 

Acolher

 

Nós, quando amamos alguém,

Temos de acolher a sério

Uma parte de mistério

Que lhe o íntimo contém.

Por isto precisamente

É que amamos aquele ente.

 

 

Procura

 

Procura ser tão gentil,

Atraente e sedutor,

Da intimidade ao calor,

Com tua mulher, perfil

Tal que, ao te achegares dela,

Conquistes de novo a bela.

 

 

Muda

 

A inconstância e o amor

Serão sempre incompatíveis.

Amante que muda um ror,

Não muda, troca de níveis:

Ou começa, singular,

Ou finda de vez de amar.

 

 

Tempo

 

 

Muito tempo ama a mulher

Bem antes de o confessar!

Quando um homem há-de ter

Deixado há muito de amar

Mas a confessá-lo ainda

Simula amor na berlinda...

 

 

Carícia

 

A carícia é necessária

À vida dos sentimentos,

Folha de árvore sumária

A resistir contra os ventos.

Sem ela, o amor que quis

Se arranca pela raiz.

 

 

Economia

 

A economia despreza

A moral e os sentimentos.

Figura de cera tesa,

Da vida a imitar momentos,

Da vida, porém, se esquece

Na carne de que carece.

 

 

Multipolar

 

A vida multipolar

Entre os que amo e me comovem

Alimenta o gosto, a par,

Entre intempéries que chovem,

De eu ser eu próprio, ao ir,

Sem doutrem o amor ferir.

 

 

Cume

 

Quem amar por ser amado

É por isto agradecido.

Para que o amem se é o dado,

Interesseiro é o sentido.

Quem amar por nada disto

É o amor por que eu existo.

 

 

Força

 

Se ser amado é uma força,

Amar então é fraqueza,

Tão fraca que nada torça

A infinitude que preza.

Se por ela então morrer,

O fraco é o infindo a ser.

 

 

Esquecer-se

 

Amar quem nos aborrece

É uma generosidade.

Aborrecer quem nos ama

É ingratidão que me invade,

A esquecer-se, no que esquece,

Do melhor que a vida trama.

 

 

Belo

 

Amor que apenas dispõe

Do belo para o manter

De saúde pouco opõe

Ao tempo que o corroer.

Vai ficar exposto ao raio

Que lhe provoca o desmaio.

 

 

Credor

 

Quando o amor não é credor,

Então, de rico, é que é nobre.

Quando for tão grande o amor

Que, por mais que pague, sobre,

Não se pode então pagar:

É a glória-mor do que amar!

 

 

Estilo

 

A paixão com muito estilo

Não é de fiar nas lavras,

O amor pequeno senti-lo

Vais podê-lo nas palavras:

Delas quão maior grandeza

Mais do amor a pequeneza.

 

 

Doutrem

 

Amar é sempre criar

Através de ajuda estranha:

Quem ama a se apropriar

Doutrem finda quanto ganha.

Porém, reciprocamente,

O par alavanca em frente.

 

 

Cede

 

O amor cede ante o negócio,

Que não tem lucro, é gratuito.

Sais do amor, perdes teu ócio,

Se o negócio é teu intuito,

Mas então ficas seguro.

...Só perdeste o amor no apuro.

 

 

Oportunidade

 

Amor é oportunidade

De outrem nos poder amar

Quando já, na realidade,

Não podemos, se calhar,

Desfeita a vida em torresmos,

Amar-nos nós a nós mesmos.

 

 

Idade

 

Amar é de idade alguém

Se embrenhar profundamente

Na comum vida que advém,

Rumo que advertidamente

É de retorno seguro

Para, a sós, o eterno escuro.

 

 

Sina

 

Procurei o amor,

O amor me mentiu.

Peço à vida um ror

E a vida não deu.

Minha sina eterna:

- Passo além da perna.

 

 

Doutrem

 

Quem amar não manipula,

Quem amar é e promove

O ser doutrem sem que o bula.

Olhos nos olhos o move

A verdade até o limite

Que lhe sondar o palpite.

 

 

Supõe

 

O amor supõe confiança,

Porém não é de fiar.

É total no instante a aliança,

Finda em aberto a ficar.

Pode crescer dentro no imo

Ou se evaporar do limo.

 

 

Leal

 

Quem é leal se apresenta,

Para tal foi educado.

O amor é rebelde, assenta

A beleza em ser levado

Pela perene ousadia

Que há dele na rebeldia.

 

 

Braços

 

Em teus braços me recebe,

Eles são a profundeza

E a profundeza concebe

Quanto me embebe a beleza.

Se me recusas agora,

Mais tarde, mas sem demora!

 

 

Promete

 

Quem promete amor eterno,

Quem crer em tal juramento,

São ludíbrios, um do terno

Coração, outro do vento

Duma vazia vaidade

Que nos tenta em toda a idade.

 

 

 

Derrota junca

Quanto se almeja,

Não se ama nunca,

Só se deseja.

Que tal é o preço:

Tudo é um começo.

 

 

Humano

 

Amar a quem me aborrece

É ser humano com quem

Não o é comigo e me esquece.

Aborrecer quem nos ama

É ser cruel com alguém

Que não merece tal drama.

 

 

Nunca

 

O amor é o fantasma

De que todos falam,

Com que todos pasmam

De olhos que arregalam

Mas que, se o sentiu,

Nunca ninguém viu.

 

 

Veemente

 

Um amor apaixonado,

Por mais veemente que seja,

Perfeito embora pintado,

Tem do tédio brotoeja:

Desalento que o invade

E mata a felicidade.

 

 

Amante

 

Nunca amar vai uma amante

Quem tomá-la vai depressa

Demais para o tempo, adiante,

De aura criar que encabeça

O mistério e o desejo

Que ao amor dão um ensejo.

 

 

Terno

 

É preciso dar o nome

De amor a qualquer afecto

Terno que finde a se impor,

Mesmo sem ver, em concreto,

Cá dentro de minha pele,

Se afinal é mesmo ele.

 

 

Concretizar

 

Concretizar um amor

É desiludir-se então.

Se não desilude, pior,

É acostumar-se ao serão.

E, ao borralho a esmorecer,

Acostumar-se é morrer.

 

 

Romântico

 

Romântico amor produto

É de séculos de andanças,

A vestimenta que é fruto

Do imaginário nas franças,

A vestir as criaturas

A que cobra as sinecuras.

 

 

Ama-o

 

Quem amar alguém

Ama-o pelo que é.

Amo sempre quem

Cá mo lembra ao pé,

A si sempre, enfim,

E jamais a mim.

 

 

Junto

 

Haverá o modo de vida

Em que todo o amor é bom,

Amor sem competição,

A um junto outro em seguida...

- Que é que o tom nos mudará,

Que este som nunca está cá?

 

 

Aceitar

 

Amar-te é sempre aceitar

Que hoje já não és a mesma,

Todo o dia a te afastar

Por sendas mil, numa resma

Que ignoro em tudo o que as junca,

E onde não acabas nunca.

 

 

Destrói

 

O amante destrói quem ama,

Bebendo das águas novas

Que do amado ele reclama,

Inundando-se em tais provas.

Construir tem os senões

De duas destruições.

 

 

Herético

 

Sempre o amor é o mais herético,

Jamais é bem acolhido

Nem tolerado, patético,

Que é uma força sem olvido

Que se não revoga mais

Nem desistirá jamais.

 

 

Quilates

 

Quem os quilates do amor

Quiser de vez apurar,

Toque o amor do que ele amar

Com o amor do que deixar,

Logo vê qual dele o teor.

 

 

Fortificado

 

Amor com amor conquista.

Não existe amor tão forte

Que fortificado insista

E repare noutro norte

Que não seja o do valor

De render-se a um tal amor.

 

 

Inconstância

 

O que não considerar

Toda a inconstância do amor

Como o fim do amor a par,

Do amor não viu, basilar,

Nem o rosto nem o teor.

 

 

Jovens

 

O que os jovens priorizam

É amor, dinheiro e saúde.

Muito mais tarde enfatizam,

Quando a vida desilude,

Prioridade então melhor:

Saúde, dinheiro e amor.

 

 

Rápida

 

Em amor, vitória rápida

Só se for vitória física.

A do coração que é sápida

E nunca morre de tísica,

Só mesmo ardendo ao calor

Do que for um vero amor.

 

 

Poema

 

As mulheres escreveram

Todo o poema do amor.

Os homens, quantos o leram,

Comentam, não o entenderam:

Sexo é poema menor

E é o que os homens só veneram.

 

 

Perder

 

Perder a mulher amada,

Para sempre a ver perdida,

De homens retorce a meada

Em tigres em luta erguida:

Na irrupção destes vulcões

É um inferno de explosões.

 

 

Balança

 

Nunca os pratos da balança

Vão no amor equilibrados.

Como etérea dele é a dança,

Pendor de invisíveis lados,

Quem pesar mais, gestos plenos,

É sempre quem amar menos.

 

 

Nascente

 

É o amor inesgotável

Nascente de reflexão,

Como o eterno aprofundável,

Como o céu, numa evasão.

Quando sobre ele converso,

É a vastidão do Universo.

 

 

Dispostos

 

Quando dispostos a amar,

Ansiamos por que nos amem,

Na premência sem pensar

Quanto nos vai afastar

Do amor por que outros mais clamem.

 

 

Apreciações

 

Dezanove positivas

Apreciações terás

E nem terás negativas.

Uma só ficou atrás:

Pois esta é que irás lembrar,

A vigésima sem par.

 

 

Dano

 

É o amor sempre o remédio

Sem dano colateral,

Mas flor que qualquer assédio

Seca do calor letal

Com que o ferirem lesões

Da vida nas convulsões.

 

 

Desgosto

 

Um desgosto de mulher

Não terá remédio nunca.

O amor, num tempo qualquer,

Fora o gérmen que o chão junca;

Hoje, em mortandade cúpida,

O amor é uma coisa estúpida.

 

 

Mais

 

Amor com amor se cura

E com paixão, mais depressa:

Mais eficaz se afigura,

Com mais prazer em promessa.

Em bem menos tempo alcança

Muito mais, pois, confiança.

 

 

Acolher

 

Quem amar sempre encontrou

Forma de ficar presente.

O silêncio redundou

De acolher no gosto assente.

É cuidar, simples entrega

Do que mais sublime prega.

 

 

Entregar

 

Quando amas, vais aprender

A entregar, deixar ir...

Depois vais-te aperceber

Que o vero amor, a seguir,

Entre todo o seu feitiço,

Também passa então por isso.

 

 

Correspondido

 

O amor, quando amor vai ser,

Nem de ser correspondido

Precisa para vencer:
Sem condições repartido,

Tanto basta para ser.

 

 

Lágrimas

 

As lágrimas acontecem

Dignificando o prazer.

Os que não amam o esquecem,

No equilíbrio que é de ter.

Por muito que sejam boas,

Se calhar mal são pessoas.

 

 

Dói

 

Dói ver que um dia findamos

E é feliz ver que existimos.

Ser sempre nós não logramos

E é mau vermos estes limos.

Mas é bom, noutro matiz,

Ser raro e, por tal, feliz.

 

 

Ridículo

 

É ridículo temer

O ridículo, ir à volta

Do que arrebata, sem ter

De pegar a fera à solta,

Sempre a evitar euforia

Porque ninguém a entendia.

 

 

Motivo

 

Os amores sempre findam

Quando não são mesmo amores,

Sem o motivo que alindam

Em enganados pendores.

Continuam quando o são,

Mesmo que doa a lesão.

 

 

Aumentar

 

Aumentar o amor é dar-lhe

Toda a importância que tem

E a importância retirar-lhe

Como ao cotio convém:

Cada vez com mais verdade

Amo a naturalidade.

 

 

Doutrem

 

Saber que doutrem se é todo

É uma certeza distinta

De o desejo doutro modo

Satisfazer, pela finta

De entrega ao Infindo nexo

Que se realiza sem sexo.

 

 

Bonito

 

O amor, desde que começa,

É bonito, gigantesco

Palácio que, peça a peça,

É construído, num fresco

Que abarca todas as cores

Rumo aos tamanhos maiores.

 

 

Amado

 

O amado não tem direito

De fazer o imperdoável.

Amar é grande demais

Para aguentar ser sujeito

À pequenez execrável

De violências que tais.

 

 

Dividir

 

Quem amar em duplicado

Então não ama ninguém.

Quem dividir um amado

Não merece então que alguém

Em nome dele se aplique

E de amor se multiplique.

 

 

Abismo

 

A liberdade que tira

É o abismo dum amor,

Corda ao pescoço na mira,

Sem domínio meu supor.

Certeza do condenado

Sempre alegre deste fado.

 

 

Pressa

 

Amar é sempre uma urgência,

É amar com pressa, em pulsão.

Amor tranquilo é eminência

De muito gostar então

Ou de bastante adorar...

- Pode isto é nunca bastar.

 

 

Obrigado

 

Em que se transformaria

Quem obrigado a viver

Fora sem quem amaria?

- É a questão que resumia

Tudo o que há para aprender.

 

 

Culpa

 

A culpa tem tanta culpa,

De variantes tão vária,

Que acaba a pedir desculpa

Desta culpa extraordinária:

De ir o culpado supor

Confundi-la com amor.

 

 

Número

 

Número real é o um.

O amor, aparentemente,

É sempre o melhor expoente

De nunca deixar nenhum

De fora desta unidade,

Nossa singularidade.

 

 

Sem

 

Um homem sem energia,

Sem vontade nem coragem

Deveras jamais podia

Ser bem amado algum dia

Da vida nesta viagem.

 

 

Aqui

 

Às alturas querer ir,

Querer aqui já lá estar,

É por ti, amor, fingir,

Mas é já um pouco lá andar

Cada degrau que subir:

Este fingir é te amar.

 

 

Achado

 

Se amares, vem-te a amargura

De não ter achado nada

Depois de tanta procura,

De te perderes na estrada...

Se não amas, ao invés,

Não te perdes, que nem és.

 

 

Gesta

 

A gesta aperfeiçoadora

Através dum amor puro

Por cônjuge, filho, nora...

- É o encanto mais seguro

Por que valerá, jucundo,

Viver a vida no mundo.

 

 

Nada

 

Nada vale a pena, nada,

De tão longínquo o amor,

Senão saber, bem firmada,

Que a lonjura, ao só se impor,

Torna a vida tão pequena

Que nem vai valer a pena.

 

 

Concentra

 

O amor é deveras raro,

Concentra num a atenção.

Ora, tal concentração

É difícil sem amparo.

Quando a dispersão ocorre

O amor logo então nos morre.

 

 

Porque

 

Sempre é um modo de sofrer

Um amor porque é querer

Dar o que não pode dar,

Pedir sem poder arcar.

Claro que existe outro lado,

Mas ali, muito cuidado!

 

 

Embora

 

Embora não pense,

Amar é pensar:

Onde o amor se adense

Adensa o lugar

Com tudo o que incense,

Ser a se criar.

 

 

Havendo

 

Havendo amor, num prazer

Tudo devém ou prepara

Para prazer vir a ser.

Fazer juntos, cara a cara,

Transforma-se em extensão

Dum amor crescendo então.

 

 

Quebra

 

Quebra um vaso, que o amor

Feito a partir dos fragmentos

Do que o amor é maior

Da ordem dos elementos

Que, quando inteira, era tida

Sempre como garantida.

 

 

Nunca

 

Estar longe dela

Ele nunca o quis.

Mais que duma vela,

Ela, de raiz,

Sempre era, acendida,

A chama da vida.

 

 

Terra

 

Não se pode amar alguém

Que a si próprio se detesta.

Nesta terra de ninguém

Todos olha: ninguém presta,

Todo o mundo se condena.

Como amar, se cumpre pena?

 

 

Como

 

Quem no mundo o próximo ama

Tal como se amara a si

Vive deveras tal trama

Ou é impossível aqui?

Pouco importa, que o ideal

Nunca se ajusta, afinal.

 

 

Máximo

 

Os rapazes vão somando,

O máximo a colectar.

A moça quer um só quando

Ele em si tudo juntar

Do que de bom pode haver

Em todo o modo de ser.

 

 

Fora

 

O fundamento da vida

Sempre anda fora de nós,

Dos outros na desmedida

União de vagos cipós,

Sem lugar, tempo nem como...

- Resta amor, resto de tomo.

 

 

Preciso

 

Como involuntariamente

Sou, me preciso de amar.

Respondo por mim somente

No voluntário que andar

Nos passos de quase louco

Que sou eu e é muito pouco.

 

 

Conversa

 

Sou feliz ao te escrever

Nesta conversa à distância.

O arranjo do lar fui ver

Onde te aguardo com ânsia.

Um para o outro vivemos

Até que aí um seremos.

 

 

Tanto

 

Quem ama, tanto a dizer

Tem que, ao fim, fica calado:

É sempre mais o que houver

Que não logra ser falado.

O pensamento, o desejo

Findam num, se houver ensejo.

 

 

Decifrar

 

Amar-te é decifrar humildemente

O enigma que não tem decifração.

As águas correrão constantemente,

Bebê-las e banhar-me ali é bom.

Ora, não há mais nada, sobretudo

Porque tudo há no além, no além que é mudo.

 

 

Inteira

 

Amei a vida inteira e sei de cor

As leis do amor de pedra e de água pura.

Depois de tanto andar por tanto amor,

Mesmo apesar de quanto o amor depura,

É que jamais entendo ou adivinho

Com toda a sensatez qual é o caminho.

 

 

Luta

 

O amor é luta mortal:

Cuidar de nós é enterrar,

Definitivo e letal,

Eu e tu de outrora a par.

E, ao invés, já cá nos vemos

Um só que um dia seremos.

 

 

Quase

 

O amor é quase impossível:

Fértil, desinteressado,

Límpido a devir credível,

Sempre assim de cada lado...

- Mas transpõe qualquer sarilho

Ao trilhar por este trilho.

 

 

Apuram

 

O amor tem ensinamentos

Que apuram comportamentos,

Desenvolvem os mais nobres

Afectos em ricos, pobres,

O espírito purificam

Aos que a amar bem se dedicam.

 

 

Radicalmente

 

Quantas vezes nos sentimos

Radicalmente bem sós

Embora trepando aos cimos

De ser felizes após!

É o amor sempre o impossível

Mesmo quando ele é vivível.

 

 

Une

 

O amor não une lugares,

Une vontades no afecto.

Se o lugar unir dos pares,

Desfaz-lhe a lonjura o tecto.

Mas se a vontade os unia,

Uma ausência não o esfria.

 

 

Curado

 

Um homem nunca curado

É da mulher que perdeu

Senão no dia chegado

Em que nem mesmo sentiu

Curiosidade em saber

Com quem ela o esquecer.

 

 

Sofrimento

 

Um sofrimento me imponho

Para me impedir de amar

Mais cruel e mais medonho

Do que o rigor, se calhar,

Que me vem, ao que suponho,

De quem afinal amar.

 

 

Duas

 

Em amor, duas constâncias:

Uma porque em quem amamos

Encontro infindas instâncias

Para amar sem ter mais amos;

Outra, porque entre os amantes

É de honra sermos constantes.

 

 

Quando

 

Quando é que um amor acaba?

Se marcas encontro às sete

E às nove nada desaba

Quando chegas ao bufete,

Ninguém polícia chamou,

- Então o amor já findou.

 

 

Sentimento

 

Um amor é um sentimento,

Entidade espiritual.

Mas, sem pendor material,

Não opera um só momento.

Um aroma é pouco prático

Sem o que for aromático.

 

 

Fazer

 

Em amor, fazer sofrer

É um saber a conquistar,

Pois conquistar tal saber

É saber fazer-se amar.

Sem esta sabedoria,

Qual amor?! Só fantasia!

 

 

Bem

 

Para bem compreender

A paixão do amor, falar

Tratar pode a enfermidade:

Por este modo de ver

Por vezes se há-de lograr

A cura da insanidade.

 

 

Acto

 

Sendo sempre acto de fé,

À razão nunca responde,

Que não tem razões de tomo.

É um amor um não sei quê

Que brota de não sei onde

E finda sei lá bem como.

 

 

Aurora

 

Aurora de amor é quadra

De fantasiar devaneios.

O coração uiva e ladra

A principiar os torneios

Sobre nós logo a exercer

Toda a magia que houver.

 

 

Fala

 

Ama o homem a mulher,

Fala com ela sobre ela:

Deixa o amor fenecer?

Sem nunca mudar de pele

Logo se inverte a sequela:

Fala com ela sobre ele.

 

 

Mútua

 

Filho da compreensão

Mútua sempre é um amor.

E tão mais veemente então

Quão mais a compreensão

Entre os dois mútua for.

 

 

Agrava

 

É sempre quem amo

Que é mal e remédio,

Que agrava, meu amo,

Ou suspende o tédio,

Que o bem que conservo

Tira e põe ao servo.

 

 

Livre

 

Da vida o mais belo estado

É o de livre e voluntário

Depender, sempre agradado.

Como, sem no amor firmado,

Fruirmos de tal fadário?

 

 

Confundir-se

 

Confundir-se com a vida

O amor nunca se confunde

Ou verdadeiro, em seguida,

Não é naquilo que infunde.

O amor, se for verdadeiro,

Torna-se um íman cimeiro.

 

 

Platónico

 

O amor platónico: a chave,

A chave falsa ou gazua

De penetrar pela cave

Na casa alheia e da rua

Não poder jamais ser visto

Na falcatrua que há nisto.

 

 

Faz-nos

 

Faz-nos viver no futuro

O amor quando somos novos.

No passado, quando, puro,

Velho lhe evoco os renovos.

E, no céu, durante um dia

Quando me eleva a magia.

 

 

Encontrar

 

Quem encontrar vida fora

Dele o verdadeiro amor

Deve escondê-lo na hora

Longe do mundo de agora

Como o tesoiro que for.

 

 

Antes

 

Antes de se amar

Bem profundamente

Inda, se calhar,

Não viveu a gente.

E depois começa

A morrer depressa.

 

 

Escrava

 

Escrava do coração,

Ela me fala dum anjo,

De ser feliz um violão

Que nem eu sei como o tanjo...

- De mim nem sei que disponho,

Tanto teu amor é um sonho.

 

 

Duro

 

Entre quem se ama não há

Nada duro de aguentar

Que facilmente não vá

Logo ali se relevar.

Só caso de grave rosto,

Afinal, trará desgosto.

 

 

Longo

 

Que insuficiente,

Coração humano!

Longo, o amor da gente

Cansa de ano em ano.

...Só se, num repente,

Como novo o invente.

 

 

Estragamo-lo

 

O amor é tudo o que é belo

Que teremos vida além.

Estragamo-lo do apelo

Que, por vezes, cada tem:

Na fome do inatingível

Pretendemos o impossível.

 

 

Difícil

 

Muito difícel é amar

Os que jamais estimamos.

Mas mais difícil, a par,

É amar os que mais amamos

Do que a nós nos amaremos

Por mais que nos esforcemos.

 

 

Amante

 

Um amor é um deus de paz,

O amante é paz que venera.

De guerra basta a que traz

Uma mulher quando, fera,

O que sou atira atrás

Pelo além que nos espera.

 

 

Momento

 

Melhor momento do amor,

A doce melancolia,

Choras sem porquê nem dor

E a desventura do dia

Que no fundo nem conheces

Acolhes por entre preces.

 

 

Fixa

 

A ideia fixa que faz

Mais crimes que os atropelos

Da humanidade voraz,

Mais de recear é se atrás

Se põe do amor aos apelos.

 

 

Outro

 

Amar é a si próprio ver-se

Como o outro nos vê, tal qual,

Apaixonado envolver-se

Com nossa imagem ideal,

Transformada e sublimada,

Incarnando-se na estrada.

 

 

Perdida

 

Perdida num labirinto

De fórmulas e sinais,

A religião não a sinto,

Atolada em pauis tais.

Toda a essência primitiva

Se apagou da luz esquiva.

 

 

Normalidade

 

De sempre a normalidade

É sobrevalorizada.

A quase totalidade

Dos normais, logo de entrada,

Exceptuando um entre mil,

É deveras imbecil.

 

 

Ergue

 

Se há uma grande admiração,

O respeito que ela gera

Ergue a criança do chão,

Torna-a adulta, mal espera:

De repente ei-la a crescer

Para dar e receber.

 

 

Ganha

 

Nunca ninguém discussões

As ganha num casamento.

Requerem-se soluções

De ultrapassar o momento.

E quanto mais se ultrapassam

Mais trilhos no infindo grassam.

 

 

Trabalhar

 

Para quê trabalhar tanto

Para ver, sentir, viver

Da vida a beleza, o encanto?

Está tudo à nossa volta:

É de apenas acolher

Tanta variedade à solta.

 

 

Prioridades

 

Há prioridades na vida,

Mais ou menos importantes,

E o que não tem tal medida.

Liberto assim meus instantes:

Só dou peso ao que me importa,

Pode o mais ficar à porta.

 

 

Tirar

 

Logramos tirar alguém

Sempre de dentro do lixo.

Nunca logramos, porém,

Tirar o lixo que tem

Alguém dentro, no seu nicho.

 

 

Governo

 

Do que mais tenho receio

Dum Governo é monstruoso:

Que um cidadão, pelo meio,

Irrelevante, gotoso,

Finde por ele esmagado.

- Vale a pena tal Estado?

 

 

Clã

 

Se tu podes fazer tudo,

És do clã privilegiado.

Se olhas ao lado, contudo,

Para qualquer deserdado,

Só se uma pedra te arrima,

Saloio és vindo ao de cima.

 

 

Momento

 

O momento em que os amigos

Precisam de ti é quando

Estão errados, que abrigos

Não andarão demandando

Se, de pés firmes no chão,

Crêem ter mesmo razão.

 

 

Ideal

 

Um ideal, quando, na prática,

Sonho contra a realidade,

É a contradição dogmática

Do pretendido em verdade.

Por norma, se impaciente,

É dogma de fé dum crente.

 

 

Cliente

 

O cliente habitual

Nunca gosta de mudanças,

Sobretudo repentinas.

Nunca o apresses, por tal,

Em nada com que o alcanças,

Senão tolhes tuas sinas.

 

 

Importante

 

Quando todos investirem

Com sacrifício, paixão,

No que importante sentirem,

No certo, há uma posição.

Ninguém terá mais, talvez,

De pôr-se em bicos de pés.

 

 

Corrompe

 

Se o poder corrompe,

Poder sem controlo,

Porque tudo rompe,

Seja fino ou tolo,

Sem pesar sinais,

Corrompe inda mais.

 

 

Ultrapassou

 

Se quem é proeminente

Ultrapassou a fronteira

E do crime é comitente,

Então, de alguma maneira,

É o candidato acabado

Para o crime organizado.

 

 

Nascido

 

Quem, nascido, reparou

Em que é que do fundo o traz

Neste terreno fecundo?

O que nasceu retornou

Da terra que fica atrás

Das fronteiras deste mundo.

 

 

Evento

 

A morte duma criança

Será um evento isolado,

Porém recordá-lo alcança

Toda a vida em todo o lado:

Nada que em vida ocorrera

De tal perda livre o crera.

 

 

Mudar

 

Mudar da dor e do medo

Para a alegria total

Num instante do degredo,

Como uma mola real

A empurrar para o melhor,

- O mundo aos pés te irá pôr.

 

 

Nenhum

 

Nenhum homem ou mulher

Morrer deverá sem ter

Seu nome de alguém nos lábios

Que gostaria, sentido,

Da morte entre os astrolábios,

Que não tivesse sofrido.

 

 

Sentido

 

Cada um tem um papel

No sentido de impedir

Que aconteçam, na babel

Do mundo que houver de vir,

Itinerários piores

Que os por onde hoje tu fores.

 

 

Estatuto

 

Aos nossos mortos devemos,

No mínimo, pelo menos,

O estatuto que lhes demos

Dum ser único, pequenos

Ou maiores tenham sido:

Resgatamo-los do olvido.

 

 

Terror

 

O terror nos encurrala

A todos de vez em quando.

O que importa e desentala

É não deixarmos, lutando,

Que ele erga, deixado à solta,

Paredes à nossa volta.

 

 

Portas

 

Transpomos portas sem conta

E sem darmos conta delas.

E depois o que isto apronta

É que não vale, após elas,

Para trás então voltar,

De novo a principiar.

 

 

Epiderme

 

Seja homem ou mulher,

Vê se vive sob o império

Da epiderme, eterno velho:

Tem cuidado com quenquer

Que não vir qualquer mistério

Quando se olhar ao espelho.

 

 

Consolo

 

Saber que uma coisa boa

Fizemos, mesmo ao calhar,

Embora pequena, à toa,

É um consolo que tirar,

Depois que o trilho nos junca,

Nunca ninguém pode, nunca.

 

 

Enganados

 

Quem pondera apreciar

O que os demais consideram

(Enganados no lugar

De que afinal tudo esperam)

Que o que faz mesmo sentido

É que “hoje “ é um dado adquirido?

 

 

Todos

 

Quando a fundo me ensimesmo,

Na fundura de mim entro,

Tombam as separações:

Nós somos todos o mesmo,

Todos estes eus no centro

De ideias e de emoções.

 

 

Sabe

 

Quando a gente sabe muito

Como ser muito feliz?

A verdade é doutro intuito,

É de contrário cariz,

Pois, desde que o mundo existe,

Verdade é que a vida é triste.

 

 

Gozando

 

Ser feliz é uma loucura.

Que estou gozando com eles

Julgam os mais, sem lisura,

Sem crer em quantos, imbeles,

Podem se alegrar também

Sem ser à custa de alguém.

 

 

Preciso

 

Preciso de movimento

Tanto quanto de exercício.

Pôr-me de pé: o elemento

Contra de sentar-me o vício.

Não é só um nada que agrade:

- Desafio a gravidade.

 

 

Continuar

 

É crescer e se adaptar,

Continuar a viver.

A estrela que lanço ao ar,

De papel, se percorrer

O céu mais tempo, na essência,

É de haurir mais resistência.

 

 

Imensa

 

É a vulnerabilidade

Imensa com que nascemos

Igual à com que morremos.

Pelo meio, em toda a idade,

É de harmonizar, ilesa,

A força com a fraqueza.

 

 

Principal

 

O principal, principal

É apreciar o que tem,

Mais que ficar, vegetal,

A sonhar no que não vem.

É preciso ver-se à teia

De tudo quanto o rodeia.

 

 

Parecendo

 

A forma como fugimos

Das histórias pessoais

Vai fazer o que sentimos

Parecendo viver mais

Em nós próprios bem trancado,

Dentro de nós exilado.

 

 

Escondida

 

Viverá sempre a maldade

Escondida de emboscada.

Vive, pois, tu a verdade,

Transparente intimidade

De alma sábia apaixonada.

 

 

Saudade

 

Da história do amor

Que já não existe

O pior, pior

Saudade é que aliste

Dum amor memórias

Que não teve histórias.

 

 

Tarde

 

A vida gozo, não gozo,

À espera do que aconchega.

Na vida, o que é precioso

É sempre tarde que chega.

Todavia, de vez tarde

É o que nunca vem nem arde!

 

 

Mínimo

 

Um homem, tal toda a gente,

Falha, estúpido, e magoa,

Embora o mínimo tente,

Ao não levar vida à toa.

Em tudo o que mal houveres

Atenta para cresceres.

 

 

Feita

 

A vida é feita de cartas

Que nunca nós enviamos

E cartas que não acartas,

Que as não recebem teus ramos.

Nós até somos bonitos...

Porque então tantos atritos?

 

 

Jamais

 

Como se recuperar

Os abraços que não demos

E que queríamos dar

A quem jamais poderemos?

Ai esta maldita sorte

Que em vez de vida é já morte!

 

 

Após

 

O dia após uma perda,

Quando nos morreu alguém,

Mostra se família se herda

Ou é miragem que vem:

Se é tudo em todos omisso,

Não arde nenhum chamiço.

 

 

Histórias

 

As histórias que ignoramos

De quem faz parte de nós

Em nós vivem, nossos ramos,

Tornam tudo estranho após,

Como estranho quem amamos.

 

 

Poupa

 

Nada poupa o desconforto

De parecer que anda tudo

Fora do sítio no porto?

Se eu for isto por miúdo

E nada sai do lugar,

- Então muito ando eu a errar!

 

 

Remendar

 

Quantas vezes dei a volta

À mágoa como à vergonha,

A remendar tudo em volta

Com vaidade que me imponha,

Tapando falhas de amor

Que é o que, ao fim, nos mata um ror?

 

 

Problema

 

O problema de chegar

Algum dia a nosso fito

É termos de ir devagar,

A pegada a tactear,

E eu quero já o Infinito.

 

 

Melhor

 

Ela é que em mim vislumbrou

A melhor parte de mim.

E nunca me perdoou

Se eu ignorar o que sou,

Se eu não for mais eu assim.

 

 

Metas

 

No melhor nos transformamos

Quando afinal procuramos

Ser a nós próprios iguais.

E quanto em vida ignoramos,

Afinal, metas que tais!

 

 

Saudade

 

A saudade, como um credo,

É uma forma mentirosa

De não falarmos do medo

Do porvir que me não cedo

E de que então perco a glosa.

 

 

Cotação

 

Nós somos deveras raros,

Cotação exagerada

É dos pecados mais caros

Que nos esburaca a estrada.

Queira Deus que haja na praça

Quem de nós humildes faça!

 

 

Miúdo

 

Queria muito mudar.

Como todos fui mudando

No miúdo, a assegurar

Que igual tudo vá ficando.

E eis como adio a vertigem

Dos abismos que se exigem.

 

 

Devir

 

Nos meus sonhos grandiosos

Como a veleidade impor

De eu devir, entre os famosos,

Um indivíduo melhor?

Ora, se a sério sou sonho,

Como é que tal me proponho?

 

 

Fugir

 

Somos todos refugiados

A fugir do que tortura

Ou nos atormenta os fados.

Mas é esperança de cura:

Fugir por acreditar,

Não por perder o lugar.

 

 

Primeiro

 

Nós primeiro compreendemos

E depois, muito mais tarde,

É que enfim conta daremos

De que fogo é que ali arde.

E o depois, em casos tais,

Por vezes tarde é demais.

 

 

Fugindo

 

O amor é paixão tranquila

E é tarde quando o evitámos

Por medo, fugindo à fila

De aprender troca de ramos.

Estúpidos medos tais

Não são, são irracionais.

 

 

Destinos

 

Ela aconchegou-se em mim,

Eu agasalhei-me nela.

De dois destinos que, enfim,

Se cruzaram na procela,

Eis-nos ambos transformados

Num só destino dos fados.

 

 

Lonjura

 

Qual a lonjura ideal

Para a gente conviver

Sem se aproximar demais

E, ao mesmo tempo, afinal,

Viver um e o outro ser

Sem nos perdermos jamais?

 

 

Quando

 

Quando dois se dão, namoram,

Casam-se já um bocadinho.

Dois num destino laboram,

Dum sacramento cadinho.

É uma vivência sagrada:

Tem o infinito da estrada.

 

 

Dor

 

Começamos a morrer

Quando a relação magoa,

Tão dilacerante a ser

Que é só dor que em nós ecoa,

Se é só dor quem em nós manda,

Procure embora outra banda.

 

 

Entre

 

Entre viver às escuras

Ou à sombra se viver,

Aqui tem luz que lhe apuras,

Acolá, nem luz sequer.

Por isto é que um coração,

Se à sombra, quer luz então.

 

 

Melhor

 

Melhor que ser positivo

É sempre ser verdadeiro.

Ganha quem for assertivo

E os dois lados vir inteiro,

Pois da verdade o sumário

Implica ver o contrário.

 

 

Raro

 

Raro embora tu te sintas,

Não és tão grande ou bonito,

Nem tão bom como te pintas.

Antes repara, contrito,

Não vás demais ter-te em alta,

No que deveras te falta.

 

 

Adivinha

 

Se me adivinha o desejo,

É porque me sente em si,

Pensa comigo o que cri,

Faz vida ser em meu brejo.

Se meu desejo proclama,

Alguém é que me então ama.

 

 

Merecedor

 

Se nós não nos confiamos

A quem nos adivinhar

Os desejos que tenhamos,

É que não somos o par

Merecedor, amorável,

De quanto for admirável.

 

 

Estamos

 

Só quando temos alguém

Que o segredo guarde e a brasa,

O desejo que nos tem

Adivinhe em golpe de asa,

- Então é que, tudo bem,

Nós estamos mesmo em casa.

 

 

Nós

 

Se para nós não escolhe

Nem por nós escolhe alguém,

Não nos escolhe também,

Haja os nós que haja entre nós.

E eis como nos deprimimos:

Mal-amados nos sentimos.

 

 

É

 

Amor é leres meus olhos

Quando ando a escapar dos teus,

Que meu lar é, sem antolhos,

Nessa tua voz dos céus.

E é rirmos então os dois

Sem saber de quê depois.

 

 

Dentro

 

Há um estranho camuflado

Dentro do meu coração,

Dentro de mim encarnado,

Que meus gestos tem à mão.

Não me quero ver no espelho:

- Sei lá quem é tal fedelho!

 

 

Mato

 

À medida que mais velho

Se fica, o ressentimento,

O rancor, o destrambelho

São poderoso portento

Que nos faz, de lindos, feios:

- Mato do amor os enleios.

 

 

Esmagado

 

Esmagado pela culpa,

A responsabilidade

Sobre outrem a quem se inculpa

Lanço com facilidade,

A começar, normalmente,

Por quem próximo é presente.

 

 

Relação

 

Uma relação humana

Como se torna um encargo?

Mais-valia não emana

Do afecto que houver a cargo?

- Aquilo alguém só sentiu

Se o afecto já morreu.

 

 

Romagem

 

Celebrar o casamento

Através de toda a idade

É romagem dum momento

De, acaso, eterna saudade:

Há muito quem já murchou

Celebra o que em si finou.

 

 

Cadastro

 

O cadastro atrás de mim

Que humilde me obriga a ser

Leva-me a lutar sem fim

Até mais eu não poder.

Nele é que plantei o sonho

E ao infindo me proponho.

 

 

Morrem

 

Morrem todos quando a vida

Surpreende e bate à porta

Se então desistem da ida,

Cuidando que o que os exorta

Tem falta de condições

Para felizes quinhões.

 

 

Estranhos

 

Estranhos no coração,

Familiares, amigos

Ou algum amor serão

Que em nós perderam abrigos

E se tornaram, após,

O estranho agarrado a nós.

 

 

Insistimos

 

Devimos inteligentes

Sempre que, apesar dos erros,

Insistimos, persistentes,

Em aprender, entrementes,

Por entre os nossos desterros.

 

 

Ficando

 

Vamos ficando bonitos

Quando, pela mão de alguém,

Contra o que nos torna feios,

Vamos tenteando uns passitos

Do adverso que nos retém

Até do infindo aos enleios.

 

 

Desejos

 

Desejos são importantes

Para termos a certeza

Que a quem nos ama uns instantes

Bastam a ler-lhes a empresa.

Então o maior dos ganhos

É nunca sermos-lhe estranhos.

 

 

Lemos

 

Lemos a felicidade

Na serenidade harmónica,

Ter uma finalidade,

Uma positiva tónica

Convencida, decidida,

Alma em paz correndo a vida.

 

 

Música

 

Muito a música consola

E que um consolo é bem mais,

É o contraponto que enrola

As cacofonias reais

Que o mundo tiver à mão

Ao bater dum coração.

 

 

Pague

 

Sempre que for teu caminho

Na vida o que pague a cena,

Estás a ir de carrinho

Para o lugar da geena.

E nem sequer imaginas

A paga de tuas sinas.

 

 

Urso

 

A vida é ser atacado

Por um urso bem selvagem:

Posso fugir disparado,

Fingir de morto em paisagem,

- Ou enfrentar o terror

Tornando-me então maior.

 

 

Tempo

 

Se tempo agora não tens

Para bem o tu fazeres,

Quando o terás para os pães

De novo tu recozeres?

Seja a vida que pão fora

E que andes deitando fora...

 

 

Mera

 

Mera possibilidade

Nada mais do que um desejo,

E, de repente, a verdade

De o consumar um ensejo:

- Todo inteiro no arrebol

Um Verão cheio de sol!

 

 

Aceitar

 

A vida não nos dá tréguas,

É aceitar o que me espera.

Nem de sentimentos léguas

Importam à lei que impera.

E para a felicidade

Algum tecto me persuade?

 

 

Leve

 

Uma leve brincadeira

E toda a espontaneidade:

O mais bonito de tudo.

Leveira, mais que leveira,

Da vida a graciosidade:

Um breve tom de veludo.

 

 

Adora

 

Com casa segura e quente

Porque adora andar por fora?

Como o homem é exigente!

Não quer o seguro assente,

Quer viver e sem demora.

 

 

Resposta

 

A resposta natural

Às bênçãos não é alegria.

Alegria é o sinal

Daquele que as aprecia,

Reconhecendo-as, total.

 

 

Coração

 

Um coração a galope,

Ninguém viu aonde vai.

É o amor que o desentope

Desde que chegou num ai,

Sem rédeas, cancelas de hortas,

Nem mais trancas pelas portas.

 

 

Livre

 

Não há nada mais constante

Ao homem que livre fique

Que, a correr, buscar adiante

Alguém ante quem claudique,

Diante de quem se inclinar,

A liberdade a entregar.

 

 

Facto

 

No facto e no documento

Há sempre bem mais surpresas

Do que cuida nosso intento.

Para saídas ilesas,

Só se os vir inesgotáveis:

Portanto, ao fim, infindáveis.

 

 

Técnica

 

Toda a técnica e qualquer

Para o bem e para o mal

Pode ao fim usada ser.

Toda a ciência, afinal,

Num simples lema a resumes:

É uma faca de dois gumes.

 

 

Contra

 

Tudo o que puder virar

Contra a pobreza, a doença,

A ignorância posso, a par,

Contra as pessoas usar

E presença por presença.

 

 

Diferir

 

Quem diferir o prazer

Tende a simular porvir

Em bem mais modos de ser

E fá-lo-á ser a seguir.

E bem mais a seu contento,

Pois de si será o invento.

 

 

Perda

 

Perda de tempo não é

Nunca uma especulação:

Morto ramo inda de pé

Limpa em qualquer dedução

E os matagais do saber

Não se incendeiam sequer.

 

 

Besta

 

Se besta é não ser capaz

De algum pensamento abstracto

Que de nós diversa a faz,

Então, para ser exacto,

Há muito homem que incluído

Só naquela faz sentido.

 

 

Alheia

 

Invejar felicidade

Alheia sempre é loucura:

Não ia, por mais que agrade,

Saber servir-me da cura.

Jamais é um pronto-a-vestir,

Só por medida há-de vir.

 

 

Recompensa

 

Se queres compreender

Mesmo o que é felicidade,

Então é de a entender

Por recompensa que agrade

E não como fim visado,

O que a sempre põe de lado.

 

 

 

À frente de mim não vás

Porque não te seguirei

E não vás de mim atrás,

Que teu guia não serei.

A felicidade é o lado

Só de amar e ser amado.

 

 

Obter

 

É o homem um ser ansioso

Por obter felicidade.

Contudo, o que é curioso

É nem lhe aguentar o gozo

Sequer por uma só idade.

 

 

Avaliar

 

Se quer avaliar alguém

Por sua felicidade,

Do que o diverte não tem

Que reter o que retém

Mas do que, aflito, o invade.

 

 

Estação

 

Uma estação de chegada

Felicidade não é,

Mas a forma comprovada

De viajar pela parada

Sem nunca parar a fé.

 

 

Demasiado

 

Demasiado insistir

No êxito de competir,

De felicidade real

Não é fonte principal,

Antes um mal de raiz

Que até nos quebra a cerviz.

 

 

Retorno

 

É sempre a felicidade

Retorno à casa de mim,

Tranquilo e na paz sem fim

Da harmonia e da unidade,

Cada dia mais completa,

Da vida correndo à meta.

 

 

Teria

 

Teria felicidade

Se lograra subverter

O mundo para o fazer

Penetrar pela verdade,

Puro e de vez imutável

No eterno rio inovável.

 

 

Azul

 

Ser feliz é azul do céu,

Todos vemos e admiramos,

Porém tocar-lhe no véu

Nem aflorá-lo logramos

E como um todo o alcançar

É dele um sonho ao luar.

 

 

Pontas

 

Gozar de boa saúde

Mais dormir de vez sem medo

E acordar sem que me grude

Uma angústia como um credo,

Serão as pontas de flecha

Que a felicidade mexa.

 

 

Sós

 

Nem paz nem felicidade

Se recebem nem se dão

Aos outros doutra entidade.

Somos tão sós neste chão

Cada qual como quenquer

No nascer e no morrer.

 

 

Poucos

 

Poucos são que não tiveram

Alguma oportunidade

De alcançar felicidade,

Menos inda os que souberam

Oportunidade igual

Aproveitar tal e qual.

 

 

Tarde

 

Nesta tarde húmida e fria

Que nos enregela os ossos,

Deus é um café de magia,

Bem moídos os caroços,

Como se fora um Verão

Em pedacinhos de grão.

 

 

Consigo

 

A felicidade em paz

Consigo mesmo é de estar:

Para nós próprios olhar

E recordar que é capaz

De não termos muito mal

Feito aos outros, por sinal.

 

 

Caminho

 

Há um caminho a nos levar

No rumo à felicidade:

É não nos preocupar

Com tudo o que ultrapassar

Poder de nossa vontade.

 

 

Correr

 

Todos correm sempre atrás

Da felicidade e após

Felicidade que faz?

É correr atrás de nós.

Mui poucos abrem os olhos

De lhe evitar os escolhos.

 

 

Condições

 

Ser estúpido, egoísta

E manter boa saúde,

Eis das condições a pista

De ser feliz quem se ilude.

Porém, se a primeira falta,

Vai-se tudo o que ali salta.

 

 

Busca

 

Quem busca a felicidade

É tal qual o embriagado

Que a casa onde tem morado

Não encontra de verdade

Mas discernindo, porém,

Que de certeza que a tem.

 

 

Vem

 

A felicidade vem

De sentir profundamente,

Arriscar o que convém,

Ser preciso urgentemente,

Fruir com simplicidade

E pensar com liberdade.

 

 

Alguém

 

O que alguém poderá ser

Para alguém não significa

Nada, ao fim, para quenquer,

Que ao fim só cada se fica.

Ser feliz é se bastar

A si próprio, singular.

 

 

Real

 

A vida real dum homem

É feliz principalmente

De estar à espera que assomem

Em breve os factos que tomem

Ser feliz por dado assente.

 

 

Concordam

 

Feliz de quem reconhece

A tempo que seus desejos

Não concordam com a messe

Das faculdades e ensejos.

Qualquer que seja a demora

Que em vida tenha, hora a hora.

 

 

Estrada

 

Não há uma estrada real

Da felicidade e sim

Trilhos mil por onde abale.

Há quem feliz seja, enfim,

Sem nada ter, um sortudo.

E há muito infeliz com tudo.

 

 

Relação

 

É relação de harmonia

A felicidade a sério,

Com o mundo cada dia,

Com o lar e seu mistério,

Com o ambiente planetário,

No abraço ao Cosmos diário.

 

 

Conforme

 

Felicidade é acalmia

De quem é tão razoável

Que, ao correr do dia-a-dia,

Tudo ocorre, deslizável,

Conforme dele a vontade

E a aspiração que o persuade.

 

 

Teia

 

Quem aflito se mostrar

Quando devia estar calmo

Ou calmo finda a ficar

Quando aflito era ser almo,

Destrói a teia que fade

A própria felicidade.

 

 

Serás

 

Feliz serás como sábio

Terás sido tu se a morte,

Quando vier cerrar-te o lábio,

Não puder tirar-te à sorte

Nenhuma jóia subida

Mais do que tirar-te a vida.

 

 

Reduzida

 

Prazer e felicidade

Um fim em si nunca são,

Tipo de satisfação

De quem tem identidade

Reduzida ao pobre apupo

Do mero instinto de grupo.

 

 

Direito

 

O direito a consumir

Felicidade sem ter

Feito por a produzir

Maior não será sequer

Que o de consumir riqueza

Por quem produzir não preza.

 

 

Dias

 

Dias felizes em que eu

Rio sozinho ao pensar

Nas ocasiões de meu

Dia de gerir luar,

Dos momentos de nem crer

Donde vem tanto prazer...

 

 

Perfeitamente

 

Perfeitamente feliz

Se se for pelo interior,

Suportamos o cariz

Aborrecido que for

O deste mundo e então

Há bem mais resignação.

 

 

Quiseres

 

Se quiseres ser feliz,

Da fértil árvore afasta

De orgulhos os fungos vis,

Da inveja o verme que agasta

E do medo que te aparta

A venenosa lagarta.

 

 

Fases

 

Fases de felicidade,

De longe vistas, são curtas.

As de amargura que invade

De ampliadas nos persuade

A lonjura onde são surtas.

 

 

Pensar

 

As crianças são felizes:

Quem pensa em felicidade?

Os velhos são só narizes

De cheirar-lhe a identidade:

Infelizes são tais quais

Por pensar nela demais.

 

 

Comprar

 

Infeliz, só comprar posso

Aquilo que esteja à venda,

Senão há muito me endosso

Comprar um balde do poço

Do que ser feliz me renda.

 

 

Sofremos

 

Quando sofremos, julgamos

Que para além se é feliz.

Se não sofremos, olhamos:

A felicidade é um xis,

Não existe como um ser,

Sofremos de não sofrer!

 

 

Simpatizar

 

Simpatizar com a dor

De alguém poderei talvez.

Com o prazer, não, de vez.

É monótona, em rigor,

Doutrem a felicidade

Quando a minha não persuade.

 

 

Drama

 

O drama humano é o de ser

Nos meios mui limitado

E nos desejos já ter

O infinito projectado:

Falha sempre por um triz

Ser plenamente feliz.

 

 

Raro

 

Raro é descobrir alguém

Que diz que viveu feliz

E que, quando o fim advém,

Deixa a vida como quis,

Sai da mesa a prestar preito

Tal conviva satisfeito.

 

 

Fracos

 

Fracos a felicidade

Temerão como um papão.

Aleijam-se, na verdade,

Mesmo até com algodão.

Sentem-se às vezes feridos

De por felizes ser tidos.

 

 

Pouco

 

Pouco importa que enfadonho,

Mau ou sábio alguém seja.

Sentirá sempre este sonho:

Felicidade que almeja

Será sempre, discernível,

Um direito indiscutível.

 

 

Primeiro

 

Felicidade a assumir

Ninguém deve ter direito,

Nem nunca de a consumir

Sem primeiro a produzir

Com o suor de seu peito.

 

 

Sentes

 

Sentes a felicidade

Ao cuidar que vai chegar.

Pressentes com acuidade,

Depois ela irá passar

Ao largo: escapa, refece,

E sempre desaparece.

 

 

Outro

 

Outro céu aqui não há

Além dum amontoar coisas.

Custa dinheiro por cá,

Chave do céu lista em loisas.

E causa desesperança

Quando a bolsa o não alcança.

 

 

Nunca

 

Nunca iremos alcançar

Felicidade ficando

Dependentes doutrem, quando

Obter dali vou tentar

O que nunca conseguir

Por mim próprio atingir.

 

 

Ocorre

 

A vida ocorre em momentos

Em que não fazes ideia

Do tempo de tais eventos.

A felicidade ameia

Tendo tudo, tudo, então,

Menos relógio à mão.

 

 

Repetida

 

Felicidade é rotina

Repetida diferente.

Não cega nem imagina

Que foi ou vai ser em frente,

Pois limita-se a sentir

O que nem vai conferir.

 

 

Superstição

 

A superstição perante

A religião seria

Como hoje anda a astrologia

Da astronomia diante:

É a filha louca, com lábia,

Daquela que é uma mãe sábia.

 

 

Verdadeiro

 

O verdadeiro heroísmo

Não é nunca ultrapassar

Outrem, custe o que custar,

Mas servir sem servilismo:

E aqui o preço a pagar

É, sim, custe o que custar.

 

 

Vale

 

Mais vale uma cerca

Na beira do abismo

Que, depois da perca,

Ocorrido o sismo,

Por nossas instâncias,

Mil e uma ambulâncias.

 

 

Palavra

 

Diz todo o dia a teu par

Uma palavra de estima.

Se o esqueces, é ignorar

Quanto a palavra te arrima:

Uma palavra agradável

Torna o mundo navegável.

 

 

Dois

 

Não sejas desagradável,

Na vida a dois tudo importa.

A felicidade viável

Vem por bem pequena porta:

Um termo, um gesto pequeno,

E tudo é de emoção pleno.

 

 

Pobre

 

Quem é pobre há-de julgar

Que, se o deixara de ser,

Era feliz, em lugar,

Com tudo o que não tiver.

O rico sabe, porém,

Que o efeito nunca vem.

 

 

Quando

 

Nunca ninguém discussões

As ganha num casamento.

Requerem-se soluções

De ultrapassar o momento.

E quanto mais se ultrapassam

Mais trilhos no infindo grassam.