RECANTOS ALONGADOS
Ganhar
Se é ganhar a discussão,
Deixa que teu par a ganhe.
Deixa de haver quem se assanhe
E é o que prova haver razão:
É inteligente pendor,
Sabedoria de amor.
Argumento
Fora em catástrofe, o grito
Nunca pode ter lugar.
Bom argumento se cito,
Não preciso de gritar.
E, quanto mais alguém grita,
Mais frágil razão concita.
Cede
Quanto mais for complicado,
Mais é requerida a calma.
Aprende e cede em teu lado,
É um investimento de alma,
Pequeno, olhando o maior
Efeito de paz e amor.
Funcionando
Vida a ser vivida a dois,
Funcionando em harmonia,
Só com cedências depois,
Paciência, amor, fantasia,
Respeito e compreensão,
Arroteando ao dia o chão.
Chegada
Todo o desenvolvimento
Tem isto de interessante:
É da chegada o momento
Que me impele para diante
Quando, afinal, é o processo
Que conta para o que meço.
Caminhar
Quem caminhar a saber
Onde é que ao fim vai chegar,
Quando tal meta alcançar
Sentirá duplo prazer:
Ter chegado ao fim da via
Mais estar onde queria.
Comum
É o amor sempre uma acção,
O que me importa lhe importa,
Em comum temos um chão,
Laços íntimos à porta,
Poderei olhar-lhe os olhos
E encher-me de vida aos molhos.
Rir
Muitos riem num assédio
A uma qualquer convenção
E nunca mais, afinal,
Ela no futuro é igual.
Rir será o melhor remédio
E a melhor revolução.
Cansar-se
Amar acaso é cansar-se
De estar só no dia-a-dia.
Nisto então é cobardia,
Traição a nós num disfarce.
Que ninguém principalmente
Ame então com tal vertente!
Acima
Um amor que for perfeito
É a mais bela frustração:
É um pleito acima do jeito
Que exprimir cada expressão,
Fica sempre muito aquém
Do que visar para além.
Mais
Temos mais inteligência
Do que aquilo que supomos,
Muito embora a consciência
Da insanidade que pomos
No amor nunca dê sentença
Que nos salve da doença.
Dois
Tanto o amor como a razão
São sempre dois viajantes
Que nunca juntos estão
No mesmo hotel de viandantes:
Quando um chega a qualquer parte,
O outro dali logo parte.
Mistério
O amor é um mistério,
Mistério sem fim,
Tal qual o sidéreo
E o amor é afim:
É que não há nada
Que explique esta estrada.
Odiar
Podemos odiar
Aqueles que amamos.
Os outros, a par,
Nós mal os olhamos,
Desvairadas gentes,
- São indiferentes.
Melhor
O melhor do amor
É sentir que é ter
Namoros, um ror,
Quantos se quiser,
Sem limite algum,
- E só termos um!
Vocabulário
Do amor o vocabulário
É restrito e se repete,
Que exprimir o quanto é vário
Ao silêncio só compete.
E é de silêncio fecundo
Que vêm as línguas do mundo.
Ânsia
Existe uma grande ânsia de retorno
A um tempo em que não é precisa a escolha,
Liberto de remorso em que recolha
A perda inevitável que haja em torno
De todas as escolhas que, gostosas
Embora, sempre enjeitam outras glosas.
Alegria
É o amor uma alegria
Acompanhada da ideia
De que fora a propicia
Alguém que apenas medeia.
Nisto, aliás, principia
Tudo quanto o amor norteia.
Rio
É o amor um rio
Onde dois ribeiros
Vão, num corropio,
Misturar-se inteiros
Sem se confundir
No meandro a seguir.
Andar
Andar sem amor na vida
É combater sem tambor,
Sem livro viajar à ida,
Fazer-se ao mar, ao calor,
Sem qualquer estrela-guia
Que dê norte a cada dia.
Menores
A ti próprio como te amas,
Ama os outros igualmente.
Enquanto amares com flamas
Menores um outro em frente
A ti próprio, se calhar,
Já nem consegues amar.
Acolher
Nós, quando amamos alguém,
Temos de acolher a sério
Uma parte de mistério
Que lhe o íntimo contém.
Por isto precisamente
É que amamos aquele ente.
Procura
Procura ser tão gentil,
Atraente e sedutor,
Da intimidade ao calor,
Com tua mulher, perfil
Tal que, ao te achegares dela,
Conquistes de novo a bela.
Muda
A inconstância e o amor
Serão sempre incompatíveis.
Amante que muda um ror,
Não muda, troca de níveis:
Ou começa, singular,
Ou finda de vez de amar.
Tempo
Muito tempo ama a mulher
Bem antes de o confessar!
Quando um homem há-de ter
Deixado há muito de amar
Mas a confessá-lo ainda
Simula amor na berlinda...
Carícia
A carícia é necessária
À vida dos sentimentos,
Folha de árvore sumária
A resistir contra os ventos.
Sem ela, o amor que quis
Se arranca pela raiz.
Economia
A economia despreza
A moral e os sentimentos.
Figura de cera tesa,
Da vida a imitar momentos,
Da vida, porém, se esquece
Na carne de que carece.
Multipolar
A vida multipolar
Entre os que amo e me comovem
Alimenta o gosto, a par,
Entre intempéries que chovem,
De eu ser eu próprio, ao ir,
Sem doutrem o amor ferir.
Cume
Quem amar por ser amado
É por isto agradecido.
Para que o amem se é o dado,
Interesseiro é o sentido.
Quem amar por nada disto
É o amor por que eu existo.
Força
Se ser amado é uma força,
Amar então é fraqueza,
Tão fraca que nada torça
A infinitude que preza.
Se por ela então morrer,
O fraco é o infindo a ser.
Esquecer-se
Amar quem nos aborrece
É uma generosidade.
Aborrecer quem nos ama
É ingratidão que me invade,
A esquecer-se, no que esquece,
Do melhor que a vida trama.
Belo
Amor que apenas dispõe
Do belo para o manter
De saúde pouco opõe
Ao tempo que o corroer.
Vai ficar exposto ao raio
Que lhe provoca o desmaio.
Credor
Quando o amor não é credor,
Então, de rico, é que é nobre.
Quando for tão grande o amor
Que, por mais que pague, sobre,
Não se pode então pagar:
É a glória-mor do que amar!
Estilo
A paixão com muito estilo
Não é de fiar nas lavras,
O amor pequeno senti-lo
Vais podê-lo nas palavras:
Delas quão maior grandeza
Mais do amor a pequeneza.
Doutrem
Amar é sempre criar
Através de ajuda estranha:
Quem ama a se apropriar
Doutrem finda quanto ganha.
Porém, reciprocamente,
O par alavanca em frente.
Cede
O amor cede ante o negócio,
Que não tem lucro, é gratuito.
Sais do amor, perdes teu ócio,
Se o negócio é teu intuito,
Mas então ficas seguro.
...Só perdeste o amor no apuro.
Oportunidade
Amor é oportunidade
De outrem nos poder amar
Quando já, na realidade,
Não podemos, se calhar,
Desfeita a vida em torresmos,
Amar-nos nós a nós mesmos.
Idade
Amar é de idade alguém
Se embrenhar profundamente
Na comum vida que advém,
Rumo que advertidamente
É de retorno seguro
Para, a sós, o eterno escuro.
Sina
Procurei o amor,
O amor me mentiu.
Peço à vida um ror
E a vida não deu.
Minha sina eterna:
- Passo além da perna.
Doutrem
Quem amar não manipula,
Quem amar é e promove
O ser doutrem sem que o bula.
Olhos nos olhos o move
A verdade até o limite
Que lhe sondar o palpite.
Supõe
O amor supõe confiança,
Porém não é de fiar.
É total no instante a aliança,
Finda em aberto a ficar.
Pode crescer dentro no imo
Ou se evaporar do limo.
Leal
Quem é leal se apresenta,
Para tal foi educado.
O amor é rebelde, assenta
A beleza em ser levado
Pela perene ousadia
Que há dele na rebeldia.
Braços
Em teus braços me recebe,
Eles são a profundeza
E a profundeza concebe
Quanto me embebe a beleza.
Se me recusas agora,
Mais tarde, mas sem demora!
Promete
Quem promete amor eterno,
Quem crer em tal juramento,
São ludíbrios, um do terno
Coração, outro do vento
Duma vazia vaidade
Que nos tenta em toda a idade.
Só
Derrota junca
Quanto se almeja,
Não se ama nunca,
Só se deseja.
Que tal é o preço:
Tudo é um começo.
Humano
Amar a quem me aborrece
É ser humano com quem
Não o é comigo e me esquece.
Aborrecer quem nos ama
É ser cruel com alguém
Que não merece tal drama.
Nunca
O amor é o fantasma
De que todos falam,
Com que todos pasmam
De olhos que arregalam
Mas que, se o sentiu,
Nunca ninguém viu.
Veemente
Um amor apaixonado,
Por mais veemente que seja,
Perfeito embora pintado,
Tem do tédio brotoeja:
Desalento que o invade
E mata a felicidade.
Amante
Nunca amar vai uma amante
Quem tomá-la vai depressa
Demais para o tempo, adiante,
De aura criar que encabeça
O mistério e o desejo
Que ao amor dão um ensejo.
Terno
É preciso dar o nome
De amor a qualquer afecto
Terno que finde a se impor,
Mesmo sem ver, em concreto,
Cá dentro de minha pele,
Se afinal é mesmo ele.
Concretizar
Concretizar um amor
É desiludir-se então.
Se não desilude, pior,
É acostumar-se ao serão.
E, ao borralho a esmorecer,
Acostumar-se é morrer.
Romântico
Romântico amor produto
É de séculos de andanças,
A vestimenta que é fruto
Do imaginário nas franças,
A vestir as criaturas
A que cobra as sinecuras.
Ama-o
Quem amar alguém
Ama-o pelo que é.
Amo sempre quem
Cá mo lembra ao pé,
A si sempre, enfim,
E jamais a mim.
Junto
Haverá o modo de vida
Em que todo o amor é bom,
Amor sem competição,
A um junto outro em seguida...
- Que é que o tom nos mudará,
Que este som nunca está cá?
Aceitar
Amar-te é sempre aceitar
Que hoje já não és a mesma,
Todo o dia a te afastar
Por sendas mil, numa resma
Que ignoro em tudo o que as junca,
E onde não acabas nunca.
Destrói
O amante destrói quem ama,
Bebendo das águas novas
Que do amado ele reclama,
Inundando-se em tais provas.
Construir tem os senões
De duas destruições.
Herético
Sempre o amor é o mais herético,
Jamais é bem acolhido
Nem tolerado, patético,
Que é uma força sem olvido
Que se não revoga mais
Nem desistirá jamais.
Quilates
Quem os quilates do amor
Quiser de vez apurar,
Toque o amor do que ele amar
Com o amor do que deixar,
Logo vê qual dele o teor.
Fortificado
Amor com amor conquista.
Não existe amor tão forte
Que fortificado insista
E repare noutro norte
Que não seja o do valor
De render-se a um tal amor.
Inconstância
O que não considerar
Toda a inconstância do amor
Como o fim do amor a par,
Do amor não viu, basilar,
Nem o rosto nem o teor.
Jovens
O que os jovens priorizam
É amor, dinheiro e saúde.
Muito mais tarde enfatizam,
Quando a vida desilude,
Prioridade então melhor:
Saúde, dinheiro e amor.
Rápida
Em amor, vitória rápida
Só se for vitória física.
A do coração que é sápida
E nunca morre de tísica,
Só mesmo ardendo ao calor
Do que for um vero amor.
Poema
As mulheres escreveram
Todo o poema do amor.
Os homens, quantos o leram,
Comentam, não o entenderam:
Sexo é poema menor
E é o que os homens só veneram.
Perder
Perder a mulher amada,
Para sempre a ver perdida,
De homens retorce a meada
Em tigres em luta erguida:
Na irrupção destes vulcões
É um inferno de explosões.
Balança
Nunca os pratos da balança
Vão no amor equilibrados.
Como etérea dele é a dança,
Pendor de invisíveis lados,
Quem pesar mais, gestos plenos,
É sempre quem amar menos.
Nascente
É o amor inesgotável
Nascente de reflexão,
Como o eterno aprofundável,
Como o céu, numa evasão.
Quando sobre ele converso,
É a vastidão do Universo.
Dispostos
Quando dispostos a amar,
Ansiamos por que nos amem,
Na premência sem pensar
Quanto nos vai afastar
Do amor por que outros mais clamem.
Apreciações
Dezanove positivas
Apreciações terás
E nem terás negativas.
Uma só ficou atrás:
Pois esta é que irás lembrar,
A vigésima sem par.
Dano
É o amor sempre o remédio
Sem dano colateral,
Mas flor que qualquer assédio
Seca do calor letal
Com que o ferirem lesões
Da vida nas convulsões.
Desgosto
Um desgosto de mulher
Não terá remédio nunca.
O amor, num tempo qualquer,
Fora o gérmen que o chão junca;
Hoje, em mortandade cúpida,
O amor é uma coisa estúpida.
Mais
Amor com amor se cura
E com paixão, mais depressa:
Mais eficaz se afigura,
Com mais prazer em promessa.
Em bem menos tempo alcança
Muito mais, pois, confiança.
Acolher
Quem amar sempre encontrou
Forma de ficar presente.
O silêncio redundou
De acolher no gosto assente.
É cuidar, simples entrega
Do que mais sublime prega.
Entregar
Quando amas, vais aprender
A entregar, deixar ir...
Depois vais-te aperceber
Que o vero amor, a seguir,
Entre todo o seu feitiço,
Também passa então por isso.
Correspondido
O amor, quando amor vai ser,
Nem de ser correspondido
Precisa para vencer:
Sem condições repartido,
Tanto basta para ser.
Lágrimas
As lágrimas acontecem
Dignificando o prazer.
Os que não amam o esquecem,
No equilíbrio que é de ter.
Por muito que sejam boas,
Se calhar mal são pessoas.
Dói
Dói ver que um dia findamos
E é feliz ver que existimos.
Ser sempre nós não logramos
E é mau vermos estes limos.
Mas é bom, noutro matiz,
Ser raro e, por tal, feliz.
Ridículo
É ridículo temer
O ridículo, ir à volta
Do que arrebata, sem ter
De pegar a fera à solta,
Sempre a evitar euforia
Porque ninguém a entendia.
Motivo
Os amores sempre findam
Quando não são mesmo amores,
Sem o motivo que alindam
Em enganados pendores.
Continuam quando o são,
Mesmo que doa a lesão.
Aumentar
Aumentar o amor é dar-lhe
Toda a importância que tem
E a importância retirar-lhe
Como ao cotio convém:
Cada vez com mais verdade
Amo a naturalidade.
Doutrem
Saber que doutrem se é todo
É uma certeza distinta
De o desejo doutro modo
Satisfazer, pela finta
De entrega ao Infindo nexo
Que se realiza sem sexo.
Bonito
O amor, desde que começa,
É bonito, gigantesco
Palácio que, peça a peça,
É construído, num fresco
Que abarca todas as cores
Rumo aos tamanhos maiores.
Amado
O amado não tem direito
De fazer o imperdoável.
Amar é grande demais
Para aguentar ser sujeito
À pequenez execrável
De violências que tais.
Dividir
Quem amar em duplicado
Então não ama ninguém.
Quem dividir um amado
Não merece então que alguém
Em nome dele se aplique
E de amor se multiplique.
Abismo
A liberdade que tira
É o abismo dum amor,
Corda ao pescoço na mira,
Sem domínio meu supor.
Certeza do condenado
Sempre alegre deste fado.
Pressa
Amar é sempre uma urgência,
É amar com pressa, em pulsão.
Amor tranquilo é eminência
De muito gostar então
Ou de bastante adorar...
- Pode isto é nunca bastar.
Obrigado
Em que se transformaria
Quem obrigado a viver
Fora sem quem amaria?
- É a questão que resumia
Tudo o que há para aprender.
Culpa
A culpa tem tanta culpa,
De variantes tão vária,
Que acaba a pedir desculpa
Desta culpa extraordinária:
De ir o culpado supor
Confundi-la com amor.
Número
Número real é o um.
O amor, aparentemente,
É sempre o melhor expoente
De nunca deixar nenhum
De fora desta unidade,
Nossa singularidade.
Sem
Um homem sem energia,
Sem vontade nem coragem
Deveras jamais podia
Ser bem amado algum dia
Da vida nesta viagem.
Aqui
Às alturas querer ir,
Querer aqui já lá estar,
É por ti, amor, fingir,
Mas é já um pouco lá andar
Cada degrau que subir:
Este fingir é te amar.
Achado
Se amares, vem-te a amargura
De não ter achado nada
Depois de tanta procura,
De te perderes na estrada...
Se não amas, ao invés,
Não te perdes, que nem és.
Gesta
A gesta aperfeiçoadora
Através dum amor puro
Por cônjuge, filho, nora...
- É o encanto mais seguro
Por que valerá, jucundo,
Viver a vida no mundo.
Nada
Nada vale a pena, nada,
De tão longínquo o amor,
Senão saber, bem firmada,
Que a lonjura, ao só se impor,
Torna a vida tão pequena
Que nem vai valer a pena.
Concentra
O amor é deveras raro,
Concentra num a atenção.
Ora, tal concentração
É difícil sem amparo.
Quando a dispersão ocorre
O amor logo então nos morre.
Porque
Sempre é um modo de sofrer
Um amor porque é querer
Dar o que não pode dar,
Pedir sem poder arcar.
Claro que existe outro lado,
Mas ali, muito cuidado!
Embora
Embora não pense,
Amar é pensar:
Onde o amor se adense
Adensa o lugar
Com tudo o que incense,
Ser a se criar.
Havendo
Havendo amor, num prazer
Tudo devém ou prepara
Para prazer vir a ser.
Fazer juntos, cara a cara,
Transforma-se em extensão
Dum amor crescendo então.
Quebra
Quebra um vaso, que o amor
Feito a partir dos fragmentos
Do que o amor é maior
Da ordem dos elementos
Que, quando inteira, era tida
Sempre como garantida.
Nunca
Estar longe dela
Ele nunca o quis.
Mais que duma vela,
Ela, de raiz,
Sempre era, acendida,
A chama da vida.
Terra
Não se pode amar alguém
Que a si próprio se detesta.
Nesta terra de ninguém
Todos olha: ninguém presta,
Todo o mundo se condena.
Como amar, se cumpre pena?
Como
Quem no mundo o próximo ama
Tal como se amara a si
Vive deveras tal trama
Ou é impossível aqui?
Pouco importa, que o ideal
Nunca se ajusta, afinal.
Máximo
Os rapazes vão somando,
O máximo a colectar.
A moça quer um só quando
Ele em si tudo juntar
Do que de bom pode haver
Em todo o modo de ser.
Fora
O fundamento da vida
Sempre anda fora de nós,
Dos outros na desmedida
União de vagos cipós,
Sem lugar, tempo nem como...
- Resta amor, resto de tomo.
Preciso
Como involuntariamente
Sou, me preciso de amar.
Respondo por mim somente
No voluntário que andar
Nos passos de quase louco
Que sou eu e é muito pouco.
Conversa
Sou feliz ao te escrever
Nesta conversa à distância.
O arranjo do lar fui ver
Onde te aguardo com ânsia.
Um para o outro vivemos
Até que aí um seremos.
Tanto
Quem ama, tanto a dizer
Tem que, ao fim, fica calado:
É sempre mais o que houver
Que não logra ser falado.
O pensamento, o desejo
Findam num, se houver ensejo.
Decifrar
Amar-te é decifrar humildemente
O enigma que não tem decifração.
As águas correrão constantemente,
Bebê-las e banhar-me ali é bom.
Ora, não há mais nada, sobretudo
Porque tudo há no além, no além que é mudo.
Inteira
Amei a vida inteira e sei de cor
As leis do amor de pedra e de água pura.
Depois de tanto andar por tanto amor,
Mesmo apesar de quanto o amor depura,
É que jamais entendo ou adivinho
Com toda a sensatez qual é o caminho.
Luta
O amor é luta mortal:
Cuidar de nós é enterrar,
Definitivo e letal,
Eu e tu de outrora a par.
E, ao invés, já cá nos vemos
Um só que um dia seremos.
Quase
O amor é quase impossível:
Fértil, desinteressado,
Límpido a devir credível,
Sempre assim de cada lado...
- Mas transpõe qualquer sarilho
Ao trilhar por este trilho.
Apuram
O amor tem ensinamentos
Que apuram comportamentos,
Desenvolvem os mais nobres
Afectos em ricos, pobres,
O espírito purificam
Aos que a amar bem se dedicam.
Radicalmente
Quantas vezes nos sentimos
Radicalmente bem sós
Embora trepando aos cimos
De ser felizes após!
É o amor sempre o impossível
Mesmo quando ele é vivível.
Une
O amor não une lugares,
Une vontades no afecto.
Se o lugar unir dos pares,
Desfaz-lhe a lonjura o tecto.
Mas se a vontade os unia,
Uma ausência não o esfria.
Curado
Um homem nunca curado
É da mulher que perdeu
Senão no dia chegado
Em que nem mesmo sentiu
Curiosidade em saber
Com quem ela o esquecer.
Sofrimento
Um sofrimento me imponho
Para me impedir de amar
Mais cruel e mais medonho
Do que o rigor, se calhar,
Que me vem, ao que suponho,
De quem afinal amar.
Duas
Em amor, duas constâncias:
Uma porque em quem amamos
Encontro infindas instâncias
Para amar sem ter mais amos;
Outra, porque entre os amantes
É de honra sermos constantes.
Quando
Quando é que um amor acaba?
Se marcas encontro às sete
E às nove nada desaba
Quando chegas ao bufete,
Ninguém polícia chamou,
- Então o amor já findou.
Sentimento
Um amor é um sentimento,
Entidade espiritual.
Mas, sem pendor material,
Não opera um só momento.
Um aroma é pouco prático
Sem o que for aromático.
Fazer
Em amor, fazer sofrer
É um saber a conquistar,
Pois conquistar tal saber
É saber fazer-se amar.
Sem esta sabedoria,
Qual amor?! Só fantasia!
Bem
Para bem compreender
A paixão do amor, falar
Tratar pode a enfermidade:
Por este modo de ver
Por vezes se há-de lograr
A cura da insanidade.
Acto
Sendo sempre acto de fé,
À razão nunca responde,
Que não tem razões de tomo.
É um amor um não sei quê
Que brota de não sei onde
E finda sei lá bem como.
Aurora
Aurora de amor é quadra
De fantasiar devaneios.
O coração uiva e ladra
A principiar os torneios
Sobre nós logo a exercer
Toda a magia que houver.
Fala
Ama o homem a mulher,
Fala com ela sobre ela:
Deixa o amor fenecer?
Sem nunca mudar de pele
Logo se inverte a sequela:
Fala com ela sobre ele.
Mútua
Filho da compreensão
Mútua sempre é um amor.
E tão mais veemente então
Quão mais a compreensão
Entre os dois mútua for.
Agrava
É sempre quem amo
Que é mal e remédio,
Que agrava, meu amo,
Ou suspende o tédio,
Que o bem que conservo
Tira e põe ao servo.
Livre
Da vida o mais belo estado
É o de livre e voluntário
Depender, sempre agradado.
Como, sem no amor firmado,
Fruirmos de tal fadário?
Confundir-se
Confundir-se com a vida
O amor nunca se confunde
Ou verdadeiro, em seguida,
Não é naquilo que infunde.
O amor, se for verdadeiro,
Torna-se um íman cimeiro.
Platónico
O amor platónico: a chave,
A chave falsa ou gazua
De penetrar pela cave
Na casa alheia e da rua
Não poder jamais ser visto
Na falcatrua que há nisto.
Faz-nos
Faz-nos viver no futuro
O amor quando somos novos.
No passado, quando, puro,
Velho lhe evoco os renovos.
E, no céu, durante um dia
Quando me eleva a magia.
Encontrar
Quem encontrar vida fora
Dele o verdadeiro amor
Deve escondê-lo na hora
Longe do mundo de agora
Como o tesoiro que for.
Antes
Antes de se amar
Bem profundamente
Inda, se calhar,
Não viveu a gente.
E depois começa
A morrer depressa.
Escrava
Escrava do coração,
Ela me fala dum anjo,
De ser feliz um violão
Que nem eu sei como o tanjo...
- De mim nem sei que disponho,
Tanto teu amor é um sonho.
Duro
Entre quem se ama não há
Nada duro de aguentar
Que facilmente não vá
Logo ali se relevar.
Só caso de grave rosto,
Afinal, trará desgosto.
Longo
Que insuficiente,
Coração humano!
Longo, o amor da gente
Cansa de ano em ano.
...Só se, num repente,
Como novo o invente.
Estragamo-lo
O amor é tudo o que é belo
Que teremos vida além.
Estragamo-lo do apelo
Que, por vezes, cada tem:
Na fome do inatingível
Pretendemos o impossível.
Difícil
Muito difícel é amar
Os que jamais estimamos.
Mas mais difícil, a par,
É amar os que mais amamos
Do que a nós nos amaremos
Por mais que nos esforcemos.
Amante
Um amor é um deus de paz,
O amante é paz que venera.
De guerra basta a que traz
Uma mulher quando, fera,
O que sou atira atrás
Pelo além que nos espera.
Momento
Melhor momento do amor,
A doce melancolia,
Choras sem porquê nem dor
E a desventura do dia
Que no fundo nem conheces
Acolhes por entre preces.
Fixa
A ideia fixa que faz
Mais crimes que os atropelos
Da humanidade voraz,
Mais de recear é se atrás
Se põe do amor aos apelos.
Outro
Amar é a si próprio ver-se
Como o outro nos vê, tal qual,
Apaixonado envolver-se
Com nossa imagem ideal,
Transformada e sublimada,
Incarnando-se na estrada.
Perdida
Perdida num labirinto
De fórmulas e sinais,
A religião não a sinto,
Atolada em pauis tais.
Toda a essência primitiva
Se apagou da luz esquiva.
Normalidade
De sempre a normalidade
É sobrevalorizada.
A quase totalidade
Dos normais, logo de entrada,
Exceptuando um entre mil,
É deveras imbecil.
Ergue
Se há uma grande admiração,
O respeito que ela gera
Ergue a criança do chão,
Torna-a adulta, mal espera:
De repente ei-la a crescer
Para dar e receber.
Ganha
Nunca ninguém discussões
As ganha num casamento.
Requerem-se soluções
De ultrapassar o momento.
E quanto mais se ultrapassam
Mais trilhos no infindo grassam.
Trabalhar
Para quê trabalhar tanto
Para ver, sentir, viver
Da vida a beleza, o encanto?
Está tudo à nossa volta:
É de apenas acolher
Tanta variedade à solta.
Prioridades
Há prioridades na vida,
Mais ou menos importantes,
E o que não tem tal medida.
Liberto assim meus instantes:
Só dou peso ao que me importa,
Pode o mais ficar à porta.
Tirar
Logramos tirar alguém
Sempre de dentro do lixo.
Nunca logramos, porém,
Tirar o lixo que tem
Alguém dentro, no seu nicho.
Governo
Do que mais tenho receio
Dum Governo é monstruoso:
Que um cidadão, pelo meio,
Irrelevante, gotoso,
Finde por ele esmagado.
- Vale a pena tal Estado?
Clã
Se tu podes fazer tudo,
És do clã privilegiado.
Se olhas ao lado, contudo,
Para qualquer deserdado,
Só se uma pedra te arrima,
Saloio és vindo ao de cima.
Momento
O momento em que os amigos
Precisam de ti é quando
Estão errados, que abrigos
Não andarão demandando
Se, de pés firmes no chão,
Crêem ter mesmo razão.
Ideal
Um ideal, quando, na prática,
Sonho contra a realidade,
É a contradição dogmática
Do pretendido em verdade.
Por norma, se impaciente,
É dogma de fé dum crente.
Cliente
O cliente habitual
Nunca gosta de mudanças,
Sobretudo repentinas.
Nunca o apresses, por tal,
Em nada com que o alcanças,
Senão tolhes tuas sinas.
Importante
Quando todos investirem
Com sacrifício, paixão,
No que importante sentirem,
No certo, há uma posição.
Ninguém terá mais, talvez,
De pôr-se em bicos de pés.
Corrompe
Se o poder corrompe,
Poder sem controlo,
Porque tudo rompe,
Seja fino ou tolo,
Sem pesar sinais,
Corrompe inda mais.
Ultrapassou
Se quem é proeminente
Ultrapassou a fronteira
E do crime é comitente,
Então, de alguma maneira,
É o candidato acabado
Para o crime organizado.
Nascido
Quem, nascido, reparou
Em que é que do fundo o traz
Neste terreno fecundo?
O que nasceu retornou
Da terra que fica atrás
Das fronteiras deste mundo.
Evento
A morte duma criança
Será um evento isolado,
Porém recordá-lo alcança
Toda a vida em todo o lado:
Nada que em vida ocorrera
De tal perda livre o crera.
Mudar
Mudar da dor e do medo
Para a alegria total
Num instante do degredo,
Como uma mola real
A empurrar para o melhor,
- O mundo aos pés te irá pôr.
Nenhum
Nenhum homem ou mulher
Morrer deverá sem ter
Seu nome de alguém nos lábios
Que gostaria, sentido,
Da morte entre os astrolábios,
Que não tivesse sofrido.
Sentido
Cada um tem um papel
No sentido de impedir
Que aconteçam, na babel
Do mundo que houver de vir,
Itinerários piores
Que os por onde hoje tu fores.
Estatuto
Aos nossos mortos devemos,
No mínimo, pelo menos,
O estatuto que lhes demos
Dum ser único, pequenos
Ou maiores tenham sido:
Resgatamo-los do olvido.
Terror
O terror nos encurrala
A todos de vez em quando.
O que importa e desentala
É não deixarmos, lutando,
Que ele erga, deixado à solta,
Paredes à nossa volta.
Portas
Transpomos portas sem conta
E sem darmos conta delas.
E depois o que isto apronta
É que não vale, após elas,
Para trás então voltar,
De novo a principiar.
Epiderme
Seja homem ou mulher,
Vê se vive sob o império
Da epiderme, eterno velho:
Tem cuidado com quenquer
Que não vir qualquer mistério
Quando se olhar ao espelho.
Consolo
Saber que uma coisa boa
Fizemos, mesmo ao calhar,
Embora pequena, à toa,
É um consolo que tirar,
Depois que o trilho nos junca,
Nunca ninguém pode, nunca.
Enganados
Quem pondera apreciar
O que os demais consideram
(Enganados no lugar
De que afinal tudo esperam)
Que o que faz mesmo sentido
É que “hoje “ é um dado adquirido?
Todos
Quando a fundo me ensimesmo,
Na fundura de mim entro,
Tombam as separações:
Nós somos todos o mesmo,
Todos estes eus no centro
De ideias e de emoções.
Sabe
Quando a gente sabe muito
Como ser muito feliz?
A verdade é doutro intuito,
É de contrário cariz,
Pois, desde que o mundo existe,
Verdade é que a vida é triste.
Gozando
Ser feliz é uma loucura.
Que estou gozando com eles
Julgam os mais, sem lisura,
Sem crer em quantos, imbeles,
Podem se alegrar também
Sem ser à custa de alguém.
Preciso
Preciso de movimento
Tanto quanto de exercício.
Pôr-me de pé: o elemento
Contra de sentar-me o vício.
Não é só um nada que agrade:
- Desafio a gravidade.
Continuar
É crescer e se adaptar,
Continuar a viver.
A estrela que lanço ao ar,
De papel, se percorrer
O céu mais tempo, na essência,
É de haurir mais resistência.
Imensa
É a vulnerabilidade
Imensa com que nascemos
Igual à com que morremos.
Pelo meio, em toda a idade,
É de harmonizar, ilesa,
A força com a fraqueza.
Principal
O principal, principal
É apreciar o que tem,
Mais que ficar, vegetal,
A sonhar no que não vem.
É preciso ver-se à teia
De tudo quanto o rodeia.
Parecendo
A forma como fugimos
Das histórias pessoais
Vai fazer o que sentimos
Parecendo viver mais
Em nós próprios bem trancado,
Dentro de nós exilado.
Escondida
Viverá sempre a maldade
Escondida de emboscada.
Vive, pois, tu a verdade,
Transparente intimidade
De alma sábia apaixonada.
Saudade
Da história do amor
Que já não existe
O pior, pior
Saudade é que aliste
Dum amor memórias
Que não teve histórias.
Tarde
A vida gozo, não gozo,
À espera do que aconchega.
Na vida, o que é precioso
É sempre tarde que chega.
Todavia, de vez tarde
É o que nunca vem nem arde!
Mínimo
Um homem, tal toda a gente,
Falha, estúpido, e magoa,
Embora o mínimo tente,
Ao não levar vida à toa.
Em tudo o que mal houveres
Atenta para cresceres.
Feita
A vida é feita de cartas
Que nunca nós enviamos
E cartas que não acartas,
Que as não recebem teus ramos.
Nós até somos bonitos...
Porque então tantos atritos?
Jamais
Como se recuperar
Os abraços que não demos
E que queríamos dar
A quem jamais poderemos?
Ai esta maldita sorte
Que em vez de vida é já morte!
Após
O dia após uma perda,
Quando nos morreu alguém,
Mostra se família se herda
Ou é miragem que vem:
Se é tudo em todos omisso,
Não arde nenhum chamiço.
Histórias
As histórias que ignoramos
De quem faz parte de nós
Em nós vivem, nossos ramos,
Tornam tudo estranho após,
Como estranho quem amamos.
Poupa
Nada poupa o desconforto
De parecer que anda tudo
Fora do sítio no porto?
Se eu for isto por miúdo
E nada sai do lugar,
- Então muito ando eu a errar!
Remendar
Quantas vezes dei a volta
À mágoa como à vergonha,
A remendar tudo em volta
Com vaidade que me imponha,
Tapando falhas de amor
Que é o que, ao fim, nos mata um ror?
Problema
O problema de chegar
Algum dia a nosso fito
É termos de ir devagar,
A pegada a tactear,
E eu quero já o Infinito.
Melhor
Ela é que em mim vislumbrou
A melhor parte de mim.
E nunca me perdoou
Se eu ignorar o que sou,
Se eu não for mais eu assim.
Metas
No melhor nos transformamos
Quando afinal procuramos
Ser a nós próprios iguais.
E quanto em vida ignoramos,
Afinal, metas que tais!
Saudade
A saudade, como um credo,
É uma forma mentirosa
De não falarmos do medo
Do porvir que me não cedo
E de que então perco a glosa.
Cotação
Nós somos deveras raros,
Cotação exagerada
É dos pecados mais caros
Que nos esburaca a estrada.
Queira Deus que haja na praça
Quem de nós humildes faça!
Miúdo
Queria muito mudar.
Como todos fui mudando
No miúdo, a assegurar
Que igual tudo vá ficando.
E eis como adio a vertigem
Dos abismos que se exigem.
Devir
Nos meus sonhos grandiosos
Como a veleidade impor
De eu devir, entre os famosos,
Um indivíduo melhor?
Ora, se a sério sou sonho,
Como é que tal me proponho?
Fugir
Somos todos refugiados
A fugir do que tortura
Ou nos atormenta os fados.
Mas é esperança de cura:
Fugir por acreditar,
Não por perder o lugar.
Primeiro
Nós primeiro compreendemos
E depois, muito mais tarde,
É que enfim conta daremos
De que fogo é que ali arde.
E o depois, em casos tais,
Por vezes tarde é demais.
Fugindo
O amor é paixão tranquila
E é tarde quando o evitámos
Por medo, fugindo à fila
De aprender troca de ramos.
Estúpidos medos tais
Não são, são irracionais.
Destinos
Ela aconchegou-se em mim,
Eu agasalhei-me nela.
De dois destinos que, enfim,
Se cruzaram na procela,
Eis-nos ambos transformados
Num só destino dos fados.
Lonjura
Qual a lonjura ideal
Para a gente conviver
Sem se aproximar demais
E, ao mesmo tempo, afinal,
Viver um e o outro ser
Sem nos perdermos jamais?
Quando
Quando dois se dão, namoram,
Casam-se já um bocadinho.
Dois num destino laboram,
Dum sacramento cadinho.
É uma vivência sagrada:
Tem o infinito da estrada.
Dor
Começamos a morrer
Quando a relação magoa,
Tão dilacerante a ser
Que é só dor que em nós ecoa,
Se é só dor quem em nós manda,
Procure embora outra banda.
Entre
Entre viver às escuras
Ou à sombra se viver,
Aqui tem luz que lhe apuras,
Acolá, nem luz sequer.
Por isto é que um coração,
Se à sombra, quer luz então.
Melhor
Melhor que ser positivo
É sempre ser verdadeiro.
Ganha quem for assertivo
E os dois lados vir inteiro,
Pois da verdade o sumário
Implica ver o contrário.
Raro
Raro embora tu te sintas,
Não és tão grande ou bonito,
Nem tão bom como te pintas.
Antes repara, contrito,
Não vás demais ter-te em alta,
No que deveras te falta.
Adivinha
Se me adivinha o desejo,
É porque me sente em si,
Pensa comigo o que cri,
Faz vida ser em meu brejo.
Se meu desejo proclama,
Alguém é que me então ama.
Merecedor
Se nós não nos confiamos
A quem nos adivinhar
Os desejos que tenhamos,
É que não somos o par
Merecedor, amorável,
De quanto for admirável.
Estamos
Só quando temos alguém
Que o segredo guarde e a brasa,
O desejo que nos tem
Adivinhe em golpe de asa,
- Então é que, tudo bem,
Nós estamos mesmo em casa.
Nós
Se para nós não escolhe
Nem por nós escolhe alguém,
Não nos escolhe também,
Haja os nós que haja entre nós.
E eis como nos deprimimos:
Mal-amados nos sentimos.
É
Amor é leres meus olhos
Quando ando a escapar dos teus,
Que meu lar é, sem antolhos,
Nessa tua voz dos céus.
E é rirmos então os dois
Sem saber de quê depois.
Dentro
Há um estranho camuflado
Dentro do meu coração,
Dentro de mim encarnado,
Que meus gestos tem à mão.
Não me quero ver no espelho:
- Sei lá quem é tal fedelho!
Mato
À medida que mais velho
Se fica, o ressentimento,
O rancor, o destrambelho
São poderoso portento
Que nos faz, de lindos, feios:
- Mato do amor os enleios.
Esmagado
Esmagado pela culpa,
A responsabilidade
Sobre outrem a quem se inculpa
Lanço com facilidade,
A começar, normalmente,
Por quem próximo é presente.
Relação
Uma relação humana
Como se torna um encargo?
Mais-valia não emana
Do afecto que houver a cargo?
- Aquilo alguém só sentiu
Se o afecto já morreu.
Romagem
Celebrar o casamento
Através de toda a idade
É romagem dum momento
De, acaso, eterna saudade:
Há muito quem já murchou
Celebra o que em si finou.
Cadastro
O cadastro atrás de mim
Que humilde me obriga a ser
Leva-me a lutar sem fim
Até mais eu não poder.
Nele é que plantei o sonho
E ao infindo me proponho.
Morrem
Morrem todos quando a vida
Surpreende e bate à porta
Se então desistem da ida,
Cuidando que o que os exorta
Tem falta de condições
Para felizes quinhões.
Estranhos
Estranhos no coração,
Familiares, amigos
Ou algum amor serão
Que em nós perderam abrigos
E se tornaram, após,
O estranho agarrado a nós.
Insistimos
Devimos inteligentes
Sempre que, apesar dos erros,
Insistimos, persistentes,
Em aprender, entrementes,
Por entre os nossos desterros.
Ficando
Vamos ficando bonitos
Quando, pela mão de alguém,
Contra o que nos torna feios,
Vamos tenteando uns passitos
Do adverso que nos retém
Até do infindo aos enleios.
Desejos
Desejos são importantes
Para termos a certeza
Que a quem nos ama uns instantes
Bastam a ler-lhes a empresa.
Então o maior dos ganhos
É nunca sermos-lhe estranhos.
Lemos
Lemos a felicidade
Na serenidade harmónica,
Ter uma finalidade,
Uma positiva tónica
Convencida, decidida,
Alma em paz correndo a vida.
Música
Muito a música consola
E que um consolo é bem mais,
É o contraponto que enrola
As cacofonias reais
Que o mundo tiver à mão
Ao bater dum coração.
Pague
Sempre que for teu caminho
Na vida o que pague a cena,
Estás a ir de carrinho
Para o lugar da geena.
E nem sequer imaginas
A paga de tuas sinas.
Urso
A vida é ser atacado
Por um urso bem selvagem:
Posso fugir disparado,
Fingir de morto em paisagem,
- Ou enfrentar o terror
Tornando-me então maior.
Tempo
Se tempo agora não tens
Para bem o tu fazeres,
Quando o terás para os pães
De novo tu recozeres?
Seja a vida que pão fora
E que andes deitando fora...
Mera
Mera possibilidade
Nada mais do que um desejo,
E, de repente, a verdade
De o consumar um ensejo:
- Todo inteiro no arrebol
Um Verão cheio de sol!
Aceitar
A vida não nos dá tréguas,
É aceitar o que me espera.
Nem de sentimentos léguas
Importam à lei que impera.
E para a felicidade
Algum tecto me persuade?
Leve
Uma leve brincadeira
E toda a espontaneidade:
O mais bonito de tudo.
Leveira, mais que leveira,
Da vida a graciosidade:
Um breve tom de veludo.
Adora
Com casa segura e quente
Porque adora andar por fora?
Como o homem é exigente!
Não quer o seguro assente,
Quer viver e sem demora.
Resposta
A resposta natural
Às bênçãos não é alegria.
Alegria é o sinal
Daquele que as aprecia,
Reconhecendo-as, total.
Coração
Um coração a galope,
Ninguém viu aonde vai.
É o amor que o desentope
Desde que chegou num ai,
Sem rédeas, cancelas de hortas,
Nem mais trancas pelas portas.
Livre
Não há nada mais constante
Ao homem que livre fique
Que, a correr, buscar adiante
Alguém ante quem claudique,
Diante de quem se inclinar,
A liberdade a entregar.
Facto
No facto e no documento
Há sempre bem mais surpresas
Do que cuida nosso intento.
Para saídas ilesas,
Só se os vir inesgotáveis:
Portanto, ao fim, infindáveis.
Técnica
Toda a técnica e qualquer
Para o bem e para o mal
Pode ao fim usada ser.
Toda a ciência, afinal,
Num simples lema a resumes:
É uma faca de dois gumes.
Contra
Tudo o que puder virar
Contra a pobreza, a doença,
A ignorância posso, a par,
Contra as pessoas usar
E presença por presença.
Diferir
Quem diferir o prazer
Tende a simular porvir
Em bem mais modos de ser
E fá-lo-á ser a seguir.
E bem mais a seu contento,
Pois de si será o invento.
Perda
Perda de tempo não é
Nunca uma especulação:
Morto ramo inda de pé
Limpa em qualquer dedução
E os matagais do saber
Não se incendeiam sequer.
Besta
Se besta é não ser capaz
De algum pensamento abstracto
Que de nós diversa a faz,
Então, para ser exacto,
Há muito homem que incluído
Só naquela faz sentido.
Alheia
Invejar felicidade
Alheia sempre é loucura:
Não ia, por mais que agrade,
Saber servir-me da cura.
Jamais é um pronto-a-vestir,
Só por medida há-de vir.
Recompensa
Se queres compreender
Mesmo o que é felicidade,
Então é de a entender
Por recompensa que agrade
E não como fim visado,
O que a sempre põe de lado.
Só
À frente de mim não vás
Porque não te seguirei
E não vás de mim atrás,
Que teu guia não serei.
A felicidade é o lado
Só de amar e ser amado.
Obter
É o homem um ser ansioso
Por obter felicidade.
Contudo, o que é curioso
É nem lhe aguentar o gozo
Sequer por uma só idade.
Avaliar
Se quer avaliar alguém
Por sua felicidade,
Do que o diverte não tem
Que reter o que retém
Mas do que, aflito, o invade.
Estação
Uma estação de chegada
Felicidade não é,
Mas a forma comprovada
De viajar pela parada
Sem nunca parar a fé.
Demasiado
Demasiado insistir
No êxito de competir,
De felicidade real
Não é fonte principal,
Antes um mal de raiz
Que até nos quebra a cerviz.
Retorno
É sempre a felicidade
Retorno à casa de mim,
Tranquilo e na paz sem fim
Da harmonia e da unidade,
Cada dia mais completa,
Da vida correndo à meta.
Teria
Teria felicidade
Se lograra subverter
O mundo para o fazer
Penetrar pela verdade,
Puro e de vez imutável
No eterno rio inovável.
Azul
Ser feliz é azul do céu,
Todos vemos e admiramos,
Porém tocar-lhe no véu
Nem aflorá-lo logramos
E como um todo o alcançar
É dele um sonho ao luar.
Pontas
Gozar de boa saúde
Mais dormir de vez sem medo
E acordar sem que me grude
Uma angústia como um credo,
Serão as pontas de flecha
Que a felicidade mexa.
Sós
Nem paz nem felicidade
Se recebem nem se dão
Aos outros doutra entidade.
Somos tão sós neste chão
Cada qual como quenquer
No nascer e no morrer.
Poucos
Poucos são que não tiveram
Alguma oportunidade
De alcançar felicidade,
Menos inda os que souberam
Oportunidade igual
Aproveitar tal e qual.
Tarde
Nesta tarde húmida e fria
Que nos enregela os ossos,
Deus é um café de magia,
Bem moídos os caroços,
Como se fora um Verão
Em pedacinhos de grão.
Consigo
A felicidade em paz
Consigo mesmo é de estar:
Para nós próprios olhar
E recordar que é capaz
De não termos muito mal
Feito aos outros, por sinal.
Caminho
Há um caminho a nos levar
No rumo à felicidade:
É não nos preocupar
Com tudo o que ultrapassar
Poder de nossa vontade.
Correr
Todos correm sempre atrás
Da felicidade e após
Felicidade que faz?
É correr atrás de nós.
Mui poucos abrem os olhos
De lhe evitar os escolhos.
Condições
Ser estúpido, egoísta
E manter boa saúde,
Eis das condições a pista
De ser feliz quem se ilude.
Porém, se a primeira falta,
Vai-se tudo o que ali salta.
Busca
Quem busca a felicidade
É tal qual o embriagado
Que a casa onde tem morado
Não encontra de verdade
Mas discernindo, porém,
Que de certeza que a tem.
Vem
A felicidade vem
De sentir profundamente,
Arriscar o que convém,
Ser preciso urgentemente,
Fruir com simplicidade
E pensar com liberdade.
Alguém
O que alguém poderá ser
Para alguém não significa
Nada, ao fim, para quenquer,
Que ao fim só cada se fica.
Ser feliz é se bastar
A si próprio, singular.
Real
A vida real dum homem
É feliz principalmente
De estar à espera que assomem
Em breve os factos que tomem
Ser feliz por dado assente.
Concordam
Feliz de quem reconhece
A tempo que seus desejos
Não concordam com a messe
Das faculdades e ensejos.
Qualquer que seja a demora
Que em vida tenha, hora a hora.
Estrada
Não há uma estrada real
Da felicidade e sim
Trilhos mil por onde abale.
Há quem feliz seja, enfim,
Sem nada ter, um sortudo.
E há muito infeliz com tudo.
Relação
É relação de harmonia
A felicidade a sério,
Com o mundo cada dia,
Com o lar e seu mistério,
Com o ambiente planetário,
No abraço ao Cosmos diário.
Conforme
Felicidade é acalmia
De quem é tão razoável
Que, ao correr do dia-a-dia,
Tudo ocorre, deslizável,
Conforme dele a vontade
E a aspiração que o persuade.
Teia
Quem aflito se mostrar
Quando devia estar calmo
Ou calmo finda a ficar
Quando aflito era ser almo,
Destrói a teia que fade
A própria felicidade.
Serás
Feliz serás como sábio
Terás sido tu se a morte,
Quando vier cerrar-te o lábio,
Não puder tirar-te à sorte
Nenhuma jóia subida
Mais do que tirar-te a vida.
Reduzida
Prazer e felicidade
Um fim em si nunca são,
Tipo de satisfação
De quem tem identidade
Reduzida ao pobre apupo
Do mero instinto de grupo.
Direito
O direito a consumir
Felicidade sem ter
Feito por a produzir
Maior não será sequer
Que o de consumir riqueza
Por quem produzir não preza.
Dias
Dias felizes em que eu
Rio sozinho ao pensar
Nas ocasiões de meu
Dia de gerir luar,
Dos momentos de nem crer
Donde vem tanto prazer...
Perfeitamente
Perfeitamente feliz
Se se for pelo interior,
Suportamos o cariz
Aborrecido que for
O deste mundo e então
Há bem mais resignação.
Quiseres
Se quiseres ser feliz,
Da fértil árvore afasta
De orgulhos os fungos vis,
Da inveja o verme que agasta
E do medo que te aparta
A venenosa lagarta.
Fases
Fases de felicidade,
De longe vistas, são curtas.
As de amargura que invade
De ampliadas nos persuade
A lonjura onde são surtas.
Pensar
As crianças são felizes:
Quem pensa em felicidade?
Os velhos são só narizes
De cheirar-lhe a identidade:
Infelizes são tais quais
Por pensar nela demais.
Comprar
Infeliz, só comprar posso
Aquilo que esteja à venda,
Senão há muito me endosso
Comprar um balde do poço
Do que ser feliz me renda.
Sofremos
Quando sofremos, julgamos
Que para além se é feliz.
Se não sofremos, olhamos:
A felicidade é um xis,
Não existe como um ser,
Sofremos de não sofrer!
Simpatizar
Simpatizar com a dor
De alguém poderei talvez.
Com o prazer, não, de vez.
É monótona, em rigor,
Doutrem a felicidade
Quando a minha não persuade.
Drama
O drama humano é o de ser
Nos meios mui limitado
E nos desejos já ter
O infinito projectado:
Falha sempre por um triz
Ser plenamente feliz.
Raro
Raro é descobrir alguém
Que diz que viveu feliz
E que, quando o fim advém,
Deixa a vida como quis,
Sai da mesa a prestar preito
Tal conviva satisfeito.
Fracos
Fracos a felicidade
Temerão como um papão.
Aleijam-se, na verdade,
Mesmo até com algodão.
Sentem-se às vezes feridos
De por felizes ser tidos.
Pouco
Pouco importa que enfadonho,
Mau ou sábio alguém seja.
Sentirá sempre este sonho:
Felicidade que almeja
Será sempre, discernível,
Um direito indiscutível.
Primeiro
Felicidade a assumir
Ninguém deve ter direito,
Nem nunca de a consumir
Sem primeiro a produzir
Com o suor de seu peito.
Sentes
Sentes a felicidade
Ao cuidar que vai chegar.
Pressentes com acuidade,
Depois ela irá passar
Ao largo: escapa, refece,
E sempre desaparece.
Outro
Outro céu aqui não há
Além dum amontoar coisas.
Custa dinheiro por cá,
Chave do céu lista em loisas.
E causa desesperança
Quando a bolsa o não alcança.
Nunca
Nunca iremos alcançar
Felicidade ficando
Dependentes doutrem, quando
Obter dali vou tentar
O que nunca conseguir
Por mim próprio atingir.
Ocorre
A vida ocorre em momentos
Em que não fazes ideia
Do tempo de tais eventos.
A felicidade ameia
Tendo tudo, tudo, então,
Menos relógio à mão.
Repetida
Felicidade é rotina
Repetida diferente.
Não cega nem imagina
Que foi ou vai ser em frente,
Pois limita-se a sentir
O que nem vai conferir.
Superstição
A superstição perante
A religião seria
Como hoje anda a astrologia
Da astronomia diante:
É a filha louca, com lábia,
Daquela que é uma mãe sábia.
Verdadeiro
O verdadeiro heroísmo
Não é nunca ultrapassar
Outrem, custe o que custar,
Mas servir sem servilismo:
E aqui o preço a pagar
É, sim, custe o que custar.
Vale
Mais vale uma cerca
Na beira do abismo
Que, depois da perca,
Ocorrido o sismo,
Por nossas instâncias,
Mil e uma ambulâncias.
Palavra
Diz todo o dia a teu par
Uma palavra de estima.
Se o esqueces, é ignorar
Quanto a palavra te arrima:
Uma palavra agradável
Torna o mundo navegável.
Dois
Não sejas desagradável,
Na vida a dois tudo importa.
A felicidade viável
Vem por bem pequena porta:
Um termo, um gesto pequeno,
E tudo é de emoção pleno.
Pobre
Quem é pobre há-de julgar
Que, se o deixara de ser,
Era feliz, em lugar,
Com tudo o que não tiver.
O rico sabe, porém,
Que o efeito nunca vem.
Quando
Nunca ninguém discussões
As ganha num casamento.
Requerem-se soluções
De ultrapassar o momento.
E quanto mais se ultrapassam
Mais trilhos no infindo grassam.